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29 narrativas nacionais pelo viés da miscigenação é excluída pelo seu virtual desaparecimento, uma vez que o branqueamento é concebido mediante a própria ideia de miscigenação. Mesmo evidenciando os motivos e as consequência do mito da democracia racial, Munanga (1999, p. 125–126) explica que essas ideias influenciam até mesmo a maneira como a nossa sociedade é constituída hoje: Apesar do esforço dos movimentos negros em redefinir o negro, dando-lhe uma consciência política e uma identidade étnica mobilizadoras, contrariando a ideologia de democracia racial construída a partir de um racismo universal, assimilacionista, integracionista — o universalismo — aqui, concordamos com Peter Fry — essa ideologia continua forte no Brasil, na sua constituição e na ideia da democracia racial, mesmo se há sinais [...] de uma crescente polarização. Se a mestiçagem representou o caminho para nivelar todas as diferenças étnicas, raciais e culturais que prejudicavam a construção do povo brasileiro, se ela pavimentou o caminho não acabado do branquecimento, ela ficou e marcou significativamente o inconsciente e o imaginário coletivo do povo brasileiro. Chamando atenção para essas situações que envolvem a discussão de raça e etnia, pretendemos enfatizar a relevância das conceituações apresentadas e a necessidade de um olhar crítico para a proposição de diferença dos grupos sociais. Longe de resolver a questão, o objetivo é ampliar a percepção de como esses conceitos estão atrelados às discussões políticas e econômicas, não só na nossa história, mas também nos dias atuais. 7 REPENSANDO O PRECONCEITO RACIAL A partir dos exemplos emblemáticos enfatizados, devemos lembrar que o preconceito racial ainda é velado nos dias de hoje. Talvez não tão explícito como no holocausto, na escravidão ou mesmo nas políticas de branqueamento anteriormente citadas, o olhar com desdém para alguém de etnia diferente ou mesmo a exclusão de um currículo por conta da cor da pele são considerados formas de preconceito racial. Para Blumer (1965), quatro aspectos permitem evidenciar as formas de preconceito racial por um grupo dominante: (a) de superioridade; (b) de que a raça 30 subordinada é intrinsecamente diferente e alienígena; (c) de monopólio sobre certas vantagens e privilégios; e (d) de medo ou suspeita de que a raça subordinada deseje partilhar as prerrogativas da raça dominante. Logo, as populações que se sentem prejudicadas em função do preconceito racial têm se organizado em movimentos sociais e se articulado para fazer valer os seus direitos sociais. Considera-se que as ações políticas afirmativas: […] tomam como base para sua implementação a extrema desigualdade racial brasileira no acesso ao ensino superior. Os argumentos favoráveis concentram- -se nesse sentido, afirmando a necessidade de um enfrentamento direto da sociedade brasileira a esse respeito, o que implica o reconhecimento de que o Brasil é um país racialmente desigual e que tal situação é fruto de discriminação e preconceito, e não de uma situação de classe social (LIMA, 2010, p. 87). Essas políticas são consequência da mobilização dos movimentos sociais vinculados à noção de raça e etnia. Entre eles, podemos destacar: A partir da segunda metade da década de 1990 acelera-se um processo de mudanças acerca das questões raciais, marcado fortemente por uma aproximação entre o Movimento Negro e o Estado brasileiro. É a partir deste momento que as reivindicações por ações mais concretas para o enfrentamento das desigualdades raciais começam a ser cobradas. Dois acontecimentos — um de âmbito nacional e outro, internacional — são destacados consensualmente pelos estudiosos do tema como momentos importantes desse processo: a Marcha Zumbi de Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995, ano de comemoração do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, e a Conferência de Durban, em 2001 (LIMA, 2010, p. 89). Podemos dizer que, apesar de diferentes grupos sociais que reivindicam a questão da identidade étnica no Brasil, como negros, indígenas, ciganos, e outros povos que habitam o território brasileiro, a mobilização do movimento negro tem se destacado. Essas mobilizações descritas acima tiveram consequências concretas nas implantações das cotas raciais, como explicita Maio e Santos et al. (2010, p. 189): Logo após a conferência, o governo brasileiro definiu um programa de política de cotas no âmbito de alguns ministérios (Desenvolvimento Agrícola e Reforma Agrária, Justiça e Relações Exteriores) (Moehlecke, 2002). No plano estadual e municipal, diversas iniciativas foram realizadas para a implementação do sistema de cotas. Aquela que obteve maior destaque no final do ano de 2001 foi a da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que estabeleceu uma porcentagem das vagas das 31 universidades estaduais para pretos e pardos (Maggie; Fry, 2004). A partir de 2002, o debate e a implementação de políticas de ação afirmativa com viés racial, com foco no sistema de cotas, estenderam-se por diversas universidades públicas, tanto estaduais como federais. Em sua ampla maioria, com regras variadas, foram definidos mecanismos centrados na auto declaração dos candidatos. Já a UnB, além de ser a primeira universidade federal a adotar o programa, estabeleceu critérios adicionais à auto declaração para definir os beneficiários, ou seja, quem seriam os "negros". A implantação das cotas não se deu sem polêmicas, e desde então são produzidas avaliações sobre o programa em inúmeros estados. As principais críticas à política de cotas destacadas por Guarnieri e Melo-Silva (2017, p. 185) desde a sua implantação em 2012 apontam: [...] inexistência biológica das raças; caráter ilegítimo das ações de “reparação” aos danos causados pela escravidão em tempo presente; risco de acirrar o racismo no Brasil; possibilidade de manipulação estatística da categoria “parda”; inviabilidade de identificação racial em um país mestiço; a questão da pobreza como determinante da exclusão social. Por outro ladro, também é preciso evidenciar pontos que foram vantajosos e que conseguiram provocar uma nova configuração da população no acesso à educação superior. Logo, a mesma pesquisa destacou: Os argumentos favoráveis concentraram-se na discussão sobre a constitucionalidade das cotas e relevância para o país. A intervenção do Estado foi colocada como fundamental diante dos quadros de desigualdade raciais remanescentes de fenômenos sociais que precisam ser enfrentados; destacando-se que as “ações afirmativas” atuariam como alternativa para a busca de igualdade através da promoção de condições equânimes entre brancos e negros (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2017, p. 185). 8 RACISMO E FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES ÉTNICAS A formação da identidade pessoal ocorre desde o nascimento, a partir das experiências e vivências nos campos sociais. Nesses campos, as pessoas aprendem a respeito da cultura de cada grupo étnico. Nesse contexto, cada etnia tem uma cultura própria, forjada a partir das experiências históricas que vivenciou,
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