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5 2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL A inclusão escolar tem sido discutida e fomentada nas últimas décadas no Brasil, ao encontro do entendimento de que deve ser garantido a todos os grupos culturais o acesso a uma educação igualitária e de qualidade. Como o Brasil historicamente produziu muitas diferenças e distanciamentos entre alguns grupos étnicos, é necessário o estudo a respeito das relações étnico-raciais dentro e fora da escola. 2.1 Desigualdades sociais e raciais na educação brasileira Para estabelecer um histórico a respeito da produção de desigualdades no Brasil, devemos abordar os processos de colonização, uma vez que o país foi conquistado por Portugal, fazendo parte de todo um planejamento de expansão territorial de nações europeias no século XVI. Nessa época, predominava a ideia de levar a essas novas colônias um jeito de pensar e viver que se aliasse aos preceitos europeus, com a cultura dos povos conquistadores vista sempre como a de maior valor como o caminho correto e como a norma comportamental a ser seguida. Essa imposição dos padrões europeus, que chegou ao Brasil com os portugueses, é o primeiro ponto para entendermos como as desigualdades sociais e raciais, em um primeiro momento manifestadas contra os índios e negros escravizados da África, tiveram lastro para acontecer em nosso País. Os mecanismos coloniais estabeleceram uma relação entre cor e raça, a qual, além de classificar as populações, também servia para operar a “[...] inferiorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista da produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, documento on-line). Ou seja, a colonização não ocorreu somente no território, na materialidade dos recursos e na exploração do trabalho do colonizado, mas também na colonização de saberes, impondo novas formas de pensar e, consequentemente, agir em sociedade. 6 Ao analisarmos a história dos negros no Brasil principalmente no período pós-escravatura, com a Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888 e as suas inúmeras dificuldades de inserção na vida social e laboral, Pesavento (1989, p. 83) comenta que “[...] os egressos da escravidão, como negros, agregavam a este quadro o estigma do qual eram portadores: eram visualizados ideologicamente como uma força de trabalho inadequada para o trabalho regular, avessos à nova ordem que se impunha”. A marca deixada pela escravidão nas populações negras somente foi minimizada, segundo a autora, na segunda metade do século XIX, período recente em termos históricos. Essa desigualdade, o racismo e a discriminação que se estendem aos que se distinguem dos padrões estabelecidos são produzidos histórica e culturalmente, como resultado da assimetria de poder entre grupos identitários mais privilegiados e grupos identitários discriminados. A problemática que envolve os processos coloniais brasileiros, que evidencia a emergência de uma etnia mais poderosa e que possui uma visão monoculturalista sobre o mundo, tem impactos na área educacional. Como alguns grupos de origens étnicas distintas foram privilegiados em detrimento de outros, também nos aspectos que envolvem a educação, como, por exemplo, o acesso à escolas de maior qualidade, devem ser criados mecanismos que possam reparar essas discriminações históricas que prejudicaram alguns grupos bem específicos, como os negros e os índios. Banton (2000, p. 457) define o processo de racialização como o “[...] processo ou situação em que a ideia de raça é introduzida para definir e qualificar uma população específica, suas características e suas ações”. Dessa forma, as pessoas são convencidas de que certas características são intrínsecas de alguma raça ou etnia, o que se confirma por expressões como “ele é italiano, por isso é mão fechada”, “o alemão é melhor com planejamento” e “os índios são preguiçosos”. Essas frases são manifestações dessa racialização, que acaba marcando e estereotipando uma etnia e/ou raça a partir de aspectos relacionados a questões biológicas e fenotípicas (cor da pele, cabelo, formato do nariz, espessura dos lábios, tamanho do crânio, etc.). 7 Ao analisar essa estratificação social a partir de aspectos étnico-raciais nos sujeitos, podemos identificar uma pedagogia que: [...] educou o olhar deste sujeito branco que julga; ela educou seu modo de compreensão sobre a pertença racial. Ela o educou para pensar que ele, branco, não tem raça nem cor e, portanto, pode, do alto de seu estatuto de incolor, julgar quem são, afinal, os “de cor” (KAERCHER, 2010, p. 87). Ao estudarmos a história mundial e brasileira, observamos, por exemplo, como as práticas da eugenia considerada ciência propunham saberes que relacionavam as características físicas, raciais e fenotípicas do ser humano com as suas capacidades (ou falta delas) em relação a uma ideia de raça humana superior. As práticas eugênicas no Brasil se associaram às correntes higienistas e sanitaristas no início do século XX, a fim de buscar o aprimoramento de uma raça nacional, o que envolvia inclusive o branqueamento da população. Segundo Souza (2005, p. 6), “[...] os eugenistas entendiam que atitudes radicais como a esterilização, pena de morte, controle rigoroso da entrada de imigrantes, obrigatoriedade do exame pré-nupcial, proibição do casamento inter-racial e de portadores de doenças contagiosas” levariam a esse objetivo. A desigualdade social embora muito relacionada aos aspectos econômicos, que dividem a sociedade em classes, de acordo com as suas posses ou propriedades também atinge outros campos, como o de gênero, o religioso e as questões de orientação sexual diversas, que fazem parte daqueles que são diferentes do construído como normal e socialmente aceito. O fato é que esses grupos identitários diversos se encontram no interior da escola e fazem parte cotidiana dos afazeres de professores assim, as aulas devem ser desenvolvidas de forma harmônica, intercultural e igualitária, procurando mediar conflitos e propor reflexões aos alunos. 2.2 Políticas e práticas de superação do racismo e desigualdade racial na educação brasileira O País embora tenha, nas últimas décadas, promovido inúmeras discussões em torno da diversidade cultural e dos processos de hibridismo ou 8 mestiçagem das várias etnias que compõem a identidade nacional ainda apresenta traços de racismo que acabam por produzir situações de desigualdade na sociedade. Uma das principais conquistas das lutas do Movimento Negro em busca de positivação da sua identidade afro-brasileira foi a inserção dos estudos sobre história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares a partir da Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003). Com relação ao currículo escolar, é evidente a existência de um jogo de poder na seleção do que deve ser ensinado. A esse respeito, Passos (2008, p. 17) argumenta que “[...] o currículo escolar, tal qual a sociedade brasileira, está pautado numa compreensão de que apenas a cultura do colonizador branca, masculina, heterossexual e cristã tem legitimidade para ser estudada”. Todos aqueles saberes que não se enquadram nesses termos acabam excluídos da escola. Muitas vezes, alguns grupos cujos saberes não são considerados legítimos para estudo nas escolas são privados do acesso a uma educação de qualidade e, consequentemente, das mesmas oportunidades que outros têm. Devido a esses aspectos socioculturais enraizados na nossa história, cabe à escola dar visibilidade e tornar positiva a maneira de pensar e agir em relação aos afro-brasileiros, que representam uma significativa parte da população na atualidade. Carneiro (2006, p. 99), admite que ainda existe nas escolas “[...] uma cultura travada e preconceituosa, impermeável a aceitar o diferente e a conviver com o desigual”. Talvez poresse fato tenhamos percebido a movimentação de muitos grupos identitários em busca do seu espaço de aceitação e igualdade na sociedade nas primeiras décadas do século XXI, no Brasil, entendendo que fazer parte das discussões que ocorrem na escola é uma das formas mais potentes de modificar o modo como se pensam os temas e os jeitos de viver. Em resumo, temos a seguinte cronologia das alterações e modificações das leis sobre raça e etnia na educação brasileira: • LDB Lei nº. 9.394/1996, art. 26, §4º; • Lei nº. 10.639/2003, que alterou a LDB e acrescentou os art. 26-A e 79-B; • Lei nº. 11.645/2008, que alterou a LDB, modificada anteriormente pela Lei nº. 10.639/2003, no art. 26-A. 9 A Lei nº. 11.645/2008, em vigência, propõe a seguinte redação para o art.26-A da LDB (BRASIL, 2008, documento on-line): “Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Assim, é obrigatório para todas as instituições do sistema de ensino nacional também o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira. É importante perceber que o art. 79-B, acrescido à LDB pela Lei nº. 10.639/2003, não foi alterado, permanecendo o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Reforçando a importância de o respeito à diversidade ser considerado nos currículos, de modo a ampliar o escopo da educação escolar que considera as relações étnico-raciais, Silva (2007, p. 490) refere que: [...] a educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico- -raciais e sociais. Para que as escolas possam organizar as suas práticas curriculares em torno do ensino dessas temáticas étnicas negras e indígenas, a Lei nº. 11.645/2008 propõe os seguintes conteúdos programáticos: • história da África e dos africanos; • luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil; • cultura negra e indígena brasileira; • negro e o índio na formação da sociedade nacional. Ao analisarmos os conteúdos programáticos propostos, podemos verificar as possibilidades para os professores alinharem os seus planos de aula e proporem práticas, durante todo o ano escolar, que possam envolver discussões referentes à aprendizagem sobre as contribuições dessas etnias na formação e no enriquecimento cultural da nossa sociedade, deslocando-se da visão única das culturas europeias. Não estamos propondo substituição ou esquecimento das demais etnias europeias, mas uma educação visando à valorização das diferentes etnias. Só assim uma efetiva mudança social será promovida.
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