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33 6 NOÇÕES DE LÉXICO, DE MORFOLOGIA E DE SINTAXE COM APOIO DE RECURSOS AUDIOVISUAIS Neste capítulo, você vai conhecer a estrutura da Libras e os seus principais componentes: léxico, morfologia e sintaxe. Você também vai ver quais são as diferenças entre uma frase construída em Libras e sinalizada e uma construída a partir do português, mas também sinalizada. Além disso, vai reconhecer alguns dos benefícios de utilizar recursos audiovisuais para o ensino da Libras, tanto para ouvintes quanto para surdos. Embora existam cursos de formação que envolvem o aprendizado da Libras, nem todos se dedicam ao estudo das suas propriedades linguísticas. Contudo, aprender uma língua não é apenas adquirir vocabulário; também é fundamental conhecer e compreender regras de estrutura e combinação de palavras/sinais (FALKOSKI, 2019). Pensar na estrutura gramatical de uma língua envolve compreender os seus princípios básicos de formação, por exemplo, saber o que é um sujeito, um verbo e um objeto e como eles podem se combinar a fim de compor uma sentença. Um surdo que aprende a Libras precisa dominar todos esses aspectos, pensando na sua língua como forma de expressão e recepção de informações, mas também necessita dominá-los na língua portuguesa, pois vai utilizá-la para escrever e ler. Ao longo deste capítulo, você deve ter em mente que se exige muito da comunidade surda e nem sempre se oferecem recursos a ela. Além disso, poucas pessoas dominam a Libras, utilizando, muitas vezes, o chamado “português sinalizado” no momento de se comunicar. Este texto tem como objetivo refletir acerca desses aspectos e oferecer indicativos de como reconhecer a estrutura gramatical da Libras e colocá-la em prática. 6.1 Libras e Sua Estrutura: Léxico, Morfologia e Sintaxe Nos estudos linguísticos, existem as áreas da fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Inicialmente, você deve compreender brevemente o que cada uma estuda, pensando nas línguas orais, para posteriormente refletir sobre esses aspectos na Libras. De acordo com Quadro e Karnopp (2004): 34 a fonética das línguas orais estuda os sons da fala; a fonologia estuda os sons e como eles se combinam entre si formando elementos; a morfologia identifica a estrutura interna das palavras; a sintaxe busca reconhecer a estrutura da frase; a semântica tem como objetivo entender o significado das palavras e da frase; a pragmática estuda a linguagem em uso e os princípios de comunicação. Nas línguas de sinais, os estudos se concentram basicamente nas áreas de fonologia, morfologia e sintaxe. 6.2 Fonologia ou Léxico De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 47), a fonologia tem como objetivo “[...] determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais [...]” e “estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis”. Ou seja, a fonologia se dedica a estudar a composição do sinal. O sinal se compõe a partir de cinco parâmetros: configuração de mão (CM), movimento (M), locação (L), orientação da mão (Or) e expressões não manuais (ENM). Pensar em um sinal sem um desses componentes é praticamente impossível, pois cada um exerce uma função primordial. Separados, eles não apresentam significado, porém quando juntos formam o sinal. A seguir, você pode aprender mais sobre esses parâmetros. Configuração de mão: diz respeito ao formato da mão. As letras também são configurações. Movimento: é a forma como as mãos se movem no espaço, podendo apresentar formas e direções diferentes. Locação: é o local onde os sinais são produzidos no espaço; pode envolver uma área como cabeça, troco e braços, mas sem se estender muito. 35 Orientação da mão: é o modo como as mãos estão organizadas, ou seja, para qual direção a palma fica posicionada — para cima, para baixo, para o corpo, para a frente, para a direita ou para a esquerda. Expressões não manuais: um dos itens mais importantes da Libras é a expressão dos movimentos da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco; é isso que dá sentido ao sinal. Sem a união desses componentes, o sinal perde o sentido e pode mudar de significado. Por exemplo, como sinalizar que você está feliz se não usar a expressão facial de felicidade? Nesse caso, você poderia estar sendo irônico ou caçoando de alguém. Mudar o ponto de locação do sinal também pode ocasionar mudança de significado. No caso dos sinais de “aprender” e “laranja”, a única mudança que ocorre é em relação à locação: o primeiro é feito na frente da testa, e o segundo, na frente da boca. Essas mudanças são chamadas nas línguas orais de pares mínimos. Considere, por exemplo, as palavras “gato” e “gado” na língua oral. A mudança de uma letra ocasiona a mudança de significado, não é? Quando se diz uma palavra, vem um animal à mente; quando se diz a outra, vem outro. Na Libras, essa mudança ocorre quando um dos parâmetros se diferencia; no caso de “aprender” e “laranja”, a locação é a responsável por isso. Algumas pessoas pensam que a Libras se resume ao alfabeto manual, ou seja, aprendem os sinais das 26 letras e acreditam que já sabem sinalizar. Porém, esse recurso é utilizado apenas quando as palavras possuem um sinal ou para nomes próprios, caso em que se recorre à soletração manual; ou seja, a palavra é feita por meio do alfabeto datilológico da Libras. Por exemplo, para apresentar uma pessoa, faz-se o nome dela com as letras do alfabeto manual — “C-A-M-I-L-A” — e na sequência o seu sinal, se ela possuir. Em situações de conteúdo ou assunto muito específico, em que não há um sinal para determinada palavra, também se pode recorrer ao uso da soletração (FALKOSKI, 2019). Durante a produção de alguns sinais, algumas vezes é necessário mudar a configuração de mão e a locação. Por exemplo, para designar a escola, une-se dois sinais, “casa” e “estudar”, que formam um novo significado. Nesse caso, o segundo sinal é feito sem a repetição realizada quando se indica apenas o verbo “estudar”. 36 6.3 Morfologia Em relação à morfologia, Quadros e Karnopp (2004, p. 86) afirmam ser o “[...] estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das palavras [...]”. Portanto, existem as palavras base e outras que vão sendo criadas a partir delas. É possível formar um novo sinal ou criar um a partir da união de outros. Os classificados são um importante recurso na Libras. Normalmente, são usados para indicar movimento de pessoas ou objetos, para posicionar pessoas e objetos na situação enunciativa, ou ainda para descrever aspectos de forma mais clara. Nem sempre existe um sinal que pode ser usado para descrever um objeto. Por exemplo, no caso do português, pode-se dizer “uma jarra oval”, mas na Libras ficaria muito estranho sinalizar “um jarro oval”. Assim, recorre-se ao uso de um classificador que dê conta desses três sinais e deixe visível a indicação de como é o jarro. Para sinalizar uma música ou poesia, que são gêneros que exploram muito as emoções, também se costumam usar os classificadores. Eles transmitem sentido e significado para quem recebe a informação de forma mais compreensível. Os movimentos são importantes pois a partir deles é possível mudar uma palavra de classe gramatical. Por exemplo, o verbo “sentar” apresenta movimento repetitivo, já o substantivo “cadeira” não necessita do movimento. O verbo “ouvir” também é uma palavra com movimento de repetição, enquanto o substantivo “ouvinte” é feito apenas uma vez. A partir de algumas regras morfológicas, novas palavras são criadas: regra de contato (por exemplo, “acreditar”); regra de sequência única (por exemplo, “pai” + “mãe” = “pais”); regra da antecipação da mão não dominante (por exemplo, “bom dia”) É importante destacarque cada uma dessas regras oferece contribuições fundamentais para a formação de palavras ou a mudança de significado. No caso dos numerais e negativos, na maioria das vezes, eles podem ser incorporados ao sinal que está sendo feito inicialmente, então não é preciso utilizar dois sinais. Por exemplo, no caso de “um dia” e “dois dias”, é possível fazer o sinal “dia” já com o número incorporado. No caso de “muitas pessoas”, não é preciso usar 37 os sinais para “muitas” e para “pessoas”; pode-se usar um classificador que dê conta dessas duas informações. Em relação ao “ter” e ao “não ter”, usa-se o sinal incorporado ao movimento facial negativo. Ou seja, não são feitos dois sinais (“não” e “ter”), mas um único que dá conta da informação por completo. 6.4 Sintaxe A sintaxe, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 127), se refere ao “[...] espaço em que são realizados os sinais, [então] o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal são fundamentais para tais relações sintáticas [...]”. Ou seja, é possível posicionar pessoas e elementos no espaço e retomá-los durante o discurso sem ter de mencioná-los novamente, usando apenas um movimento corporal ou o apontamento. Costuma-se iniciar a explicação colocando os personagens em locais do espaço. Inicialmente, a sinalização conta com a distribuição dos objetos e pessoas na cena. Depois, enquanto a conversa ou tradução vai acontecendo, recorre- -se ao recurso de apontamento, que costuma ser muito utilizado durante qualquer situação, pois evita que os sinais se sobreponham um ao outro. Por exemplo, quando se está contando a história dos três porquinhos, inicialmente se distribuem as casas e os personagens no espaço. O porco com a casa de palha poderia ficar mais à direita; o porco com a casa de madeira, mais no meio; e o porco com a casa de tijolos, mais à esquerda. Coloca-se o lobo no enredo e a narração se inicia. Cada vez que um porco for retomado, não é preciso sinalizar quem ele é, apenas apontar e usar alguma característica, talvez. Mas a história será melhor compreendida se for feita dessa forma, sem confundir quem assiste. Outro exemplo: no caso de um diálogo entre uma mãe e um filho, é possível posicionar um à esquerda e outro à direita. Cada vez que um tomar o turno de fala, pode-se apontar ou fazer um leve movimento de corpo, virando-se para o lado em que o falante está. 38 6.5 Estrutura Gramatical: Aspectos Próprios da Libras A Libras segue alguns dos princípios básicos de qualquer outra língua no que diz respeito à sua estrutura gramatical. Porém, como conta com diferentes recursos, como classificadores e expressões não manuais, algumas mudanças são possíveis e aceitáveis. É importante você levar em conta que existe uma ordem básica para a narrativa ser estabelecida; os sinais tendem a ser feitos seguindo essa ordem. Costuma-se sinalizar iniciando pelo sujeito (S), seguido pelo verbo (V) e pelo objeto (O). Porém, mudanças são possíveis, dados todos os aspectos mencionados anteriormente. Na língua portuguesa, algumas frases são consideradas agramaticais e não pronunciáveis, mas na Libras, dependendo dos recursos utilizados, essas frases podem ser aceitas e até melhor compreendidas. Considere os exemplos a seguir. “Ele gosta de futebol” (português) — SVO “Ele futebol gostar” (Libras) — SOB Ambas as frases são possíveis e permitidas, cada uma na sua língua. Caso a primeira frase seja sinalizada da forma como está escrita, tem-se o caso do português sinalizado. Porém, quando a segunda é sinalizada, respeita-se o uso geral da Libras. Em alguns casos, é necessário repetir um sinal para que ele seja compreendido e reforçado: “futebol João gostar futebol”. Nesse caso, a palavra “futebol” possui um significado muito importante e a sua repetição oferece essa ideia ao interlocutor que recebe a mensagem. Mas isso depende da situação comunicativa e da intenção da frase; esta pode ser afirmativa, negativa ou interrogativa (FALKOSKI, 2019). 39 Como ordem dominante, tem-se: SOV, SVO e VSO. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 135), “A língua de sinais brasileira apresenta certa flexibilidade na ordem das palavras [...]”, sendo, portanto, aceitáveis outras possibilidades de formação. Porém, tais possibilidades precisam ser compreendidas por quem sinaliza e por quem recebe a mensagem. 6.6 Expressões Não-Manuais Quadros e Karnopp (2004) apresentam algumas considerações a respeito do uso de expressões não manuais e das mudanças na ordem da frase que elas podem ocasionar, proporcionando assim a compreensão por parte do receptor da mensagem. Considere a frase “Filme ele assiste”. No caso, o sinal de “filme” será feito e posicionado no espaço mais à frente ou ao lado do falante; em seguida, os sinais de “ele” e “assiste” serão feitos por meio de um direcionamento de olhar (expressão não manual) para “filme”, posicionado anteriormente. Aqui se tem um exemplo da estrutura da frase em OSV. 6.7 Advérbios temporais O uso de advérbios temporais também permite algumas mudanças. Eles podem estar antes ou depois da oração. Por exemplo: “Felipe comprar casa amanhã” ou “Amanhã Felipe comprar casa”. Essas duas possibilidades de frases são aceitas na Libras. Porém, o advérbio de frequência pode ocorrer na frase de três formas diferentes: “Eu como alface algumas-vezes” (note que o advérbio é formado por duas palavras, porém sinalizadas com um único sinal, por isso estão separadas por um traço); “Eu algumas-vezes como alface”; “Algumas-vezes eu como alface”. 40 6.8 Verbos Para se referir a tempos verbais na estrutura da Libras, são usadas algumas marcas: passado, presente e futuro, ontem, hoje e amanhã. Por exemplo: “Ontem ir casa avó” (ontem eu fui à casa da minha avó); “Ir casa avó ontem” (fui à casa da minha avó ontem). Veja outro exemplo: “Passado brincar boneca” (brinquei de boneca); “Trabalhar casa futuro” (trabalharei em casa). Os verbos sinalizados não possuem uma diferenciação quanto ao tempo verbal em que estão sendo pronunciados, ou seja, o sinal não muda de acordo com pretérito, presente ou futuro. Porém, essas marcas são necessárias e fundamentais para que a mensagem seja compreendida corretamente; assim, são usados sinais indicando o tempo verbal. Existem diferentes tipos de verbos: simples, com concordância e espaciais. Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos simples não apresentam flexão de pessoa e número e não incorporam afixos locativos. Por sua vez, os verbos com concordância são flexionados quanto a pessoa, número e aspecto e também não incorporam afixos locativos. Já os verbos espaciais possuem afixos locativos. 6.9 Tópicos Nas sentenças com tópico, a ordem da frase pode variar. Considere, por exemplo, a frase “Pesquisar ela não-gostar”. A palavra “pesquisar” aqui entra como um tópico que logo em seguida será explicado pelo comentário “ela não-gostar”. Esse tipo de construção costuma favorecer o entendimento de quem recebe a informação. Primeiro se informa sobre o que será dito e em seguida vem a informação propriamente dita em Libras. 41 Alguns casos apresentam outra estrutura, por exemplo, o verbo “convidar”. Sinaliza-se “Você convidar ele”, porém as marcações de “você” e “ele” não são feitas pelo apontamento, mas por um movimento das mãos de um lado em direção ao outro. 6.10 Sintaxe espacial Quadros e Karnopp (2004) apresentam alguns mecanismos usados para explicar como a Libras se organiza espacialmente, ou seja, como os sinais são organizados a fim de favorecer a compreensão por parte de quem os vê. Tais mecanismos incluem: fazer o sinal em um local específico; direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma localização particular simultaneamente com o sinal de um substantivo ou com o apontamentopara o substantivo; usar o apontamento ostensivo antes do sinal de um referente específico; usar um pronome (o apontamento ostensivo) em uma localização particular quando a referência for óbvia; usar um classificador (que representa o referente) em uma localização particular; usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os referentes previamente introduzidos no espaço. Esses mecanismos ajudam a compreender a organização espacial da frase em Libras. Quem sinaliza pode usar referentes presentes ou não. Para isso, localiza-os no espaço e pode retomá-los ao longo do discurso. 42 6.11 Recursos Audiovisuais No Ensino De Libras A Libras tem um valor inestimável para os surdos e para aqueles que crescem na comunidade surda. É uma língua que permite adentrar e participar de um grupo: o grupo de surdos. A Libras se constitui como primeiro artefato da comunidade surda e, além de ser uma forma de comunicação, ela expressa a identidade de quem se considera uma pessoa com surdez. Pensar no aprendizado da Libras exige refletir sobre como essa comunidade se constitui e principalmente sobre como usar a língua de forma correta. No ensino da Libras, o uso de recursos visuais é fundamental, tanto considerando o caso de ouvintes que aprendem a língua quanto a situação dos próprios surdos, que precisam aprendê-la de forma mais sistemática. Para os dois grupos, é necessário buscar metodologias diferenciadas e que sejam muito visuais (QUADROS, 2017). No caso do ouvinte, o português é aprendido desde os seus primeiros contatos com a língua, quando ouve palavras simples e inicia a sua reprodução. Pais e mães ficam atentos às primeiras palavras pronunciadas; mesmo quando elas não parecem ter um significado compreensível por qualquer pessoa, eles as compreendem. Conseguem diferenciar quando um “papa” quer dizer “comida” e quando quer dizer “papai”. É difícil explicar, mas quem está na situação e faz parte do contexto consegue entender os significados que as palavras apresentam. Para o surdo, isso acontece da mesma forma, porém visualmente e com o uso de gestos. Costumam-se chamar as primeiras formas de comunicação da criança surda de “sinais caseiros”, pois eles possuem significado, mas não são compreensíveis por qualquer pessoa. Pais, mães e cuidadores vão estabelecendo formas para se comunicar, fazendo combinações e, assim, possibilitando à criança compreender e ser compreendida. A escola serve como um espaço para aperfeiçoar o aprendizado da língua, seja oral ou sinalizada. Nela, é possível conhecer e identificar os recursos que a língua oferece para estabelecer uma comunicação mais rica e que seja entendida por muitas pessoas. Assim, aos poucos, ocorre o aprendizado de classes gramaticais, regras de estrutura e funcionamento da língua. Os alunos aprendem o que pode ser dito e aquilo que não pode ser compreendido. Por volta do 1º ano do ensino fundamental, quando o aprendizado começa a se formalizar, a criança ouvinte comete muitos erros de fala e escrita, pois utiliza 43 palavras que nem sempre existem ou seriam possíveis. Recorrendo ao vocabulário que possui e unindo os conhecimentos já adquiridos, ela vai fazendo novas combinações, acreditando que as palavras que cria já existem ou são facilmente compreensíveis. Uma criança pode dizer, por exemplo, “donaviaria” em vez de “rodoviária”. Mas esse é um processo necessário e que acontece com todas as crianças ouvintes, que precisaram passar por diferentes etapas de ensino até compreender que existem regras que devem ser seguidas, que algumas vezes é possível criar novas palavras, mas outras vezes, não. Já as crianças surdas, em sua maioria, não têm contato com a Libras desde que nascem, principalmente se forem de uma família de ouvintes. Pense na situação de uma criança com 4 anos, idade na qual hoje é obrigatório estar numa escola, que nunca teve contato com a sua língua. Ao chegar à escola, a sua primeira aprendizagem precisa ser dos sinais; é necessário construir um vocabulário ao qual a criança possa recorrer para organizar e criar frases. Quando estiver no 1º ano, ela terá quatro anos de atraso em relação ao léxico que uma criança ouvinte possui, o que trará consequências significativas para o seu desenvolvimento. Veja o que afirma Fernandes (2007, documento on-line): [...] embora brasileiras, as crianças surdas necessitam de uma modalidade linguística que atenda às suas necessidades visuais espaciais de aprendizagem, o que significa ter acesso à Libras, assim que for diagnosticada a surdez, para suprir as lacunas que a oralidade não preenche em seu processo de desenvolvimento da linguagem e conhecimento de mundo. Essa situação configura o bilinguismo dos surdos brasileiros: aprender a língua de sinais, como primeira língua, preferencialmente de zero a três anos, seguida do aprendizado do português, como segunda língua. Dessa forma, quanto mais cedo a criança com surdez for colocada em contato com a sua língua e receber estímulos visuais, mais fácil e rapidamente se desenvolverá. O ideal seria a existência de espaços de educação infantil que dessem conta desse contato inicial que a criança surda precisa ter, usando recursos e materiais audiovisuais que facilitassem o seu desenvolvimento. Falkoski e Witchs (2010) apresentam uma proposta de trabalho voltada a crianças da educação infantil, mas que poderia ser utilizada em diferentes momentos do desenvolvimento do sujeito surdo. Note que os aspectos mencionados não são difíceis de serem colocados em prática em sala de aula: 44 Atendimento na sala de aquisição de língua, com jogos e brinquedos adaptados para o ensino da Libras (como dominó de sinais), palavras em português, cores e seus sinais, histórias em DVD, etc.; Atendimento às professoras das turmas das crianças surdas, com ensino de Libras e esclarecimento de dúvidas relacionadas aos alunos; Ensino da Libras a todos os funcionários da escola, para que se comuniquem com os alunos surdos; Encontros com familiares das crianças surdas para estudo de Libras e também para sanar dúvidas relacionadas ao desenvolvimento dos alunos (nesse momento, os pais poderiam expor seus sentimentos e dificuldades); Atividades com as turmas da escola, juntamente aos alunos surdos, para exploração de novos sinais por meio de jogos e brincadeiras, a fim de ativar a comunicação; Intermediação da comunicação nas turmas regulares para o incentivo do uso da Libras como língua principal pelos alunos surdos. Na experiência descrita por Falkoski e Witchs (2010), a professora contava com dois espaços de trabalho: a sala de aquisição da linguagem, frequentado apenas por alunos surdos durante um período de tempo do dia; e a sala de aula regular, onde os alunos estudavam com seus colegas ouvintes. Disponibilizar esses dois espaços possivelmente foi o que favoreceu o desenvolvimento e o enriquecimento do vocabulário dos alunos surdos. Enquanto no primeiro espaço eles usavam apenas a sua língua para se comunicar, brincar e realizar as propostas, no segundo estavam em contato com a língua portuguesa, mas com o apoio constante dos sinais. As imagens são um recurso rico e potente que favorece o desenvolvimento e o aprendizado de qualquer pessoa, não apenas das crianças. O aprendizado do adulto também é facilitado por meio do contato com imagens, gravuras, vídeos e jogos pedagógicos. São essas ferramentas que farão com que o aprendizado ocorra e seja mantido. Afinal, como você sabe, é fácil receber a instrução, porém absorver o conhecimento de forma significativa é um processo mais demorado e difícil. As possibilidades apresentadas aqui são apenas algumas alternativas e focam sempre no ensino da Libras para todos os envolvidos no processo escolar; portanto, não são considerados apenas o aluno surdo e o professor bilíngue,mas entram em 45 cena colegas, outros professores e funcionários. A partir desse trabalho inicial de aquisição de língua, é possível aos poucos ir contemplando os aspectos gramaticais e estruturais da Libras, pois a aquisição serve de base para os conhecimentos subsequentes. Afinal, não é possível falar de algo se não se sabe como falar, ou seja, não é possível sinalizar se não se conhecem os sinais. A Libras apresenta basicamente os mesmos componentes das línguas orais, tendo assim o mesmo status de outras línguas. Como você viu, os aspectos fonológicos da Libras envolvem os sinais; os aspectos morfológicos, os mecanismos de mudança de um sinal para outro; e os aspectos sintáticos, a estrutura da frase. Compreender a estrutura e as possibilidades específicas da Libras favorece o aprendizado dessa língua, evitando o chamado “português sinalizado”. A incorporação de numerais e negativos e o uso de tópicos são elementos da Libras que tornam a frase sinalizada mais compreensível por quem está recebendo a mensagem. Além disso, a Libras possui recursos que as línguas orais não têm, como os classificadores. O uso desses recursos faz com que a Libras seja sinalizada e entendida por surdos e ouvintes e também facilita a comunicação (FALKOSKI, 2019). Em sala de aula, o professor, mesmo que esteja se desenvolvendo na língua e ainda não seja fluente, pode recorrer a metodologias e recursos visuais que facilitarão o aprendizado dos seus alunos surdos e também dos seus alunos ouvintes. Aprender Libras interagindo visualmente torna a língua mais significativa e compreensível. 46 7 CARACTERÍSTICAS FONOLÓGICAS Neste capítulo, você poderá comparar a fonologia da língua oral com a fonologia da Libras. Vale lembrar que a Libras é uma língua recente, tendo sua regulamentação no início do século XXI, quando finalmente expandiu a pesquisa em línguas de sinais. Antes disso, os linguistas rejeitavam veemente o estudo acadêmico nessa área por não ser uma língua oficial no Brasil, devido à falta de representatividade na sociedade e, ainda, devido ao fato de que não havia autores reconhecidos que pudessem transcrever suas estruturas com convicção. A partir do momento que o Brasil regulamentou a Libras como língua oficial no país, por meio da Lei nº. 10.436/2002, linguistas da língua de sinais têm demonstrado que, assim como as línguas orais, a língua de sinais tem uma estrutura sublexical sistematicamente organizada (PINTO, 2019). Além disso, as línguas de sinais também estão em forte contraste com as línguas orais (oral-auditiva), uma vez que são produzidas na modalidade gesto-visual e, portanto, os articuladores envolvidos na organização fonológica são diferentes. Neste capítulo, portanto, você aprenderá sobre o campo da fonologia da língua de sinais em uma visão geral seletiva e seus impactos em cada sinal, bem como analisará as características individuais que determinam a definição e o tom dos sinais em relação aos cinco parâmetros em Libras: configuração de mãos, ponto de articulação, movimento, orientação e expressão faciocorporal. Fonte: http://fonologia.org A fonologia da Língua Brasileira de Sinais amplia nossos conhecimentos quanto às estruturas dos sinais em Libras e nos aproxima ainda mais da gramática da modalidade visioespacial (Libras). Como a fonologia é o nível da linguagem que interage diretamente com os sinalizadores, as diferenças anatômicas, por sua vez,
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