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31 Libras LIBRAS CLÉLIA MARIA IGNATIUS NOGUEIRA MARILIA IGNATIUS NOGUEIRA CARNEIRO BEATRIZ IGNATIUS NOGUEIRA Apresentação do livro Você, certamente, deve estar se perguntando por que estudar a Língua Brasileira de Sinais, a Libras. Afinal, essa é a língua dos surdos brasileiros e, provavelmente, você nem conhece alguém surdo. Outra coisa que, talvez, você não sabe, caro(a) aluno(a), é que, no Brasil, atualmente, há cerca de 5.700.000 pessoas surdas. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), em 2001, havia 50 mil estudantes surdos matriculados no Ensino Fundamental, a maioria em classes comuns, em escolas inclusivas. Apesar dessa grande quantidade de alunos surdos matriculados no ensino regular, poucos obtêm sucesso, principalmente, porque a principal maneira de ensinar ainda é a explicação oral. Nesse caso, o surdo não entende nada, devido à dificuldade de comunicação entre professores e alunos. Esse dado de 2001 é importante, porque essa constatação deu origem a diversas ações do Ministério da Educação brasileiro, mudando radicalmente, e para melhor, a educação do surdo brasileiro. Foi tentando mudar essa realidade de fracasso educacional dos alunos surdos que o Governo Federal adotou diversas medidas, dentre elas, o Decreto Federal nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Esse Decreto tornou obrigatório o ensino de Libras em todos os cursos de formação de professores e também de fonoaudiologia do Brasil, além de tornar a Libras uma disciplina optativa nos demais cursos. Por esse motivo, caro(a) aluno(a), você estudará essa disciplina, que tem como objetivo proporcionar o estudo da Língua Brasileira de Sinais e refletir sobre a surdez, a cultura, as identidades surdas e a educação de surdos na realidade brasileira, pensando na inclusão social e educacional do surdo. Nesse sentido, a surdez pode ser caracterizada de duas maneiras distintas: seguindo o modelo médico, que a considera uma deficiência, uma limitação de natureza patológica, rotulando a criança por aquilo que ela não é capaz de fazer. Por outro lado, ao ser adotada a concepção socioantropológica, que entende a surdez não mais como uma patologia, mas como uma diferença linguística, a criança surda passa a ser encarada a partir de suas possibilidades, que podem ser mais ou menos aproveitadas em função da educação ofertada. Assim, compreender os surdos e a surdez por meio desse viés educacional é fundamental para o professor, pois é esse profissional que estará mais próximo da família no momento dela lidar com a educação da criança surda. Além disso, pensando no surdo adulto, que pode e deve exercer sua cidadania, é importante que qualquer profissional esteja minimamente capacitado para atendê-lo. Dessa forma, procuramos atender, prioritariamente, a três grandes objetivos: proporcionar a constituição de uma imagem positiva da surdez e dos surdos; favorecer a inclusão educacional e social do surdo; promover a difusão da Libras. Para atingir esses objetivos, este livro está organizado em três unidades. Na Unidade I, apresentamos a Libras – Língua Brasileira de Sinais, em seus aspectos geral e sintático. A Unidade II é destinada, basicamente, à apresentação de um vocabulário específico, o qual permite que você, caro(a) aluno(a), comunique-se, de modo funcional, com o surdo, em sua área de atuação profissional. Apresentamos, também, na segunda unidade, os profissionais da Libras, a saber, o tradutor intérprete de Língua de Sinais (TILS) e o professor de Libras, que, de acordo com o Decreto nº 5.626, deve ser, prioritariamente, surdo. Na Unidade III, trataremos da sensibilização e da conscientização acerca dos aspectos sociais e antropológicos da surdez, ao discutirmos as concepções de surdez, as diferentes filosofias educacionais, a cultura e as identidades surdas e a história da educação de surdos. Ainda, apresentaremos algumas leis e políticas públicas relacionadas à educação de surdos, finalizando com uma desconstrução de alguns mitos e crenças sobre a surdez e os surdos. Na conclusão, além de retomarmos os assuntos abordados nas Unidades I, II e III, há uma breve discussão a respeito da inclusão educacional e social do surdo. Essas discussões são sustentadas em nossa formação acadêmica, mas, particularmente, em nossa experiência de vida. Devido aos nossos sobrenomes, você já deve ter percebido que nós três somos parentes! É verdade. Somos mãe (Clélia), ouvinte, e filhas (Marília e Beatriz), surdas e vivenciamos um período muito difícil na vida do surdo brasileiro, no qual os professores não aprendiam a se comunicar com seus alunos e os próprios surdos eram proibidos de usar a Libras. Isso acontecia porque as pessoas, incluindo os professores e a família, acreditavam que aprender a falar oralmente era a única forma de o surdo – que, naquela época, era denominado deficiente auditivo – se integrar à sociedade. Atualmente, muita coisa mudou, inclusive, a maneira de se referir aos surdos. Portanto, é essa experiência que nos credencia a discutir esses temas tão delicados com você, caro(a) aluno(a). Finalizamos esta apresentação com uma frase atribuída ao surdo francês Ferdinand Berthier, que viveu no século XIX e é considerado um dos mais brilhantes exemplos de sucesso de um surdo, sendo um dos fundadores da primeira associação de surdos, a Societé Centrale des Sourds Muets, de Paris. Essa frase foi extraída do livro de Gesser (2009): “O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez é a da mente” (BERTHIER, 1854). Abram suas mentes e bons estudos. As autoras. Unidade I Linguagem, línguas orais, de sinais e Libras Objetivos de aprendizagem: ● possibilitar a constituição de uma imagem positiva da surdez e do surdo; ● estabelecer a diferença entre linguagem, língua e fala; ● discutir a relação “pensamento e linguagem”; ● compreender a Libras em seus aspectos gerais; ● compreender a Libras em seus aspectos linguísticos; ● favorecer o processo de inclusão da pessoa surda; ● expandir o uso da Libras, legitimando-a como língua oficial do Brasil. Plano de estudo ● Linguagem e pensamento. ● História das Línguas de Sinais e da Libras. ● Paralelos entre Libras e a Língua Portuguesa. ● Línguas de Sinais e Libras. ● Aspectos linguísticos da Libras. Introdução Os fortes preconceitos relacionados à surdez se sustentam na crença, praticamente inabalável, desde o tempo de Aristóteles e reforçada por diversos estudos ao longo do tempo, de que a linguagem falada é essencial para o desenvolvimento do pensamento humano. Os estudos sobre cognição e linguagem, entretanto, efetivados pelas teorias de aprendizagem mais conhecidas, como o behaviorismo (do qual Frederic Skinner é um dos mais importantes representantes), o construtivismo genético de Jean Piaget e o sociointeracionismo (representado por Lev Vygotsky), dentre outras, além da neurociência e de teorias marcadamente linguísticas, como a abordagem gerativista (que tem Noam Chomsky como principal representante), mostraram que o importante para o desenvolvimento do pensamento é a comunicação e não a língua que se usa. Além disso, outros estudos demonstram que crianças surdas, filhas de pais surdos, têm um desempenho escolar superior aos das crianças surdas filhas de ouvintes. Esse fato reforça a premissa anterior de que, para o desenvolvimento cognitivo, o que importa é a comunicação, e não a modalidade de língua utilizada. Houve, portanto, um novo direcionamento nas pesquisas sobre a relação entre o pensamento e a linguagem, com a realização de diversos estudos referentes às línguas de sinais, os quais demonstraram que essas línguas desempenham, no desenvolvimento cognitivo e afetivo dos surdos, o mesmo papel das línguas orais para os ouvintes. Além disso, houve pressões resultantes de movimentos de surdos,respaldados em pressupostos de direitos humanos e, tudo isso, contribui para que as línguas de sinais assumissem posição de destaque na educação e na inclusão social de surdos. Atualmente, as leis “da Acessibilidade” e “da Libras” garantem ao surdo o direito de ser educado em sua primeira língua, de ter atendimento jurídico, de saúde, enfim, de todos os serviços prestados pelo governo, em Libras, além de ter o direito às traduções de programas televisivos, de serviços bancários etc. Enfim, como a Libras é uma língua oficial brasileira, ela tem o mesmo status da Língua Portuguesa. Assim, nesta Unidade I, apresentamos as línguas de sinais em geral e a Libras em particular. Para isso, organizamos cinco seções. A primeira, intitulada “Pensamento e linguagem”, destaca que as línguas de sinais são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo dos surdos. Na segunda seção, abordamos a “História das línguas de sinais”, mas, além da história dessas línguas, anunciada no título, há uma discussão acerca das diferenças conceituais entre linguagem, língua e fala. Na terceira seção, como o título indica, estabelecemos “Paralelos entre a Libras e a Língua Portuguesa”, a fim de facilitar a compreensão da primeira. Na quarta seção, “Línguas de sinais e Libras”, procuramos desconstruir crenças e mitos relacionados às línguas de sinais e à Libras. Finalizamos com a seção mais extensa e complexa desta Unidade I, que é o estudo dos “Aspectos linguísticos da Libras”. Lembre-se de que os surdos “escutam com os olhos e falam com as mãos”. Você entenderá essa fascinante forma de comunicação. Bons estudos. Seção 1 Linguagem e pensamento A relação entre pensamento e linguagem é discutida desde os tempos mais remotos e, desde então, existe uma forte crença de que a linguagem falada é essencial para o desenvolvimento do pensamento humano. Esse fato é reforçado por pesquisas mais recentes. No século XX, Piaget estabeleceu que a linguagem é responsável pela qualidade do nosso pensamento, pois permite sairmos do estágio das operações concretas e alcançarmos o estágio lógico-formal. Entretanto, para esse estudioso, antes mesmo da linguagem, existe uma inteligência prática, característica do sensório-motor. Para Vygotsky (apud FARIA, 2011), por sua vez, a linguagem tem um papel essencial na organização das funções superiores, pois exerce papel fundamental no desenvolvimento cognitivo dos seres humanos. No processo interacional verbal, o sujeito também utiliza o processo cognitivo, pois, segundo Vygotsky, a palavra, por ser carregada de sentido, exige que o sujeito realize operações mentais para compreendê-la, assim como para compreender as motivações de uso dela [...]. Por intermédio dessa forma de pensar, pode-se compreender a afirmação de que a comunicação verbal exerce papel central no processo interacional (FARIA et al., 2011, p. 174). Então, a comunicação verbal refere-se apenas à língua oral? A resposta é não. Verbal vem de verbo, que significa palavra, a qual pode ser reproduzida tanto na língua oral como na de sinais. Essa constatação de que a comunicação espaço-visual se constitui em comunicação verbal, assim como a oroauditiva, é recente. Durante muito tempo, acreditou-se que a linguagem oral era a única responsável pelo funcionamento cognitivo humano e a dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada como, praticamente, impeditiva do desenvolvimento do pensamento. Além disso, como a língua de sinais, por muitas décadas, foi confundida com mímica, era entendida como dependente do mundo concreto, não permitindo a compreensão de conceitos abstratos e, por conseguinte, não se acreditava em suas potencialidades para o desenvolvimento cognitivo dos surdos. A presença de surdos em instituições escolares inclusivas ou especiais, sendo educados em sua língua natural, tem contribuído muito para desconstruir a imagem de que a surdez compromete o desenvolvimento cognitivo e linguístico do indivíduo, pois conforme expõe Gesser (2009), o surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver outro impedimento) ao lhe ser assegurado o uso da língua de sinais, em todos os âmbitos sociais em que transita. Não é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua (GESSER, 2009, p. 76). Com o reconhecimento de que a língua de sinais desempenha, no desenvolvimento cognitivo dos surdos, o mesmo papel que a língua oral para os ouvintes, compreendeu-se que a surdez não torna a criança um ser com menos possibilidades, mas com possibilidades diferentes. O estudo dos surdos mostra que as capacidades humanas de linguagem, pensamento, comunicação e cultura não se desenvolvem de maneira automática, não se compõem apenas de funções biológicas, mas têm origem social e histórica. Como assevera Sacks (1998), essas capacidades são um presente – o mais maravilhoso dos presentes – de uma geração para outra, o que reforça a importância do grupo, da cultura surda para a construção da identidade e o desenvolvimento cognitivo do surdo. Assim, ter a dificuldade de ouvir não impede o ser humano de adquirir uma língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação. Faz, porém, o surdo criar uma maneira própria de se comunicar, utilizando uma língua de natureza visomotora. As línguas de sinais, portanto, comprovam que a surdez não impede o surdo de adquirir uma língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação, mas isso, provavelmente, envolve mecanismos mentais diferentes dos da pessoa ouvinte. As ações negativas quanto ao uso da língua de sinais estiveram e estão, em grande medida, atreladas aos seguidores da filosofia oralista. Muitos pesquisadores têm abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras línguas pelo surdo. Considerando-se que a relação do indivíduo surdo profundo com a língua oral é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de sinais é imprescindível para assegurar condições mais propícias nas relações intra e interpessoais que, por sua vez, constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas e sociais dos seres humanos (GESSER, 2009, p. 59). Sendo a língua de sinais imprescindível para o desenvolvimento cognitivo e social do surdo, “[...] é fundamental que a criança aprenda a língua de sinais bem cedo, pois pesquisas têm mostrado que, quando a criança surda adquire linguagem desde bem pequena, o seu desempenho escolar será equivalente ao de crianças ouvintes” (REILY, 2004, p. 123). Portanto, é indispensável que a família esteja completamente envolvida nesse processo e que se disponha a fazer parte da comunidade surda. Ora, mas as pesquisas apontam que cerca de 90% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes que pouco ou nenhum conhecimento possuem acerca da surdez e da língua de sinais e que, muitas vezes, ainda não resgataram a serenidade emocional abalada pelo imprevisto da chegada de uma criança surda. Nesse contexto, há o papel fundamental desempenhado pelo professor, que, além de ser o profissional mais próximo da família nesse momento, tem a serenidade emocional que os pais, em especial, podem demorar para adquirir. Mas, enquanto a família se dá conta das dificuldades de adaptação ao novo filho que lhes foi imposto, algo deve ser feito e rapidamente. A criança cresce e necessita da linguagem para poder se colocar no mundo, entender e se fazer entendida. Entra aí o papel da escola (MOURA, 2013, p. 18). Portanto, como o professor é, na maioria dos casos, o único profissional em contato com a família, ele passa a ser o responsável pela orientação sobre a atuação da família em toda a vida do filho surdo. Por isso, esse profissional deve conhecer muito bem as implicações sociaisda adoção do modelo bilíngue de educação dos surdos. Seção 2 História das línguas de sinais e da Libras “LIBRAS É LÍNGUA”. Foi este o título escolhido para a palestra apresentada por uma linguista em um evento cujo público-alvo era o estudante do curso de letras. Uma professora que trabalha na área da surdez, mencionando o título, fez o seguinte comentário: “De novo? Achei que essa questão já estivesse resolvida!” (GESSER, 2009, p. 9). Embora mais de cinquenta anos já tenham se passado desde que a língua de sinais foi mundialmente reconhecida, do ponto de vista linguístico, como uma verdadeira língua, no Brasil, mesmo após a promulgação da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece a Libras como língua oficial brasileira, ainda é necessário afirmar e reafirmar essa legitimidade. Assim, por que é preciso insistir tanto nessa questão de que a Libras é uma língua? Afinal, o que isso significa? Língua e linguagem são a mesma coisa? O surdo “fala” em Libras? Por linguagem, designamos o sistema abstrato, articulado, fenômeno universal, independente da situação cultural, que diferencia o ser humano das demais espécies. Denominamos língua o sistema abstrato, articulado, utilizado por um grupo ou uma comunidade específica, por exemplo, a Língua Portuguesa. O modo particular e individualizado de exercitar a língua é o que denominamos fala, a qual “é o exercício material da língua levado a cabo por este ou aquele indivíduo pertencente a uma comunidade linguística específica” (BASTOS; CANDIOTTO, 2007, p. 15). De acordo com Bastos e Candiotto (2007, p. 15), a linguagem é a capacidade do ser humano de se comunicar com os semelhantes por meio de signos. É, ao mesmo tempo, física, psicológica e social, e realizada sempre dentro do âmbito de uma língua, “inseparável de um contexto cultural específico, particular, de uma comunidade linguística”. De acordo com essa perspectiva, é possível admitir que a Libras é uma língua, porque permite que uma comunidade linguística particular, a comunidade surda, exerça sua capacidade de comunicação. Ademais, se a fala é o modo de um elemento de uma comunidade linguística exercitar sua língua, o surdo fala em Libras. Não foram considerações simplistas, como as feitas até aqui, que permitiram afirmar, em bases científicas, que a Libras é uma língua. Esse reconhecimento linguístico teve início com os estudos descritivos do linguista americano William Stokoe, em 1960. Antes disso, as línguas de sinais não eram vistas como uma língua verdadeira, com gramática própria. No Brasil, conforme afirmamos anteriormente, os primeiros estudos sobre a Libras foram realizados na década de 1980, por Lucinda Ferreira Brito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Tanya Mara Felipe, da Universidade Federal de Pernambuco e da Federação Nacional de Escolas e Instituições de Surdos (FENEIS), entidade máxima representativa dos surdos brasileiros. Atualmente, no Brasil, há estudos sobre os aspectos gramaticais e discursivos da Língua Brasileira de Sinais, produzidos, principalmente, pela Universidade Federal de Santa Catarina, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Instituto Nacional de Educação e Integração dos Surdos (INES). Devemos salientar, todavia, que a comunicação com as mãos não teve início com os surdos e nem é exclusividade deles. Existem estudos que indicam que os homens pré- históricos se comunicavam por meio de gestos. Apenas quando começaram a utilizar ferramentas, ocupando as mãos, começaram a utilizar a comunicação oral. Portanto, antes de utilizarem a palavra, os seres humanos utilizavam as mãos para interagir, demonstrando a naturalidade da comunicação por sinais. Podemos, então, afirmar que o processo inverso, isto é, a passagem da língua oral para a manual, foi reinventado pelo homem, sempre que necessário, e não somente no caso dos surdos. Você sabia que existem várias linguagens manuais criadas em diversos momentos da história da humanidade, para uso em contextos variados, tendo em vista possibilitar a comunicação e a interação em situações em que a fala era inviável, proibida ou impossível? Mergulhadores, por exemplo, criaram um sistema de códigos gestuais para se comunicar debaixo d’água, onde a fala não é possível. Considerando os riscos de uma comunicação equivocada em circunstâncias perigosas, fica evidente o quanto essa comunicação deve ser bem assimilada durante os cursos de mergulho para garantir a segurança no meio líquido (REILY, 2004, p. 113). No Brasil, Lucinda Ferreira Brito, em 1982, iniciou seus estudos linguísticos acerca da língua de sinais dos índios Urubu-Kaapor da floresta amazônica brasileira, após um mês de convivência com eles, documentando em filme sua experiência. Brito constatou que essa língua se tratava de uma legítima língua de sinais. O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da aldeia “falam” a língua de sinais e a língua oral, evidentemente, enquanto os surdos se restringem à língua de sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam bilíngues, enquanto os surdos se mantêm monolíngues. De acordo com Reily (2004), os indígenas do planalto americano também desenvolveram uma língua de sinais para estabelecer uma comunicação entre tribos distintas, que não falavam a mesma língua e precisavam de uma forma convencional de comunicação. Assim, desenvolveram, ao longo do tempo, um conjunto de sinais bastante eficiente, com o qual conseguiam realizar alianças e comércios. Um sistema de sinais também foi desenvolvido no período medieval por monges nos mosteiros europeus, que faziam o voto do silêncio, sendo que, mesmo atualmente, algumas comunidades de monges comunicam-se por gestos em suas atividades cotidianas no mosteiro. Também, concebia-se a função do silêncio no período monástico, segundo regras registradas por São Basílio Magno. Nesse contexto, a palavra só poderia ser utilizada em caso de necessidade e estando as mãos ocupadas com algum trabalho, o que permite inferir que a comunicação gestual que eles utilizavam era bastante eficiente. Observe a explicação a seguir. É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se dominam a língua, darão simultaneamente boa prova de temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos que sabem usar da palavra, com concisão e firmeza, como convém perguntar e responder a cada um. Há um tom de voz, uma palavra comedida, um tempo oportuno, uma propriedade no falar, peculiares e adequados aos que praticam a piedade. Não os aprende quem não tiver abandonado aquilo a que estiver acostumado. O silêncio traz consigo o esquecimento da vida anterior, em consequência da interrupção, e proporciona lazer para o aprendizado do bem. Assim, a não ser por questão especial atinente ao bem da própria alma, ou por inevitável necessidade de um trabalho em mãos, ou por negócio urgente, guarde-se o silêncio, excetuada, é claro, a salmodia (BASÍLIO MAGNO apud REILY, 2004, p. 114). No século XVI, o médico e filósofo italiano Girolamo Cardano, utilizou a língua de sinais e a escrita para ensinar seu filho, que era surdo. No mesmo século, Pedro Ponce de Leon estabeleceu um método para a educação de surdos, em que combinava datilologia, escrita e oralização, entretanto, como na época era comum se guardar segredo dos métodos, após a morte de Ponce de Leon, seu método caiu no esquecimento. Na interface dos séculos XVI e XVII, na Espanha, Juan Pablo Bonet educava nobres surdos por intermédio de sinais, treinamento da fala e alfabeto datilológico, alcançando enorme sucesso, tendo sido, em razão disso, nomeado Marquês pelo Rei Henrique IV. Bonet publicou o primeiro livro que se tem notícia sobre a educação de surdos, no qual está exposto seu método que, apesar de ser oralista, defende o ensino do alfabeto manual aos surdos, o mais precocemente possível.A língua de sinais que conhecemos hoje no Brasil, utilizada pelos surdos, teve origem na sistematização realizada por religiosos franceses, desenvolvida a partir de 1760, particularmente pelo abade L’Épée, que foi o primeiro a reconhecer a necessidade de usar sinais como ponto de partida para o ensino. L’Épée se interessou pelos surdos quando deu prosseguimento à educação religiosa de duas irmãs gêmeas surdas, que estavam sendo educadas utilizando gravuras. Ele decidiu mudar a metodologia utilizada anteriormente, porque acreditava que a compreensão das meninas ficaria restrita ao significado físico da imagem, sendo impossível transmitir por figuras o sentido mais profundo da fé. Desse modo, resolveu ensinar linguagem pelos olhos, em vez de pelos ouvidos, apontando os objetos com uma mão e escrevendo o nome correspondente numa lousa, com a outra. [...] logo as meninas estavam lendo e escrevendo os nomes das coisas. No entanto, esse sistema não permitia maiores avanços, porque não contemplava nenhuma gramática, nem sentidos abstratos, essenciais para o ensino religioso, restringindo-se à nomeação de objetos presentes, visíveis, perceptíveis pelos sentidos. [...] porém, deu-se conta de que as meninas já deveriam possuir um sistema gramatical, pois elas se comunicavam entre si com muita fluência (REILY, 2004, p. 115). L’Épée aprendeu os sinais com suas alunas surdas. Também, observou que os surdos das ruas de Paris desenvolviam uma comunicação gestual bastante satisfatória e os levou para residir no convento. Com esse conjunto de sinais estabelecido, fez adaptações e acrescentou outros, desenvolvendo um método para aproximar os sinais à Língua Francesa, o qual ficou conhecido como Sinais Metódicos. Em 1775, L’Epée fundou uma escola para surdos, a primeira desse tipo, com aulas coletivas, nas quais os professores e os alunos usavam os chamados sinais metódicos. A proposta educativa da escola era que os professores deveriam aprender tais sinais para se comunicarem com os surdos. Assim, eles aprendiam com os surdos e, com essa forma de comunicação, ensinavam o francês falado e escrito. Diferente de outros professores que escondiam seus métodos, L'Epée divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro no qual divulgava suas técnicas, intitulado “A verdadeira maneira de instruir surdos- mudos”, em que divulgou seus sinais metódicos, as regras sintáticas e o alfabeto manual criado por Bonet. Quando faleceu, em 1789, L’Epée havia fundado 21 escolas para surdos na Europa. O Abade Roch-Ambroise Sicard continuou o trabalho de De L’Epée, inclusive, complementando seu livro. Os alunos dessas escolas usavam bem a escrita e muitos deles tornaram-se, mais tarde, professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos puderam destacar-se e ocupar posições importantes na sociedade de seu tempo, além de terem escrito vários livros, relatando suas dificuldades de comunicação e os problemas causados pela surdez. No século XIX, o americano Thomas Hopkins Gallaudet tomou conhecimento do método de Sicard e levou um professor surdo para os Estados Unidos, começando um trabalho educacional seguindo essa metodologia. Em 1864, seu filho Edward Gallaudet fundou a primeira universidade para surdos, importante instituição, que resistiu ao banimento das Línguas de Sinais pelo Congresso de Milão. Em 2018, visitamos a Gallaudet University, em Washington D.C., e foi uma experiência fascinante. São mais de 1.300 estudantes universitários surdos oriundos de diferentes países do mundo e que moram na instituição. No local, há uma estátua de Thomas Gallaudet ensinando a letra “a” para uma menina surda. A estátua foi um presente da comunidade surda dos Estados Unidos para comemorar o centenário de seu nascimento, em 1887. Em todo o campus, os postes de luz têm um banner com a frase “There is no other place like this in the world”, que significa “Não existe outro lugar no mundo como este”. De fato, essa é a única instituição que atende surdos desde a mais tenra idade até o doutorado. A escolarização do surdo brasileiro teve seu início ainda no período imperial, em 1855, com a chegada do professor surdo francês E. Huet. Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), que adotava a língua de sinais. Essa língua deu origem à Libras e, constitui-se, naturalmente, pela interação da língua de sinais francesa (LSF), já constituída em seus aspectos gramaticais, com o conjunto de sinais utilizados pelos surdos brasileiros. Assim, tanto a língua de sinais Americana (ASL), quanto a língua de sinais brasileira (Libras) foram influenciadas pela língua de sinais Francesa. Com o passar dos tempos, essas línguas adquiriram características culturais próprias de seu país e acabaram se diferenciando. Em 1870, Alexander Graham Bell iniciou uma “verdadeira cruzada” contra as Línguas de Sinais, argumentando que elas não proporcionavam o desenvolvimento intelectual dos surdos. Além disso, criticava as escolas especializadas, sob a alegação de que promoviam o isolamento dos surdos. Ele publicou vários artigos defendendo suas ideias e foi fundamental para a proibição das Línguas de Sinais pelo Congresso de Milão, em 1880. No Brasil, em 1957, o INES proibiu oficialmente o uso das Línguas de Sinais nas salas de aula, mas os alunos continuaram utilizando essa forma de comunicação, escondido dos professores e funcionários. Conta a história que a língua de sinais no Brasil sobreviveu principalmente graças a esses surdos que estudavam no INES em regime de internato. As conversas em Libras só eram possíveis longe dos olhos de professores e vigilantes, à noite, à luz de velas, embaixo das camas e das mesas, nos refeitórios, banheiros ou corredores (FENEIS, 2011, p. 13). Para encerrar essa breve apresentação histórica, a seguir, há um resumo da história da Libras, realizado por Góes e Campos (2013, p. 71): Percebe-se que a história sofreu mudanças e foi muitas vezes influenciada por diferentes grupos em diversos momentos e contextos. Partiu-se da descoberta da comunicação natural de pessoas surdas, para tentativas de oralização com o intuito de “normalizar” os surdos, até o reconhecimento da Libras como língua de comunicação de pessoas surdas em nosso país. Houve a proibição da língua de sinais, o que prejudicou a evolução da educação de surdos e também o progresso de pesquisas e produções científicas em relação aos estudos linguísticos da língua de sinais. Mas com o reconhecimento da Libras pela lei 10.436, emergiram possibilidades para o livre uso da língua de sinais e a criação de novos cursos e de novos e diferentes espaços de estudos linguísticos envolvendo a língua de sinais. Com base nesses estudos, podemos afirmar que, além de proporcionar a comunicação efetiva entre os surdos, a língua de sinais possibilita a expressão de sentimentos, a composição de poesias, a discussão filosófica, pois se trata de um idioma completo. Porém, talvez, principalmente devido as suas características icônicas (uma representação da realidade, por ícones) e à forte influência da língua oral, tanto na estrutura gramatical quanto lexical, há muitas interpretações equivocadas sobre as Línguas de Sinais, em geral, e sobre a Libras, em particular. Seção 3 Paralelos entre a Libras e a Língua Portuguesa Os estudos que se seguiram ao trabalho pioneiro de Stokoe revelaram que as Línguas de Sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo, em grande parte, os requisitos da Linguística daquele período para as línguas orais, como os níveis de articulação da linguagem: fonológico, semântico, morfológico e sintático. Em outras palavras, para poderem chegar à conclusão de que as Línguas de Sinais constituem-se como idioma,foram feitos muitos estudos, sustentados quase sempre na parte da Linguística que compara duas ou mais línguas, denominada Linguística Contrastiva, a qual é uma parte da Linguística Geral que estuda as similaridades e as diferenças estruturais entre duas línguas. Essa comparação é feita nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico. Observe as explicações a seguir. • Fonológico: estuda os fonemas que são a menor unidade distintiva da palavra. Por exemplo, na palavra fala, a letra f representa o fonema /f/ (fê), que se refere aos sons em uma língua oral. • Morfológico: estuda a forma das palavras, como elas são construídas. Nesse caso, a unidade mínima é o morfema, unidade mínima significativa. Por exemplo, em estud/ei; estud/amos e estud/ante, a identidade de significado das três formas ocorre devido ao morfema estud, que é igual nas três palavras. • Sintático: estuda como as palavras são organizadas em uma frase. Sabemos que as palavras são combinadas, segundo regras determinadas, para formar frases e orações. Por exemplo: eu estudei muito ontem. • Semântico: estuda o significado ou o sentido das palavras dentro de uma organização textual (e contextual). A Libras também possui suas unidades mínimas distintivas, os quiremas, que, combinados, produzem unidades significativas, os sinais, os quais obedecem a regras para constituírem frases, que, também combinadas, produzem contextos. Utilizamos aqui, http://pt.wiktionary.org/wiki/%C3%ADcone propositadamente, a palavra “contextos”, porque a Libras é uma língua falada (cuja escrita se faz por meio do sistema SingWrittig – Escrita de Sinais) e a palavra “texto” remete à produção escrita. Assim, ao serem estabelecidas comparações entre a Língua Portuguesa e a Libras, percebe-se uma série de diferenças, das quais destacamos: (1) A língua de sinais é visual-espacial, e a Língua Portuguesa é oral-auditiva. (2) A língua de sinais é baseada nas experiências visuais das comunidades surdas, mediante as interações culturais surdas, enquanto a Língua Portuguesa constitui-se baseada nos sons. (3) A língua de sinais apresenta uma sintaxe espacial, incluindo os chamados classificadores. A Língua Portuguesa usa uma sintaxe linear, utilizando a descrição para captar o uso de classificadores. (4) A língua de sinais utiliza a estrutura tópico-comentário, em que o objeto direto é posicionado à frente do sujeito. Por exemplo: “Você vai ao cinema?” Em Libras fica: “Cinema você ir?” Ou ainda, “Gato você tem?” Isso também ocorre em sentenças afirmativas e negativas, como “Carro eu tenho”. (5) A língua de sinais utiliza a estrutura de foco, que significa destacar a parte mais importante da conversa, por meio de repetições sistemáticas. Esse processo não é comum em Língua Portuguesa. (6) A língua de sinais utiliza as referências anafóricas, isto é, sobre quem se está falando, mostrando ou indicando pontos específicos no espaço, o que exclui as ambiguidades possíveis em Língua Portuguesa, ou seja, os apontamentos utilizados na língua de sinais, para indicar um referente, evitam ambiguidades. (7) A língua de sinais não tem marcação de gênero, isto é, não há sinais diferentes para feminino e masculino. Em Língua Portuguesa, o gênero é marcado a ponto de ser redundante, como na frase “A mulher é professora”, na qual o feminino é utilizado duas vezes. Por essa razão, na transcrição de um sinal para a Língua Portuguesa, adotamos o símbolo @. Por exemplo, ao utilizarmos bonit@, estamos indicando tanto “bonito” quanto “bonita” e, também, o plural. (8) A língua de sinais atribui um valor gramatical às expressões faciais, as quais não são essenciais em Língua Portuguesa. Nesse caso, elas podem ser substituídas pela prosódia, que significa a pronúncia correta das palavras, com acentuação ou intensidade adequadas. (9) Algumas coisas ditas em língua de sinais não precisam do mesmo tipo de construção gramatical em Língua Portuguesa. Assim, às vezes, uma grande frase em Língua Portuguesa é necessária para representar poucas palavras em Libras e vice-versa. (10) A escrita da língua de sinais, denominada SignWriting, não é alfabética. Além disso, há muitas semelhanças entre as línguas orais e as Línguas de Sinais. Ao serem observadas as produções em línguas orais e de sinais, neste caso particular, entre a Língua Portuguesa e a Libras, percebe-se uma série de semelhanças, das quais destacamos: (1) Arbitrariedade: as línguas orais são, majoritariamente, arbitrárias, pois não se depreende a palavra simplesmente por sua representatividade, mas é necessário conhecer o seu significado. A iconicidade encontra-se presente nas Línguas de Sinais, mais do que nas orais, mas a sua arbitrariedade continua a ser dominante. Embora, nas Línguas de Sinais, alguns sinais sejam totalmente icônicos, é impossível, como nas línguas orais, depreender o significado da grande maioria dos sinais apenas pela sua representação. (2) Comunidade: as línguas orais são adquiridas por uma comunidade, como a língua materna, cujo desenvolvimento ocorre mediante uma comunidade de origem, passando pela família, pela escola e pelas associações. Todas as línguas orais têm variações linguísticas e todas as Línguas de Sinais possuem essas mesmas características. (3) Sistema linguístico: as línguas orais são sistemas regidos por regras, assim como acontece com as Línguas de Sinais. (4) Produtividade: as línguas orais possuem as características da produtividade e da recursividade, sendo possível que os falantes nativos produzam e compreendam um número infinito de enunciados, mesmo que nunca tenham sido produzidos antes. Isso também é possível com as línguas de sinais, pois há a criatividade e a produtividade em Libras, por exemplo, devido aos seus sinalizadores nativos, parecendo não haver limite criativo. (5) Aspectos contrastivos: as línguas orais possuem aspectos contrastivos, isto é, as unidades fonológicas do sistema de determinada língua se estabelecem por oposições contrastivas, ou seja, há pares de palavras em que a substituição de uma unidade fonológica (uma letra) por outra altera o significado da palavra (por exemplo: parra e barra). Isso também acontece nas Línguas de Sinais, mas, em vez de uma unidade fonológica, um pequeno aspecto do sinal é alterado. (6) Evolução e renovação: as línguas orais modificam-se, como no caso das palavras que caem em desuso e de outras que são adquiridas, a fim de aumentar o vocabulário e devido aos casos de mudança de significado das palavras. Esse fato também acontece nas Línguas de Sinais, a fim de responder às necessidades que a evolução sociocultural impõe. (7) Aquisição: a aquisição de qualquer língua oral é natural, desde que haja um ambiente propício desde nascença. Na língua de sinais, esse processo ocorre da mesma forma. O surdo não tem que exercer esforço para aprender uma língua de sinais ou a necessidade de qualquer preparação especial. (8) Funções da linguagem: as línguas orais podem ser analisadas de acordo com as suas funções, o que também acontece com as Línguas de Sinais. As funções são: referencial, emotiva, conotativa, fática, metalinguística e poética. (9) Processamento: embora utilizem modalidades de produção e percepção distintas, as línguas orais e de sinais são processadas na mesma zona do cérebro. Os estudos de Stokoe (1968) mostraram que os sinais não eram apenas imagens, mas símbolos abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior. O estudioso estabeleceu que cada sinal era composto por três parâmetros básicos: a configuração das mãos (CM); o movimento das mãos (M) e o ponto de articulação (PA) ou Locação (L), que é o lugar do espaço onde as mãos se movem. A partir da década de 1970, foram aprofundados os estudos fonológicos sobre a língua de sinais Americana (ASL), que resultaram na descrição de um quarto parâmetro:a orientação (O). Ademais, é preciso salientar que um parâmetro básico ou primário compõe uma palavra (no caso das línguas orais) ou um sinal que, se for alterado, modifica o significado da palavra ou do sinal. Esse contraste de dois itens lexicais com base em um único componente recebe, em linguística, o nome de “par mínimo”. Nas línguas orais, por exemplo, pata e rata se diferenciam significativamente pela alteração de um único fonema: a substituição do /p/ por /r/. No nível lexical, temos em LIBRAS pares mínimos como os sinais grátis e amarelo (que se opõem quanto à CM), churrascaria e provocar (diferenciados pelo M), ter e Alemanha (quanto à L) (GESSER, 2009, p. 15). As unidades mínimas podem ser produzidas simultaneamente e a variação de uma delas pode alterar o significado do sinal. Além disso, elas não têm significado isoladamente e um sinal é constituído por mais de uma unidade mínima. Por exemplo, o sinal de “televisão” envolve, de modo simultâneo, configuração de mão, ponto de articulação, movimento e orientação de mão. TELEVISÃO A orientação das mãos (O) é importantíssima e diferencia o significado em pares mínimos que possuem CM, M e PA iguais, como “ajudar” e “ser ajudado”; “eu perguntar” e “me perguntar”, “eu responder” e “responder para mim” etc. Além de ser utilizado na flexão de verbos, o parâmetro O é usado em marcações negativas, como “querer” e “não querer”; “gostar” e “não gostar” etc. Ainda, alguns estudiosos consideram como parâmetros da língua de sinais os aspectos não manuais, as expressões faciais e corporais que são muito utilizadas pelos surdos para produzir informações linguísticas. No caso das Línguas de Sinais, as expressões faciais (movimento de cabeça, olhos, boca, sobrancelhas, bochechas) não servem apenas para complementar informações, pois são elementos gramaticais que compõem a estrutura da língua. Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma análise linguística da Língua Brasileira de Sinais e, de acordo com esse estudo, alguns dos aspectos fonológicos dessa língua estão expostos a seguir. ● As Línguas de Sinais são visual-espaciais (ou espaço-visual), pois a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos. ● Os elementos mínimos constituintes da língua de sinais são processados simultaneamente, e não linearmente como ocorre na língua oral. ● Os articuladores primários das Línguas de Sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas locações nesse espaço, mas os movimentos do corpo e da face também desempenham funções. ● Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. No caso de uma mão, a articulação ocorre pela mão dominante. ● Um mesmo sinal pode ser produzido pela mão esquerda ou direita. Seção 4 Línguas de sinais e Libras Na seção 2 desta unidade, ao citarmos Gesser (2009), para retomar a discussão sobre a Libras ser uma língua, nossa intenção foi salientar o desconhecimento generalizado acerca dessa realidade linguística, tanto daqueles que convivem de perto com a surdez quanto da sociedade ouvinte em geral. Esse desconhecimento está expresso em textos de Gesser (2009), Reily (2004) e Pereira et al. (2011), quando esses autores abordam mitos e crenças sobre as línguas de sinais. Aqui, acrescentamos nossas reflexões, sustentadas nesses autores, e discutimos tais crenças, mitos ou, simplesmente, dúvidas que ainda pairam sobre a Libras. 1. Os sinais são gestos? Em função de suas características, os sinais podem parecer movimentos aleatórios de mãos e corpo, acompanhados por expressões faciais variadas, ou seja, seriam apenas “gestos”. De acordo com Pereira et al. (2001, p. 18), essa descrição para sinais seria equivalente a descrever uma língua oral como “ruídos” feitos com a boca. Além disso, os gestos são traços das línguas orais, acompanham essas línguas e favorecem a comunicação. Os sinais são produzidos combinando-se, simultaneamente, a configuração de mãos, o ponto de articulação ou localização, o movimento, a orientação das palmas das mãos e os componentes não manuais, que são os parâmetros constituintes da língua de sinais, conforme veremos na próxima unidade. 2. A língua de sinais é icônica? Grande parte dos sinais é icônica, isto é, os sinais são parecidos com o que representam, e isso poderia significar que a língua de sinais não seria arbitrária e resultante de convenção, como as línguas orais, nas quais não existe uma relação de semelhança entre a palavra e o conceito que ela representa. Apesar disso, não se pode afirmar que a língua de sinais seja icônica, pois, embora haja uma relação direta, quase transparente, entre um sinal e o conceito que ele representa, as modificações sofridas por eles ao longo do tempo e na combinação com outros sinais resultam em perda de iconicidade. Portanto, há a arbitrariedade. 3. A língua de sinais tem gramática? Essa questão tem origem no fato de que, antes das pesquisas pioneiras de Stokoe na década de 1960, corroboradas por Sacks (1990), a língua de sinais não era vista, nem mesmo por seus usuários, como uma língua verdadeira, com gramática própria. Com o reconhecimento linguístico efetivado por Stokoe, ficou comprovado que a língua de sinais possui tem gramática própria, um conjunto de regras partilhado por todos os seus usuários e que permite a expressão de qualquer ideia. No entanto, como a língua de sinais utiliza espaço e corpo, destacando as expressões faciais e, muitas vezes, adotando sinais icônicos, muitos a consideram mímica. Ademais, como a língua de sinais não apresenta preposições, artigos, flexões e tem poucas conjunções, é considerada limitada, empobrecida, se comparada à língua oral. Essa opinião revela um total desconhecimento, porque, pelo uso do espaço, é possível expressar as mesmas relações que, por exemplo, as preposições na língua oral, ou seja, a língua de sinais utiliza recursos diferentes para expressar as mesmas ideias e também não tem limites para expressar quaisquer conceitos. Assim, como exposto anteriormente, a Libras tem gramática própria e se estrutura nos mesmos níveis das línguas orais: fonológico, morfológico, sintático e semântico. 4. A língua de sinais é mímica? Para demonstrar que a língua de sinais não é mímica, foram realizadas diversas pesquisas em que as pessoas usavam gestos para demonstrar algumas palavras, sem que tivessem conhecimento da língua de sinais. A principal constatação foi a utilização de mímicas muito mais detalhadas (porque pretendiam representar o objeto) do que os sinais. Isso porque “a pantomima quer fazer com que você veja ‘o objeto’, enquanto o sinal quer fazer com que você veja o símbolo convencionado para esse objeto” (GESSER, 2009, p. 21). 5. A língua de sinais é o alfabeto digital? Há outra constatação importante: a língua de sinais não é o alfabeto digital, o qual é um recurso utilizado pelos surdos sinalizadores para soletrar, manualmente, as palavras (soletração e datilologia). Assim, apesar de ter uma importante função na interação entre sinalizadores, o alfabeto digital não é uma língua, apenas um código para a representação manual das letras alfabéticas. Outro detalhe importante é que a soletração só é possível entre interlocutores alfabetizados. Ademais, o alfabeto digital da Libras não é o mesmo utilizado pelos surdos-cegos, que precisam pegar na mão do interlocutor para, nela, produzir o sinal. 6. A língua de sinais é artificial? Outro aspecto que abordamos e, para isso, recorremos a Vygotsky, é o fato de que a comunicação manual é inerente ao ser humano e já existia entre os hominídeos pré-históricos, sendo, portanto, natural, como exposto anteriormente. Dizemos que uma língua é artificial quando é construída por um grupo de indivíduos, com um objetivo específico, como o caso do Esperanto, língua criada pelo russo Ludwik Zamenhof,em 1887, com o objetivo de estabelecer uma comunicação internacional fácil. De maneira semelhante, foi criado o Gestuno, com a intenção de ser uma língua de sinais universal, apresentado pela primeira vez em 1951 no Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos, mas que não conseguiu aceitação plena entre os surdos por ser inventada. Logo, a língua de sinais não é artificial. 7. A língua de sinais é universal? Com o histórico apresentado na segunda seção desta unidade, já demonstramos que a língua de sinais não é universal, pois existe diferença entre as Línguas de Sinais utilizadas em países diferentes. No caso do Brasil, a Língua Brasileira de Sinais é denominada Libras e, portanto, é brasileira, não podendo ser considerada uma língua estrangeira. A Libras é uma língua nativa, de falantes nativos e brasileiros, utilizada em todo território nacional ao lado da língua oficial – o português – e ao lado de outras línguas também praticadas no país, como as diferentes línguas das comunidades indígenas. Assim, a Libras é a língua materna e constitutiva do falante surdo, estruturante do seu inconsciente e fundamental para a construção de suas subjetividade e identidade. Estudos linguísticos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros confirmam que a Libras é uma língua que, como qualquer outra, tem sintaxe, semântica, morfologia e gramática próprias. Desse modo, não se trata, absolutamente, de um conjunto de gestos, mímicas ou de português sinalizado. Já comentamos, mas é importante frisar que as Línguas de Sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções de uma língua natural e, mesmo assim, ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas diante das línguas orais, visto que são consideradas uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais icônicos. Além das características icônicas, alguns preconceitos a respeito das Línguas de Sinais fortalecem a ideia de uma língua de sinais única, ao considerarem que a comunicação por gestos é intuitiva e espontânea e, por conseguinte, a língua de sinais deveria ser igual para todos os surdos. Ora, primeiro, já demonstramos que gestos e sinais são coisas diferentes. Os gestos podem ser associados à mímica e, portanto, uma comunicação intuitiva. Os sinais, por sua vez, são símbolos, logo, arbitrários, porém convencionados pelos seus usuários. Nesse sentido, existe uma diferença importante entre as Línguas de Sinais e as orais. Quando surdos de diferentes nacionalidades se encontram, mesmo um não conhecendo a língua de sinais do outro, são capazes de efetuar a comunicação com mais facilidade do que os ouvintes. De acordo com Felipe (2009, p. 20), isso se deve “à capacidade que as pessoas surdas têm em desenvolver e aproveitar gestos e pantomimas para a comunicação e estarem atentas às expressões faciais e corporais das pessoas”. Outra coisa que facilita essa comunicação é o fato de essas línguas terem muitos sinais que se assemelham às coisas representadas. 8. As Línguas de Sinais são dependentes das línguas orais? Os linguistas que estudaram as Línguas de Sinais de diferentes países concluíram que, embora haja semelhanças entre as Línguas de Sinais e as orais – os chamados “universais linguísticos” –, que permitem identificá-las como línguas, e não linguagens, como as utilizadas pelos animais, elas apresentam diferenças consideráveis entre si, as quais não dependem das línguas orais utilizadas nesses países. Por exemplo, Brasil e Portugal têm a mesma língua oral oficial, o português, mas as Línguas de Sinais desses países são muito diferentes, e isso também acontece com os Estados Unidos e a Inglaterra. Desse modo, a língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país, ou seja, as Línguas de Sinais são, completamente, independentes das http://pt.wiktionary.org/wiki/ling%C3%BCistas línguas orais dos países em que são produzidas. É possível, porém, que países diferentes usem a mesma língua de sinais, como é o caso dos Estados Unidos e do Canadá. Da mesma forma que acontece com as línguas faladas oralmente, quando algumas possuem as mesmas raízes (por exemplo, português, espanhol e italiano), há correspondências entre as Línguas de Sinais de diferentes países. A Libras e a ASL representam essa explicação, pois são derivadas da LSF. Além disso, nelas, igualmente, existem variações, assim como há os regionalismos e os dialetos em línguas orais. Essas variações se devem às culturas diferentes e às influências diversas no sistema de ensino, por exemplo. Dessa forma, caro(a) aluno(a), você deve se conscientizar de que não é possível falar em Libras e em português ao mesmo tempo, pois a Libras é “falada de boca fechada”. As pessoas ouvintes, fluentes em Libras, costumam misturar as duas línguas na comunicação com surdos e utilizam os sinais, mas com a estrutura da Língua Portuguesa. Normalmente, o surdo não compreende essa mistura de línguas, pois a construção de sentido depende da estrutura e, portanto, da fidelidade à gramática da língua de sinais. 9. As Línguas de Sinais são exclusividade dos surdos? Como você já sabe, as Línguas de Sinais não são exclusividade dos surdos. Como expõe Reily (2004), os ouvintes que apresentam distúrbios de fala deveriam se apropriar da língua de sinais. Afinal, em diferentes situações, sempre que existe necessidade, como no caso dos monges, dos mergulhadores ou dos índios americanos, o homem cria saídas para permitir a interação com o seu semelhante. 10. O que é um tradutor intérprete de Libras e Língua Portuguesa? É a pessoa que, sendo fluente em Língua Brasileira de Sinais e em Língua Portuguesa, tem a capacidade de verter, em tempo real (interpretação simultânea) ou com pequeno espaço de tempo (interpretação consecutiva), a Libras para o português ou ele para Libras. A tradução envolve a modalidade escrita de pelo menos uma das línguas envolvidas no processo. A função de traduzir/interpretar é singular, haja vista que a atuação desse profissional leva-o a interagir com outros sujeitos e a manter relações interpessoais e profissionais, que envolvem pessoas com surdez e ouvintes, sem que esteja efetivamente envolvido nelas, pois sua função é, unicamente, mediar a comunicação. Assim, ao mediar a comunicação entre usuários e não usuários da Libras, o tradutor/intérprete deve observar preceitos éticos no http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas http://pt.wikipedia.org/wiki/Regionalismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto http://pt.wikipedia.org/wiki/Ensino desempenho de suas funções, entendendo que não pode interferir na relação estabelecida entre a pessoa com surdez e a ouvinte, por exemplo, a menos que seja solicitado. Seção 5 Aspectos linguísticos da Libras A estrutura gramatical da Libras é organizada a partir de cinco parâmetros que estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos: a configuração da(s) mão(s) – CM, movimento – M, ponto de articulação – PA, orientação das mãos – O, e componentes não manuais, que são as expressões faciais e corporais. A configuração de mão (CM) tem sido coletada pelos pesquisadores em comunidades de surdos das principais capitais brasileiras, e se trata do ponto de partida da articulação do sinal, pois uma mesma CM possibilita a produção de vários sinais. Por exemplo, a CM em “L” está presente nos sinais de “televisão”, “trabalho”, “papel”, “educação”, dentre outros. Ferreira-Brito (1995) propõe 46 configurações de mão. Atualmente, o dicionário digital de Língua Brasileira de Sinais, organizado pela Acessibilidade Brasil (disponível em: <www.acessobrasil.org.br/libras>. Acesso em: 24 out. 2018) apresenta 73 configurações. A seguir, há as configurações de mão mediante as cinco primeiras que compõem o alfabeto digital. A Libras não se resume a escrever as palavras utilizando o alfabeto digital. A escrita datilológica só é utilizadapara nomes próprios ou para palavras que ainda não têm um sinal ou que não podem ser facilmente representadas por um classificador icônico. Essa escrita é feita em Libras, letra por letra, da mesma forma que na Língua Portuguesa, mas soletrando, com a mão, o nome Maria (escrita ou fala); M-a-r-i-a (soletração), por exemplo. É importante soletrar devagar, formando as palavras com nitidez. Entre as palavras soletradas, é melhor fazer uma pausa curta ou mover a mão direita para o lado esquerdo, como se estivesse empurrando a palavra já soletrada para o lado. Conforme afirma Reily (2004), os nomes podem ser transmitidos por datilologia, quando o surdo está alfabetizado, mas a comunidade surda prefere a prática de atribuir um sinal que identifica cada pessoa. Esse sinal adjetiva características físicas da pessoa. Por isso, dois meninos chamados Jonatas, por exemplo, podem ter sinais diferentes um do outro, porque um tem uma covinha no queixo e o outro tem o cabelo encaracolado, também pode acontecer de dois alunos de nomes diferentes terem o sinal parecido (REILY, 2004, p. 132). O movimento (M) é uma importante unidade mínima, pois, além de participar ativamente da produção do sinal, atribui graça, beleza e dinamismo a essa língua. Ao usarem a língua de sinais, as pessoas ouvintes, normalmente, fazem os sinais de maneira mais estática, porque, embora o movimento seja uma parte integrante dessa língua, ele é realizado com mais propriedade pelos surdos, que são visuais, mais fluentes em relação aos ouvintes e conhecem a língua profundamente. Associar aspectos como o movimento e as expressões não manuais à produção do sinal não é algo simples para os ouvintes. Essa habilidade exige muita competência e fluência na língua, além de boa coordenação motora, domínio do movimento e orientação no espaço. Desse modo, para os ouvintes usuários da língua oral-auditiva, o domínio dessas habilidades é algo bem complexo. Como exposto, por serem seres visuais, os surdos adquirem essas habilidades com muito mais naturalidade e facilidade do que os ouvintes. Então, para que haja movimento, é preciso haver espaço, logo, o movimento é indissociável do espaço. As variações do movimento servem para diferenciar itens lexicais, como nome e verbo, para indicar a direcionalidade do verbo. Por exemplo, o verbo “olhar” e “olhar para” indicam a variação em relação ao tempo dos verbos: “olhe para”, “olhe fixo”, “observe”, “olhe por um longo tempo”, “olhe várias vezes”. Assim, os movimentos se diferenciam pela direcionalidade, pelo tipo, pela maneira (tensão e velocidade) e pela frequência do sinal (movimentos simples ou repetidos). Quanto à direcionalidade o movimento pode ser: unidirecional (proibir e mandar); bidirecional (discutir, julgamento) e multidirecional (incomodar, pesquisar). Em relação ao tipo, os movimentos podem ser retilíneos (encontrar, estudar); helicoidal (macarrão, azeite); circular (brincar, preocupar), semicircular (surdo, coragem); sinuoso (Brasil, navio) e angular (raio, difícil). Em relação à maneira, tensão e velocidade, por exemplo, o verbo “olhar”, pode ser sinalizado rapidamente, para dizer que a pessoa apenas avistou, ou longamente, significando que a pessoa olhou com atenção. No caso da frequência do sinal (movimentos simples ou repetidos), isso pode ser verificado na diferença entre o substantivo e o verbo, por exemplo, cadeira e sentar. Ademais, um sinal pode ser realizado sem movimento. Observe os exemplos. • Circular • Semicircular • Helicoidal • Unidirecional • Bidirecional A orientação das mãos (OM) é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. É possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão em Libras: para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita e para a esquerda. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de um sinal, por exemplo, no sinal para montanha. MONTANHA Além disso, a orientação das mãos é importantíssima e diferencia o significado em pares mínimos que possuem CM, M e PA iguais, como ajudar e ser ajudado, eu perguntar e me perguntar, eu responder e responder para mim etc. Assim, além de ser utilizado na flexão de verbos, o parâmetro OM é empregado na marcação de negativas, como em querer e não querer, gostar e não gostar etc. a) b) c) Em relação à expressão facial, como você já sabe, a Libras conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão facial e o movimento do corpo, que, muitas vezes, podem definir ou diferenciar significados entre os sinais. Esses componentes envolvem movimento da face, dos olhos, da cabeça e do tronco. A expressão facial e a corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., atribuindo mais sentido à Libras e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal. Observe os exemplos: Os sinais são executados em Libras dentro de um espaço bem definido, denominado espaço de sinalização, que abrange a área delimitada pelos quadris e o topo da cabeça. É a manipulação dos sinais no espaço que estabelecem as relações gramaticais em Libras. A informação gramatical se apresenta simultaneamente ao sinal e é produzida por mecanismos espaciais que envolvem dois aspectos: a incorporação, usada, por exemplo, para expressar localização, número, pessoa, e o uso de sinais não manuais, como movimentos do corpo e expressões faciais. EXPRESSÃO FACIAL OU MODULAÇÃO NÃO MANUAIS EM LIBRAS São as componentes não manuais, particularmente, as expressões faciais que estabelecem a modulação em Libras, equivalente à entonação nas línguas orais. A Libras também usa modulações de olhar e expressões faciais e corporais para transmitir a intensidade do verbo apresentado e sua significação no contexto. Ainda, há as modulações de grau e de intensidade, pelas expressões faciais, que podem ser consideradas gramaticais. Essas marcações são denominadas “marcações não manuais”. A sinalização é sempre acompanhada pela posição da cabeça, por movimentos da cabeça, pela postura do corpo e, principalmente, pela expressão facial. Esses componentes podem indicar alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento, dentre outros sentimentos, dando mais sentido à Libras e, como você já sabe, determinando o significado de um sinal. Observe os exemplos. O olhar também faz parte das expressões faciais, particularmente na apontação. Por exemplo, aponta-se para o lado e o olho segue o dedo. Se a apontação é para cima, os olhos também se direcionam para cima. Observe: Por sua vez, o ponto de Articulação (PA) é a segunda principal unidade mínima e refere-se ao lugar do corpo em que será realizado o sinal. Os sinais podem ser produzidos em quatro pontos de articulação: tronco, cabeça, mão e espaço neutro e subespaços (nariz, boca, olho etc.). Muitos sinais envolvem um movimento indo de um ponto de articulação para outro, mas, mesmo assim, cada sinal tem apenas um ponto de articulação, mesmo que ocorra um movimento de direção. Se dois sinais têm configuração de mão e movimento iguais, mas pontos de articulação diferentes, eles são diferentes. Por exemplo, os sinais de “amar”, “ouvir”, “aprender” e “laranja” diferem-se entre si apenas pelo ponto de articulação. 1 – Cabeça; 2 – Corpo; 3 – Braços e mãos; 4 – Espaço neutro ASPECTOS MORFOLÓGICOS A Morfologia se refere à maneira como as palavras são formadas em uma língua. Nesse sentido, a Libras tem um léxico e recursos que permitem a criação de novos sinais. Esses recursos são denominados derivação, composição e incorporação. Na derivação, um novo sinal é obtido pelo enriquecimento do radical (raiz) com vários movimentos e contornos no espaço. A maneira mais comum de criação de novos sinaisem Libras é realizar mudanças no movimento, para derivar verbos de substantivos e vice- versa. Outra forma bastante usual de criar novos sinais é a composição, em que, como o próprio nome indica, dois ou mais sinais se combinam para criar um novo sinal. Observe os exemplos a seguir. Da mesma forma que nas línguas orais, em que uma palavra é polissêmica, isto é, admite diferentes significados, existem sinais em Libras que também admitem diferentes significados. Portanto, o contexto em que esses sinais são usados estabelece as diferenças. Observe os seguintes exemplos: Apesar de a Libras ser independente da Língua Portuguesa, alguns sinais são originários das iniciais da representação escrita de seus significados, demonstrando que, da mesma forma que nas línguas orais, em que uma língua influencia a criação de novas palavras (exemplo: deletar), a Libras é influenciada pela Língua Portuguesa. TIPOS DE FRASES EM LIBRAS As sobrancelhas e o rosto são neutros. A negativa pode ser feita de duas maneiras: com as sobrancelhas franzidas e a cabeça sendo balançada para os lados, como na Figura 1, ou com a cabeça parada, com as sobrancelhas franzidas e o dedo sendo balançado, representando “não”, como na Figura 2. As sobrancelhas levantadas e a boca um pouco aberta. 1) Sobrancelhas franzidas levemente, não como na frase imperativa, apenas de maneira séria. Por exemplo, em uma reunião, uma audiência ou entrevista, há algumas perguntas que combinam com essa face, por exemplo, “Sabe escrever um livro?”; “Em qual banco você sacou dinheiro?”; “Quer casar com minha filha e vai cuidar bem dela?”; “Vai trabalhar amanhã?”; “Vai vir comigo para casa agora?”; “Você assume a responsabilidade de seu trabalho?”. 2) Cabeça levantada levemente, sobrancelhas arqueadas e boca um pouco aberta, para expressar o pronome interrogativo “quem”: “Quem é?”; “Quem vem?”; “Bolsa de quem?”; “Carro de quem?”. 3) Sobrancelhas franzidas e curvadas com a boca em forma “semicircular”, para expressar a pergunta “cadê”: “Cadê a bola?”. 4) Boca em “U” e as sobrancelhas neutras expressam “o que”, referindo-se a questões do tipo: “O que tem aí?”; “O que vai fazer?”; “O que tem dentro?”. 5) Sobrancelhas levantadas e boca fechada, para perguntar “quer?” e fazer perguntas que questionam, por exemplo, o desejo de outra pessoa, e podem ser utilizadas em conversas cotidianas. Por exemplo, “Gosta de comer morango?”; “Vai viajar hoje?”; “Você é casad@?”; “Quer refrigerante?”; “Quer bolacha?”; “Você sabe cozinhar?”; “Você consegue dirigir um carro grande?”. 6) Sobrancelhas franzidas e boca fechada expressam perguntas referentes a identidade pessoal, saudações cotidianas, locais, por meio de palavras como “onde”, “por que”, “para que”, “nome”, “idade” e “sinal”. Por exemplo, “Onde fica o Correio?”. Também é possível uma combinação das expressões em frases interrogativas e exclamativas, como em “Para que muita roupa (risos)?”. Assim, o importante é utilizar a expressão adequada a cada pergunta no contexto das conversas cotidianas. As sobrancelhas franzidas e o rosto representando “brava”. TIPOS DE NEGAÇÃO Há três tipos de negação: somente acrescentando um sinal para “não”; incorporando a negação e utilizando sinais diferentes. Por exemplo, “não + conhecer”: é preciso sinalizar “conhecer”, com a cabeça balançando, o que demonstra “não”. Nas fotos a seguir, observe que o sinal para a negação é diferente do sinal afirmativo, pois já está incorporando a negação. É válido, salientar, porém, que são poucos os sinais em que a negação está incorporada. FLEXÃO DE GÊNERO A flexão de gênero, quando necessária, é marcada pelo sinal de masculino ou feminino antecedendo o substantivo. Já explicamos sobre a morfologia e os sinais compostos ou a composição de sinais, então, quando se faz a transcrição da Libras para a Língua Portuguesa, o símbolo @ significa que não há marcação de gênero, por isso, precisamos acrescentar primeiro o gênero, depois o sinal, por exemplo, “tio = homem^C na testa”. No caso de animais, também é preciso acrescentar a flexão de gênero, por exemplo, “égua = mulher^cavalo”. GRAU OU ADVÉRBIO DE INTENSIDADE TIPO DE VERBOS Em Libras, os verbos classificam-se em simples, ou sem concordância, direcional, ou com concordância, e espacial. Os verbos simples ou sem concordância não se flexionam em pessoa e número e não incorporam afixos locativos, mas alguns apresentam flexão de aspecto. Todos os verbos ancorados no corpo são simples, porém há alguns que são feitos no espaço neutro. Exemplos dessa categoria são “precisar”, “pensar”, “conhecer”, “casar”, “aprender”, “saber”, “inventar” e “gostar” (UFSC, 2008, on-line). Os verbos com concordância ou direcionais se flexionam em pessoa, número e aspecto, mas não incorporam afixos locativos. Exemplos dessa categoria são “dar”, “enviar”, “responder”, “perguntar”, “dizer” e “provocar”, que são subdivididos em concordância pura e reversa (backwards). Os verbos com concordância apresentam direcionalidade e orientação. A primeira está associada às relações semânticas (source/goal). A segunda, a orientação da mão voltada para o objeto da sentença, está associada à sintaxe (UFSC, 2008, on-line). O verbo espacial tem as mesmas características que os verbos com concordância. São sinais de movimentos direcionais, flexionam-se em pessoa e, além dos objetos, incorporam advérbios de lugar como afixos (afixos locativos). Veja os exemplos a seguir. CLASSIFICADORES Ainda no que se refere às categorias ou estruturas gramaticais da Libras, há os classificadores, os quais são auxiliares da língua de sinais, para determinar as especificidades e “dar vida” a uma ideia ou a um conceito ou signos visuais. Isso significa que o classificador representa a forma e o tamanho dos referentes, assim como características dos movimentos dos seres em um evento, tendo, pois, a função de descrever o referente dos nomes, adjetivos, advérbios de modo, verbos e locativos. A denominação dos classificadores (CLs) como “auxiliares”, importantíssimos para as Línguas de Sinais, foi atribuída pela comunidade de linguistas, para fazer a comparação com as funções da língua falada ou oral e suas estruturas gramaticais. Para os pesquisadores surdos, essa estrutura gramatical da Libras ainda está à procura de uma definição adequada para nomeá-la, de acordo com as perspectivas viso-espaciais. Para as Línguas de Sinais, a descrição e a reprodução da forma, do movimento e da relação espacial do que se quer enunciar são fundamentais, pois tornam mais claro e compreensível o significado do que está sendo exposto. Essa é a principal função dos classificadores. Em Libras, esses classificadores são formas representadas por configurações de mão, que podem aparecer junto de verbos de movimento e de localização, para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo. Além de, como já exposto, tornarem mais compreensível o significado do enunciado, os classificadores desempenham uma função descritiva e podem detalhar som, tamanho, textura, paladar, tato, cheiro, formas em geral de objetos inanimados e seres animados etc. Muitos classificadores são icônicos em seu significado, devido à semelhança entre a sua forma ou ao tamanho do objeto referido. Como os classificadores obedecem a regras de construção e são representados sempre por configurações de mãos específicas associadas a expressões faciais, corporais e à localização, ou seja, aos parâmetros da Libras, apesar de serem icônicos, não podem ser considerados mímica, como jáexposto anteriormente. A seguir, há mais alguns exemplos. Observe-os. Logomarca: Corpo: Plural: Instrumental: Elemento: Específico: Descritivo: Classificador de sintaxe: o classificador descreve uma ação e o verbo “incorpora” o sujeito ou o objeto. Por exemplo, “gato X cachorro, morder”. O sinal para o verbo é igual, mas é preciso sinalizar qual é o animal que está mordendo. Isso também acontece com os verbos “andar” e “correr”. Observe os exemplos a seguir. No caso de “elefante andando e de porco andando”, por exemplo, por meio dos sinais, é possível perceber que há diferença entre os dois animais. Porco andando Em relação ao verbo “beber”, é necessário incorporar o objeto utilizado, como no exemplo a seguir. No caso de “andar”, incorpora-se a quantidade de pessoas que estão andando. Quanto a “escovar”, “pente”, “escova para roupa”, “escovar dentes”, os sinais são diferentes. Observe os exemplos a seguir. A seguir, a mais dois exemplos. Comer: Lavar: Esses sinais são muito parecidos com o que estão representando, mas não são mímicas, porque há configuração de mãos, movimento, orientação, ponto de articulação e expressões não manuais. Assim, o classificador é uma representação da Libras que mostra detalhes específicos, permitindo a descrição de pessoas, animais e objetos, bem como a movimentação ou a localização. Os classificadores são muito importantes, pois ajudam a construir a estrutura sintática da Libras. MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL Os tempos verbais em Libras se resumem em presente, passado e futuro. Caso seja utilizado o tempo presente, ele pode ser enfatizado pelos sinais de “agora” ou “já”, seguidos do sinal do verbo desejado. Caso seja o tempo passado, utilizam-se os sinais de “ontem” ou “muito tempo atrás”, e o sinal do verbo. Por fim, caso seja o tempo “futuro”, sinaliza-se “amanhã” ou um “futuro mais distante”, em seguida, o sinal do verbo. A ordem pode ser invertida em qualquer um dos casos, sinalizando-se, primeiro, o verbo e, depois, o advérbio de tempo. Além disso, a Língua Portuguesa possui derivações e a própria morfologia para deixar claro o tempo verbal e o pronome pessoal que está sendo utilizado. Em Libras, entretanto, precisamos de um sinal específico para o tempo verbal, outro para o pronome pessoal e outro para o verbo. Por exemplo: Entender: 1- Eu Entendi = passado. Entendo = presente. Entenderei = futuro. 2- Nós Entendíamos = passado. Entendemos = presente. Entenderemos = futuro. Em Libras fica assim: 1- Nós Nós entender já. Nós entender sim. Nós ir entender. 2- Eu Eu entender antes. Eu ainda entender. Eu futuro entender. Então, precisamos sinalizar duas palavras ou mais, pois é impossível sinalizar apenas o verbo com a derivação, como em Língua Portuguesa. Observe outros exemplos: Mamãe comprar mercado já ontem. Mamãe comprar mercado amanhã. Mamãe comprar vivo mercado. O sinal de “vivo”, ou “vida”, acompanhando o sinal de um verbo, indica o gerúndio. Desse modo, “Mamãe comprar vivo mercado” significa “Mamãe está comprando no mercado”. Sinais para passado: Sinais do tempo presente: Sinais para futuro: ASPECTOS SINTÁTICOS A sintaxe da Libras não pode ser estudada tendo como base a da Língua Portuguesa, porque tem gramática diferenciada, independente da língua oral. A ordem dos sinais na construção de um enunciado obedece a regras próprias, que refletem a forma de o surdo processar suas ideias, com base em sua percepção visual-espacial da realidade. Em relação à ordem da frase em Libras, embora a construção SVO (sujeito – verbo – objeto) seja predominante, de acordo com Quadros e Karnopp (2004), a ordem “tópico comentário” ou OSV parece ser a mais comum, principalmente entre os surdos menos oralizados. Também é possível encontrar construções como SOV e OSV. Os advérbios temporais e de frequência não podem interromper uma relação entre o verbo e o objeto, sendo que os temporais podem aparecer antes ou depois da oração. Por exemplo, “João comprar carro amanhã” ou “Amanhã João comprar carro”. Os advérbios de frequência, por sua vez, podem aparecer antes ou depois do complemento, como em “Eu bebo leite algumas vezes” ou “Eu, algumas vezes, bebo leite”. Assim, encerramos nosso estudo a respeito dos aspectos linguísticos da Libras. #Saiba mais# O reconhecimento da potencialidade da Libras para exprimir conhecimentos das mais variadas naturezas tem se consolidado de tal forma que já existe uma revista científica virtual em Libras. Esse tipo de publicação tem a dupla função de garantir a autoria de textos científicos produzidos por surdos, que, para serem apresentados na forma escrita, precisam de revisão de ouvintes, e de contribuir com a constituição de um corpus de conhecimento em Libras, acessível aos surdos. Para conhecer algumas produções em formato de videorregistro, acesse o site da Universidade Federal de Santa Catarina, disponível em: <http://revistabrasileiravrlibras.paginas.ufsc.br/>. Acesso em: 24 out. 2018. #Saiba mais# DICAS DE LEITURA Para complementar seus estudos sobre o tema, indicamos livros como “Que palavra que te falta? Linguística, educação e surdez”, de Regina Maria de Souza, publicado em 1998, pela editora Martins Fontes, de São Paulo. Embora não seja um livro sobre a história da educação dos surdos, esse livro é imprescindível para a compreensão do papel da língua de sinais na constituição do surdo como sujeito, permitindo avaliar melhor a “tragédia” que significou para os surdos a proibição do uso dessa http://revistabrasileiravrlibras.paginas.ufsc.br/ língua e o que significa esse resgate que vivenciamos atualmente. O livro apresenta, ainda, no Capítulo V, um resgate histórico a respeito das pesquisas sobre Línguas de Sinais. O segundo livro que podemos indicar é “Libras: conhecimento além dos sinais”, de Maria Cristina da Cunha Pereira, Daniel Choi, Maria Inês da S. Vieira, Priscilla Roberta Gaspar e Ricardo Nakasato. Esse material foi publicado pela editora Pearson, de São Paulo, em 2011. Dentre esses autores, duas são ouvintes. Maria Cristina é professora titular da PUC/SP, doutora em Linguística. Por sua vez, Maria Inês é mestre em Educação, na área de distúrbios da comunicação, e tradutora-intérprete de nível superior em LIBRAS, certificada pelo PROLIBRAS. Os demais autores são surdos, professores de Libras, com graduação em Letras/Libras pela UFSC. O livro, composto por poucas páginas e com um texto fluente e agradável, deveria ser leitura obrigatória para todos aqueles que pretendem se aproximar do mundo dos surdos. Enfatizando aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos da Libras, o livro apresenta, ainda, a síntese histórica da educação de surdos e as discussões sobre cultura e identidades surdas, além de tecer comentários sobre legislação e proposta inclusiva. REFLITA “Ainda hoje, muitos ouvintes tentam diminuir os surdos para que vivam isolados e tendo de assumir a cultura ouvinte, como se esta fosse uma cultura única; ser “normal” para a sociedade significa ouvir e falar oralmente. Os ouvintes não prestam atenção aos surdos que se comunicam por meio da Libras. Consequentemente, não acreditam que os surdos sejam capazes de estudar em faculdade ou realizar mestrado e doutorado, por exemplo. Os sujeitos ouvintes veem os sujeitos surdos com curiosidade e, às vezes, zombam por eles serem diferentes” (STROBEL, 2008, p. 22). E você? O que pensa a respeito dos surdos? CONSIDERAÇÕES FINAIS O caminho que trilhamos nesta unidade começou com a contextualização do tema. Desse modo, discutimos as relações entre pensamento e linguagem, ressaltando que o importante para o ser humano não a língua quese usa, mas ter uma língua. Esperamos que, com esta unidade, tenhamos demonstrado a importância da língua de sinais, nesse caso, da Libras, para o desenvolvimento cognitivo e social dos surdos, além de possibilitado a desconstrução de crenças e preconceitos a respeito dos surdos e da surdez. Nesse sentido, como você já sabe, além de favorecer o desenvolvimento cognitivo e social do aluno, como em sua produção escrita, a utilização da Libras evidencia que é falsa a ideia de que fazer uso de sinais poderia ser um fator complicador para a aprendizagem da língua oral. Assim, concordamos com Gesser (2009, p. 59), quando o autor afirma que muitas das barreiras erguidas contra as Línguas de Sinais ainda são decorrentes da forte influência da filosofia oralista na educação de surdos. Muitos pesquisadores, entretanto, “[...] têm abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras línguas pelo surdo”. Essa visão dos pesquisadores preconiza o uso da Libras não apenas como apoio no aprendizado da Língua Portuguesa, afinal, é mais fácil se aprender uma segunda língua apoiando-se em uma língua já adquirida, mas e, no nosso entender, principalmente, em função de que a língua de sinais, ao ser incorporada pelo surdo, favorece o desenvolvimento cognitivo desse sujeito. Gesser (2009, p. 59) vai mais além, ao considerar que “[...] a relação do indivíduo surdo profundo com a língua oral é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de sinais é imprescindível para assegurar condições mais propícias nas relações intra e interpessoais” e, ainda segundo a autora, na mesma página, seriam essas relações intra e interpessoais que “[...] constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas e sociais dos seres humanos”. Esperamos, portanto, com esta unidade, termos convencido você, caro(a) aluno(a), acerca da importância da Libras para a educação e para a vida do surdo. Assim, finalizando esta primeira unidade, destacamos alguns aspectos das línguas de sinais, de maneira geral, e da Libras, em particular, a seguir. ● A língua de sinais é tão natural e tão complexa quanto as línguas orais, dispondo de recursos expressivos suficientes para permitir que seus usuários se expressem sobre qualquer assunto, em qualquer situação, domínio do conhecimento e esfera de atividade. ● A Libras é uma língua adaptada à capacidade de expressão dos surdos brasileiros, devendo, portanto, ser conhecida pelo menos em seus aspectos fundamentais pelos professores. ● A Libras é uma língua com gramática própria e com condições de proporcionar a comunicação efetiva entre os surdos, incluindo a expressão de sentimentos, a composição de poesias, a discussão filosófica, enfim, é um idioma completo. ● As línguas de sinais não são iguais em todo o mundo. ● As línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções de uma língua natural, mas ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas diante das línguas orais, sendo consideradas uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais icônicos. ● A língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária de um país, pois é, completamente, independente das línguas orais dos países onde é produzida. ● Não é possível falar em Libras e em português ao mesmo tempo, pois a Libras é “falada de boca fechada”. Por fim, sugerimos que, sempre que possível, você tente falar em Libras com seus colegas e estude em casa. ATIVIDADES PARA AUTOESTUDO 1. A apontação em Libras faz parte da língua. Apontar é algo muito comum em Libras, diferente do português, no qual o ato de apontar pode ser considerado falta de educação. Nesse sentido, analise as afirmativas acerca da função da apontação em Libras e assinale a alternativa correta. I. Serve para indicar localização. (Correta. Esta é a principal função da apontação). II. Serve para estabelecer pontos no espaço. (Correta, porque os pontos no espaço assumem a função de referentes em uma conversa). III. Serve para estabelecer os tipos de frases. (Incorreta. Os tipos de frases são estabelecidos pelas expressões faciais). IV. Serve para indicar as pessoas do discurso. (Correta. As pessoas em um discurso são substituídas pelos referentes marcados no espaço, pontos no espaço). As afirmativas I e II estão corretas. a) As afirmativas II e III estão corretas. b) As afirmativas I, II e IV estão corretas. c) As afirmativas I, III e IV estão corretas. d) Todas as afirmativas estão corretas. 2. Leia com atenção e assinale a alternativa correta. Um classificador (Cl) é uma forma que estabelece um tipo de concordância em uma língua. Nas línguas orais, os classificadores são morfemas gramaticais que são afixados aos morfemas lexicais para especificar aquilo a que a palavra se refere, como a classe a que pertence, o gênero, a forma, o tamanho etc. Em Libras, a principal função dos classificadores é: a) indicar o plural. (Incorreta. Essa é a função do classificador em Língua Portuguesa). b) tornar mais claro e compreensível o que se quer falar. (Correta. Essa é a função dos classificadores em Libras e, por isso, eles são tão importantes). c) proporcionar a flexão de gênero. (Incorreta. Esta é a função do classificador na Língua Portuguesa). d) evidenciar que são os únicos sinais associados às expressões faciais. (Incorreta. As expressões faciais enquadram-se nos componentes não manuais e constituem um dos parâmetros da Libras, estando, portanto, associadas a todos os sinais). e) indicar o tempo verbal. (Incorreta. Os tempos verbais têm sinais específicos que acompanham os verbos, para indicar presente, passado, futuro e o gerúndio). 3. Leia as afirmativas e assinale a alternativa correta. I. A Libras é utilizada em todo o território nacional. (Correta. A Libras é a Língua Brasileira de Sinais, língua do surdo brasileiro). II. A Libras é universal. (Incorreta. A Libras é a Língua Brasileira de Sinais, ou seja, a língua do surdo brasileiro. Cada país tem sua própria língua de sinais). III. A Libras é uma língua como qualquer outra. (Correta. A Libras é um idioma completo, com sintaxe e léxico próprios). IV. A Libras é uma língua visomotora. (Correta. A Libras tem como canal emissor as mãos se movimentando no espaço e, como canal receptor, a visão/os olhos). a) As afirmativas I e II estão corretas. b) As afirmativas II e III estão corretas. c) As afirmativas I, II e IV estão corretas. d) As afirmativas I, III e IV estão corretas. e) Todas as afirmativas estão corretas. Unidade II Construindo vocabulário Objetivos de aprendizagem: ● possibilitar a constituição de uma imagem positiva da surdez e do surdo; ● estabelecer um vocabulário suficiente para a comunicação funcional com o surdo, em uma possível atuação profissional; ● favorecer a comunicação, a interação e o atendimento ao surdo; ● favorecer o processo de inclusão da pessoa surda; ● compreender a atuação do tradutor intérprete de língua de sinais (TILS); ● discutir o mercado de trabalho do TILS e dos surdos. Plano de estudo ● Léxico de unidades semânticas: alfabeto, números e pronomes. ● Léxico de unidades semânticas: saudações cotidianas, cores, calendário e tempo. ● Léxico de unidades semânticas: deficiências, profissões, educação, escola e economia. ● Intérpretes tradutores de línguas de sinais. ● O mercado de trabalho para as pessoas surdas. Introdução Esta segunda unidade, conforme anunciamos na apresentação deste livro, é destinada à construção de vocabulário específico para sua área de atuação, caro(a) aluno(a). Nas conclusões, faremos uma discussão a respeito de como entendemos sua atuação como professor, parceiro da família e como é possível favorecer a inclusão do cidadão surdo,qualquer que seja seu campo de atuação profissional. Como você já sabe, fazemos essas discussões sustentadas em nossa formação acadêmica e, particularmente, em nossa experiência de vida. Nesta unidade, também apresentaremos o papel do tradutor intérprete de sinais, em especial, na educação e discutiremos sua relação com o surdo, no que se refere ao mercado de trabalho. Para a construção do vocabulário, apresentaremos fotos, com setas indicando os movimentos, mas você pode encontrar esses sinais (pelo menos a maioria deles) em qualquer um dos dicionários virtuais disponíveis. Essa consulta é importante, porque, nesses dicionários, os sinais são apresentados com movimento. Você pode consultar o link disponível em: <http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras_3/>. Acesso em: 25 out. 2018. As unidades semânticas abordadas na Unidade II são: alfabeto, números, cores, saudações cotidianas, calendário e tempo, deficiências, profissões, escola, educação e economia. No que se refere aos aspectos gramaticais, apresentaremos os pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos. Assim como a Unidade I, esta segunda unidade se organiza em cinco seções: • Seção 1: Léxico de unidades semânticas: alfabeto, números e pronomes. • Seção 2: Léxico de unidades semânticas: saudações cotidianas, cores, calendário e tempo. • Seção 3: Léxico de unidades semânticas: deficiências, profissões, educação, escola e economia. • Seção 4: Intérpretes tradutores de línguas de sinais. • Seção 5: O mercado de trabalho para as pessoas surdas. http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras_3/ É muito importante que o(a) futuro(a) professor(a) aprenda a língua de sinais para aprimorar a comunicação com seus alunos, assim como os demais profissionais, para facilitar a inclusão e o atendimento do cidadão surdo. Como a Libras é a língua de sinais oficial do Brasil, utilizá-la não significa um tipo de concessão, ao contrário, o surdo tem esse direito. É fato que isso pode ser viabilizado por intermédio da atuação do intérprete de Libras, mas ainda há escassez de profissionais que atuem como intérpretes. Consequentemente, em diferentes segmentos profissionais, os surdos não recebem um atendimento digno, evidenciando a falta de ética e o desrespeito à pessoa com deficiência. Desse modo, caro(a) aluno(a), seu comprometimento com esta disciplina reflete o tipo de profissional que você pretende ser. Seção 1 Léxico de unidades semânticas: alfabeto, números e pronomes Na Unidade I, quando abordamos os parâmetros da Libras, especificamente ao tratarmos da configuração de mãos (CM), apresentamos alguns sinais do alfabeto manual ou digital e discutimos a questão da soletração e da datilologia. Agora, apresentamos o alfabeto completo. O alfabeto manual Pontuações Números Números quantitativos Existe uma diferença na maneira de representar os números até 4. Os sinais para quantidade, algarismos e números ordinais são diferentes, mas, a partir do 5, são os mesmos sinais. Números ordinais Faça o sinal do algarismo com movimento, por exemplo, “1 até 4”, balançando para cima e para baixo, “5 até 9”, balançando para direita e para esquerda. Pronomes Pronomes pessoais Os pronomes pessoais são sinalizados apontando com o dedo indicador. Quando a pessoa que fala aponta para si olhando para quem fala, esse sinal significa “eu”. Se a apontação e o olhar são dirigidos ao interlocutor, o sinal indica “tu” ou “você”. Se, por outro lado, a apontação é dirigida para outra pessoa que não está na conversa ou para um lugar qualquer do espaço próximo ao emissor, o que se está sinalizando é “ele” ou “ela”. Pronomes possessivos Os pronomes possessivos são sinalizados com a configuração de mão em “P” e, em Libras, obedecem aos mesmos princípios da expressão dos pronomes pessoais. Assim, o emissor sempre deve dirigir seu olhar para o seu interlocutor. Pronomes demonstrativos Seção 2 Léxico de unidades semânticas: saudações cotidianas, cores, calendário e tempo Identificação pessoal: Exemplo de sinal, idade e nome: Saudações, utilizadas, por exemplo, no primeiro dia na sala de aula: Ou Cores: Exemplos: Aprendendo os sinais de calendário Para mais de cinco semanas, deve usar o sinal do número mais o sinal de “semana”, por exemplo, 5 + semana. Observe os exemplos. A partir de cinco meses, também é precisdo sinalizar dois sinais, 6 + mês. Observe os exemplos. Anos x anos x ano: Meses: Horas: Exemplos de duração de horas: Exemplos de hora marcada (relógio): Seção 3 Léxico de unidades semânticas: deficiências, profissões, escola, educação e economia Nesta seção, nosso objetivo é, exclusivamente, fornecer vocabulário para uma comunicação funcional com o surdo, quando você estiver, caro(a) aluno(a), em suas futuras atividades profissionais. Foi pensando em sua formação que selecionamos as unidades semânticas que serão apresentadas, mas não se esqueça da nossa recomendação: procure sites em que você possa visualizar esses sinais com movimento. Deficiências Profissões Economia Real Até nove reais, utiliza-se um único movimento, porque já está incorporado que se trata de valor monetário. Acima de dez reais ou de duas casas numéricas, é preciso sinalizar o número e acrescentar “reais”. Mil A partir de mil reais, sinaliza-se um movimento, um número incorporado ao sinal de reais, um sinal único que representa “um mil reais”. A partir de 10, ou acima de duas casas numéricas, é preciso acrescentar “mil reais”. A seguir, observe mais exemplos. Educação: escola, níveis de ensino, espaço físico, disciplinas e material escolar Níveis de escolaridade OU Cotidiano escolar e verbos dessa área Materiais escolares Profissionais das escolas e das universidades Espaço físico escolar e tipos de escola Seção 4 Tradutor intérprete de língua de sinais – TILS Como consequência de muita luta da comunidade surda, a Libras foi reconhecida como língua oficial em nosso país (BRASIL, 2002). Esse reconhecimento legal veio acompanhado da garantia de outros direitos, dentre eles, o de que os surdos tenham o acompanhamento de um tradutor intérprete de língua de sinais (TILS) em diferentes situações, como na educação. Com a presença do TILS no interior das salas de aula, novas relações são estabelecidas e algumas, até mesmo, reconstruídas, como entre o TILS e os alunos surdos, os professores, os alunos ouvintes e os saberes. Não podemos deixar de considerar as relações que, com o TILS, possivelmente, são repensadas, reconstruídas, como entre alunos surdos e professores ouvintes, alunos surdos e alunos ouvintes. Nesses últimos casos, qual é a influência desse profissional no relacionamento com os demais sujeitos ouvintes? Esse é, portanto, um vasto campo, ainda insuficientemente investigado. Dessa forma, paracompletar a descrição do modelo atual de inclusão dos surdos brasileiros, resta comentar a presença do TILS nas escolas e na sociedade em geral, que é fundamental para a inserção das pessoas com surdez usuárias da língua de sinais. Assim, o intérprete deve conhecer, com profundidade, cientificidade e criticidade, sua profissão, a área em que atua, as implicações da surdez, as pessoas com surdez, a Libras e os diversos ambientes de sua atuação, a fim de que, de posse desses conhecimentos, seja capaz de atuar de maneira adequada em cada uma das situações que envolvem a tradução, a interpretação e a ética profissional. O ideal é que o professor conheça a Libras, mesmo com a presença do intérprete, mas não é viável que toda aula seja realizada em Libras. Nesse sentido, deve-se procurar uma comunicação, mesmo que funcional, entre o professor e o aluno. Além disso, o TILS, geralmente, não domina todo o conteúdo de todas as disciplinas, mas ele deve se certificar de que os conteúdos interpretados correspondem, de fato, ao que foi dito pelo professor. Ademais, a presença do TILS em uma sala de aula tem inúmeros aspectos positivos, dentre os quais, destacamos os expostos a seguir. ● O aluno sente-se mais seguro e com chances de compreender e ser compreendido. ● A aula e os demais procedimentos educativos ficam menos exaustivos e mais produtivos quando a comunicação entre professor e aluno é facilitada. ● O professor conta com mais informações para estabelecer seu contato com o aluno, adaptando sua prática pedagógica para atender o surdo. ● A Libras passa a ser mais divulgada e utilizada de maneira mais adequada. ● O aluno surdo tem melhores condições de seguir as orientações educacionais, favorecendo, inclusive, seu relacionamento com seus familiares no momento, por exemplo, de realização das tarefas domiciliares. Em contrapartida, podemos mencionar alguns aspectos desfavoráveis em relação à presença do TILS na sala de aula e na escola de modo geral, os quais estão expostos a seguir. ● O intérprete pode não conseguir explicar os conteúdos disciplinares da mesma maneira que o professor. ● O aluno não interage com o professor, porque está atento ao TILS e, dessa forma, não estabelece uma relação de confiança com seu professor, indispensável para o sucesso de qualquer ação educativa. ● A interação do aluno surdo com seus colegas fica prejudicada. ● Os demais alunos podem se distrair olhando para o intérprete. ● O professor pode ficar constrangido em estar sendo interpretado. ● O professor não interage diretamente com o aluno. Assim, os professores precisam conhecer e usar a língua de sinais, entretanto deve-se considerar que a simples adoção dessa língua não é suficiente para uma educação adequada. Os professores precisam se conscientizar de que mais do que a utilização de uma língua, os alunos com surdez precisam ser compreendidos em sua totalidade, o que inclui sua identidade e cultura. Apenas garantir a presença de TILS (reivindicação da maioria das pessoas) não significa, absolutamente, que os surdos estão recebendo uma educação de qualidade, equivalente à recebida pelos ouvintes. Então, como o professor deve proceder no atendimento de um aluno surdo? No que se refere, especificamente, à conduta em sala de aula, o professor deve cuidar para que o seu aluno surdo: ● sinta-se aceito e tenha a segurança necessária para participar de todas as atividades da aula; ● tenha as condições mínimas necessárias para garantir sua autonomia; ● possa desenvolver suas aptidões e adquirir os conhecimentos inerentes a sua disciplina. Ao atuar em sala de aula, o professor deve se lembrar de não ficar de costas, nem de lado, quando estiver falando, e de preparar os colegas para receber o aluno surdo naturalmente, estimulando-os, para que sempre falem com ele. Outra atitude que deve ser destacada é que, mesmo havendo a presença de intérprete na sala, o professor, ao falar, deve se dirigir, diretamente, ao aluno surdo, usando frases curtas, com estrutura completa e com o apoio da escrita. Assim, é preciso falar com o aluno mais pausadamente, mas sem excesso e sem destacar as sílabas. O falar deve ser claro, em um tom de voz normal, com boa pronúncia. Além disso, é necessário verificar se o Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) está ligado, pois ele reforça pistas e referências. Outros cuidados essenciais que o professor precisa ter são: • verificar se o surdo está atento, pois ele precisa “ler” os lábios para entender, no contexto da situação, todas as informações veiculadas; • chamar sempre a atenção do aluno surdo, por meio de um gesto convencional ou de um sinal; • colocar o aluno surdo nas primeiras carteiras das fileiras laterais ou colocar a turma toda em semicírculo; • sempre utilizar todos os recursos que facilitem a compreensão do aluno surdo. Quanto à posição do intérprete, o ideal é que ele sempre fique de frente para o aluno surdo, atrás do professor. Como isso nem sempre é possível, o intérprete deve ficar em frente ao aluno, mas de tal forma que possa enxergar o professor e o quadro. Somente como última opção o intérprete deve se sentar ao lado do aluno surdo. No que se refere à comunicação, o professor deve sempre: • utilizar a língua escrita e, se possível, a Libras, estimulando o aluno surdo a se expressar oralmente, por meio da escrita ou de sinais, cumprimentando-o pelos sucessos alcançados ou pelo esforço; • colocar o surdo a par de tudo o que acontece na comunidade escolar, interrogá-lo e pedir a sua ajuda, a fim de que ele sinta-se um membro ativo e participante; • dar oportunidades de o aluno surdo ler, escrever no quadro e levar recado a outros professores, como os demais colegas; • ficar atento, para que o aluno surdo participe das atividades extraclasse. • na ação pedagógica cotidiana, utilizar vocabulário e comandos simples e claros nos exercícios; • não modificar vocabulário, comandos, instruções e questões na hora da avaliação; • avaliar o aluno surdo pela mensagem/comunicação que ele transmite, não somente pela linguagem expressa ou pela perfeição estrutural de suas frases; • solicitar ajuda dos professores que atuam no Atendimento Educacional Especializado – AEE (detalharemos melhor esse atendimento na próxima unidade) quando necessário e, principalmente, procurar obter informações atualizadas sobre a educação de surdos. Em relação às ações pedagógicas de caráter geral, destacamos o fato de que a escola precisa da participação da família se quiser ter êxito na educação de sujeitos surdos. Portanto, é fundamental incluir a família em todo processo educativo. No que se refere, especificamente, ao trabalho com a Língua Portuguesa, os professores precisam ter a clareza de que apesar de ler (ver o significante, a letra), os surdos, muitas vezes, não sabem o significado daquilo que leram. Assim, é importante estar atento para utilizar vocabulário alternativo quando eles não entenderem o que estão lendo. É possível traduzir, trocar, simplificar a forma da mensagem, sempre resumir o assunto (conteúdo dado) no quadro de giz, abordando os dados essenciais, em frases curtas. Uma boa atitude é sentar-se ao lado do aluno surdo, decodificando com ele a mensagem de uma frase, de um texto, por meio de recursos visuais e do dicionário. Ainda, é possível ler a frase ou a redação do aluno surdo, para que ele possa complementar com sinais, dramatizações, mímica e desenhos o pensamento mal expresso. Outro cuidado refere-se à utilização de sinônimos, pois é preciso explicá-los para os alunos surdos, além de destacar o verbo das frases, ensinando-lhes o significado, para que esses alunos possam entender instruções e executá-las. Quanto à própria maneira de se comunicar, o professor deve prestar muita atenção ao utilizar linguagem figurada e gírias, porque precisará explicar osignificado delas. O profissional deve sempre se lembrar de que a Língua Portuguesa é uma língua estrangeira para o surdo. Enfim, o professor deve utilizar, sempre que possível, os serviços do intérprete, não se esquecendo, todavia, de que a responsabilidade pela aprendizagem do educando surdo é dele, professor, e nunca do intérprete. Salientamos que, sendo o tradutor/intérprete uma pessoa com capacidade e opiniões próprias, não é coerente exigir que ele adote uma postura absolutamente neutra, como se desenvolvesse apenas uma atividade mecânica. O fato de esse profissional ter uma opinião própria sobre um assunto, no entanto, não lhe garante o direito de interferir em uma situação concreta na qual está interpretando, quando não for chamado a intervir. Segundo o código de ética de atuação do profissional tradutor e intérprete – que é parte integrante do Regimento Interno do Departamento Nacional de Intérpretes da Feneis –, cabe a esse profissional agir com sigilo, discrição, distância e fidelidade à mensagem interpretada, à intenção e ao espírito do locutor da mensagem. Essa postura profissional exige ética, disciplina e uma clara consciência de seu papel. Desse modo, o TILS deve ter uma estabilidade emocional muito grande, e toda pessoa que almeja assumir essa função precisa ter consciência dessas condições e buscar formas de desenvolvê-la. Entende-se como postura ética uma atitude solidária, pela qual os intérpretes/tradutores lutam pelo respeito às pessoas com surdez, assim como por qualquer outra pessoa. Existem várias áreas de atuação desses profissionais de Libras e Língua Portuguesa que merecem ser objeto de reflexão de todos os que atuam com pessoas com surdez usuárias da Libras. A atuação do tradutor/intérprete envolve ações que vão além da mera interpretação. Isso porque ele medeia a comunicação entre professores e alunos, profissionais da saúde e seus pacientes, pacientes e seus familiares, surdos e advogados, entre os surdos e as demais pessoas da comunidade em todo o âmbito da convivência social e atua, até mesmo, como confidente e conselheiro de uma pessoa surda. Nesse sentido, o professor precisa se informar a respeito da atuação do tradutor/intérprete em situações que ultrapassem o ambiente escolar, pois o aspecto emocional do aluno pode afetar sua aprendizagem. Outra atitude importantíssima que o professor deve adotar é colaborar, o máximo possível, com os intérpretes e com os professores que atuam no AEE, a fim de oportunizar o trabalho conjunto de todos os envolvidos na educação do aluno surdo. O mais importante para um trabalho efetivo, no entanto, é aceitar o aluno surdo como sujeito surdo e ajudá-lo a pensar e a raciocinar. Desse modo, não devem ser dadas soluções prontas e não é necessário superproteger o surdo, mas tratá-lo como qualquer outro aluno, sem discriminação ou distinção, ou seja, é preciso acreditar, de fato, na potencialidade do aluno. Seção 5 O mercado de trabalho para as pessoas surdas Esta seção é uma adaptação do artigo intitulado “As pessoas surdas e o mercado de trabalho”, de Marília Ignatius Nogueira Carneiro, apresentado para a disciplina “Trabalho, Educação e Práticas Pedagógicas” do Programa de Pós-Graduação em Educação, PPE, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), ministrada pela prof.ª Dra. Maria Terezinha Bellanda Galuch. Essa pesquisa destaca o relacionamento entre a sociedade e a educação, no que se refere à preparação para o trabalho, e mostra como a economia capitalista reforça a diferença entre as classes alta, média e baixa, o preconceito em relação às etnias, ao gênero e, principalmente, em relação às deficiências. Assim, iniciamos com uma fundamentação teórica, expondo o pensamento de filósofos e pensadores que ressaltam e criticam a manufatura, a desigualdade e o preconceito. Comparando as pessoas com deficiências às pessoas com baixa renda, discutimos o mercado de trabalho para os surdos e intérpretes de Libras, sustentados em estudos teóricos da área dos Estudos Surdos1, mas, principalmente, nas experiências pessoais de uma das autoras deste livro como pessoa surda. Desse modo, caro(a) aluno(a), aqui, não relatamos hipóteses, mas histórias reais que ocorreram, e continuam ocorrendo, como a concorrência e as discussões acerca da vaga de professor de Libras. Essa vaga, geralmente, é disputada por ouvintes e surdos, que querem atuar como TILS, inclusive, em empresas. De acordo com Skliar (1998), um dos principais representantes dos estudos surdos no Brasil, os ouvintes têm forte preconceito em relação aos surdos sinalizadores. Isso porque entendem que, se os surdos não falam, seriam “pessoas inferiores” e assim, todas as imagens negativas em relação a qualquer sujeito ficam também “grudadas” no surdo, inclusive a de que é impossível se desenvolver uma profissão. “Ser falante é também ser branco, homem, profissional, letrado, civilizado, etc. Ser surdo, portanto, significa não falar, não ser profissional, não ser letrado, ser surdo-mudo e não ser humano” (SKLIAR, 1998, p. 21). Por outro lado, a educação atual, a legislação, e mesmo a Constituição de nosso país, fundamentam-se no princípio de igualdade entre todos os homens, mas que ainda está distante de ser alcançada pelos surdos, quanto à educação, à igualdade de 1 Os estudos surdos constituem um campo investigativo que tem suas raízes nos estudos culturais, pois enfatizam as questões das culturas, das políticas, das identidades, dos processos de formação dos povos surdos, das práticas pedagógicas, das diferenças e das relações de poderes e saberes surdos. oportunidades de trabalho e, principalmente, à confiança em suas possibilidades nessas áreas de atuação. Algumas ideias sobre o capitalismo De maneira geral, podemos resumir a economia de sobrevivência da seguinte forma: trocamos nosso trabalho pelas coisas que precisamos diariamente para viver. Isso é feito por meio do salário que recebemos pelo nosso trabalho na produção de algum bem para a vida social, como o produto final de uma fábrica, um atendimento médico, uma orientação econômica, uma atuação como jogador profissional, um professor etc. Na economia capitalista, a mercadoria (os bens, o que é “trocado”) é o ponto principal e as condições de produção dessa mercadoria se transformaram ao longo da história, conforme exemplifica Marx (1998), decompondo o ofício manual, especializando as ferramentas, formando os trabalhadores parciais, grupando-os e combinando-os num mecanismo único, a divisão manufatureira do trabalho cria a subdivisão qualitativa e a proporcionalidade quantitativa dos processos sociais e, com isso, desenvolve ao mesmo tempo nova força produtiva social do trabalho. A divisão manufatureira do trabalho, nas bases históricas dadas, só poderia surgir sob forma especificamente capitalista. Como forma capitalista do processo social de produção, é apenas um método especial de produzir mais valia relativa ou de expandir o valor do capital, o que se chama de riqueza social (MARX, 1998, p. 417). Com o aperfeiçoamento das condições de produção, do estabelecimento do comércio entre países, com a descoberta de novos produtos para serem produzidos, criando novas necessidades aos consumidores, as pessoas começaram a pensar em reduzir custos, aumentar os lucros, para que a sociedade capitalista ficasse cada vez mais forte. Isso foi possível com ajuda da tecnologia, o que ficou bem claro com a Revolução Industrial. A ciência e a tecnologia, colocadas a serviço da economia desde a Revolução Industrial, fortaleceram a sociedade capitalista em relação às formas de produção e à vida social, contribuindo para o estabelecimento de classes entre os cidadãos (classes alta, média e baixa) e entre os países (subdesenvolvidos e desenvolvidos ou países do primeiro,segundo e terceiro mundo). Agora, não basta querer trabalhar, é preciso estar preparado para esse trabalho, estar “instrumentalizado”, ou seja, a divisão já se estabelece antes mesmo de se iniciar o trabalho, na oferta de vagas. Segundo Marx (1998, p. 424), “na manufatura, o ponto de partida para revolucionar o modo de produção é a força de trabalho, na indústria moderna, o instrumental de trabalho”. Trazendo essa discussão para as pessoas surdas, como ainda não há uma educação que as prepare para atuar em diferentes profissões e, mesmo quando o surdo, por mérito próprio, depois de muito esforço, e com grande apoio de sua família, consegue se formar como engenheiro, dentista, psicólogo, devido ao preconceito existente na sociedade, ele não consegue trabalho. Assim, durante muito tempo, e ainda hoje, os surdos só conseguiam trabalhar em “linhas de produção”, em trabalhos repetitivos e mecânicos. Só atualmente surgiu a possibilidade de instrumentalizar o surdo para uma profissão mais bem remunerada em uma sociedade capitalista, a de professor de Libras. Entretanto, mesmo com o amparo legal para que essa função seja destinada preferencialmente aos surdos, os ouvintes disputam essas vagas e, novamente, em função do preconceito, acabam ganhando, pois se entende que um professor ouvinte pode desempenhar melhor suas funções. Contextualizando a surdez Na década de 1980, as discussões sobre qual seria a melhor abordagem para a educação de surdos percorria todo o Brasil, evidenciando que, além das questões didático-pedagógicas, o grande embate estava nas concepções acerca da surdez. Para os defensores do oralismo, a surdez era vista como uma deficiência, quase como uma patologia que necessitava ser “normalizada”. A concepção de surdez, subjacente à comunicação total, era de uma marca, com significações sociais. Para o Bilinguismo, a surdez é muito mais uma diferença do que deficiência. É, de acordo com Skliar (1998), uma “experiência visual”. Proliferavam, nessa época, eventos acadêmicos, trabalhos acadêmicos, monografias, dissertações e teses apresentando propostas e experiências. Somente a partir da década de 1980, entendeu-se a necessidade de reconhecer o verdadeiro valor da cultura e da linguagem surda para o desenvolvimento cognitivo e da identidade dos surdos, pois, nessa década, foram iniciadas as discussões sobre Bilinguismo no Brasil, o que foi caracterizado por Sá (1998) como uma “virada linguística”. Foram os linguistas, professores e estudantes de Letras (graduandos e pós-graduandos), isto é, os membros da academia, que introduziram novos paradigmas para a educação de surdos, por meio da realização de eventos com apresentação de pesquisas, monografias, dissertações e teses, contendo propostas e relatando experiências. Os surdos, que tanto padeceram no oralismo, por identidade, luta, rebeldia, redenção ou libertação, rapidamente, levantaram a bandeira pela educação bilíngue, proposta pela academia, tornando-se defensores dessa ideia, exigindo mudanças educacionais e a oficialização da sua língua, o que aconteceu em 2002. Atualmente, a surdez não é mais considerada uma doença ou uma deficiência que torna o surdo inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é entendido como diferente do ouvinte, porque todos os seus mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem como experiência visual. Isso tem como consequência uma maneira especial de processamento cognitivo (como os surdos pensam, aprendem etc.). Portando, os surdos se orientam a partir da visão, mesmo quando possuem restos auditivos ou usam aparelhos. Assim, a definição mais atual para a surdez é a de “experiência visual”, isto é, as experiências vivenciadas pelos surdos são muito mais experiências de visão do que de não audição. O surdo é, então, a pessoa que compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura pelo uso da língua de sinais. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos canais sensoriais, a experiência visual está presente em todos os tipos de representações e produções dos surdos. O Bilinguismo entende a surdez como diferença linguística, e não como uma deficiência a ser normalizada mediante a reabilitação como o oralismo. Com base nessa perspectiva, os surdos constituiriam uma comunidade particular, com cultura e língua próprias. Para os bilinguistas, a “problemática global do surdo” é “intimamente dependente de seu desenvolvimento linguístico” e “só mesmo o respeito à língua de sinais conduzirá a um maior sucesso educacional e social do surdo” (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 16). No Brasil, a educação dos surdos mudou muito depois da adoção do Bilinguismo como abordagem educacional, mas, principalmente, porque mudou a concepção das pessoas sobre a surdez. As mudanças ficam claras na Lei 10.436, de 2002, conhecida como a Lei da Libras, porque ela reconhece essa língua oficial e estabelece as condições para uma escola ser bilíngue (garantindo o TIL em sala de aula e, consequentemente, abrindo mercado para ouvintes fluentes em Libras) e no Decreto 5.626, de 2005. Dentre outros aspectos, esse Decreto expõe que o estudo da língua brasileira de sinais é obrigatório para os cursos de Pedagogia, Fonoaudiologia e em todas as licenciaturas. Com essa obrigatoriedade, abre-se um novo mercado de trabalho, o de professor de Libras, que, no Decreto, é considerado atuação preferencial para surdos. Esse cargo, porém, passou a ser alvo de disputa entre ouvintes e surdos. Professor de Libras: reserva de mercado para surdos? Para os surdos, as opções de trabalho disponíveis são, em geral, de auxiliares para várias funções, professor de Libras, instrutor, promotor de vendas, entregador, linha de produção, pedreiros, marceneiros, serventes, zeladores e outras vagas que não utilizem telefone ou tenham atendimento ao público. Pode-se afirmar que, dentre as opções possíveis, a carreira universitária como professor de Libras é a mais atraente, mais bem remunerada e a que oferece melhor status social. A maioria das pessoas surdas que concluem cursos superiores forma-se em Pedagogia ou em outras licenciaturas e só conseguiam trabalho em escolas especializadas, mas muitas estão sendo fechadas em função da proposta inclusiva. Consideramos que pode até haver uma parceria entre professores surdos e ouvintes, por exemplo, os ouvintes podem trabalhar a parte teórica sobre os aspectos sintáticos e morfológicos da Libras, ou ministrar aulas sobre interpretação e mesmo tradução em Libras, mas a prática dessa língua pertence aos professores surdos. Afirmar que pode haver parceria entre surdos e ouvintes no ensino de Libras, no entanto, não significa dizer que os surdos não são capazes de ministrar a parte referente aos aspectos linguísticos da Libras. Ao contrário, se o surdo tem o curso de Licenciatura Letras/Libras, ele conhece os aspectos teóricos em igualdade de condições com o ouvinte e é capaz de apresentar exemplos mais ricos, em função de sua experiência visual. Por exemplo, existe uma parte muito importante da Libras, os classificadores, que dependem, basicamente, da “experiência visual”. Assim, os surdos, agora pela própria condição, têm melhores condições de ensinar e exemplificar essa questão. De acordo com Nogueira, Carneiro e Nogueira (2012), o classificador é um poderoso auxiliar da língua de sinais para determinar as especificidades e “dar vida” a uma ideia ou a um conceito ou signos visuais. Em outras palavras, os classificadores representam a forma e o tamanho dos referentes, características dos movimentos dos seres em um evento, função de um objeto, com a função de descrever o referente dos nomes, adjetivos, advérbios de modo, verbos e locativos. Para as línguas de sinais, a descrição, a reprodução da forma, do movimento e da relação espacialdo que se quer enunciar são fundamentais, porque tornam mais claros e compreensíveis o significado. Essa é a principal função dos classificadores em Libras e, por isso, eles são tão importantes. Ademais, os classificadores são icônicos pela semelhança entre a forma ou o tamanho do objeto a ser referido e muitos podem ser criados no decorrer de uma conversa, como um “neologismo”. Entretanto, como para essa “criação” devem ser obedecidos os parâmetros da Libras e as regras morfológicas para a criação de novos sinais, os classificadores, apesar de icônicos, não podem ser considerados mímica. Ainda segundo Nogueira, Carneiro e Nogueira (2012), a denominação classificadores (CLs) para essa categoria gramatical da Libras foi atribuída pela comunidade de linguistas, por compararem suas funções com as dos classificadores da língua oral. Os pesquisadores surdos, entretanto, entendem que essa estrutura gramatical da Libras ainda está à procura de uma definição mais adequada, para nomeá-la, de acordo com as perspectivas visoespaciais. Além disso, mesmo conhecendo muito sobre a Libras, a maioria dos ouvintes tem uma “autocensura” quanto ao uso do corpo e das expressões faciais. Nossa experiência e observação de professores ouvintes, bem como de intérpretes em atuação, com poucas exceções, mostraram que esses profissionais são “inativos”, utilizando pouco os classificadores e as expressões faciais/corporais. Se um surdo, e mesmo um ouvinte que conhece profundamente os surdos e vivencia a comunidade surda, observa, a distância, algumas pessoas falando em Libras, ele pode identificar quem é surdo e quem é ouvinte, pela falta de dinamicidade dos movimentos e pela pobreza das expressões faciais. Se as aulas de Libras forem ministradas por ouvintes, essa dificuldade pode ser acentuada. Assim, conviver com surdos é uma das principais ações para favorecer a libertação da “autocensura” em relação ao uso das componentes não manuais. Esse fato também pode ser evidenciado na comunicação em sinais. Se o professor surdo não fala muito bem oralmente e não utiliza bem a prosódia e as entonações da Língua Portuguesa, mesmo oralizado, apresenta “sotaques”, como se fosse estrangeiro. Assim também é o professor ouvinte que não é um “nativo” da língua, ou seja, ele é como um estrangeiro que tem a Libras como sua segunda língua. É válido salientar que não defendemos que todos os surdos fluentes em Libras, apenas por serem “nativos”, são aptos ao cargo de professor, pois, para isso, o surdo precisa ter conhecimento profundo da língua de sinais como L1 (primeira língua), comprovada mediante a graduação em Letras/Libras. Também, precisa ser avaliado em provas de conhecimentos sobre a Libras e em provas didáticas nas quais demonstre conhecimentos de metodologias adaptadas para o ensino dos alunos ouvintes. Ademais, nem todo surdo tem vocação para professor, logo, muitos optam por outras profissões. As licenciaturas em Letras/Libras, porém, ofertadas atualmente nas instituições públicas brasileiras (16 cursos distribuídos por todas as regiões brasileiras, na modalidade semipresencial), são totalmente em Libras. Esse fato é um grande atrativo para os surdos que, até esse momento de escolarização, padeceram com a dificuldade de comunicação. Para o surdo, poder cursar uma universidade em um curso no qual a maioria dos professores é fluente em Libras, conviver com professores surdos mestres e doutores, além de ter acesso a todo o material de estudo, às avaliações, aos avisos, às mensagens, tudo em sua língua, é um sonho realizado. Portanto, o curso de Letras/Libras é realmente atraente para os surdos e, assim, quase todos se encaminham para essa profissão, o que é uma razão a mais para se pensar no mercado de trabalho. Durante a realização do 1º Encontro Nacional de Professores de Libras no Ensino Superior, ocorrido em Fortaleza, de 16 a 18 de outubro de 2013, houve uma discussão entre professores surdos e ouvintes dos estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Nessa oportunidade, houve acusações de que as universidades públicas desses estados abriram concursos, mas não consideraram a recomendação do Decreto n° 5.626, de 2005, de que a preferência é dos professores surdos. Assim, mesmo tendo candidatos surdos habilitados para o exercício da profissão, a maior parte dos professores efetivados é ouvinte. É válido ressaltar que os surdos recorreram ao Ministério Público, que, até agora, não se pronunciou. Também, há casos de instituições que estabeleceram no edital de abertura do concurso a preferência para candidatos surdos, mas, como não houve concorrentes, a vaga ficou com um ouvinte. Nesse caso, não há o que possa ser feito, pois se trata de uma situação correta. Então, de novo, defendemos que a vaga seja, preferencialmente, para os professores surdos, e não exclusivamente. Outro ponto fundamental é a contribuição dos ouvintes fluentes em Libras para o desenvolvimento, a educação e a vida social do surdo, na condição de intérpretes, pois eles têm tido uma importância valiosa nas interações entre surdos e ouvintes. Na maioria dos casos, os intérpretes têm contato com a língua de sinais a partir dos laços familiares da convivência social com vizinhos e amigos surdos (ocorrendo geralmente em espaços escolares e religiosos). No Brasil, ainda não há tradição na profissão ou formação específica para esses profissionais, da mesma forma que há para intérpretes de língua orais de prestígio como, por exemplo, intérprete de língua inglesa e francesa (GESSER, 2009, p. 47). Ademais, sabemos que universidades, empresas, instituições de saúde, de educação e órgãos de atendimento à população ainda não efetivam a contratação de intérpretes, o que diminui a oferta de vagas para os ouvintes. São poucas instituições públicas que abriram concursos para Intérpretes de Libras e, segundo Reis (2006), em relação ao surdo, é importante ressaltar suas conquistas, como garantias individuais e o pleno exercício da cidadania, mediante o respaldo legal na Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, nesta é reconhecida o Estatuto da Língua de Sinais como língua oficial da comunidade surda. Considerando os preceitos legais, constatamos que o empregador deva favorecer o profissional surdo com um (uma) intérprete, a fim de favorecer sua comunicação, como também o respeito a sua diferença lingüística. Portanto, as empresas ou locais de trabalho que tenham surdos como funcionários precisam propiciar as reais condições de inclusão social. Situação de luta, visto que cada vez mais sofremos com um sistema produtivo que aumenta as desigualdades sociais, eleva a concentração do poder econômico, como também a exclusão social, que além de gerar desemprego, dissemina a idéia do individualismo, ou seja, “cada um por si” (REIS, 2006, p. 73). Há muitos pesquisadores, principalmente da área da Linguística, que realizaram estudos e publicaram livros, que permitem a difusão da Libras, o aprofundamento dos estudos sobre a sintaxe e a morfologia dessa língua, conceituam profundamente a metodologia de educação e favorecem os direitos dos surdos. Enfim, esses materiais são fundamentais para que nós, os surdos, possamos também nos aprofundar. Nesse sentido, as parcerias, as contribuições dos ouvintes são muito importantes, ou seja, não estamos decretando “guerra” aos ouvintes, mas defendendo nosso ponto de vista sobre o respeito ao que está estabelecido nos documentos legais acerca da preferência pelo professor surdo. É impossível que os surdos peguem os lugares de ouvintes no cargo de intérprete de Libras/Português falado, portanto, no mesmo campo de conhecimento, o domínio da Libras, os surdos estão em desvantagem. Pensamos que os ouvintes deveriam ser intérpretes, tradutores, pesquisadores de Libras, e nós, os surdos, podemos atuar como professores, o que seria mais justo,pois o ouvinte tem acesso às duas profissões, e nós não. Outro fato é que o ouvinte recorre à vaga de professor de Libras, para ingressar como docente no ensino superior, porque esse concurso é mais fácil para ele do que concorrer à área de Linguística, por exemplo. Isso porque, para ser professor de Libras, ainda não são exigidos os títulos de mestrado e doutorado como nas demais áreas. Uma professora ouvinte de Libras justificava sua inscrição no concurso da seguinte forma: “Amo os surdos e quero ajudar, conheço Libras, mas não tenho dom para ser intérprete, e sim professor universitário, para dar aula de Libras aos alunos ouvintes. Sei que os surdos precisam deste cargo de professor, porque é boa oportunidade para o futuro, mas não briguem comigo, porque o dom é meu destino”. Devemos salientar nossa surpresa em relação a essas frases “de efeito”, pois é o dom que destina o trabalho? E o profissionalismo? E a ética? A maioria das Instituições de Ensino Superior, que são obrigadas a contratar professores de Libras em função do Decreto 5.626, prefere professores ouvintes, por entenderem que é mais fácil tanto para “dar aulas” a outros ouvintes quanto em relação à convivência no ambiente de trabalho. O desconhecimento da capacidade do professor surdo de ministrar aulas faz as pessoas pensarem que seria necessário ter um intérprete presente na sala de aula, o que aumentaria os custos. Assim, as instituições particulares preferem contratar o professor ouvinte. Muitos intérpretes até reclamam quando o professor surdo não quer a presença de intérpretes, dizendo que o surdo está cerceando seu acesso ao trabalho, mas o professor surdo sabe que é capaz. Além disso, na sala de aula, é com ele que os alunos devem se relacionar. A aula de Libras, no entanto, não é o único local de estudo em que se fala outra língua e não existe a presença de intérpretes. Por exemplo, os professores de inglês, ou outros idiomas, que falam e escrevem puramente em língua estrangeira, dificilmente, utilizam português escrito ou oral, porque, em especial, querem facilitar a imersão do aluno em um ambiente linguístico que favorece a aprendizagem do novo idioma, e para não haver “misturas” entre a gramática das duas línguas. No caso da Libras, o professor surdo utiliza a leitura labial ou a escrita para compreender a dúvida dos alunos e, se não for oralizado, escreve no quadro a resposta que não for possível ser compreendida em Libras. O fato é que o professor surdo consegue administrar e gerenciar sua ação pedagógica com os alunos ouvintes. A pesquisadora surda, Karin Strobel, uma das sete doutoras surdas brasileiras, registra muito bem essa situação, quando pede que os espaços conquistados pelos surdos sejam respeitados. Desse modo, de acordo com Strobel (2008), é preciso respeitar os espaços conquistados pelos sujeitos surdos enquanto estão em produção cultural, por exemplo: tem muitos sujeitos ouvintes que querem “competir” com os surdos e assim fazem com que o povo surdo suspeite dos mesmos, devido à longa história de opressão de lutas de relações de poderes para conquistarem seus espaços. Tem muitos ouvintes que aproveitam os espaços conquistados pelos surdos para ensinar a língua de sinais e outras coisas, alegando que têm direitos iguais... Mas onde estão os direitos de igualdade enquanto na sociedade os sujeitos ouvintes geralmente são mais preferidos que os surdos? Isto acontece nas maiorias de empresas, nas universidades, nas instituições ou até mesmo em igrejas, que preferem profissionais ouvintes para não ter de contratar intérpretes de Libras para os professores surdos. Também pela barreira de comunicação, é difícil conseguir contatos via telefone, por exemplo. No futuro, quando a sociedade tiver uma representação sem estereótipos e mais positiva em nível de igualdade entre surdos e ouvintes, se olharem o povo surdo como diferença cultural, e não como deficientes, daí não haveria esta “guerra cultural” entre eles (STROBEL, 2008, p. 111). O embate entre professores de Libras ouvintes e surdos, que discutimos nesta seção, infelizmente, não é o único em que os surdos enfrentam a “supremacia” dos ouvintes. O não respeito aos espaços conquistados ou mesmo ao sujeito surdo é uma constante. Por exemplo, alguns ouvintes assumem o cargo, destinado aos surdos, como representantes de um ministério ou pastoral, dependendo da Igreja. Até bem recentemente, inclusive as associações de surdos eram presididas por ouvintes. Mais uma vez, ressaltamos que não queremos excluir os ouvintes, pois eles são importantes e necessários como intérpretes, parceiros, conselheiros, companheiros de luta, mas é preciso entender que os surdos também podem assumir responsabilidades e ser “senhores” de seus destinos, visto que podemos dirigir nossas vidas, seja de maneira individual, seja de modo coletivo. Além disso, podemos nos questionar: o representante dos índios junto ao governo deveria ser negro? O presidente de uma associação vegetariana poderia ser uma pessoa carnívora? O presidente da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, deve ser um engenheiro civil? A associação dos intérpretes de Libras deve ter como presidente um surdo? Nesse sentido, defendemos que existem espaços definidos, os quais não são espaços excludentes. Ao contrário, muito se espera da parceria entre as pessoas diferentes, desde que as diferenças sejam respeitadas. Conforme expõe Perlin (1998, p. 72), “importa salientar as diferenças das pessoas. Respeitá-las como surdas, índias, nômades, negras, brancas... Importa deixar os surdos construírem sua identidade, assinalarem suas fronteiras em posição mais solidária do que crítica”. Os surdos não querem mais continuar sofrendo a opressão da maioria ouvinte. Entendemos que esse polêmico “domínio dos ouvintes” é agravado pela economia capitalista, pela ideia do livre mercado, com todos correndo em busca de melhores salários e de facilidades. Essa mesma filosofia capitalista também restringe as possibilidades do mercado de trabalho para os surdos. Isso porque, segundo Klein (1998, p. 77), o mercado tem uma ideia preconceituosa sobre as possibilidades de trabalho dos surdos. Nesse âmbito, a busca pela eficiência e lucratividade do capitalismo restringe as ofertas de vagas para os surdos aos cargos de corte e costura, marcenaria, informática, auxiliar de serviços gerais, quando conseguem emprego e não são impelidos a uma marginalidade indesejada, vendendo adesivos e chaveiros nos sinaleiros e terminais de ônibus. Além da dificuldade de conseguirem boas carreiras profissionais, os surdos enfrentam muita discriminação, por exemplo, no trabalho em empresas. Podemos relatar o caso de uma surda que sofre “gozações” do gerente, por meio, por exemplo, de “prêmios” desagradáveis, como o de funcionária “mais quietinha”, porque ela não conversa com ninguém. Ora, não existe um intérprete na empresa, nem uma proposta de ensino de Libras para os funcionários ouvintes. Como ela vai se comunicar? Essa surda se sente como um “animalzinho” por ganhar o prêmio. Assim, entendemos que as empresas precisam receber informações sobre surdez, cultura, língua e devem realizar os cursos de Libras para os funcionários, pois somente dessa forma estaremos enfrentando as barreiras e aprimorando a inclusão social. O mais importante de tudo é acreditar no potencial do surdo e respeitar os espaços tão duramente conquistados. É essa a principal mensagem que esta unidade traz para a reflexão de todos, em particular, dos ouvintes que pretendem ser professores de Libras. SAIBA MAIS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Os estudos linguísticos salientaram a variação linguística em Libras. Trata-se do “multiculturalismo”, isto é, como há várias culturas familiares e sociais diferentes, assim como local, tempo e educação, tudo isso influencia e pode alterar um sinal ou uma palavra,o que denominamos variação linguística. Da mesma forma que acontece com as línguas orais, as diferenças regionais influenciam os sinais da Libras. O Brasil é um país grande, com diferentes dialetos, logo, os diálogos, as maneiras de se expressar são diferentes. Assim, a comunidade surda de determinada região recebe influências que refletem nos sinais utilizados, sendo comum a variação linguística. Além disso, como a Libras foi proibida durante muitos anos, ela teve dificuldades para estabelecer uma unidade nacional, o que vem sendo construído somente após o reconhecimento dessa língua como um idioma nacional. Nesse contexto, o mais importante é: faça o sinal como você aprendeu, caro(a) aluno(a). Se ainda não existe um sinal para o que você quer representar, um surdo pode criar (batizar) um sinal ou criar um “provisório”, utilizando os classificadores. A seguir, observe os exemplos de variação. a) b) c) d) e) Dica de leitura A nossa dica de leitura é o livro “Tenho um aluno surdo, e agora?”, organizado por Cristina Broglia Feitosa de Lacerda e Lara ferreira dos Santos. Publicado pela Editora da Universidade Federal de São Carlos, com primeira reimpressão em 2013, esse livro foi vencedor do Prêmio Jabuti de 2014, na categoria educação. O objetivo principal do livro é oferecer um conhecimento inicial sobre a educação de surdos e a Libras, buscando subsidiar a atuação do professor da educação básica junto a alunos surdos, mas as discussões e o conhecimento partilhado atendem às demandas de qualquer profissional que atue com sujeitos surdos. Certamente, esse é um texto que vai colaborar com sua formação profissional, porém, mais do que conhecimentos e técnicas, ele vai causar uma mudança, para melhor, em seus valores éticos e sociais. REFLITA Com relação à educação, devemos sempre considerar que esse espaço pertence ao professor e ao aluno e que a liderança nesse processo é exercida pelo professor, o qual tem o aluno como sua inteira responsabilidade. Assim, é totalmente necessário entender que o TILS é apenas um mediador da comunicação, e não o responsável pelos processos de ensino e de aprendizagem do aluno surdo. Os papéis do professor e do TILS são, absolutamente, diferentes e precisam ser devidamente distinguidos e respeitados. Considerando esse fato, como você encara a presença da disciplina de Libras em sua grade curricular? Reflita. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta Unidade II, você teve a oportunidade de conhecer um vocabulário mínimo para sua futura atuação profissional e teve orientações sobre a importância de consultar dicionários virtuais que complementem este material, apresentando o sinal com movimento. Também, abordamos quais são as atribuições do tradutor intérprete de Libras (TILS) no atendimento educacional aos surdos. Todavia, se o professor é fluente em Libras, ele é a pessoa mais habilitada para interagir com seus alunos usuários da língua de sinais. Uma vez que o professor tem uma comunicação efetiva nessa língua, não existe a barreira da comunicação, mas, mesmo assim, o TILS é necessário, pois não é viável, em função de a maioria dos alunos ser ouvinte, que a aula seja inteiramente ministrada em Libras. No caso dos demais profissionais, se a comunicação com o surdo não se efetivar, a atuação do TILS pode favorecer esse processo, seja por meio de um profissional, seja mediante um familiar. Como essa possibilidade nem sempre está ao alcance de todos, o conhecimento mínimo acerca da Libras é muito útil. Assim, o profissional deve se valer de todos os recursos disponíveis, como a mímica, a escrita ou o desenho, para se comunicar com o surdo, respeitando esse cidadão e promovendo a inclusão social. No que se refere à educação, deve ficar claro que não cabe ao TILS a responsabilidade pelo ensino do aluno surdo, nem o acompanhamento de seu processo educativo. Logo, é fundamental que professor e alunos desenvolvam entre si interações sociais e habilidades comunicativas de forma direta, evitando-se, sempre, que o surdo dependa totalmente do intérprete. Desse modo, conforme já comentamos anteriormente, é você quem decide a qualidade do profissional e do ser humano que pretende ser. ATIVIDADES OBJETIVAS 1. De acordo com a proposta atual de educação de surdos, a qual preconiza que o ensino seja efetivado em um ambiente bilíngue, o tradutor intérprete de libras (TILS) tem papel fundamental. No que se refere à atuação do TILS, avalie as afirmativas a seguir. I. O TILS deve agir com sigilo, discrição, distância e fidelidade à mensagem interpretada, à intenção e ao espírito do locutor da mensagem. II. O TILS deve direcionar seu trabalho de acordo com o Regimento Interno do Departamento Nacional de Intérpretes da Feneis. III. O TILS não deve se envolver na luta pelo respeito e direitos das pessoas com surdez. IV. O TILS, muitas vezes, acaba assumindo o papel de confidente e conselheiro do surdo. Agora, assinale a alternativa correta. a) As afirmativas I, II e III estão corretas. b) As afirmativas II, III e IV estão corretas. c) As afirmativas I, III e IV estão corretas. d) As afirmativas I, II e IV estão corretas. e) Todas as afirmativas estão corretas. 2. Como consequência de muita luta da comunidade surda, a Libras foi reconhecida como língua oficial em nosso país. Esse reconhecimento legal veio acompanhado da garantia de outros direitos, dentre eles, o de que os surdos tenham o acompanhamento de um tradutor intérprete de língua de sinais (TILS) em diferentes situações, como na educação. Entretanto, apesar dos inúmeros aspectos positivos, há aspectos negativos relacionados à presença do TILS em sala de aula. Nesse sentido, analise os aspectos e as situações expostos a seguir. Aspectos Situação 1 – Positivo ( ) A Libras passa a ser mais divulgada e utilizada de maneira mais adequada. 2 – Negativo ( ) O intérprete pode não conseguir explicar os conteúdos disciplinares da mesma maneira que o professor. ( ) O professor pode sentir-se constrangido ao ser interpretado. ( ) O aluno sente-se mais seguro e com chances de compreender e ser compreendido. ( ) A aula e os demais procedimentos educativos ficam menos exaustivos e mais produtivos, quando a comunicação entre professor e aluno é facilitada. Agora, assinale a sequência correta. a) 2, 1, 2, 1, 2. b) 1, 2, 2, 1, 1. c) 1, 1, 2, 1, 1. d) 1, 2, 1, 1, 1. e) 2, 2, 2, 1, 1. 3. Na última seção desta segunda unidade, discutimos o mercado de trabalho para pessoas surdas, destacando a importância da profissão de professor de Libras para os surdos e criticando ouvintes que disputam esse mercado com os surdos. De acordo com esse contexto, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I. Ainda existe um forte preconceito dos ouvintes em relação aos surdos sinalizadores, no que se refere ao exercício de uma profissão. Porque: II. Para a sociedade em geral, para ser um bom profissional é preciso ser homem, branco, falante, letrado etc. Agora, assinale a alternativa correta. a) As afirmativas I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b) As afirmativas I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A afirmativa I é verdadeira, mas a II é falsa. d) A afirmativa I é falsa, mas a II é verdadeira. e) As afirmativas I e II são falsas. UNIDADE III A cultura do surdo e as políticas públicas Objetivos de aprendizagem: ● refletir sobre a importância de se utilizar os termos corretos; ● compreender a surdez em seus aspectos socioantropológicos; ● compreender a libras como a língua dos surdos brasileiros; ● conhecer as principais abordagens educacionais para surdos; ● compreender o momento atual da educação dos surdos brasileiros; ● discutir crenças e preconceitosem relação à surdez e aos surdos. Plano de estudo ● Concepções de surdez. ● Culturas e identidades surdas. ● Legislação brasileira referente à educação de surdos. ● As políticas públicas referentes à educação de surdos. ● Desconstruindo crenças sobre o surdo e a surdez. INTRODUÇÃO Para podermos abordar com segurança os temas desta unidade, apresentamos alguns termos que utilizamos em seu decorrer. Você deve estar pensando que não deve fazer muita diferença a maneira como nos referimos a alguma coisa, pessoa ou um grupo de pessoas, mas isso não é verdade. A palavra que escolhemos para designar algo ou alguém mostra nossa concepção a respeito, isto é, o que pensamos a respeito de algo ou de alguém. Assim, usar corretamente os termos técnicos não é uma questão sem importância se desejamos falar ou escrever construtivamente, em uma perspectiva inclusiva, sobre seres humanos, principalmente, se você é ou será um professor. Afinal, a maioria das pessoas acredita que um professor sabe o quê e do que fala e procura imitá-lo. Quando falamos sobre pessoas com deficiência, que tradicionalmente sofrem preconceitos, a terminologia correta é especialmente importante. Primeiro, vamos caracterizar a inclusão como princípio da Educação Especial. Para isso, apresentamos, os princípios de normalização e de integração, por terem originado a inclusão. O princípio de normalização surgiu na Dinamarca, com uma Lei de 1959, que estabelecia: “é necessário criar condições de vida para a pessoa retardada mental semelhantes, tanto quanto possível, às condições normais da sociedade em que vive”. No enunciado dessa Lei, podemos observar como os termos evoluem. Atualmente, não utilizamos mais a palavra “retardada” para nos referirmos aos indivíduos com deficit cognitivo. A mudança dos termos acompanha o aprofundamento científico. Quanto mais conhecemos sobre um assunto, fenômeno ou indivíduo, mais bem procuramos conceituá-los. O conceito dessa Lei se referia a criar condições normais da sociedade, e não do indivíduo. Porém, a partir de diferentes interpretações, a maioria equivocada, passou- se a considerar que o princípio da normalização se aplicava à pessoa com deficiência e, assim, a Educação Especial buscava tornar a criança especial o mais normal possível. No caso específico da surdez, isso significava que o surdo deveria aprender a falar e o oralismo passou a ser a principal metodologia de trabalho em relação aos surdos. Mesmo com interpretações equivocadas, o Princípio da Normalização foi muito importante para o desenvolvimento da Educação Especial. Novos estudos foram surgindo, fazendo a pessoa com deficiência – naquela época, chamada de excepcional – ser enxergada com direitos e deveres iguais e a quem devem ser ofertadas as mesmas condições de vida dos demais seres humanos. Na década de 1970, passou-se a falar em integração como um novo princípio, o que foi questionado pelos estudiosos. Para eles, normalização era o objetivo e a integração era o processo pelo qual se poderia alcançar a normalização. As crianças especiais passaram, a partir da proposta de integração, a frequentar, senão classes comuns, as classes especiais em escolas comuns, embora, na maioria das vezes, com horários de entrada e de saída diferentes dos demais alunos. As classes especiais não ofereciam escolarização regular e era comum que estudantes, particularmente os surdos, passassem anos em uma classe especial e, quando deixavam a escola, depois de mais de dez anos de estudo, não recebiam qualquer certificado, pois não se sabia qual “série” tinham concluído. Para determinar o nível de escolaridade, o estudante surdo de classe especial precisava se submeter a um exame classificatório, realizado pelas Secretarias Estaduais de Educação, o que nem sempre acontecia. A prática da integração, entretanto, mesmo com todas as suas dificuldades e problemas, proporcionou novos estudos e novas pesquisas no campo da Educação Especial, tanto nos aspectos administrativos quanto nos didático-pedagógicos. Foram esses estudos e pesquisas que fundamentaram o Princípio da Inclusão ou a Proposta da Escola Inclusiva, que estamos vivenciando tão intensamente na atualidade. De fato, em qualquer congresso, palestra, atividades de formação continuada ou grupo de estudos destinados a professores da Educação Básica, de maneira direta ou indireta, hoje, fala-se de escola inclusiva. Nesse sentido, esta Unidade III se organiza a partir de cinco seções. A primeira, intitulada “Concepções de surdez”, retoma uma discussão feita na seção 5 da Unidade II, acerca das diferentes formas de se entender a surdez, com destaque para a concepção atual, que considera a surdez uma “experiência visual” da qual decorre uma “diferença linguística”. A segunda seção, intitulada “Culturas e identidades surdas”, apresenta uma discussão mais aprofundada do que também foi enunciado na seção 5 da Unidade II. O fato de se aceitar que os surdos possuem uma diferença linguística implica compreender que existe uma diferença cultural, cuja principal consequência é a construção de identidades surdas. Em outras palavras, os surdos não precisam mais entender e serem entendidos como um “não ouvinte”, mas como um sujeito “surdo”. Em decorrência dessa visão socioantropológica do surdo e da surdez, emergiram leis e políticas públicas para a educação do surdo brasileiro. Esse é o tema da seção 3, intitulada, como era de se esperar, “Legislação brasileira referente à educação de surdos”, a qual é complementada pela seção 4, denominada “As políticas públicas referentes à educação de surdos”. Finalizando esta unidade, apresentaremos a seção denominada “Desconstruindo crenças sobre o surdo e a surdez”, na qual discutiremos algumas questões que são recorrentes às pessoas que se enveredam, em uma primeira caminhada, pelo mundo dos surdos. Seção 1 Concepções de surdez A educação dos surdos no Brasil mudou muito depois da adoção do Bilinguismo como abordagem educacional. As mudanças ficam claras no Decreto 5.626, de 2005, que, dentre outros aspectos, tornou obrigatório o estudo da língua brasileira de sinais nos cursos de Pedagogia, Fonoaudiologia e em todas as licenciaturas. Tudo isso está acontecendo, porque a concepção das pessoas sobre a surdez está mudando. Hoje, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como uma deficiência que torna o surdo alguém inferior ao ouvinte. O surdo é considerado diferente do ouvinte, porque todos os seus mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem como experiência visual. Isso tem como consequência uma maneira especial de processamento cognitivo (como os surdos pensam, aprendem etc.). Desse modo, os surdos se orientam a partir da visão, mesmo quando possuem restos auditivos ou usam aparelhos. Assim, a definição mais atual para a surdez é a de “experiência visual”, isto é, as experiências vivenciadas pelos surdos são muito mais experiências de visão do que de não audição. O surdo é, então, a pessoa que compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura pelo uso da língua de sinais. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos canais sensoriais, a experiência visual está presente em todos os tipos de representações e produções dos surdos. Essa mudança de concepção, realizada em tão curto espaço de tempo, quando se pensa em educação, encontrou, e ainda encontra, fortes resistências entre profissionais, familiares e sociedade, as quais se sustentam, quase exclusivamente, no desconhecimento sobre o assunto, o que acaba gerando equívocos e preconceitos. Nesse sentido, situar a surdez e os surdos de maneira cientificamente adequada e contribuir para a desconstrução de crenças e mitos são os principais objetivos desta primeira seção,mediante a apresentação do contexto atual em que vive o surdo brasileiro. Esse contexto está presente nas concepções de surdez, na legislação e nas políticas públicas brasileiras referentes à educação de surdos, nas abordagens educacionais e nas culturas e identidades surdas. Na década de 1980, as discussões sobre qual seria a melhor abordagem para a educação de surdos percorria todo o Brasil, evidenciando que, além das questões didático-pedagógicas, o grande embate estava nas concepções acerca da surdez. Para os defensores do oralismo, a surdez era vista como uma deficiência, quase que uma patologia que necessitava ser “normalizada”. A concepção de surdez, subjacente à comunicação total, era de uma marca, como significações sociais. Para o Bilinguismo, a surdez é muito mais uma diferença do que deficiência. É, no entender de Skliar (1998), uma “experiência visual”. Proliferavam, nessa época, eventos acadêmicos, trabalhos acadêmicos, monografias, dissertações e teses que apresentavam propostas e experiências. Aconteceram, também, na década de 1980, motivados pela promulgação pela ONU do Ano Internacional da Pessoa Deficiente (1981), diversos eventos que contaram com a participação dos surdos, os quais começaram a se interessar em pesquisar sua língua, ensiná-la de maneira mais pedagógica, a fazer teatro e poesia em Libras. Os surdos assumiram a sala de aula como instrutores, monitores e professores, começaram a exigir mudanças, intérpretes, legenda para noticiários e outros programas de televisão (por meio do closed caption), telefonia para surdos (TDD) e começaram a apresentar trabalhos e debater, em eventos, novas alternativas para a educação de surdos. Também nessa época, os chamados deficientes auditivos passaram a ser denominados surdos. A palavra “surdo” é a mais adequada, porque permite compreender melhor a surdez, tanto no que se refere à condição orgânica como social. Além disso, essa é uma autodenominação, escolhida pelos próprios surdos, que não desejam ser aceitos como pessoas deficientes, como “não ouvintes” incompletos, que têm ausência da audição, mas como pessoas igualmente capazes e que se diferenciam dos ouvintes por desenvolverem sua linguagem utilizando recursos de natureza viso- motora. Todas essas conquistas, certamente, aconteceram em decorrência de muita luta de todos os envolvidos com a causa da surdez, mas o que as sustentou foram as mudanças de concepção sobre a surdez. A mudança registrada nos últimos anos não é, e nem deve ser, compreendida como uma mudança metodológica dentro de um mesmo paradigma de escolarização. O que está mudando são as concepções sobre o sujeito surdo, as descrições em torno de sua língua, as definições sobre as políticas educacionais, a análise das relações de saberes e poderes entre adultos surdos e adultos ouvintes, etc. (SKLIAR, 1998, p. 7). Assim, atualmente, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como uma deficiência que torna o surdo alguém inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é considerado diferente do ouvinte, porque todos os seus mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem como experiência visual. Como você já sabe, caro(a) aluno(a), assumir a surdez como uma “experiência visual” é compreender que as experiências vivenciadas pelos surdos são muito mais experiências de visão do que de não audição. Como exposto anteriormente, o surdo é uma pessoa que compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura pelo uso da Libras. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos canais sensoriais, a experiência visual está presente em todos os tipos de representações e produções dos surdos. No que se refere à educação dos surdos, desde seu início, a questão sempre foi se os surdos deveriam desenvolver a aprendizagem utilizando a língua de sinais ou a língua oral e essa decisão, durante muito tempo, foi tomada pelos ouvintes. Só recentemente os surdos estão podendo expor como preferem ser educados e a maioria decidiu que o melhor para é a língua de sinais. Como não é possível viver no mundo dos ouvintes sem o conhecimento da língua pátria, os surdos defendem que a língua de sinais (no caso do Brasil, a Libras) deve ser considerada sua primeira língua e, depois, devem aprender o português, de preferência na modalidade escrita. Essa é a forma como a educação de surdos vem acontecendo atualmente no Brasil e na maior parte dos países do mundo, sendo conhecida como Bilinguismo ou Abordagem Bilíngue. A abordagem bilíngue tem como ponto de partida a capacidade das pessoas surdas desenvolverem uma língua que permita uma comunicação eficiente. Essa língua, apoiada na visão e utilizando as mãos – a língua de sinais – é, para os bilinguistas, a primeira língua dos surdos, a qual eles aprendem com naturalidade e rapidez. O Bilinguismo começou a ganhar força a partir da década de 1980 e, no Brasil, a partir de 1990. Na Suécia, essa filosofia já é adotada há bastante tempo. No Uruguai e na Venezuela, o Bilinguismo é adotado de maneira oficial, ou seja, nas instituições públicas, a exemplo do que está ocorrendo no Brasil. Todavia, assim como a inclusão, a adoção do Bilinguismo nas escolas públicas brasileiras ainda é incipiente, apesar dos esforços governamentais. De acordo com essa filosofia, a criança surda deve adquirir, o mais cedo possível e inicialmente, a língua de sinais, considerada a sua língua natural. Essa aquisição deve ser feita com a comunidade surda. Somente como segunda língua deveria ser ensinada, na escola, a língua oficial do país, de preferência em sua forma escrita, ou seja, apenas quando as condições forem favoráveis deve ser ensinada a Língua Portuguesa na modalidade oral. Para alguns estudiosos do Bilinguismo, a criança surda deve adquirir a língua de sinais e aprender a língua falada de maneira separada (com pessoas e em locais diferentes), o mais cedo possível e, só depois, deve aprender a língua escrita. Para outros, o que importa é o desenvolvimento cognitivo, social e emocional do surdo, o que só seria possível mediante a consolidação da língua de sinais. Assim, nesse último caso, a criança deve adquirir, inicialmente, a língua de sinais e, depois, no momento adequado, ser alfabetizada, não se ensinando a língua falada. Como exposto nas unidades anteriores, o Bilinguismo entende a surdez como diferença linguística, e não como uma deficiência a ser normalizada pela reabilitação como no oralismo. Assim, os surdos constituem uma comunidade particular, com cultura e língua próprias. Para os bilinguistas, a “problemática global do surdo” é “intimamente dependente de seu desenvolvimento linguístico” e “só mesmo o respeito à língua de sinais conduzirá a um maior sucesso educacional e social do surdo” (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 16). De acordo com Goldfeld (1997), o bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngue, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (GOLDFELD, 1997, p. 39). Corroborando, Botelho (2002) afirma que se tornar letrado numa abordagem bilíngue pressupõe a utilização de língua de sinais para o ensino de todas as disciplinas [...]. Faz também parte do projeto bilíngue que todo o corpo de funcionários da escola, surdos e ouvintes, e os pais, aprendam e utilizem a língua de sinais (BOTELHO, 2002, p. 112). Ademais, é importante salientar que o bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo a mais adequada para o ensino das crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como línguanatural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita (QUADROS, 1997, p. 27). Ainda segundo Quadros (1997), a preocupação do Bilinguismo é respeitar a autonomia das línguas de sinais, sendo organizando um plano educacional que respeite a experiência psicossocial e linguística da criança com surdez. Por mais que não dominem uma língua oralizada, os surdos convivem com uma comunidade que a usa e, por esse motivo, têm, necessariamente, que desenvolver certas habilidades ligadas à percepção da leitura e da escrita. Por isso, os documentos legais que garantem ao surdo o apoio, o uso e a difusão da Libras também são categóricos ao afirmarem que ela não poderá substituir a modalidade escrita da Língua Portuguesa. Muitas conquistas dos surdos, por exemplo, as legendas em programas televisivos, não se configuram, efetivamente, como um benefício, pela pouca competência em leitura que eles possuem. Uma vez que a legenda apresenta texto fragmentado, condicionado pela velocidade e pelo ritmo do texto audiovisual, exige-se da pessoa com surdez um grande esforço de leitura seletiva e de memória e uma boa capacidade de leitura. Assim, a leitura de textos em português é fundamental para a escolarização do surdo e, talvez principalmente, para a sua inserção na comunidade ouvinte. Por outro lado, embora existam diversas pesquisas que demonstrem que os surdos não apresentam dificuldades para decodificar os símbolos gráficos, além de estudos que enfatizam a importância da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo e acadêmico do surdo, são poucas as investigações que analisam a leitura interpretativa de indivíduos surdos usuários da Libras. Os poucos estudos existentes demonstram que os surdos entendem o mecanismo da leitura, mas compreendem o que leem. Como evidenciam diferentes pesquisas com ouvintes, o desenvolvimento na aprendizagem de uma segunda língua está intimamente ligado ao nível de proficiência do aprendiz em relação a sua primeira língua. Por essas razões, atualmente, dá-se muita importância ao fato de o professor ouvinte conhecer e usar a língua de sinais, pois a comunicação adequada entre professores ouvintes e alunos surdos é a condição primeira para uma escola realmente inclusiva. A presença de surdos nas instituições escolares inclusivas ou especiais, sendo educados em sua língua natural, tem contribuído muito para desconstruir a imagem de que a surdez compromete o desenvolvimento cognitivo e linguístico do indivíduo. Essa crença, segundo Gesser (2009), está fortemente ligada ao discurso médico, mas, na verdade, como já exposto anteriormente, o surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver outro impedimento) ao lhe ser assegurado o uso da língua de sinais, em todos os âmbitos sociais em que transita. Não é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua (GESSER, 2009, p. 76). As consequências do impedimento ao acesso à língua de sinais, sofridas pelos surdos educados no oralismo, foram (e são) muito graves. Muitos se tornaram solitários, outros tiveram suas capacidades mentais comprometidas, a ponto de estudiosos como o piagetiano Hans Furth afirmarem que os surdos eram concret minded, ou seja, que só eram capazes do pensamento concreto, afinal, é por meio da língua que evoluímos cognitivamente. Para Piaget, a linguagem é a responsável pela qualidade do nosso pensamento, é o que permite sairmos do estágio das operações concretas para alcançarmos o estágio lógico-formal. Para Vygotsky, a linguagem ocupa um papel essencial na organização das funções superiores. A mudança de concepção sobre a surdez, o estabelecimento da legitimidade da Libras como língua oficial do Brasil e da sua importância no desenvolvimento cognitivo do surdo não produziram avanços benéficos apenas no que se refere aos aspectos educacionais. As principais e, no nosso entender, melhores consequências desses fatos são as socioantropológicas, decorrentes do reconhecimento da existência da cultura surda e das identidades surdas. Seção 2 Culturas e identidades surdas Para que você possa compreender o que é “cultura surda”, caro(a) aluno(a), precisamos estabelecer o que consideramos “cultura”. De acordo com o senso comum, existe “a cultura”, no singular, a qual se refere às manifestações artísticas e às tradições de um povo, representadas (e contadas) em lendas, festas, trajes típicos, ritos, comida e língua. Atualmente, os estudiosos admitem a existência de múltiplas culturas interagindo entre si, sendo possível a multiplicidade de manifestações e grupos culturais de naturezas diferentes, o que amplia o conceito de cultura e permite falar de cultura no plural. De acordo com Strobel (2008, p. 17), a humanidade, ao longo do tempo, adquire conhecimento através da língua, crenças, hábitos, costumes, normas de comportamento dentre outras manifestações. Partindo do suposto que cultura é a herança que o grupo cultural transmite a seus membros através de aprendizagem e de convivência, percebe-se que cada geração e sujeito também contribuem para ampliá-la e modificá-la. Outro uso da palavra “cultura” está relacionado à agricultura, ao cultivo da terra, como na “cultura da cana-de-açúcar”, na “cultura de milho” etc. Nesse caso, esse termo está tão relacionado à lavoura, que compõe, literalmente, o termo “agricultura”. Considerando esse outro uso da palavra “cultura”, Strobel (2008, p. 18) afirma que “o cultivo da linguagem e da identidade são, então, elementos fundamentais de uma cultura”. Na atualidade, em ambientes acadêmicos ou sociais nos quais a surdez é o principal tema, naturalmente, os ouvintes e os surdos admitem que a pessoa com surdez tem identidade e cultura próprias. Para Gesser (2009, p. 53), o adjetivo “própria” sugere a ideia de um “grupo que precisa se distinguir da maioria ouvinte para marcar sua visibilidade”, garantindo a valorização, a afirmação e o reconhecimento do grupo. Mas não é fácil definir o que é cultura surda, pois, para entendê-la, é necessário enxergar o surdo como diferente, e não deficiente. Segundo a pesquisadora surda Gladis Perlin (2004), ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual, e não auditiva. Viver uma experiência visual é ter como primeira língua a língua de sinais, que é visual e pertence a outra cultura, que também é visual. Portanto, a identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual. Essa é também a opinião de Quadros (2002, p. 10), para quem a cultura do povo surdo “é visual, ela traduz-se de forma visual”. Se não é fácil definir o que é a cultura surda, podemos mostrar que ela existe e a sua presença pode ser confirmada pelas transformações culturais e cotidianas dos surdos. Percebe-se que o sujeito surdo está descentrado da cultura dominante e possui outra cultura. Ainda de acordo com Perlin (2004), cultura surda é a diferença que contém a prática social dos surdos e que comunica um significado. É o caso de ser surdo homem, surda mulher, deixando evidências de identidade, predomínio da ordem, o jeito de usar sinais, de ensinar e de transmitir cultura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho com os achados surdos do passado, o jeito de discutir a política, a pedagogia etc. Para Strobel (2008), outra pesquisadora que também é surda, a cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo, a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas” (STROBEL, 2008, p. 24). É válido salientar que a existência da cultura surda depende da língua de sinais. A aquisição da Libras pelo surdo é de extrema importância para o desenvolvimento de uma identidade pessoal surda. Para acontecer a construçãode nossa identidade, como somos seres sociais, precisamos nos identificar com uma comunidade social específica e, com ela, interagir de modo pleno, ou seja, precisamos de uma identidade cultural. Para isso, não basta uma língua e uma forma de alfabetização, mas é preciso um conjunto de crenças, conhecimentos comuns a todos. Durante quase todo o século XX, a educação dos surdos teve o oralismo como ideologia dominante, pensando no surdo pelo modelo médico, no qual ele é tratado como deficiente, não se pensando em sua diferença linguística. A educação oferecida aos surdos dava muita importância à oralização, e os educadores ficavam tão ocupados ensinando os surdos a falarem que não percebiam a importância da formação da identidade e da cultura surda para o surdo. Assim, a educação não formava os surdos como cidadãos críticos e muito pouco se discutia sobre a importância de se buscar a igualdade sem, entretanto, eliminar a diferença. Os surdos educados no oralismo não se reconheciam como surdos, mas como não ouvinte, não normal. Eram vistos e obrigados a se verem a partir da perspectiva do que não podiam fazer e toda tentativa de formação de identidade cultural era considerada uma tentativa de formação de guetos e segregação, sendo, portanto, desprezada e, até mesmo, proibida. Isso porque, para o ouvinte, a surdez significava a perda de comunicação e, assim, o surdo seria alguém que não poderia fazer parte do mundo ouvinte, sendo menos do que aquele que ouve e sempre precisando ser ajudado. Dessa forma, as escolas e entidades de ouvintes para os surdos sempre basearam suas ações na filantropia e no assistencialismo. Quando se fala em identidade e em cultura surda, estamos pensando na surdez como uma diferença. Primeiro, é preciso entender que diferença não é o contrário de igualdade. O contrário de igualdade é desigualdade. A diferença não deve ser entendida como algo é contrário à normalidade. Entender a surdez como diferença significa que uma minoria linguística faz uso de outra língua – língua de sinais – e constitui uma comunidade específica. Entender o surdo como deficiente auditivo é considerar que ele tem uma patologia e necessita de especialista para aprender a falar e ficar o mais parecido possível com o ouvinte. Nessa perspectiva, não se reconhece o direito do surdo de ser diferente e a língua de sinais, a cultura e a identidade surdas não são aceitas. Durante muito tempo, acreditou-se que a linguagem oral era a única responsável pelo funcionamento cognitivo humano, e a dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada, praticamente, impeditiva do desenvolvimento do pensamento. A língua de sinais, por um longo período, foi confundida com mímica e, assim, estaria presa ao mundo concreto, não permitindo a compreensão de conceitos abstratos. A partir do reconhecimento de que a língua de sinais desempenha para o desenvolvimento cognitivo dos surdos o mesmo papel que a língua oral representa no dos ouvintes, houve a compreensão de que a surdez não torna a criança um ser com menos possibilidades. Ela tem possibilidades diferentes, e não menores. Assim, surge um novo fator, pois, junto com uma língua distinta para os surdos, surge uma nova cultura. Ou seja, junto do Bilinguismo, emergiu o Biculturalismo, revelando um processo, antes ignorado, de construção da identidade cultural surda, uma vez que o surdo tem contato com dois grupos culturais distintos, o ouvinte e o surdo. Somente a partir da década de 1980, foi entendida a necessidade de reconhecer o verdadeiro valor da cultura e da linguagem surda para o desenvolvimento cognitivo e da identidade dos surdos. Existem, no entanto, muitas formas de definir identidade, mas o melhor significado para o caso dos surdos é o da busca pelo direito de ser surdo. Para Perlin (2004), a influência do poder ouvintista prejudica a construção da identidade surda e, ainda de acordo com essa pesquisadora, a oralização foi imposta aos surdos pelos ouvintes. Na educação oralista, as crianças surdas eram proibidas de ter contato com surdos adultos que sinalizavam e, como a maioria das crianças surdas é filha de pais ouvintes, por vontade da família ou mesmo por vontade própria, os surdos tentavam oralizar e, até mesmo surdos profundos, falavam que ouviam. Desse modo, não existia uma identidade definida. Com o Bilinguismo e o reconhecimento da Libras como uma língua oficial do Brasil, há o contato com os surdos adultos, sinalizadores e todos começam a se identificar como surdos. Ao sinalizarem e conviverem em um grupo no qual todos sinalizam, ou seja, na comunidade surda, os surdos não querem mais se parecer com os ouvintes, mas querem a interpretação das falas dos ouvintes em Libras. No oralismo, o surdo desenvolve o desejo de ouvir e como os processos de aquisição da fala e de treinamento auditivo são complexos, o surdo sofre muito e fica sempre se sentindo deficiente e incapaz. Na educação oralista, também se praticava a integração escolar, com os surdos estudando em salas comuns, sem apoio algum, gerando uma situação de não aprendizagem. O surdo, então, além de se sentir um fracassado, tinha a construção da sua identidade prejudicada, pois o modelo ideal a ser seguido era o do ouvinte. Assim, o surdo construía sua identidade em um mundo no qual se via como diferente das outras pessoas, com o estigma de incapacidade e de deficiência. O surdo ficava transitando em dois mundos, e não se sentia parte de nenhum. Não fazia parte do mundo ouvinte, porque não sabia se comunicar bem, e também não participava de um mundo surdo, porque eram proibidos de usar a língua de sinais. O estudioso Carlos Skliar chama esse processo de “identidade flutuante”. Felizmente, alguns surdos conseguiram sobreviver a toda essa relação de poder e lutaram muito para estabelecer e defender a cultura surda que é fundamental para a construção da identidade surda. Para isso, no mundo todo, o movimento surdo criou associações de surdos, como uma resistência contra a cultura dominante, contra a ideologia ouvintista. Existe uma história de lutas, entre os próprios surdos e na sociedade em geral, na qual há discussões sobre a língua de sinais, a cultura e as identidades surdas. Essa luta e as conquistas alcançadas têm permitido que a cultura surda se fortaleça e, por causa disso, identidades surdas são construídas. Para Perlin (1998, p. 52), “[...] a identidade é algo em questão, em construção, uma construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou estar em movimento, e que empurra o sujeito em diferentes posições”. Nesse sentido, a construção da identidade depende de modelos e da forma como o outro enxerga o sujeito. Assim, é fundamental defender a cultura surda, porque é dentro dela que se constrói a identidade surda. Não podemos separar a noção de cultura da de grupo e classes sociais, pois cultura é o espaço no qual se dá a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais. Talvez seja por isso, por exemplo, que podemos falar de uma cultura surda. É dentro desse espaço que os sujeitos surdos passam a se identificar como sujeitos culturais. O estudo acerca dos surdos mostra que as capacidades de linguagem, pensamento, comunicação e cultura do homem não se desenvolvem de maneira automática, não se compõem apenas de funções biológicas, mas também têm origem social e histórica. Essas capacidades são, segundo Sacks (1998), um presente – o mais maravilhoso dos presentes – de uma geração para outra, o que reforça a importância do grupo, da cultura surda para a construção da identidade e do desenvolvimento cognitivo do surdo. Além de se expandir no âmbito educacional e não mais apenas como uma língua diferente, a cultura surda começou a se estender por conhecimentos e crenças comuns, que auxiliaram na constituição de uma cultura própria. Então, para que a constituiçãoda identidade dos surdos aconteça de maneira natural, precisamos mudar nosso entendimento de surdez, de deficiência para o de minoria linguística e cultural. Apesar da luta constante da comunidade surda pelo respeito e aceitação como grupo cultural distinto, ainda há uma dificuldade muito grande de desenvolvimento da inclusão dos surdos com base no respeito a suas diferenças. É preciso considerar, por exemplo, que a maioria das crianças surdas (mais de 90%) tem pais ouvintes, o que causa maiores dificuldades na construção das identidades, pois os modelos não estão dentro de casa. Além disso, a dificuldade de comunicação entre pais e filho surdo causa, às vezes, problemas de ordem social e cognitiva. Esses problemas poderiam ser minimizados se houvesse, por parte dos familiares ouvintes, disposição em assumir formas de comunicação e intervenção que considerassem mais as particularidades da surdez do que as dificuldades inerentes à ausência de audição. Partindo disso, é fundamental que instituições escolares, os pais, enfim, todos que estão perto da criança surda preocupem-se em entender o modo pelo qual ela se comunica, para que as trocas possam existir de forma satisfatória para ambas as partes. Assim, em função da existência de barreiras na comunicação entre o mundo surdo e o mundo ouvinte, existem dificuldades para o desenvolvimento cultural. Por isso, é necessário que, para que se construam meios especiais para a sua realização, os ouvintes conheçam a Libras, por exemplo. Para entender um pouco sobre como uma cultura domina a outra, um bom exemplo é do Brasil, que foi colonizado por Portugal. Durante a colonização, o Brasil foi submetido às mais duras pressões políticas e ideológicas no que se refere à exploração econômica, cultural e, inclusive, linguística, uma vez que, anteriormente à Língua Portuguesa, a língua tupi-guarani era falada pelos primeiros brasileiros, os índios. Dentro desse contexto, com a colonização portuguesa no Brasil, foi necessária a batalha pela independência, em busca do direito a ser uma nação livre e dona do seu próprio destino. Isso também aconteceu com os surdos. Existe ainda a “colonização” do ouvinte e, para que o surdo tenha sua independência, os ouvintes precisam deixar de pensar em termos de deficiência auditiva e parar com a imposição da Língua Portuguesa, entendendo que é possível ser normal mesmo sem ouvir, que é uma necessidade de quem ouve. Atualmente, podemos perceber o fortalecimento da cultura surda pelas transformações que estão acontecendo na sociedade, como a Pedagogia de surdos, o atual ensino de língua de sinais, a existência do professor de língua de sinais e do professor surdo, as pesquisas sobre surdos, os pesquisadores surdos, o modo de vida das famílias surdas, o estilo de vida surda, o aumento de mulheres surdas que residem sozinhas etc. Há, ainda, as novas tecnologias, como centrais telefônicas, celular digital, ponteiros luminosos, facilidades para a vida dos surdos. Raros são os lugares que estão fora do alcance da cultura surda, e o preconceito, inclusive, está diminuindo. Nesse sentido, podemos afirmar que os surdos não estão mais escondidos, visto que estão surgindo novas maneiras de ser surdo, o qual tem o seu modo de comprar, olhar, comunicar, escolher, socializar etc. Assim, para um adequado desenvolvimento tanto físico quanto psíquico do surdo, é preciso que os ouvintes deixem de se considerar modelos de normalidade e percebam que diferença não significa inferioridade. Hoje, busca-se relacionar o processo educacional às experiências culturais dos surdos, para que seu desenvolvimento alcance maior êxito. Como consequência, a discussão sobre as formas de atenção às pessoas e aos grupos surdos tem sido deslocada do campo da educação especial para o campo antropológico, pois a educação deveria dar acesso aos bens culturais, de acordo com as características singulares decorrentes da surdez. Por isso, a inclusão escolar dos surdos precisa ser bem discutida, pois a relação da surdez com as sociedades culturalmente ouvintes é constituída pelas barreiras de comunicação e participação. Assim, o campo da surdez pode ser comparado a uma situação de pobreza, havendo falta de acesso a uma educação de qualidade, às condições dignas de vida, às informações adequadas e ao respeito por sua língua, cultura e identidade. Portanto, importa salientar a diferença das pessoas. Respeitá-las como surdas, índias, nômades, negras, brancas... Importa deixar os surdos construírem sua identidade, assinalarem suas fronteiras em posição mais solidária do que crítica. A educação, ainda que já esteja saindo do domínio do oralismo, tem que desaprender um grande número de preconceitos, entre eles o de querer fazer do surdo um ouvinte. Novas hipóteses podem ser levantadas, novos achados são necessários. Entre eles sobressai a urgência de dizer que o surdo é sujeito surdo (PERLIN, 1998, p. 72). Além disso, embora seja compreensível que os surdos afirmem a existência de “uma” cultura, como forma de afirmação coletiva (e é mesmo comum ouvirmos discursos de oposição à dominação ouvintista, defendendo a existência de uma homogeneidade cultural surda), autores como Skliar (1998) e Gesser (2009) defendem que existem identidades e culturas surdas. Isso porque pensar o surdo no singular, com uma identidade e uma cultura surda, é apagar a diversidade e o multiculturalismo que distingue o surdo negro da surda mulher, do surdocego, do surdo índio, do surdo cadeirante, do surdo homossexual, do surdo oralizado, do surdo de lares surdos, do surdo gaúcho, do surdo paulista, do surdo de zonas rurais... (GESSER, 2009, p. 55). Ao se considerar, então, o surdo como alguém que tem uma diferença linguística, que compartilha com a comunidade surda comportamentos, valores e crenças, passa-se a respeitar as identidades surdas. Assim, torna-se necessário o estabelecimento de uma legislação e uma proposta de políticas públicas para a educação do surdo brasileiro, definidas a partir dessa visão socioantropológica do surdo e da surdez. Seção 3 Legislação brasileira referente à educação de surdos A palavra lei, de acordo com Reale (2006, p. 2), etimologicamente, refere-se a ligação, laço, relação, o que se completa com o sentido nuclear de jus, invocando a ideia de unir, ordenar, coordenar. Como as leis se destinam às sociedades, podemos concluir que a lei “ordena relações sociais”. Portanto, as leis refletem a sociedade e, dessa forma, são formuladas e reformuladas acompanhando as transformações sociais. Legislação, por sua vez, é uma palavra que designa o conjunto de leis. Assim, legislação brasileira referente à educação de surdos corresponde ao conjunto de leis, decretos, normas, portarias, enfim, qualquer documento jurídico que se destina à educação dos surdos brasileiros. Ainda segundo o jurista Reale (2006, p. 65), onde quer que haja um fenômeno jurídico, há sempre um fato subjacente; um valor, que confere significado ao fato e, finalmente, uma norma, que representa a relação entre o fato e o valor. Isso significa que uma lei pode ser, de maneira bem ampla, entendida como consequência à valoração conferida pela sociedade a determinado fato. A evolução da terminologia utilizada para designar o fenômeno surdez na legislação educacional brasileira ilustra o encadeamento fato/valor/norma. Este é um dos objetivos de se estudar a legislação: estabelecer relações entre as concepções de surdez que subjazem abordagens educacionais de determinada época com a terminologia utilizada na legislação educacional que lhes são contemporâneas. A legislação, além de determinar os direitos e os deveres dos cidadãos, pode ser considerada norteadora das políticas públicas, mas é valido salientar que só recentemente surgiram legislação e políticas públicas destinadasaos surdos, em especial. A maior parte da legislação brasileira, referente ao direito à educação, saúde, acessibilidade, ao trabalho etc., não contempla, diretamente, os surdos, mas a totalidade das pessoas com deficiência, independente de suas particularidades, muitas vezes, gerando tensão entre os diferentes segmentos que constituem esse conjunto de pessoas. Esse fato também pode ser notado em relação às políticas públicas. Hoje, a legislação sobre surdos está presente de forma abundante no Brasil, garantindo a obrigatoriedade da educação especial e da educação inclusiva, resultado de uma longa e árdua caminhada, com suas possibilidades enunciativas se transformando à medida que o fenômeno surdez se tornava mais bem compreendido. A seguir, apresentamos trechos ou comentários acerca da legislação educacional brasileira que contempla os direitos dos surdos, particularmente, as referentes à educação, começando pela Constituição Federal de 1988, considerada um marco no que se refere aos direitos humanos no Brasil, até o Decreto nº 7.611, de 2011, o mais recente. Também, abordaremos o Decreto nº 5.626, de 2005, responsável pela inclusão da disciplina de Libras nos currículos dos cursos de licenciatura. Como você já sabe, caro(a) aluno(a), apenas recentemente surgiu uma legislação específica para os surdos, embora a legislação referente à Educação Especial seja anterior à Constituição Federal de 1988. Constituição Federal de 1988 A Constituição Brasileira de 1988 é considerada uma das mais avançadas do mundo no que se refere aos Direitos Humanos, pois busca contemplar as especificidades referentes a gênero, raça, cor, idade e deficiência, mediante a garantia de direitos específicos e diferenciados. Como exemplo, observe o artigo 208, da Constituição Brasileira, exposto a seguir. Art. 208: III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público e subjetivo. V – Acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (BRASIL, 1988, on-line). Além desse artigo de caráter geral sobre a educação, a Constituição assegura os direitos dos surdos a uma educação diferenciada, ao garantir o direito à diferença cultural dos brasileiros, conforme estabelecido no artigo 215: “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988, on-line). Para Perlin e Strobel (2006), é esse artigo que fundamenta a proposta de uma educação bilíngue que preserve a cultura surda. O fato de que o surdo é um sujeito que produz cultura baseada na experiência visual requer uma educação fundamentada nesta sua diferença cultural. Com isto, a Constituição que assegura o direito a diferentes expressões culturais do povo brasileiro, faz antever a necessidade de serem respeitados os direitos culturais dos surdos. Para tanto, já há uma série de legislações em relação à educação do surdo, bem como em outros espaços sociais onde o surdo interage adquirindo o conhecimento, garantindo sua fundamentação cultural (PERLIN; STROBEL, 2006, p. 42). Lei nº 7.853, de 1989 A Lei nº 7.853, de 1989, prevê a matrícula compulsória (obrigatória) em cursos regulares, de estabelecimentos públicos e particulares, de pessoa portadora de deficiência capaz de se integrar ao sistema regular de ensino. Assim, constitui crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que ele porta. A terminologia adotada não especifica as diferenças entre as deficiências, porque, até então, a abordagem educacional que predominava na educação de surdos era o oralismo, que entende a surdez como deficiência. Ao não se considerar surdez como diferença, os surdos eram incluídos no conjunto das demais deficiências. Na década de 1990, alguns eventos marcaram o Brasil e o mundo no que se refere à legislação e às políticas públicas educacionais para pessoas com deficiência. Esses eventos foram a Conferência Mundial de Educação para Todos, que ocorreu em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha. Na década de 1990, ganhou força o discurso de “educação para todos”, de igualdade de oportunidades e de universalização do ensino, o que incluiu as pessoas com deficiência. Nesse âmbito, surgiu a proposta de educação na diversidade e, finalmente, a educação inclusiva. Esse movimento foi desencadeado, como exposto, pela Conferência Mundial de Educação para Todos, organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Banco Mundial. Declaração de Salamanca de 1994 Em junho de 1994, foi realizada na cidade de Salamanca uma Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, na qual estiveram representados 92 países e 25 Organizações Internacionais (o Brasil não participou). No fim da Conferência, foi elaborado um documento, conhecido como Declaração de Salamanca, em que se reafirma o compromisso pela educação para todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação às crianças, aos jovens e aos adultos com necessidades educativas especiais, no quadro do sistema regular de educação. O Brasil, não assinou essa Declaração, mas segue muitos dos princípios, das políticas e das práticas na área das necessidades educativas especiais nela estabelecidos. A seguir, destacamos alguns princípios expostos nesse documento. Nº 15: A educação integrada e a reabilitação apoiada pela comunidade representam dois métodos complementares de ministrar o ensino a pessoas com necessidades educativas especiais. Ambas se baseiam no princípio da integração e participação e representam modelos bem comprovados e muito eficazes em termos de custo para fomentar a igualdade de acesso das pessoas com necessidades educativas especiais, que faz parte de uma estratégia nacional cujo objetivo é conseguir a educação para todos (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, on-line). Lei nº 9.394, de 1996, Lei das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira1 A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), Lei nº 9.394, de 1996, define as diretrizes para educação nacional e, no que se refere aos educandos com necessidades especiais, estabelece alguns princípios, como os expostos a seguir. Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. § 3º A oferta de educação especial,dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; 1 Com as alterações realizadas pela Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013. III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. Parágrafo Único: O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo (BRASIL, 1996, on-line). Aqui, é possível observar uma variação de terminologia. Na Constituição de 1988 e na Lei nº 7.853, de 1989, a denominação utilizada é pessoa portadora de deficiência, enquanto na LDB, de 1996, embora se considere os sujeitos a partir de suas deficiências, a denominação utilizada é educandos com necessidades especiais, conforme estabelecido na Declaração de Salamanca. Entretanto, com as alterações promovidas pela Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013, há a especificação para “educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. Nesse sentido, fica claro que, apesar de a LDB ser posterior à Declaração de Salamanca, ela não se organiza pelo princípio da inclusão, do respeito à diferença (que, no caso dos surdos, é linguística). Ao contrário, organiza-se em termos de integração, de ofertar educação às pessoas com necessidades educativas especiais, preferencialmente nas escolas comuns, no sistema regular de ensino, sem previsão de intérpretes, o que só vai acontecer pela primeira vez em 1999, com a Portaria nº 1.678/99 do MEC. Portaria nº 1.678/99 do MEC Considerando a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino, o MEC dispõe sobre os requisitos de acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência. A intenção também é instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e credenciamento de Instituições de Ensino Superior (IES). A partir dessa portaria, para que uma IES tenha autorização de funcionamento para qualquer curso de graduação e o reconhecimento de cursos já autorizados, há exigências como as condições de acesso (concurso vestibular) e permanência de pessoas com deficiência nos cursos superiores. O artigo 2º dessa Portaria estabelece quais são tais condições e, na alínea “c”, trata dos deficientes auditivos (denominação ainda referente ao modelo médico e ao predomínio do oralismo). Esse artigo está exposto a seguir. Art. 2º. A Secretaria de Educação Superior deste Ministério, com o apoio técnico da Secretaria de Educação Especial, estabelecerá os requisitos tendo como referência à Norma Brasil 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que trata da Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências e Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamentos Urbanos. Parágrafo único. Os requisitos estabelecidos na forma do caput deverão contemplar, no mínimo: [...] c) para alunos com deficiência auditiva – compromisso formal da instituição de proporcionar, caso seja solicitada, desde o acesso até a conclusão do curso, sala de apoio contendo: – quando necessário, intérpretes de língua de sinais/língua portuguesa, especialmente quando da realização de provas ou sua revisão, complementando a avaliação expressa em texto escrito ou quando este não tenha expressado o real conhecimento do aluno; – flexibilidade na correção de provas escritas, valorizando o conteúdo semântico; – aprendizado da língua portuguesa, principalmente na modalidade escrita (para uso de vocabulário pertinente às matérias do curso em que o estudante estiver matriculado); – materiais de informações aos professores, para que se esclareça a especificidade linguística dos surdos (BRASIL, 1999, on-line). Nessa Portaria, apesar de as expressões deficiente auditivo e surdo serem tratadas como sinônimas, podem ser observados dois grandes avanços: o reconhecimento da especificidade linguística e a dificuldade com a Língua Portuguesa dos surdos, particularmente na modalidade escrita. Lei Federal nº 10.098, de 2000 A Lei Federal nº 10.098, de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação. Entende-se por acessibilidade, a possibilidade e a condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. A Constituição Federal assegura o direito de integração social da pessoa portadora de deficiência e isso significa, também, o acesso às informações, a possibilidade de locomoção e a eliminação de barreiras arquitetônicas. Portanto, para essa Lei, a acessibilidade não se refere apenas ao direito de ir e vir, mas ao direito à informação e à comunicação, garantindo, por exemplo, as transcrições em Braille e o direito ao intérprete de Libras. O artigo 17 dessa Lei explica que o Poder Público deve promover a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecer mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação, a fim de garantir o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. Ademais, é importante destacar o capítulo VII, artigos 17, 18 e 19, que trata, especificamente, da acessibilidade nos sistemas de comunicação e sinalização, e aborda o direito à informação das pessoas surdas que, nessa Lei, são denominadas deficientes auditivos. Além disso, apesar de desde 1960, com os estudos de Stokoe, já estar devidamente comprovado o status linguístico das línguas de sinais, ou seja, o fato de que elas são “língua”, verdadeiros idiomas, e não “linguagem”, a Lei n° 10.098 ainda menciona “linguagem de sinais”. Há, portanto, um avanço ao se reconhecer que acessibilidade não se refere apenasao direito de ir e vir, mas ao acesso à informação, e que existem pessoas no Brasil que não têm acesso à informação mediante à Língua Portuguesa. Apesar disso, o documento legal utiliza terminologias que a ciência já havia superado. A seguir, estão expostos dois artigos dessa Lei. Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias- intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação. Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento. Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002 Em 2002, surgiu a primeira legislação educacional com características realmente inclusivas, que oficializou a Língua Brasileira de Sinais – Libras. A partir da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a palavra “libras” deixou de ser escrita com todas as letras maiúsculas, como se fazia anteriormente, quando ela representava uma sigla: LÍngua BRAsileira de Sinais – LIBRAS. Nessa Lei, estão estabelecidas as condições que caracterizam uma escola inclusiva para surdos. A essência das disposições federais contidas nessa Lei está distribuída em quatro artigos, os quais são apresentados a seguir. Art. 1º: É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º: Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas, concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3º: As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4º: O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais -- Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. A Lei nº 10.436/2002 marca o início de uma nova e promissora era no que diz respeito à pessoa surda, sua capacidade, identidade e formação. Essa Lei reconhece que a Libras é uma língua e, como tal, deve ser respeitada, e que a comunidade surda, sua cultura e sua identidade também devem ser respeitadas. A Lei da Acessibilidade, de 2000, e a da Libras, de 2002, foram regulamentadas pelo Decreto nº 5.626, de 2005. Decreto Federal nº 5.626, de 2005 Para os fins do Decreto n° 5.626, de 2005, considera-se surda a pessoa que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura, principalmente, pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Esse Decreto estabelece o que é preciso fazer para que a abordagem bilíngue seja adotada nas escolas públicas e particulares do país. Nele, também há a definição de que escola ou classe bilíngue são aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam as línguas utilizadas no ensino. Também é esse Decreto que torna obrigatório o ensino de Libras para os futuros professores e para os fonoaudiólogos. Destacamos, a seguir, de forma resumida, a essência das disposições contidas no Decreto nº 5.626. A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério. A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto. Para dar condições de cumprir as exigências contidas no Decreto nº 5.626, o MEC criou os cursos de Licenciatura em Libras, na modalidade a distância, em universidades públicas. Foram criados, inicialmente, em 2006, nove polos que, em 2008, foram ampliados, totalizando, hoje, 16 cursos de licenciatura em Libras em todo Brasil. Nesses cursos, ministrados totalmente em Libras, os estudantes surdos têm prioridade nos concursos vestibulares, ou seja, só são abertas vagas para ouvintes quando não existirem candidatos surdos aprovados nos concursos vestibulares. O Decreto nº 5.262 estabelece, ainda, que as instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até a superior. Além disso, essas instituições devem: • garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização; • apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive, por meio da oferta de cursos; • adotar mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa; • desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos; • disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva. Nessa perspectiva, as instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: • escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; • escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras – Língua Portuguesa. Os alunossurdos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com a utilização de equipamentos e tecnologias de informação. Isso deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras. Decreto nº 7.611, de 2011 A promulgação do Decreto nº 7.611, de 2011, teve intensa participação da comunidade surda, mediante a FENEIS, seu órgão representativo. Esse Decreto estabelece as diretrizes que normatizam o dever do Estado quanto à população-alvo da educação especial, garantindo a manutenção de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às escolas especializadas, que estavam sob a iminência de extinção em função da proposta inclusiva. No parágrafo 2º do artigo 1º, o Decreto garante todas as diretrizes e todos os princípios dispostos no Decreto nº 5.626, de 2005. Seção 4 As políticas públicas referentes à educação de surdos2 Política pública é a forma de concretizar a ação do Estado. Ela revela as intenções de mudança social dos governantes, estabelece diretrizes para o investimento de recursos e determina quais setores serão privilegiados pelo governo. Por políticas públicas destinadas à educação do surdo brasileiro, entendemos quais são as metas, o planejamento e as ações que o governo (Poderes Públicos Federal, Estadual e Municipal) pretende desenvolver para concretizar a educação de surdos. Assim como o que acontece com a Legislação, muitas dessas políticas não se referem diretamente aos surdos, mas ao conjunto dos denominados “portadores de deficiência”. A primeira política pública para a educação dos surdos em nosso país pode ser considerada a Decisão Imperial, de 26 de setembro de 1857, quando o governo de D. Pedro II criou o Instituto Nacional de Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, atual Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), que adotava a língua de sinais. 2 Esta parte do material está baseada em Nogueira, Nogueira e Carneiro (2010). Essa escola foi fundada por Ernest Huet, professor surdo francês que chegou ao Brasil com o objetivo de iniciar a educação dos surdos. Porém, seguindo a tendência determinada pelo Congresso de Milão (1880), em 1911, o INES estabeleceu o oralismo como método de educação dos surdos. Atualmente, a filosofia educacional adotada pelo INES é o bilinguismo. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, na qual, em diferentes artigos, são garantidos os direitos das pessoas com deficiência, foram propostas políticas para que a atuação dos diferentes órgãos governamentais pudesse estar em conformidade com os dispositivos constitucionais. As Constituições Federal e Estaduais garantem à criança e ao adolescente com deficiência atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Aqui, assim como fizemos anteriormente, vamos destacar, em relação à Legislação, apenas o que de mais relevante foi formulado a partir da Constituição Federal de 1988. Decreto nº 914, de 1993 O Decreto nº 914, de 1993, estabelece as diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, como exposto a seguir. Art. 5º [...] III – incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Política Nacional de Educação Especial, de 1994 No documento da Política Nacional de Educação Especial, de 1994, aparecem, pela primeira vez de forma explícita, propostas de apoio à “utilização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), na educação de alunos surdos” e “incentivo à oficialização da Libras”. Atualmente, mediante a Política Nacional de Educação, como orientação para o encaminhamento do trabalho educacional no país, são definidos como importantes o ensino da Libras para crianças surdas e o início da construção de uma proposta bilíngue. Lei nº 10.172, de 2001 – Plano Nacional de Educação O Plano Nacional de Educação estabelece 27 objetivos e metas para a educação das pessoas com necessidades educativas especiais. Sinteticamente, essas metas tratam: • do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios – inclusive em parceria com as áreas de saúde e assistência – visando à ampliação da oferta de atendimento desde a educação infantil até a qualificação profissional dos alunos; • das ações preventivas na área visual e auditiva, até a generalização do atendimento aos alunos na educação infantil e no ensino fundamental; • do atendimento extraordinário em classes e escolas especiais ao atendimento preferencial na rede regular de ensino; • da educação continuada dos professores que estão em exercício para a formação em Instituições de Ensino Superior. Esse Plano também tem como meta capacitar pessoas para dar atendimento aos educandos especiais e, como meta nº 11, implantar, em cinco anos, e generalizar, em dez, o ensino da Língua Brasileira de Sinais para alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para o pessoal da unidade escola, mediante um programa de formação de monitores, em parcerias com organizações não governamentais (BRASIL, 2001, on-line). Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, de 2001 No cenário de reformas e propostas educacionais, há o Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, resultado de uma proposição da Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC) e das Secretarias de Estado da Educação e Secretarias Municipais de Educação (das capitais). Esse Programa visa à melhoria da educação de alunos surdos matriculados no ensino fundamental. Um de seus focos de trabalho foi a formação de professores ouvintes para o uso da Libras. Ademais, esse Programa buscava atender os 50 mil estudantes surdos matriculados no ensino fundamental naquele momento, por meio de três metas: 1) organizar cursos de capacitação para profissionais da educação. Essa meta estava subdividida em três etapas: • a primeira, a ser realizada em Brasília, consistia no curso de instrutores surdos; • a segunda, a ser realizada nos estados, consistia no curso de língua de sinais para professores da rede pública e no curso de língua de sinais para novos instrutores; • a terceira, a ser realizada no INES, em curso de intérprete de línguas de sinais para professores da rede pública (a curto prazo); 2) implantar o centro de apoio à capacitação dos profissionais e à educação de surdos (CAP), a ser cumprida a médio prazo; 3) modernizar as salas de recursos para atendimento dos surdos (a médio prazo). Como resultado material desse Programa, foi produzido pelo MEC, em conjunto com pesquisadores e com a FENEIS (Federação Nacional de Escolas e Instituições de Surdos), o material didático denominado “LIBRAS em Contexto”. Esse material é composto pelo livro do aluno, livro do professor e por fitas de vídeo, sendo o primeiro material de características oficiais para o ensino de Libras do Brasil. Junto do Programa de Apoio, o MEC divulgou um documento, denominado “Diretrizes para a Educação de Surdos”, em 20 de março de 2001, contendo alguns conceitos como os de surdo, surdez e educação de surdos, como subsídios para a adoção do bilinguismo. A Lei de Acessibilidade (Lei Federal nº 10.098) também acompanhava o Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos. Política Nacional de Educação Especial, de 2008 Na Política Nacional de Educação Especial (PNEE), de 2008, na perspectiva inclusiva, o MEC reconheceu que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las.Assim, a educação inclusiva assumiu espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. De acordo com a PNEE (2008), a educação especial se organizou tradicionalmente como atendimento educacional especializado substitutivo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreensões, terminologias e modalidades que levaram a criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina formas de atendimento clínico terapêuticos fortemente ancorados nos testes psicométricos que definem, por meio de diagnósticos, as práticas escolares para os alunos com deficiência. Assim, considerando os referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas. A PNEE, na perspectiva da educação inclusiva, tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: • acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; • transversalidade da modalidade de educação especial, desde a educação infantil até a educação superior; • oferta do atendimento educacional especializado; • formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; • participação da família e da comunidade; • acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; • articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. De maneira geral, a PNEE preconiza o fim das escolas especializadas, ao propor que todos os alunos devem ter sua escolaridade efetivada nas escolas regulares comuns, na perspectiva inclusiva. Essa “determinação” provocou uma reação dos surdos, expressa em uma carta aberta ao Ministro da Educação, em que defendem a manutenção das escolas especializadas. Esse resumo da Legislação e das políticas públicas aqui apresentado teve a intenção de informar para você, caro(a) aluno(a), que, atualmente, são muitas as ações governamentais que buscam melhorar a educação dos surdos. Por isso, já podemos imaginar um futuro, não muito distante, em que a diferença linguística não seja mais considerada uma deficiência, mas uma particularidade que não diminui a pessoa surda. Seção 5 Desconstruindo crenças sobre o surdo e a surdez Com a promulgação da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que oficializou a Libras, e do Decreto Federal nº 5.626, de 2005, os alunos de licenciatura sentem-se coagidos a aprender essa língua tão exótica. Os demais universitários, as crianças ouvintes e seus familiares, que passam a conviver com a presença do surdo e seu intérprete em sala de aula, os professores da escola inclusiva, enfim, toda a comunidade foi tomada de surpresa, em função da rapidez com que as mudanças aconteceram. Como o desconhecimento sobre o assunto ainda é grande, surgem especulações a respeito dessa diferente comunidade que, associadas ao longo período de hegemonia do oralismo, estabeleceram o que Reily (2004) denominou de “mitos” e Gesser (2009) identificou como crenças e preconceitos acerca da surdez, do surdo e da Libras. Muitas dessas dúvidas existem entre professores e demais profissionais que atuam com surdos, afinal, depois de mais de um século de oralismo, é natural indagar se o surdo precisa ser oralizado para se integrar ao mundo ouvinte ou se a língua de sinais atrapalha a oralização, por exemplo. Nesse sentido, a seguir, há algumas perguntas e respostas relacionadas aos mitos e às crenças acerca da surdez. Se quando pensamos, falamos com a gente mesmo, como pensa o surdo? De fato, o pensamento da pessoa ouvinte tem som. Basta pensarmos no nosso nome, por exemplo, e ele se apresenta em nossa mente, de maneira sonora. No caso do surdo, como ele organiza visualmente seu pensamento, esse exemplo se efetiva por imagens, como em uma projeção de slides. No entanto, para estudar, raciocinar ou meditar, é comum que eles “falem com as mãos”, em uma espécie de “tricô invisível”. Algumas vezes, ao realizar uma caminhada solitária, o surdo fica “sinalizando”, “falando sozinho” e, muitas vezes, falando alto. Surdo, surdo-mudo ou deficiente auditivo? Apesar de aparentemente não ter importância a denominação ou a palavra escolhida para designar uma única pessoa ou um grupo de indivíduos, o modo como fazemos essa designação revela nossa concepção acerca da pessoa, do grupo ou do fenômeno a que nos referimos. Usar corretamente os termos técnicos não é uma questão sem importância, se desejamos falar ou escrever construtivamente em uma perspectiva inclusiva sobre seres humanos. Assim, a terminologia correta é importante, sobretudo, quando falamos de assuntos que envolvem pessoas com deficiência, as quais, tradicionalmente, sofrem preconceitos. As palavras utilizadas para designar as pessoas ou as deficiências acompanham os valores de cada sociedade e época, passando a ser incorretas quando esses valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, exigindo o uso de outras terminologias. Na maioria das vezes, as “novas” palavras já existem na língua falada e escrita, mas passam a significar uma coisa nova. O maior problema decorrente do uso de termos incorretos é que podemos, mesmo sem intenção, reforçar ou perpetuar conceitos ultrapassados, ideias equivocadas e informações inexatas. É comum entre as pessoas, por exemplo, a utilização da expressão surda-muda para designar a pessoa surda. Quando se refere ao surdo, a palavra “muda” não corresponde à realidade desse sujeito, pois ele não é mudo, no sentido de possuir comprometimentos no sistema fonoarticulatório. Na maioria das vezes, a pessoa surda ou com deficiência auditiva não fala, porque não consegue aprender, pois não possui o feedback auditivo. Desse modo, a denominação “surdo” é a mais adequada, visto que permite compreender melhor a surdez, tanto no que se refere a sua condição orgânica como social. Além disso, essa é a autodenominação escolhida pelos próprios surdos, os quais não desejam ser aceitos como pessoas deficientes, ou seja, como “ouvintes” que têm ausência da audição, mas como pessoas que têm muito mais de igual do que de diferente. Trata-se, portanto, de pessoas igualmente capazes e que se diferenciam dos ouvintes por desenvolverem sua linguagem utilizando recursos de natureza viso-motora. Da mesma forma que um ambiente físico não adaptado, sem rampas ou elevadores, pode aumentar a deficiência de um cadeirante, em geral, não é a limitação biológica, mas as relações sociais e culturais que determinam a limitação de uma pessoa com deficiência. Em outras palavras, de acordo com Laborrit (1994), é a sociedade que torna os indivíduos deficientes. De acordo com essa perspectiva, olhada pelo viés cultural, a surdez definitivamente não é uma deficiência. “A surdez como deficiência pertence a uma narrativa assimétrica de poder e saber: uma ‘invenção/produção’ do grupo hegemônico que, em termos sociais, históricos e políticos, nada tem a ver com a forma como o grupo se vê ou se representa” (GESSER, 2009, p. 67). O surdo pode aprender a falar? Alguns sim, mas esse é um longo e complexo processo para aqueles com uma perda auditiva severa. Aqui, vamos estabelecer a definição e a classificação de surdez segundo o modelo médico, para que você possa, caro(a) aluno(a), compreender as dificuldades inerentes ao processo. A surdez ou deficiência auditiva é a perda total ou parcial, congênita ou adquirida,da capacidade de compreender a fala por meio do ouvido, manifestando-se como: • surdez leve/moderada: perda auditiva de até 70 decibéis que dificulta, mas não impede a pessoa de se expressar oralmente, bem como de perceber a voz humana, com ou sem a utilização de um aparelho auditivo. Se a perda for de até 40 decibéis, a pessoa já não percebe os fonemas da mesma forma, o que altera a compreensão das palavras, e a voz fraca e distante não é ouvida. Nesse estágio, a criança é considerada desatenta e tem dificuldades de aquisição da linguagem, de leitura e de escrita, precisando de acompanhamento. Sua audição pode ser facilitada com o uso de aparelhos de amplificação sonora individual, os AASI. Se a perda se situar entre 40 e 70 decibéis, o surdo percebe a voz humana com certa intensidade, pode ocorrer atraso na linguagem e alteração articulatória, além da difícil discriminação em lugares ruidosos; • surdez severa/profunda: perda auditiva acima de 70 decibéis, que impede a pessoa de entender, com ou sem aparelho auditivo, a voz humana, bem como de adquirir, naturalmente, o código da língua oral, pois não há feedback auditivo. Nesse caso, a pessoa precisa de pistas visuais e de métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para a correção e o desenvolvimento da fala e da linguagem. Assim, o trabalho para a aquisição da fala deve ser iniciado assim que se descobre a surdez da criança. Atualmente, com o “teste da orelhinha”, seria desde o seu nascimento. A educação oral deve começar no lar, exigindo a dedicação de todas as pessoas que convivem com a criança, especialmente a mãe, durante todas as horas de cada dia do ano. O trabalho de aquisição da fala ou educação oral necessita de fonoaudiólogos e pedagogos especializados para atender o aluno, orientar e acompanhar a ação da família. Além disso, a educação oral requer equipamentos especializados como o aparelho de amplificação sonora individual. As pesquisas, no entanto, demonstram que crianças com perda auditiva profunda, mesmo seguindo à risca as orientações para aprender a falar, realizando incansavelmente exercícios de voz e de articulação, em sua grande maioria, não conseguem desenvolver a fala com fluência. Desse modo, a aquisição da Língua Portuguesa oral depende do grau e da natureza da perda auditiva, do bom uso dos resíduos auditivos, proporcionado pelo AASI, e do apoio de profissionais e da família. É válido salientar, porém, que os AASIs não são “mágicos”, isto é, não basta protetizar a criança (colocar o aparelho), é necessário ensiná-la a ouvir. De novo, são necessários recursos, métodos e profissionais especializados no treinamento auditivo. Um aparelho auditivo colocado sem o devido treinamento, mesmo adequado às especificidades e às necessidades da criança, pode, inclusive, prejudicá-la. Isso porque a criança pode receber uma intensidade de estímulos sonoros simultâneos que precisam, inicialmente, ser identificados, para que, em seguida, seja possível selecionar os que direcionam a atenção auditiva. Portanto, nem sempre o uso do aparelho auditivo permite que a criança escute a voz humana. Mesmo que a escute e que faça o uso correto da informação, “os aparelhos não atuam na decodificação instantânea da linguagem apenas ao serem agregados ao ouvido, do mesmo modo que uma pessoa completamente cega, por exemplo, não passa a enxergar utilizando óculos ou lentes de grau” (GESSER, 2009, p. 75). O implante coclear, muitas vezes, apresentado pela mídia em matérias carregadas de emoção, ainda é visto com muita desconfiança pelos surdos, familiares e profissionais, pois a recuperação da surdez não depende apenas do sucesso da intervenção cirúrgica. Há inúmeras variáveis envolvidas nesse processo, como a idade do surdo, o tempo de surdez, as condições do nervo auditivo, a época de instauração da surdez, a adaptação anterior ao AASI, o trabalho com fonoaudiólogo etc. Por fim, é preciso ficar claro que os surdos, mesmo com surdez profunda, podem apresentar uma comunicação oral funcional, desde que se submetam aos procedimentos adequados e, principalmente, se for isso que desejarem. Todos os surdos fazem leitura labial? Engana-se quem pensa que a leitura labial é uma capacidade inerente ao surdo. Ao contrário, da mesma forma que, para desenvolver a fala, são necessários treinos exaustivos e árduos, adquirir a leitura labial também depende de treinos semelhantes. Por não ser uma técnica adquirida naturalmente, ela é aprendida mediante o auxílio de profissionais especializados, como o fonoaudiólogo, e é uma habilidade que leva anos para ser adquirida e aprimorada. A crença de que todo surdo faz leitura labial é muito forte entre os professores da escola inclusiva. A maioria deles, pelo desconhecimento do assunto, acredita que todo aluno surdo faz leitura labial e, então, ministra normalmente suas aulas, deixando ao aluno surdo a responsabilidade de acompanhar o seu discurso. Apenas a minoria dos surdos, no entanto, é constituída de hábeis leitores labiais. Mesmo surdos que são habilidosos em leitura labial (é possível ter surdos que apresentam mais dificuldades do que outros, independente da dedicação aos treinos), podem ter dificuldade quando se deparam com pessoas desconhecidas, com sotaque ou dialetos, homens de bigode, pessoas que estejam distantes ou, ainda, quando o surdo está sentado e o ouvinte em pé. Enfim, são inúmeros fatores que dificultam a leitura labial, sem mencionar o caráter quase caricato dos ouvintes que utilizam a leitura labial para se comunicar com os surdos. Finalmente, devemos mencionar o desgaste físico de um aluno surdo ao tentar acompanhar uma aula com o recurso da leitura labial. Se está cansado ou entediado, o aluno ouvinte pode se espreguiçar, fechar os olhos, se sentar em diferentes posições, mas ainda permanece conectado ao professor e à aula por meio da audição. Esses pequenos momentos de alívio ou descanso podem fazer o surdo perder o que o professor está dizendo e não conseguir mais acompanhar a aula. Todos os surdos sabem língua de sinais? Dentre os alunos com necessidades educativas especiais que encontram maiores dificuldades no processo de inclusão, estão os surdos, pois o processo de ensinar e aprender ainda se sustenta quase que, exclusivamente, na comunicação oral. Como, no caso dos surdos, essa comunicação é, sensivelmente, prejudicada, a educação de surdos apresenta dificuldades e limitações, exigindo práticas pedagógicas diferenciadas que mudaram de modo radical, ao longo dos anos. Na atualidade, as discussões sobre a inclusão de surdos parecem apontar para a presença de intérpretes em sala de aula como resposta, senão para todas, pelo menos, para a maioria das dificuldades encontradas por esses sujeitos em uma escola inclusiva. Embora diferentes pesquisas destaquem que a educação de surdos exige muito mais do que a simples “tradução” de currículos, estratégias e metodologias pensadas para os ouvintes para a Libras, existe uma questão que antecede todas as outras, quando se trata da inclusão de surdos com a presença de intérpretes, a qual discutiremos agora: todos os surdos conhecem a língua de sinais? Não. A língua de sinais não é inata no surdo, da mesma forma que a língua oral não é para o ouvinte. A criança ouvinte aprende a falar pela interação com o meio em que vive. O ideal seria que isso acontecesse com a criança surda, ou seja, que ela adquirisse a sua primeira língua na interação com usuários dessa língua, inserida no meio familiar, e não mediante situações artificiais promovidas pela escola. Assim, a criança surda deve ser exposta o mais cedo possível a contatos com surdos sinalizadores, para que ela adquira a língua de sinais, que é a sua primeira língua (L1), de forma espontânea. Além disso, como os surdos vivem em um país que tem outra língua dominante, que, no casodo Brasil, é a Língua Portuguesa, “os documentos legais que garantem ao surdo o apoio, o uso e a difusão da Libras também são categóricos ao afirmarem que a mesma não poderá substituir a modalidade escrita da Língua Portuguesa” (CHAIBUE, 2010, p. 79). Como o desenvolvimento da primeira língua influencia a aprendizagem da segunda língua (L2), cujo aprendizado não acontece naturalmente, necessitando de um trabalho sistemático, é fundamental que o surdo adquira a Libras o mais cedo possível, para, então, aprender o português escrito, que deve ser ministrado em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental. Entretanto, segundo Quadros (2005), o contexto dos surdos no Brasil é totalmente atípico, pois eles aprendem a língua de sinais tardiamente e, apesar de essa ser a sua primeira língua (L1), ou língua natural, eles vivem em um país em que a oficial é a sua segunda língua (L2). Esse fato faz muitos surdos aprenderem, quase simultaneamente, a Libras e a Língua Portuguesa escrita, dificultando ambas as aprendizagens. SAIBA MAIS Segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, são 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, dos quais 9.772.163 possuem dificuldade permanente de ouvir, mesmo utilizando aparelho auditivo. Dentre essas pessoas, 347.481 pessoas são incapazes de ouvir; 1.799.885 pessoas possuem grande dificuldade de ouvir e 7.574.079 possuem alguma dificuldade para ouvir. Em todos os casos, considerou-se o uso de aparelhos auditivos. Para saber mais acerca desse assunto, leia o texto de Vera Garcia, intitulado “Veja os primeiros resultados do Censo 2010 sobre Pessoas com Deficiência”, na íntegra, no link: <https://www.deficienteciente.com.br/veja-os-primeiros-resultados-do-censo-2010- sobre-pessoas-com-deficiencia.html>. Acesso em: 26 out. 2018. SAIBA MAIS Em parceria com a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, lançou o material “História do movimento político das pessoas com deficiência”. Para saber mais acerca desse assunto, leia o texto, na íntegra, no link: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/historia-do-movimento- politico-das-pessoas-com-deficiencia-no-brasil>. Acesso em: 26 out. 2018. DICA DE LEITURA O livro “As imagens do outro sobre a cultura surda”, de Karin Strobel, proporciona ao leitor uma jornada pelo mundo dos surdos. Strobel é surda, pedagoga, doutora em Educação, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, e protagonizou muitas batalhas em defesa dos direitos das pessoas surdas. Nesse livro, ela resgata os discursos dos sujeitos surdos e, com propriedade, mostra ao leitor as vivências dos surdos em um mundo de ouvintes, quanto às dificuldades em se submeter à normalização imposta pela sociedade, sobretudo, no que se refere à língua. Ao terminar a leitura, caro(a) aluno(a), você terá construído outro olhar a respeito dos surdos. STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: EdUFSC, 2008. REFLITA Apresentamos, para a sua reflexão, uma frase atribuída a um surdo francês que viveu no século XIX, que extraímos do livro de Gesser (2009): “O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez é a da mente” (Ferdinand Berthier, 1854). CONSIDERAÇÕES FINAIS O caminho que trilhamos nesta última unidade começou com a contextualização do tema. Para isso, discutimos as transformações ocorridas na educação dos surdos, particularmente depois da década de 1980, decorrentes da mudança de concepção acerca da surdez, que, de patologia, como era entendida na época da hegemonia oralista, passou a ser concebida como uma “diferença linguística”, uma “experiência visual”. Essa mudança de concepção fica evidente nos documentos legais e, principalmente, na alteração da própria denominação de “deficiente auditivo” para “surdo”, com todos os conceitos correlatos: povo surdo, comunidade surda, cultura(s) e identidade(s) surdas. Demonstramos a importância da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo e social dos surdos. Além disso, promovemos a desconstrução de crenças e preconceitos a respeito dos surdos e da surdez, e evidenciamos que a utilização da Libras favorece o desenvolvimento cognitivo e social do aluno, assim como sua produção escrita. Desse modo, também é falsa a ideia de que utilizar sinais seria um fator complicador para a aprendizagem da língua oral. Conforme expõe Gesser (2009), as ações negativas quanto ao uso da língua de sinais estiveram e estão, em grande medida, atreladas aos seguidores da filosofia oralista. Muitos pesquisadores têm abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras línguas pelo surdo. Considerando-se que a relação do indivíduo surdo profundo com a língua oral é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de sinais é imprescindível para assegurar condições mais propícias nas relações intra e interpessoais que, por sua vez, constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas e sociais dos seres humanos (GESSER, 2009, p. 59). Quando discutimos a respeito das identidades surdas, destacamos que, para os surdos, ouvir é uma necessidade dos ouvintes, e não dos surdos, particularmente dos que nasceram surdos. Assim, a surdez não é considerada um castigo ou um grande tormento, principalmente quando os problemas de comunicação são resolvidos e a possibilidade de viver uma vida independente e plena é real. Nesse sentido, os surdos não se intimidam com sua surdez nem evitam o contato com os ouvintes, apesar da dificuldade de comunicação. Na verdade, os surdos que são bem resolvidos, que aceitam a surdez, têm orgulho de sua língua, cultura e de constituir uma comunidade na qual podem se comunicar sem problemas. Eles formam seu próprio mundo e se consideram uma minoria linguística e cultural em uma sociedade majoritária de ouvintes. Diferente de quando nos referimos aos moradores de um bairro, de uma favela, de um distrito de uma grande cidade como “pessoal da comunidade”, quando o assunto é comunidade de surdos, ela não ocupa um lugar determinado. Os surdos estão espalhados por toda a cidade, mas encontram formas criativas de se encontrar. Por fim, se pretendemos atuar profissionalmente por meio de uma perspectiva inclusiva ou, até mesmo, adotarmos uma atitude social que seja inclusiva, compreender os surdos e o seu mundo é fundamental. SAIBA MAIS Para conhecer mais alguns decretos vinculados à questão dos direitos das pessoas com deficiência, você pode pesquisar os seguintes textos: • Decreto nº 186/2008 – Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. • Decreto nº 6.215/07 – Institui o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência. • Decreto nº 6.571/08 – Dispõe sobre o atendimento educacional especializado. • Decreto nº 3.298/99 – Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. • Decreto nº 3.952/01 – Conselho Nacional de Combate à Discriminação. • Decreto nº 5.296/04 – Regulamenta as Leis nº 10.048 e 10.098, com ênfase na Promoção de Acessibilidade. • Decreto nº 3.956/01 – (Convenção da Guatemala) Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Os documentos disponíveis em: <http://portal.mec.gov.br/secretaria-de- educacao-especial-sp-598129159/legislacao>. Acesso em: 26 out. 2018. ATIVIDADES DE AUTOESTUDO ATIVIDADE OBJETIVA 1. Na atualidade, a Educação Especial é, explicitamente,considerada no Brasil, na perspectiva inclusiva, e regida pela PNEE de 2008, para que se efetive o atendimento às necessidades educacionais dos educandos, com a oferta, em contraturno, do Atendimento Educacional Especializado. Nesse sentido, avalie as seguintes afirmativas e a relação proposta entre elas. I. O Atendimento Educacional Especializado para o ensino de Libras oferece aulas de Libras, preferencialmente, com um professor/instrutor surdo. Porque: II. O professor surdo, por pertencer à comunidade surda, propaga e difunde sua cultura e serve de “modelo” para a construção da identidade do aluno surdo. Agora, assinale a alternativa correta. a) As afirmativas I e II são verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I. b) As afirmativas I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A afirmativa I é verdadeira, mas a II é falsa. d) A afirmativa I é falsa, mas a II é verdadeira. http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-especial-sp-598129159/legislacao http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-especial-sp-598129159/legislacao e) As afirmativas I e II são falsas. 2. Após muita luta e perseverança, os surdos brasileiros conseguiram o reconhecimento de sua língua, a Libras, e junto desse reconhecimento, questões como diferença linguística, cultura e identidade surdas também ganharam relevância. Nesse contexto, analise as afirmativas a seguir. I. A identidade surda constitui-se no interior da cultura surda e depende do convívio com outro surdo. II. Para entender a cultura surda, é necessário enxergar o surdo como diferente, e não como deficiente. III. Os surdos defendem sua própria escola, porque querem se tornar sujeitos da sua própria história. IV. Uma das maiores produções culturais dos surdos refere-se à língua de sinais, no Brasil, a Libras. Agora, assinale a alternativa correta. a) Todas as afirmativas estão corretas. b) As afirmativas I, II e III estão corretas. c) As afirmativas II, III e IV estão corretas. d) As afirmativas I, III e IV estão corretas. e) As afirmativas I, II e IV estão corretas. f) 3. A adoção da Libras constitui, sem dúvida, um avanço importante na educação dos surdos, pois minimiza um grande obstáculo em relação à aprendizagem desses indivíduos: a comunicação em sala de aula. Nesse contexto, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I. Com a oficialização da Libras como língua brasileira, a escolarização do surdo avançou muito e os surdos puderam se graduar em universidades e cursar pós- graduação. Porque: II. Conforme estabelecido pela Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a Lei da Libras, o surdo adquiriu o direito de ser educado em sua língua, sendo dispensado de aprender a Língua Portuguesa, em qualquer modalidade. Agora, assinale a alternativa correta. a) As afirmativas I e II são verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I. b) As afirmativas I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A afirmativa I é verdadeira, mas a II é falsa. d) A afirmativa I é falsa, mas a II é verdadeira. e) As afirmativas I e II são falsas. 4. Atualmente, os estudiosos admitem a existência de uma cultura surda, que é determinante para a construção da identidade da pessoa surda. Em relação a esse assunto, assinale a alternativa correta. a) A existência da cultura surda depende da língua de sinais. b) No oralismo, também existe a cultura surda. c) É fácil definir cultura surda. d) Os movimentos surdos são contrários à ideia da cultura surda. e) A cultura surda não está ligada ao Bilinguismo. f) 5. A Libras foi oficializada como língua brasileira após um longo período de lutas da comunidade surda. Essa oficialização ocorreu por meio: a) da Lei Federal nº 10.098, de 2000. b) do Decreto Federal nº 5.626, de 2005. c) da Lei Federal nº 10.436, de 2002. d) do Decreto nº 7.611, de 2011. e) A Lei nº 13.146, de 2015. REFERÊNCIAS BASTOS, C. L.; CANDIOTTO, K. B. B. Filosofia da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2007. BOTELHO, P. Linguagem e letramento na educação dos surdos: ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. 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Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>. Acesso em: 26 out. 2018. ______. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008. 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