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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL DE GÊNERO -DISCRIMINAÇÃO

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42 
 
a igualdade remete aos direitos que todos possuem. Da mesma forma, o currículo 
escolar deve ser observado com atenção pelos professores, em cada detalhe, na 
seleção de conteúdo, textos, livros didáticos e técnicas a serem utilizadas. Deve-se 
reconhecer que todo saber carrega consigo o poder de produzir um entendimento 
sobre o mundo. 
Ao trabalhar junto aos alunos os processos de formação de suas 
identidades culturais, os professores podem valer-se do importante recurso das 
histórias de vida desses sujeitos. Ao narrar a sua trajetória, os alunos exercitam o 
processo de escolha de suas memórias e percebem os aspectos que lhes são mais 
caros e pertinentes. Da mesma forma, 
É importante que se opere com um conceito dinâmico e histórico de 
cultura, capaz de integrar as raízes históricas e as novas configurações, 
evitando-se uma visão das culturas como universos fechados e em busca 
do “puro”, do “autêntico” e do “genuíno”, como uma essência 
preestabelecida e um dado que não está em contínuo movimento 
(CANDAU, 2012, p. 8). 
 
9 DISCRIMINAÇÃO 
A discriminação é composta por um jogo de forças cujo objetivo é a 
manutenção de poder por estratos sociais que se julgam possuidores de valor social 
mais elevado, o que resulta na produção de desigualdades como resultado 
estrutural da vida em sociedade. 
9.1 Sobre a origem da discriminação 
O inatismo, princípio segundo o qual nascemos todos providos com alguma 
ideia que independe do meio onde vivemos, é controverso na filosofia. Alguns 
filósofos intuem que sim, outros que não; por isso, iniciaremos esta discussão 
investigando a possibilidade de a discriminação ser uma ideia que nasce com todos 
 
43 
 
os seres humanos, para, em seguida tratar desse fenômeno social a partir da cultura 
ou da construção simbólica que é amplamente difundida na sociedade. 
Segundo o dicionário Houaiss, a discriminação é um conceito que envolve 
a distinção, que, aplicada à vida em sociedade, trata de uma quebra de sentido de 
igualdade (HOUAISS; VILLAR, 2001). Esse é um bom ponto de partida para esta 
investigação, que continuará a partir da análise de alguns filósofos contratualistas 
sobre o tema da vida em sociedade, uma vez que é do período Iluminista que 
herdamos o ideal de uma vida igualitária entre todos os cidadãos e que se funda na 
ideia de que a garantia de direitos individuais é um elemento fundamental para a 
dignidade humana. 
Desse período, três filósofos que tratam do inatismo serão destacados para 
a análise, a saber: Locke, Hobbes e Rousseau. O primeiro, Locke (1983), critica o 
inatismo e toma o ser humano como uma tábula rasa, em que nada está 
previamente escrito. Já Hobbes (1979) e Rousseau (1978) abordam o inatismo 
segundo a ideia que fazem da “natureza humana”, ou uma abstração sobre o 
comportamento humano a partir de um momento que antecede o contrato social, o 
qual denominam “estado de natureza”. 
Locke (1983) também trata do “estado de natureza”, condição na qual a 
razão orientaria a conduta social segundo uma lei natural na qual é fundamental a 
atenção ao princípio de igualdade, sobretudo ao prejuízo da vida, da saúde, da 
liberdade e das posses. Para o filósofo, é a razão que torna possível a conduta 
natural, e não um conhecimento inato. 
A ideia de “estado de natureza” é distinta entre Hobbes (1979) e Rousseau 
(1978). Enquanto o primeiro afirma um caráter egoísta inato, que orienta a conduta 
humana a uma visão competitiva da vida, em que todos realizamos um movimento 
que consiste em se aproximar do que nos agrada e se afastar daquilo que nos 
desagrada, Rousseau (1978) ressalta a capacidade de todos de se associarem em 
torno de vontades gerais, que seriam as responsáveis pela alienação coletiva da 
liberdade natural em favor da aquisição da liberdade civil. Se pensarmos a 
discriminação em termos individuais, a teoria de Hobbes (1979) nos levaria a 
conclusões interessantes, no entanto, em ambos os casos, é difícil derivar o 
 
44 
 
comportamento discriminatório pela análise de grupos sociais uns contra os outros, 
seja por seu caráter cultural, físico, religioso ou comportamental. 
Pensar a discriminação enquanto um fenômeno social que afronta a 
igualdade entre todos os seres humanos como o resultado de ideias que são 
adquiridas por meio de nosso convívio social torna mais apropriado, ao debate, o 
seu desenvolvimento de análise a partir do campo da cultura, uma vez que dela 
derivam os aprendizados de significados comumente atribuídos para descrever o 
mundo e orientar nossa conduta coletiva. 
Aqui, utilizaremos o conceito de cultura exposto por Geertz (1978), que trata 
a cultura enquanto significados que são produzidos e compartilhados amplamente 
em sociedade e que sustentam as nossas relações sociais. 
O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo 
tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max 
Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que 
ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua 
análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, 
mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 
1978, p. 15). 
De fato, é a nossa capacidade de “simbologizar” que torna possível criar, 
atribuir e compreender significados (WHITE, 2009). A partir dessa característica, é 
possível analisar qualquer processo social, mas os significados constituídos mudam 
ao longo do tempo, o que evidencia a ideia de aprendizado, mas, ao mesmo tempo, 
impõe o desafio de identificarmos na discriminação seu aspecto mais geral, capaz 
de abranger uma multiplicidade de casos específicos. 
O tratamento diferenciado a determinados extratos da sociedade que 
configura a discriminação será abordado, portanto, enquanto relações de poder. 
Desse modo, seremos capazes de tratar do conceito de modo abrangente, o que 
permitirá sua compreensão em diferentes contextos empíricos, como, por exemplo, 
em relação a discriminação racial, de gênero, sexual ou religiosa. 
Para facilitar essa análise, é importante compreender a sociedade como 
composta de diferentes conjuntos humanos, que possuem diversas formas de 
interconexão entre si, e, a partir dessa ideia, isolar determinados conjuntos para 
refletir sobre o modo como se dão as relações de poder entre estratificações 
 
45 
 
distintas. Por exemplo, se tomarmos a população brasileira como um todo, podemos 
separar o conjunto compostos por mulheres, negras e homossexuais para, então, 
avaliar o modo como participam da sociedade por meio de indicadores sociais e 
também interpretar as evidências culturais que afirmam ou negam a influência 
dessa população em comparação ao todo, ou mesmo a outra estratificação, como 
a dos homens, brancos e heterossexuais. Entre esses conjuntos, não há qualquer 
interseção e, portanto, as assimetrias quanto a indicadores de emprego, renda, nível 
educacional, moradia ou violência podem ser comparados com a finalidade de 
incorporar evidências empíricas para a interpretação social a respeito do fenômeno 
da discriminação. 
A análise de problemas sociais, como a discriminação, pela sociologia, não 
pode abrir mão de dados empíricos para ser capaz de cumprir as etapas do método 
científico, que observa recorrências no mundo, formula hipóteses para explicar o 
fenômeno, colhe dados empíricos sejam eles numéricos ou a partir do registro de 
fatos que corroborem uma interpretação e, por fim, fundamenta uma teoria ou 
formula uma lei geral que apresenta relações de causa e consequência para uma 
multiplicidade de situações que cumpram as mesmas premissas. 
É evidente que o fenômeno da discriminação é persistente ao longo da 
história humana, mas se buscou deixar claro, nesta primeira seção, que a cultura 
desempenha um papel preponderante para a análise do tema e que estabelece 
relações de poder capazes que podem ser interpretadaspelo modo como justificam 
a atribuição de valor humano diferente a determinados grupos na sociedade, 
inferiorizando-os e mantendo privilégios já estabelecidos. Esse jogo de poder se dá 
por meio da aplicação de forças, que atuam em diferentes camadas da vida em 
sociedade e são percebidas a partir do modo como alteramos nossa perspectiva 
para abordar os problemas sociais derivados da discriminação. Por todos os 
diferentes olhares, fica evidente a formação de preconceitos e a violência que 
perpetuam as desigualdades sociais (MARIN, 2020). 
 
46 
 
9.2 A relação entre discriminação, preconceito e violência 
Nem mesmo o maior negacionista, quanto à discriminação, poderia admitir 
que existe igualdade social na atualidade, uma vez que fartos são os exemplos do 
aleijamento de parcelas representativas da sociedade com base em critérios de 
aparência física, orientação sexual, de gênero ou religiosa. Existe um sem número 
de evidências históricas muito bem documentadas que nos ajudam a compreender 
que determinados extratos da sociedade são considerados seres humanos de 
menor valor. 
Como vimos anteriormente, esse fenômeno social será analisado sob a 
perspectiva das relações de poder, e a aplicação dessa categoria de análise 
sociológica tornará mais claro o modo pelo qual a discriminação se forma e se 
manifesta na sociedade. O ponto de partida para nossas análises se dará a partir 
da obra de Elias e Scotson (2000). Elias explica que encontrou, em uma pequena 
comunidade no interior da Inglaterra, um tema humano universal para realizar um 
estudo sociológico sobre as relações de poder. 
O foco do estudo inicialmente tratava de diferentes índices de delinquência 
entre dois grupos de moradores de uma pequena comunidade, chamada Winston 
Parva, na qual vivia uma parcela da população constituída de antigos habitantes e 
outra com novos moradores, desabrigados pelos bombardeios nazistas durante a II 
Guerra Mundial, que ocupavam um conjunto residencial composto de 700 casas. 
Entretanto, logo que o pesquisador vai a campo, os índices começam a se 
estabilizar e, com o passar do tempo, não mais se nota alguma diferença evidente 
entre o agrupamento dos antigos e dos novos moradores (ELIAS; SCOTSON, 
2000). 
Elias passa a se interessar pela relação estabelecida entre os novos e 
antigos moradores daquela comunidade, que não possuíam grandes diferenças 
raciais, religiosas ou salariais. O autor chama de “estabelecidos” os antigos 
residentes de Winston Parva, de “outsiders” os recém-chegados, e orienta suas 
análises a relacionarem os comportamentos, o linguajar utilizado e a percepção 
 
47 
 
coletiva que se dá a partir da perspectiva de “estabelecidos” e “outsiders” (ELIAS; 
SCOTSON, 2000). 
Os autores identificam no grupo “estabelecido” um maior grau de coesão 
social, o que explica sua maior eficiência na aplicação de forças para se manterem 
em espaços de poder, evidenciada pelas organizações comunitárias existentes — 
a participação nessas organizações garantia status diferenciado perante os demais 
habitantes. Essa coesão também possibilitava ao grupo “estabelecido” um rápido 
compartilhamento de significados entre seus membros, uma vez que todos se 
conheciam de longa data. Esse processo inicial é chamado por Elias de 
“estigmatização” e ocorre quando o conjunto de preconceitos individuais se torna 
parte de um grupo (ELIAS; SCOTSON, 2000). 
Nessa obra, os sociólogos apresentam anotações realizadas a partir de 
depoimentos espontâneos dos “estabelecidos” que tornam evidente a classificação 
dos “outsiders” como pessoa de categoria inferior (ELIAS; SCOTSON, 2000). É 
possível notar, nessas anotações, que são realizadas generalizações ao grupo 
“outsider” que confrontam os valores cultivados pelo grupo “estabelecido”, como 
com relação a higiene pessoal, caráter, preferência política ou hábitos de consumo 
alcóolico. Esses pequenos preconceitos, conforme vão tomando um caráter de 
grupo, transformam-se em estigmas que caracterizam pejorativamente o grupo 
“outsider”. 
É curiosa e pertinente a referência de Elias com relação ao papel da fofoca 
nesse processo, uma vez que a informação circula de maneira muito mais eficiente 
entre um grupo coeso socialmente do que em um fragmentado, como é a 
característica da população residente no conjunto habitacional (ELIAS; SCOTSON, 
2000). A piada, a caricatura e a generalização são aplicadas de modo a depreciar 
o alvo das informações transmitidas entre os habitantes antigos da comunidade e 
que foram ouvidos pelo pesquisador, o qual registrou, também, impressões sobre o 
tom de voz e o vocabulário utilizados na fofoca, cuja motivação subjetiva era 
enfatizar a superioridade de um grupo em detrimento de outro (ELIAS; SCOTSON, 
2000). 
 
48 
 
Essa análise realizada por Elias (ELIAS; SCOTSON, 2000) e que vai do 
indivíduo para o coletivo é também empreendida por Almeida (2019), que descreve 
o racismo estrutural, que se inicia com o preconceito, individual, baseado em 
estereótipos, e a discriminação, a partir da qual um grupo se beneficia com a 
aplicação da força para a manutenção do poder. 
Para Almeida (2019), a discriminação possui uma concepção individualista 
segundo a qual as ações de violência são praticadas por grupos isolados ou 
indivíduos que se comportam irracionalmente, contrários a uma ética que se regula 
juridicamente a fim de punir ou indenizar, o que bastaria, na opinião de alguns, para 
resolver o problema do racismo. Para o autor, embora sejam chocantes os 
exemplos que justificam a análise individualista do problema da discriminação na 
sociedade, deve-se também atentar para uma abordagem institucional e estrutural 
sobre o problema, porque essas, sim, dão uma dimensão do processo histórico que 
mantém as desigualdades e impede certos estratos sociais de participarem de 
forma justa dos jogos de poder que se estabelecem ao longo da vida dos indivíduos 
em sociedade. 
Pela concepção institucional, Almeida (2019) chama a atenção para a 
compreensão de como a cultura e os padrões estéticos são estabelecidos e para o 
modo como são preenchidos os cargos de instituições públicas e privadas. Assim, 
é chamado de racismo institucional aquele que se repete segundo uma orientação 
que mantém os sistemas sociais estáveis. 
Já a análise do racismo pela perspectiva estrutural abrange a sociedade 
como um todo, o processo de constituição dos indivíduos e o funcionamento de 
diversas instituições públicas ou privadas, de modo que a responsabilização jurídica 
não satisfaz as premissas necessárias à mudança social necessária para a 
prevenção e para o combate à reprodução de desigualdades baseadas em um jogo 
de poder, que reforça as assimetrias ao longo do processo político e histórico da 
sociedade. 
Os preconceitos são fonte da discriminação e organizam simbolicamente o 
estrato social que desempenha o papel de “outsider”, que, portanto, é excluído das 
diferentes organizações sociais, seja de instituições públicas ou privadas, nas quais 
 
49 
 
o jogo de poder pode ser amplificado e influenciar o funcionamento dessas 
instituições e da cultura como um todo. 
Qualquer tipo de discriminação que se desenvolve historicamente, a ponto 
de influenciar o processo político de uma sociedade, pode ser analisado quanto ao 
seu desenvolvimento estrutural, a partir das marcas que deixa ao longo da história 
e de relatos sobre diferentes conflitos que mobilizam a opinião pública de modo 
cada vez mais intenso, na mesma proporção em que se popularizam os dispositivos 
capazes de produzir textos, sons e imagens a serem publicados em servidores 
conectados à internet. 
Os registros de violência moral ou física que determinados grupos sociais 
sofrem viralizam on-line e mobilizam a atenção pública sobre o tema da igualdade. 
Normalmente, trazem imagens fortes, que nos fazem imediatamente repudiar o uso 
da violência, notadamenteexpressa em função de raça, gênero, orientação sexual, 
religiosa ou de qualquer situação que indique uma identidade coletiva 
discriminatória. O que alerta Almeida (2019), aplicado ao racismo, é que a 
sociedade deve focar seus esforços nos pilares estruturantes da discriminação, e 
não apenas criminalizar atos isolados, com a finalidade de viabilizar uma sociedade 
da qual todos participem de modo igualitário. 
A elaboração de medidas para a promoção de ações afirmativas é a 
principal atitude tomada por instituições públicas e privadas para tentar romper 
diversas formas de discriminação que estão estruturalmente presentes na 
sociedade, como é o caso daquela que identifica os grupos humanos segundo 
funções que devem desempenhar na sociedade, os chamados “papéis sociais” 
(CASTELLS, 2010), segundo os quais, por exemplo, as mulheres são associadas 
ao trabalho doméstico ou pessoas negras devem assumir posições de servidão. 
Por isso, são criadas políticas de cotas raciais para a ocupação de 
empregos ou de vagas em instituições de ensino superior, o que torna possível à 
sociedade desvincular a ideia de funções sociais associadas a categorias de 
estratificação e permite igualdade de oportunidades para a diversidade humana que 
compõe a sociedade como um todo. 
 
50 
 
9.3 Consequências da discriminação para a dignidade humana 
A ideia de direitos humanos enquanto parte de um pressuposto de 
igualdade tem fortes fundamentos lançados no pensamento ocidental durante o 
Iluminismo, a cujos filósofos devemos a organização do Estado moderno, enquanto 
uma república, composta por três poderes que se autorregulam e são regidos por 
leis. À época, as elites intelectuais, sobretudo na França e na Inglaterra, 
empenharam-se em questionar o regime político absolutista, em que a nobreza e a 
igreja se constituíam como grupos “estabelecidos” e todo o restante da população, 
amplamente majoritária, como “outsiders”. 
Locke (1983) já apresenta em sua obra a ideia de direitos naturais como 
sendo aqueles evidentes à razão e que tratam da preservação da vida, da saúde, 
da liberdade e das posses. Na França, a Assembleia Nacional Constituinte aprova, 
em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual todos os 
seres humanos são agrupados em uma categoria única, da “humanidade”, nascem 
livres e compartilham os mesmos direitos. 
Depois do Iluminismo e de seus ensinamentos para a constituição de uma 
ordem social capaz de buscar o estado de igualdade entre os seres humanos, um 
marco histórico de violência motivado pela discriminação é fartamente 
documentado no século XX e expõe ao mundo, com registros visuais, as 
atrocidades cometidas contra os judeus durante a II Guerra Mundial, cuja barbárie 
fez nascer a necessidade de um compromisso global que evidenciasse a 
preservação de direitos mínimos capazes de preservar a dignidade humana e, 
portanto, indicassem a contramão do que pode ocorrer com a discriminação de 
certos estratos sociais na vida em sociedade. Imediatamente após a guerra, é 
fundada a Organização das Nações Unidas e, três anos depois, promulgada a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948. 
A DUDH não tem força de lei, serve apenas como inspiração para o ideal 
de igualdade e da preservação da dignidade humana, e sua autoria é resultado do 
esforço de um organismo multilateral, com abrangência global. A partir desse marco 
internacional, movimentos sociais começam a ganhar notoriedade, sobretudo nos 
 
51 
 
Estados Unidos, o que culmina com a aprovação, em 1964, da legislação que 
garante os direitos civis (Civil Rights Act) a todos os cidadãos e criminaliza a 
discriminação baseada em raça, cor, religião, orientação sexual ou nacionalidade. 
No Brasil, o artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 2016), que trata de 
direitos e deveres individuais e coletivos, prevê a igualdade perante a lei e protege 
a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade de todos os brasileiros 
e estrangeiros residentes aqui. Nota-se, evidentemente, o alinhamento da 
legislação brasileira aos ideais do Iluminismo; entretanto, apesar disso, o Brasil é 
um dos países mais desiguais do mundo, e a discriminação contra mulheres, negros 
e homossexuais se expressa de modo estrutural em diversas perspectivas de 
análise social, como trabalho, renda, escolaridade e violência. 
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, outras iniciativas 
legislativas foram realizadas para tentar mitigar o problema da discriminação sob a 
forma penal, que tipifica crimes contra minorias, como os que ocorrem motivados 
contra as mulheres e contra os negros. Já a legislação que se relaciona aos 
homossexuais ou outros representantes da comunidade LGBTQ+ não foi aprovada 
pelo Congresso Federal, mas, em 2019, o Supremo Tribunal Federal determinou 
que os crimes de racismo sejam aplicados a esses casos até que uma lei específica 
seja aprovada pelo poder legislativo. 
A regulamentação de marcos legais que chamam a atenção para atos 
discriminatórios na sociedade é importante, mas, como já mencionado 
anteriormente, não bastam para o enfrentamento do caráter estrutural do problema. 
Portanto, os governos, a sociedade civil organizada e as instituições privadas têm 
se mobilizado conjuntamente para que a promoção da igualdade e a proteção da 
dignidade humana se afirmem como direitos fundamentais no mundo em que 
vivemos. 
Entre as ações afirmativas que visam a promoção da igualdade, podemos 
citar as políticas de cotas, que são aplicadas em universidades públicas, partidos 
políticos, concursos públicos e no contexto do preenchimento de vagas de trabalho 
em algumas empresas privadas. Essas iniciativas, muito questionadas na 
sociedade atual, visam a promoção de ações que impliquem a melhoria de 
 
52 
 
perspectivas de mobilidade social, qualidade de vida e promoção da diversidade em 
diferentes esferas públicas e privadas da vida em sociedade. 
O problema da discriminação tem sido potencializado na atualidade em 
virtude do registro de atos violentos contra minorias sociais com dispositivos móveis 
e que são publicados em redes sociais, gerando ampla divulgação e comovendo 
parcelas amplas da população em torno do tema da igualdade e da importância de 
combater a discriminação com amplitude global (SUDRÉ, 2020). 
No ano de 2020, uma agressão policial ocorrida na cidade de Mineápolis, 
nos EUA, que levou à morte de um homem negro por asfixia, foi filmada e publicada 
em redes sociais. As imagens do policial ajoelhado sobre o pescoço da vítima, 
causando o sufocamento, viralizaram e motivaram diversos protestos, mundo afora, 
sob o slogan Black Lives Matter (em português, vidas negras importam), chamando 
a atenção da opinião pública global para o fato de que o tema da igualdade racial 
ainda deverá percorrer uma longa trajetória até que se efetive enquanto uma prática 
social amplamente aceita e respeitada por todos. 
Entretanto, como lembra Almeida (2019), não é por meio do mero combate 
à violência que o problema da discriminação pode ser enfrentado, já que isso pode 
levar a sociedade a interpretações equivocadas sobre a centralidade do caráter 
individual da discriminação nesse sentido, o autor chama a atenção para o aspecto 
estrutural do problema. 
A discriminação, portanto, deve ser compreendida de modo cultural, 
difundida na sociedade por meio de estratégias de dominação que mantêm a 
centralidade do poder em grupos que são historicamente privilegiados e que 
produzem a estigmatização de outros grupos como uma forma de colocar em 
evidência seu valor inferior na sociedade. 
É possível mudar esse quadro, mas a solução passa por uma ampla 
conscientização sobre o modo como a discriminação está amplamente inserida na 
sociedade, não se restringindo apenas a pequenos grupos ou indivíduos que 
apresentam comportamentos desviantes, cuja violência é capaz desensibilizar a 
sociedade para a necessidade de mudanças. Contudo, ao mesmo tempo, faz com 
que a real magnitude do problema seja minimizada pela exemplar punição de alguns 
 
53 
 
poucos casos isolados mobilizados pela opinião pública, relacionados a violência 
física, enquanto a violência cotidiana, a segregação e a desigualdade de 
oportunidades ferem direitos fundamentais que tentam ser implementados em 
diversas partes do mundo há mais de 200 anos, ainda sem sucesso. 
 
10 DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS 
Desde a Antiguidade, a expansão territorial era perseguida pelas nações. 
Assim, foram criados os contextos de dominação. Como você sabe, o processo 
expansionista deixou marcas tanto nas sociedades colonizadas quanto nas 
colonizadoras. No Brasil, último país ocidental a abolir a escravatura, as raízes 
históricas de dominação do povo negro deixaram um legado de marginalização 
social. Por isso, as ações afirmativas e as políticas públicas se voltam, no século 
XXI, a resgatar a dívida histórica e devolver as possibilidades que são devidas a 
esse povo (AUGUSTINHO, 2019). 
10.1 Desigualdades simbólicas e estruturais à luz da sociologia brasileira 
Os estudos de Fernandes (1978) datados da década de 1960 colocaram 
em xeque as leituras anteriores das relações raciais no Brasil. Nas décadas de 1940 
e 1950, havia a ideia de que o Brasil era um país miscigenado, composto por 
inúmeras raças e etnias e que, portanto, não existiriam por aqui comportamentos 
racistas ou excludentes. Para Fernandes (1978), contudo, as falas sobre o tema 
não condiziam com a realidade. Filho de uma lavadeira, esse sociólogo tivera 
experiências de vida que indicavam que os trabalhadores braçais, mais pobres, 
eram em sua maioria negros ou descendentes de famílias negras. As classes mais 
abastadas, no entanto, aquelas que contratavam os serviços de sua mãe, eram 
compostas por uma maioria branca. Se havia tanta diferença racial entre as classes, 
como não havia racismo? Fernandes (1978) entendeu que as relações de raça no 
Brasil tinham um recorte de classe: as classes mais baixas eram negras, e as mais

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