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GROS, Christian. Políticas de la etnicidad: identidad, Estado y Modernidad, Bogotá: ICANH,2000 Cap. 2 e 3 (definição de grupo étnico e etnia) Em 1993, no IV Congreso Indígena Nacional da Colômbia os indígenas kankuamo anunciaram seu renascimento como 4ª etnia da serra Nevada de Santa Marta, ao lado de seus primos: arhuaco (o ika), kogui (o kaggaba) e arsario (o wiwa). Convertidos ao cristianismo desde várias gerações, os descendentes dos kankuamo cortaram o cabelo, abandonaram a manta e o poporo, e esqueceram sua língua. A nova Constituição, adotada pelo país em 1991, previu a possibilidade de criar entidades territoriais indígenas que reunissem debaixo de uma mesma autoridade indígena territórios que possam pertencer a diferentes comunidades. Evidentemente, a Sierra Nevada poderia ser um dos lugares privilegiados para aplicação destas novas disposições. Mas, para que a serra Nevada, situada num ponto de intersecção de três departamentos, se convertesse neste vasto território indígena que forma uma espécie de núcleo de defesa frente ao Atlântico e ao resto do país, era necessário que a quarta etnia perdida ressurgisse das cinzas. Esta inclinação dos Atanqueros para a indigeneidade Kankuamo foi possível com uma revisão ideológica do que significa ser indígena atualmente na Colômbia, realizada ao longo de muitos anos e favorecida por uma demonstração de seus vizinhos na serra. Esse lugar quase mítico do país, tem em suas encostas a Cidade Perdida que testemunha a grandiosidade das civilizações do passado e atrai visitantes de todo o mundo. Aos olhos da sociedade colombiana, os habitantes das terras altas formam o protótipo dos povos indígenas "autênticos": orgulhosos, indomáveis, reservados, etc. O reconhecimento de direitos especiais para as populações nativas caminha com o questionamento dos estereótipos negativos ligados aos indígenas, e ao reivindicar ser herdeiro de um passado relacionado às populações Kogui ou Arhuaco, torna-se mais fácil comprometer-se com uma revisão da própria identidade. Além das motivações territoriais sempre presentes, já que cabe ao cabildo administrar o acesso à terra e recuperar as terras que foram usurpadas, um dos desafios desta yanaconização do campesinato do Maciço Central é um meio de organizar as comunidades longe do clientelismo tradicional (lugar por excelência das assembléias de ação comunitária) e do controle externo exercido pelos inspetores policiais, que deveriam permitir o acesso direto ao poder municipal. Foi então "quando foi determinado que os povos indígenas deveriam ter verdadeiros representantes nos conselhos municipais [...] [que reafirmariam sua] verdadeira identidade". Assim como na Serra Nevada, a inclinação de algumas comunidades camponesas do maciço central em direção a indianização estava na ampliação da mancha indígena (para usar um termo usado no Peru) nas terras altas do país. As questões de territorialidade, poder local em forma de autoridade indígena e de representação política, estavam presentes nos casos citados. Ser indígena é identificar-se como membro de uma comunidade que, devido à sua origem e história, pode, aos olhos do direito colombiano, reivindicar reconhecimento ou respeito por um direito coletivo exercido sobre um território. Em particular, o direito ao autogoverno na forma ⁹de uma autoridade específica da comunidade e, mais uma série de direitos específicos ligados ao status indígena: atendimento hospitalar gratuito, educação bilíngüe e bicultural, livre acesso à universidade, isenção do serviço militar e dos impostos fundiários, direito a ser julgado de acordo com seus usos e costumes dentro da comunidade e, desde a Constituição de 1991, o direito a transferências do orçamento nacional, à proteção de seu meio ambiente e a dois senadores indígenas eleitos em nível nacional por círculos eleitorais especiais. As contínuas mudanças dos indígenas por causa da intervenção de interesses alheios por parte dos fazendeiros ricos das populações vizinhas despertaram neles o desejo de conhecer e compreender melhor as leis ditadas pela república em benefício dos índios, o que foi encaminhando-os paulatinamente a um melhoramento de seu nível intelectual em relação a sua condição de agricultores. Este sedimento transcendeu a tal ponto que é para eles de suma importância que seus filhos vão à escola e cursem, na medida do possível, todos os graus. (Gros, 1991c) Qualquer identidade pode ser sofrida ou reivindicada, mas também pode ser imposta ou negada por outros. Nas zonas rurais, a questão da terra, o seu controle e gestão ocupa um lugar estratégico na reivindicação de uma identidade indígena. Isto, em vez de ser genérico e abstrato, baseia-se em pertencer a uma família, uma linhagem, a uma determinada comunidade, dotada de um determinado território e do seu mito fundador. Sugere também que, por uma vez, a famosa "malícia indígena" não foi suficiente. Para satisfazer aos topógrafos, os habitantes de Yaguara tiveram de fazer corresponder a sua atitude à imagem estereotipada do "nativo não assimilado pela civilização...". No final, é bastante provável que os mesmos funcionários já não se atrevam a invocar este estereótipo, a fim de negar a uma comunidade a sua identidade quando a reivindica, quando existem escolas bilíngues e médicos indígenas, e num país onde os constituintes, senadores, deputados e presidentes de câmara podem ser indígenas (e por vezes são). A identidade não é uma condição inerente ao indivíduo, um atributo que define de maneira constante e invariável. Esta seria mais bem uma postura adotada no momento de uma interação, uma possibilidade entre outras de organizar suas relações com os demais [...]. Deste ponto de vista, o indivíduo não é tomado como estando determinado por seu pertencimento porque é ele quem lhe dá uma significação a este pertencimento” (Ogien, 1987: 135; citado por Giraud, 1994). Convém então reconhecer que não existe "identidade" fora do uso que dele se faz: não existe substrato cultural invariável que definiria, por fora da ação social, a essência de um membro de um grupo humano particular. (Ogien, 1987: 138) A identidade é, composta em grande parte pelo conjunto de práticas e representações classicamente postas em movimento por todos, de dentro ou de fora, que reivindicam a especificidade das culturas indígenas (relação privilegiada com a natureza e o território, princípio de reciprocidade, e um conjunto de itens culturais, como linguagem, vestimenta, etc). “O desejo de usar as garantias que as leis oferecem aos nativos não assimilados à civilização" (Lei 89 de 1890) aparecem claramente, mas embora essas condições existam, fica claro a construção e instrumentalização de uma identidade coletiva. Segundo o autor Christian Gros, apesar das políticas de mestiçagem terem feito com que muito da cultura negra e indigena fossem apagadas na américa Latina, estes grupos atualmente vêm reconstruindo suas cosmovisões de modo a desestigmatizar a identidade que lhes foi imposta. Estas reconstruções têm início muitas vezes na assimilação destes povos por parte do Estado, que empregando políticas públicas para o fornecimento de direitos (territoriais, educacionais, saúde etc.) utiliza os mesmos para a tutela dessas populações e transforma este capital simbólico em capital econômico. Essas identidades são criadas para os propósitos de territorialização (indo de “um processo que vai da assimilação inferiorizante à separação que integra e valora”) e se pode concluir com eles: “que a situação socioeconômica e as relações com as instâncias de poder se transformaram positivamente para estas populações. Transformações obtidas não a partir de estratégias de ascensão individual, mas a partir de estratégias políticas coletivas fundamentadas no uso das diferenças étnicas” (Agier y Carvalho, 1994: 11, 24). A identidade étnica - ou identidade genérica - não pode dissolver-se naturalmente na modernidade, porque é seu produto. Para aqueles que a constroem, essa identidade torna-se um recurso valioso que lhes permitelutar contra a estigmatização, construir uma identidade positiva e ter acesso a novos bens estratégicos e, talvez, a uma nova cidadania. A internacionalização da questão indígena desde então mudou profundamente a perspectiva histórica e a nossa visão da questão. Se há destruição, que pode ser radical, há também forças vitais capazes de se beneficiar dos espaços que se abrem, mesmo quando são mínimos, para dar-lhes novamente sentido.significado. Agora, o que é cultura se não a possibilidade de procurar dentro de si mesmo a fim de para responder às perguntas do momento. Cultura não significa apenas tradições em perigo, é, antes de tudo, criação. É verdade que não se trata de mudar o pessimismo do etnocídio para um otimismo extasiante. Não é essa a questão. Mas trata-se de aumentar o número de estudos que podem nos informar de forma útil sobre as transformações em curso. O etnólogo, o defensor natural (e profissional)? de culturas indígenas - aquele que durante muito tempo acreditou poder ignorar as formas como as sociedades indígenas eram incluídas nas sociedades nacionais, tentou com algum sucesso reconstituir sua harmonia perdida - tem diante de si um imenso campo de investigação: os indígenas modernos, nossos contemporâneos! p.95
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