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33 traduzem seus propósitos e plataformas eleitoreiras em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real” (SOUZA, 2006, p. 26). O que ganharia um grande e diversificado país como o Brasil ao planejar, implementar, avaliar e tornar cada vez mais eficientes as suas políticas públicas educacionais? De acordo com Santomé (2013, p. 107): Os benefícios de ter cidadãos com um bom nível educativo, além dos efeitos positivos para cada pessoa considerada individualmente, geram vantagens para toda a coletividade; benefícios sociais como uma melhor integração social, comportamentos cívicos mais responsáveis e solidários, um clima social de maior satisfação e bem-estar, um ambiente social e cultural muito mais atrativo e estimulante, etc. (GIMENO, 2005). Além disso, bons cidadãos também promovem o progresso científico e social de toda a comunidade, dado que todos os campos do conhecimento se beneficiarão com cidadãos cultos que se sentem capacitados e estimulados para desfrutar de novos saberes e especializações, bem como se aprofundar neles; promove-se uma abertura mental que incita cada pessoa a seguir aprendendo ao longo de toda sua vida. Obviamente, isto também é motor de benefícios econômicos; mas é um erro contemplar a educação exclusivamente sob ópticas mercantilistas, ou seja, como capital cultural. Os conceitos principais no estudo das políticas públicas na área da educação colaboram na compreensão da natureza política da educação, no entendimento das tarefas que o Estado deve assumir, desprendendo daí as mobilizações necessárias e as lutas dos cidadãos e dos profissionais da educação. Não se pode esquecer que é dentro da dimensão dos conteúdos da política que são geridas as políticas públicas em geral. Assim, as políticas públicas educacionais podem ser repensadas, levando ao surgimento de outras, mais inovadoras. É preciso considerar as fases de elaborações, implementações e avaliações de políticas públicas educacionais para que o futuro sonhado pelos cidadãos fique mais próximo. (FREITAS, 2018) 11 AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS EM SEU DESDOBRAMENTO HISTÓRICO-SOCIAL Tratando da história da educação brasileira, com foco na educação pública e nas políticas educacionais, Saviani (2008) aponta a gigantesca resistência para a 34 oferta e a manutenção da educação pública no Brasil. Isso indica intensas e persistentes lutas para o povo brasileiro ter acesso à educação. Tal realidade pode ser apreendida a partir da análise de algumas famílias brasileiras. Que tal fazer o exercício de perguntar aos mais velhos sobre quantas gerações anteriores de suas famílias passaram pela escola? Muitas? Poucas? É possível identificar o que impediu famílias menos favorecidas de terem acesso à escola nas gerações anteriores ou o que as levou a terem experiências educacionais incipientes? (FREITAS, 2018) As respostas a essas perguntas envolvem as políticas públicas educacionais, que deveriam ter sido pensadas e transformadas em ações pelo governo para garantir e colocar em prática todos os direitos previstos na Constituição e em outras leis. Como você sabe, a Constituição Federal de 1988 é conhecida como Constituição Cidadã. Refletir a respeito dela certamente levaria as pessoas a repensarem os seus votos. Os cidadãos devem sempre indagar se o plano de governo daqueles candidatos que escolhem para os representar no Legislativo e no Executivo sustenta políticas públicas educacionais realmente preocupadas com a realidade do ensino. (FREITAS, 2018) Saviani (2008) aponta que os regimentos de D. João III (uma reunião de regras estabelecidas para regulamentar o funcionamento educacional), datados de 1548, serviram para orientar ações iniciais do governador-geral do Brasil Tomé de Souza e dos padres e irmãos jesuítas, agrupados pelo célebre padre Manuel da Nóbrega. Os jesuítas iniciaram sua obra educativa focada na catequese e seguiram a risco os citados regimentos, já que estavam sendo orientados por um mandato do rei de Portugal. Da coroa portuguesa era esperado que mantivesse o ensino. Saviani (2008, p. 1) conta que o rei português [...] enviava verbas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas; não para construções. Então, como relata o padre Manuel da Nóbrega em carta de agosto de 1552, eles aplicavam os recursos no colégio da Bahia “e nós no vestido remediamo-nos com o que ainda do reino trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa com que embarquei... e no comer vivemos por esmolas. 35 Saviani (2008) também afirma que a história registra que, mal chegaram os portugueses, os recursos já eram escassos. Diz-se que os religiosos não engordavam fácil no Brasil. Em 1564, o rei de Portugal adotou um plano chamado de “redízima” e determinou que os impostos arrecadados da colônia brasileira fossem destinados à manutenção dos colégios jesuíticos. “A partir daí, iniciou-se uma fase de relativa prosperidade, dadas as condições materiais que se tornaram bem mais favoráveis [...]” (SAVIANI, 2008, p. 2). Eram os primórdios das políticas públicas educacionais brasileiras? É bem verdade que a educação era financiada com os recursos públicos nessa espécie de escola pública religiosa. Saviani (2008, p. 3) reflete que, se [...] o ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele não preenchia os demais critérios, já que as condições tanto materiais como pedagógicas, isto é, os prédios assim como sua infraestrutura, os agentes, as diretrizes pedagógicas, os componentes curriculares, as normas disciplinares e os mecanismos de avaliação, encontravam-se sob controle da ordem dos jesuítas, portanto sob domínio privado. O resultado foi que, quando se deu a expulsão dos jesuítas em 1759, a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, pois delas estavam excluídas as mulheres (50% da população), os escravos (40%), os negros livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas. Os tempos de Marquês de Pombal, entre 1759 e 1827, trouxeram as primeiras tentativas de se criar uma novidade, a escola pública estatal. Saviani (2008, p. 3) comenta que: Pelo Alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas, introduzindo-se as “aulas régias” a serem mantidas pela Coroa, para o que foi instituído, em 1772, o “subsídio literário”. As reformas pombalinas contrapõem-se ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução, surgindo, assim, a nossa versão da “educação pública estatal”. A partir dessa proposta, foi baixada a “Carta de Lei”, de 10 de novembro de 1772. É interessante notar que nas classes de latim de tais aulas régias, responsáveis pela oferta de ensino secundário, cabia ao Estado realizar o pagamento do salário do professor. O Estado também era responsável por estabelecer as diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. O professor, por 36 sua vez, provia o local de ensino, geralmente sua própria casa, e a infraestrutura necessária. Ele também se encarregava dos materiais pedagógicos. Essa situação era agravada pela insuficiência de recursos. Afinal, a Colônia não possuía uma estrutura arrecadadora suficiente para obter “subsídio literário” necessário para o financiamento das aulas régias (SAVIANI, 2008). Após a independência do Brasil e a instalação do Primeiro Império, governado por D. Pedro I, surgiu em 1827 a lei das escolas de primeiras letras. Então, difundiu-se a promessa de que nas cidades e vilas mais populosas haveria escolas de primeiras letras. Não aconteceu. Foi uma daquelas leis brasileiras que não surtiram efeito. O que se seguiu foi a promulgação, em 1884, de um ato adicional à Constituiçãodo Império que determinou que o ensino primário fosse destinado à jurisdição das províncias. Assim, lamentavelmente, o Estado ficou livre de obrigações com esse nível de ensino. Levando-se em conta “[...] que as províncias não estavam equipadas nem financeira e nem tecnicamente para promover a difusão do ensino, o resultado foi que atravessamos o século XIX sem que a educação pública fosse incrementada [...]” (SAVIANI, 2008, p. 3). Fica sempre uma sensação, vasculhando a história, de que os direitos foram negligenciados. Até hoje, basta visitar escolas pelos bairros afastados das grandes cidades ou pequenas cidades no interior do País para perceber que ainda impera alguma negligência. Saviani (2008) comenta que foram 49 anos, de 1840 a 1888, com gastos com a educação beirando 1,80% do orçamento do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária e secundária, a média de 0,47%. “O ano de menor investimento foi o de 1844, com 1,23% para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução primária; e o ano de maior investimento foi o de 1888, com 2,55% para a educação e 0,73% para a instrução primária e secundária [...]” (SAVIANI, 2008, p. 4). Ao longo da Primeira República, a estagnação imperial foi mantida. O número de analfabetos foi conservado. Esse cenário não se difere daquele descrito na constituição do Regime Militar, de 1967 (e da emenda de 1969), em que se reafirmam exclusões, que são vinculadas à situação orçamentária. O orçamento da União para a educação foi reduzido de 9,6% em 1965 para 4,31% em 1975. Foi 37 uma queda brusca ao que já oferecia precariedade. Salto gigantesco em relação aos tempos republicanos foi a atual Constituição, promulgada em 1988. Ela fixa em 18% para a União e 25% para estados e municípios os percentuais mínimos de investimento relacionados às receitas resultantes de impostos (SAVIANI, 2008). Em um documento histórico, apresentado no seminário Políticas Públicas de Educação, realizado em 1991 no Instituto de Estudos Avançados da USP, Mello sintetizou as ideias do período de redemocratização brasileira. Era um momento em que a educação era vista como uma política pública. Acreditava-se que seria propício vê-la no conjunto das ordenações e intervenções do Estado e olhar com atenção especial para a educação básica, aprofundando o olhar para o ensino fundamental. (FREITAS, 2018) O documento trata da educação e da cidadania enquanto itens para uma agenda pós-ditadura militar. A educação era encarada como componente estruturante para o desenvolvimento. Nesse contexto, países como o Brasil, integrantes do chamado Terceiro Mundo, precisariam adequar suas estratégias de desenvolvimento às seguintes situações conjunturais: [...] políticas de ajuste econômico de curto prazo que dificultam consensos em torno de objetivos de longo alcance, como são os da educação; instabilidade e fragilidade da experiência democrática, em função de longos períodos de governos autoritários, que prejudicam a articulação entre as instituições políticas e os atores sociais; crescimento desigual, que faz conviver setores avançados tecnicamente com outros de mão de obra intensiva e ainda necessários à integração de grandes contingentes marginalizados da produção e do consumo; grandes desigualdades na distribuição de renda, e ineficiência e desigualdade na oferta de serviços educacionais [...] (MELLO, 1991, p. 4). Noma (2011) comenta que muitos países da América Latina, na década de 1980, enfrentavam intensas crises econômicas, retrações nas produções industriais e desaceleração econômica. Nesse período, os efeitos das ditaduras latino- americanas começavam a cessar e as eleições diretas voltavam a acontecer em países como o Brasil. Veja: O período de vigência do PPE, final do século XX, foi marcado por transformações intensas que decorreram da resposta do capitalismo mundial às crises de rentabilidade e de valorização que se tornaram mais evidentes a partir da década de 1970. A superação da crise mundial ocorreu com uma nova configuração e uma nova dinâmica da produção e 38 da acumulação do capital. Houve um processo de reorganização do capital e do correspondente sistema ideológico e político de dominação cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo e de suas políticas econômicas e sociais (NOMA, 2011, p. 109). O século XXI começa na América Latina com o aparecimento de governos oriundos das lutas sociais em embate contra o neoliberalismo. Foram os anos de governos democrático-populares, progressistas, pós ou neoliberais. Apontaram, nesse momento, experiências distintas, mas semelhantes na preocupação com a ampliação de direitos e a melhora da qualidade de vida dos setores populares mais empobrecidos da América Latina. Tais políticas sociais e educacionais foram frutos de muitos investimentos nos anos 2000. (FREITAS, 2018) Esses investimentos, na América Latina, trouxeram ampliação do direito à educação, dívida histórica do Estado brasileiro. É desse momento (2008) a declaração final do Congresso Regional de Educação Superior, em Cartagena, reconhecendo que a educação superior é um bem público social, direito humano e universal e um dever do Estado. Alguns países ampliaram os anos de obrigatoriedade, criaram mais escolas e universidades públicas e incluíram setores populares historicamente excluídos. Um caso particular brasileiro são as cotas para afro-brasileiros e indígenas no ensino superior, via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e os financiamentos, via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). (FREITAS, 2018) O PPE (Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe) foi proposto para acontecer entre os anos 1980 e 2000. Após longo período de estabilidade econômica mundial (do pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, até a década de 1970), surge intensa crise política e econômica. Simultaneamente, o Brasil estava saindo daquilo que os governos militares chamavam de “fase de ouro do modelo desenvolvimentista brasileiro”, que durou de 1968 a 1973. Esse período foi marcado pela elevação na taxa de crescimento econômico sob a batuta do regime militar. Ao mesmo tempo em que o período foi considerado o auge do milagre econômico brasileiro, as contradições desse crescimento econômico tornaram-se mais evidentes. (FREITAS, 2018) 39 11.1 Contexto das políticas públicas educacionais do século XXI O sistema educacional brasileiro tem sido organizado, orientado e regulado a partir das políticas públicas educacionais que são produzidas pelo Ministério da Educação e os seus órgãos de apoio. Essas políticas, por sua vez, são diretamente impactadas pelo contexto em que se encontra o país. Por essa razão, tendem a modificar-se historicamente, acompanhando as reconfigurações da sociedade. Para que possamos analisar as políticas públicas educacionais que se fazem presentes no século XXI, precisamos compreender quais aspectos determinaram a sua elaboração e implementação. (BES, 2019) O Brasil vivenciou um importante momento de redemocratização, com o fim da ditadura militar e a eleição indireta de um presidente civil, em 1985. Com a Constituição de 1988, o contexto histórico se alterou significativamente, e as políticas educacionais acompanharam esse momento, sendo acrescidos os conceitos de cidadania, democracia, inclusão, entre outros. Isso inaugurou uma nova agenda sobre “[...] as questões sobre organização institucional, em termos de: 40 descentralização, participação, transparência e redefinição da relação público- privado nas políticas” (LEMES, 2016, p. 1.619). No final dos anos 1990, o mundo presenciou a expansão máxima do capitalismo e o advento da globalização, que, impulsionada pelas tecnologias de informação e comunicação digitais, acabou alterando as formas como as pessoas vivem, interagem e relacionam-se entre si e com omundo do trabalho. Segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), nessa mesma época, o mundo entrou na fase do capitalismo concorrencial global, caracterizada pela Terceira Revolução Industrial e pela ascensão do neoliberalismo de mercado. A Terceira Revolução Industrial é caracterizada pelas inovações tecnológicas que propiciaram grandes avanços nas comunicações e no compartilhamento de informações em rede. Fazem parte dos inventos dessa era os satélites, os computadores pessoais, a internet, os jogos eletrônicos e demais aparelhos que fazem parte da tecnologia digital, como smartphones, tablets, GPS, entre outros. Com essa revolução, ocorreu também a compressão do espaço-tempo, que caracteriza a época pós-moderna: o mundo se tornou plano, pois hoje podemos nos comunicar em tempo real com qualquer lugar do planeta, sem precisarmos nos deslocar no espaço. Antes da tecnologia de comunicação digital, precisaríamos nos deslocar durante certo tempo e percorrer as distâncias físicas existentes para conseguir executar essa mesma ação. (BES, 2019) Aranha (2004, p. 234) acrescenta que “[...] no âmbito dos negócios, essas facilidades desencadeiam a globalização da economia. O fortalecimento das multinacionais, por sua vez, paulatinamente enfraquece a capacidade de os Estados nacionais interferirem na gestão dos negócios”. Com a globalização, os Estados se veem obrigados a diminuir as suas regulações, permitindo que o capitalismo se expanda e possa projetar-se ao seu máximo, buscando construir a sua aldeia global. 41 A educação no século XXI serve como base para diferenciar as pessoas, permitindo que aqueles que possuam melhor formação tenham vantagens no mercado de trabalho, concorrendo a um maior número de vagas e tendo a possibilidade de alavancar maiores salários. Porém, as mazelas sociais desse mesmo período fazem com que essa educação, embora represente ajuda significativa nesses aspectos, não garanta um emprego fixo ou um salário aceitável. Todavia, dentro da lógica empresarial e concorrencial que pauta o pensamento neoliberal, ter qualificação profissional se traduz em diferencial competitivo. (BES, 2019) Os aspectos econômicos também afetam diretamente a elaboração e implementação das políticas públicas. Partindo da premissa da economia de que os recursos são escassos, cabe ao gestor público planejar como serão financiadas as ações e os programas educacionais — muitas vezes é necessário fazer escolhas em termos de focalização para esse setor. A educação no século XXI tem sido associada diretamente ao desenvolvimento econômico das nações, o que destaca a importância e o caráter prospectivo das políticas públicas educacionais para o país. (BES, 2019) O Brasil segue na atualidade a busca pelo cumprimento dos compromissos assumidos a partir da década de 1990. Acompanhando a tendência mundial, o país participou nesse período da Conferência Mundial da Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, demonstrando preocupação em modernizar o seu sistema educacional. A Declaração de Jomtien (1990) reforçou a importância do 42 investimento na Educação Básica, buscando a sobrevivência, o desenvolvimento pleno das capacidades, vida e trabalho dignos, a melhoria na qualidade de vida, a possibilidade de tomar decisões informadas e a possibilidade de continuar aprendendo ao longo da vida. Essas ideias se encontram muito presentes nas políticas públicas educacionais contemporâneas. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional organizou e promoveu a Educação Básica e Superior. Na década de 1990, surgiram também os Parâmetros Curriculares Nacionais, visando orientar a formulação dos currículos brasileiros extensivos a todas as escolas do sistema educacional. Mais recentemente, neste século XXI, tivemos a construção da Base Nacional Comum Curricular, com a finalidade de desenvolver as competências essenciais necessárias para que todos possam ter acesso aos mesmos conhecimentos científicos na escola e, dessa forma, às mesmas condições de concorrer no mercado de trabalho. (BES, 2019) O contexto político que se faz presente nas políticas públicas educacionais no século XXI envolve embates entre os posicionamentos ideológicos que compõem os movimentos políticos presentes no país e no mundo. Percebemos que houve uma grande colisão entre as ideias liberais e progressistas, que se fizeram muito presentes na educação brasileira e que produziram teorias pedagógicas e inspiraram normas e legislações para a organização do sistema de ensino brasileiro. Desse choque, as ideias neoliberais acabaram prevalecendo na atualidade, evidenciando ainda mais um modelo de escola que tende a desconectar-se um pouco mais das discussões acerca do social e das obrigações do Estado para a lógica do investimento na educação como capital humano. Ao se referir ao contexto econômico atual, Lemes (2016, p. 1.623) comenta: Hoje o Brasil vive um momento de grande dificuldade econômica e política, salvo análise com maior profundidade de argumentação, por conta dos conflitos políticos institucionais, partidários e programáticos, originários nas matrizes cognitivas e normativas existentes no âmbito da sociedade brasileira e da estrutura partidária que compõe o poder político. Essa situação notadamente fragilizou esse poder político nos diferentes níveis da estrutura federalizada do país, afetando de maneira significativa a interlocução local enquanto instrumentos de regulação nesse segmento. 43 Cabe esclarecer que, quando comentamos sobre o contexto político, entendemos que ele vai além das questões político-partidárias, pois envolve os movimentos sociais de grupos organizados na luta por direitos comuns. Nas políticas educacionais, temos vários exemplos dessa ordem, uma vez que houve grupos organizados com o objetivo de construir políticas públicas educacionais inclusivas (negros, índios, pessoas com deficiência) em ambos os níveis da educação. (BES, 2019) Os aspectos culturais também merecem destaque nas políticas públicas educacionais do século XXI. Percebemos uma luta de forças entre grupos que pretendem representar o aspecto da cultura hegemônica da sociedade, representando o poder de algum grupo específico que, a partir de sua articulação, consegue impor o seu modelo educacional, e grupos que entendem que todas as culturas são importantes e devem ser contempladas em busca de equidade e justiça social. O Brasil, anteriormente à Constituição de 1988, acabou por reproduzir uma ideia de cultura eurocêntrica (branca, heterossexual, masculina e cristã). Após o período de democratização brasileira, começaram a ser discutidas as primeiras políticas em busca de reconhecimento cultural de alguns grupos historicamente segregados; a partir de então, as políticas educacionais começaram a envolver os conceitos de multiculturalismo e diversidade cultural. (BES, 2019) Como você pode perceber, as políticas públicas educacionais acabam sendo perpassadas pelos aspectos históricos, econômicos, políticos e culturais. Cabe a nós, como profissionais da educação, nos engajarmos em grupos que se alinhem com a nossa maneira de pensar e defender as nossas ideias pedagógicas, para que a educação possa continuar tendo a força de modificar a vida das pessoas a partir do desenvolvimento da sua capacidade crítica e da sua autonomia. (BES, 2019) 44 11.2 Políticas públicas educacionais contemporâneas As políticas públicas educacionais contemporâneas foram incrementadas a partir do período de redemocratização brasileira, na década de 1980, e principalmente impulsionadas após a Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal, no art. 205, determina que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho”. Para cumprir com os objetivos constitucionais propostos para a educação e ainda contemplar as exigências internacionais em prol da satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, da universalização do acesso e da melhoria de qualidade na aprendizagem, o Brasil entrou numa nova fase ao constituir as suas políticas educacionais contemporâneas. Essas políticas públicas educacionais tanto vão se dedicar à organização e normatização curricular quanto ao planejamento geral do sistema educacional, ou ainda ao seu processo de avaliação e fi nanciamento da educação. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são normas que têm caráter obrigatório para a educação básica e visam orientar a forma como o currículo das escolas deve ser planejado em todo o sistema educacional brasileiro. Fixadas pelo Conselho Nacional de Educação, atendem ao que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que cita em seu art. 9, inciso IV, ser de incumbência da União “[...] estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e Diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e os seus 45 conteúdos mínimos de modo a assegurar a formação básica comum” (BRASIL, 1996, documento on-line). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) tiveram a sua escrita iniciada pelo Ministério da Educação em 1995, sendo concluídos em 1997. Procuraram focar as quatro primeiras séries do ensino fundamental da época, constituindo-se como referências à equipe pedagógica das escolas para a elaboração dos currículos e projetos pedagógicos das instituições, não tendo caráter obrigatório e normativo. Durante o processo de elaboração dos PCNs, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 foi homologada, passando a organizar o sistema educacional brasileiro desde então. Os PCNs foram organizados a partir de áreas de conhecimento, apresentando objetivos para elas, seguidos da apresentação dos blocos de conteúdo, dos critérios de avaliação e finalizando com as “[...] orientações didáticas, que são subsídios à reflexão sobre como ensinar” (BRASIL, 1997, p. 61). É importante esclarecer que os PCNs na atualidade deixaram de cumprir a sua função, uma vez que somente apresentavam sugestões e foram substituídos pelas prescrições obrigatórias da Base Nacional Comum Curricular. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se propõe, segundo as suas palavras introdutórias, a ser “[...] um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.” (BRASIL, 2018a, p. 7). Em essência, ela norteia aquilo que será ensinado aos alunos na educação básica. A BNCC, de caráter normativo para a educação escolar, vem ao encontro do que é requerido no Plano Nacional de Educação 2014– 2024 (PNE) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. O PNE tem caráter decenal e, com a Emenda Constitucional nº 59/2009, deixou de ser uma disposição transitória da LDB e passou a ser uma exigência constitucional. Esse Plano é o segundo a ser realizado no formato decenal — o primeiro teve vigência de 2001 a 2010. O PNE atual apresenta 20 metas que envolvem todos os níveis e modalidades educacionais, estratégias a serem implementadas para atingir tais metas e recursos que deverão ser utilizados. Ambos 46 contaram com o envolvimento da sociedade na sua construção e monitoramento. (BES, 2019) Esse instrumento vem a articular o sistema nacional de educação, apresentando inclusive o percentual do produto interno bruto (PIB) para o financiamento das suas ações em busca do atendimento das suas 20 metas. Estas envolvem a garantia do direito a educação básica de qualidade, redução das desigualdades e valorização da diversidade, bem como valorização dos profissionais da educação e desenvolvimento da educação superior. (BES, 2019) As políticas públicas educacionais voltadas para a avaliação foram construídas para que o Ministério da Educação possa monitorar, analisar e avaliar as políticas educacionais que se encontram implementadas. Para medir com maior eficiência o rendimento escolar, essas políticas avaliativas costumam considerar três esferas: a aprendizagem dos estudantes, as instituições de ensino e o próprio sistema escolar. Para isso, o Ministério da Educação vale- -se das ações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que aplica a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), a Prova Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), bem como o Exame Nacional da Avaliação do Estudante (ENADE) para a educação superior. Sobre a importância da avaliação, o Ministério da Educação destaca: [...] o desafio não está somente em desenvolver metodologias de avaliação para a educação básica e para o ensino médio em particular, mas como se podem tornar coerentes objetivos e metodologias. Afinal de contas, a avaliação do desempenho do aluno contribui para a política educacional constituindo-se em um componente da avaliação dos sistemas de ensino (BRASIL, 2018b, documento on-line). As políticas públicas educacionais de financiamento são as responsáveis pelo repasse de recursos para que a educação possa ser implementada e, assim, venha a atender os objetivos do sistema educacional brasileiro. Encarrega-se de tais políticas de financiamento “[...] o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia federal criada pela Lei nº 5.537, de 21 de novembro de 1968, e alterada pelo Decreto–Lei nº 872, de 15 de setembro de 1969, [que] é 47 responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC) ” (BRASIL, 2017, documento on-line). Para administrar o financiamento da educação, o FNDE possui atualmente três políticas públicas principais: o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o Salário-Educação. Por meio dessas políticas públicas de financiamento da educação, os recursos financeiros necessários às instituições do sistema de ensino brasileiro permitem que essas instituições persigam as suas metas em busca de uma educação de qualidade para todos os estudantes. Existem inúmeras políticas públicas educacionais vigentes na atualidade, voltadas para a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e para educação superior, conforme mostra o Quadro 1. (BES, 2019) 48 49 É importante esclarecer que os programas de governo que implementam as políticas públicas sofrem alteração quando há mudanças de governo — como as apresentadas no Quadro 1. Assim, algumas são substituídas, outras alteradas e algumas incluídas sempre que se inicia uma nova gestão. (BES, 2019) 50 Por meio da elaboração das políticas públicas educacionais, podemos perceber o empenho do governo no planejamento, na direção, na organização e no controle das áreas pertinentes à educação. Busca-se assim a melhoria dos índices educacionais para acompanhar as tendências internacionais de países desenvolvidos e atingir as finalidades da educação escolar brasileira. (BES, 2019) 12 AS TRÊS ESFERAS ADMINISTRATIVAS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA A organização da educação no Brasil é proposta na Constituição Federal de 1988, que entende que essa organização será realizada a partir da colaboração entre as três esferas administrativas que compõem o País — ou entre os entes federativos que constituem as instâncias de governo no Brasil. Conforme o texto constitucional: Art.211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. § 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular (BRASIL, 1988, documento on-line). O artigo constitucional apresenta pontos importantes para que possamos conhecer o conceito de regime de colaboração entre as esferas que se encarregam de administrar a educação nacional. Dessa forma, ainda que em cada esfera administrativa haja prioridades na área de atuação, União, estados, Distrito Federal e municípios devem atuar em colaboração. É importante destacar ainda a função redistributiva e supletiva da União, por exemplo, por meio do repasse de recursos
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