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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. O patógeno .................................................................. 3 3. Epidemiologia .............................................................. 6 4. Fisiopatologia .............................................................. 7 5. Manifestações clínicas ............................................. 8 6. Diagnóstico ................................................................14 7. Tratamento .................................................................17 8. Conclusões .................................................................20 Referências bibliográficas ........................................21 3LEISHMANIOSE VISCERAL 1. INTRODUÇÃO O termo leishmaniose se refere às doenças causadas por protozoário do gênero Leishmania. Ela é transmitida pela picada da fêmea do mosquito flebótomo. Conforme a região, vários animais e até o homem pode atuar como reservatório. As manifestações clínicas da leishmaniose variam de acordo com a patogenicidade do pa- rasita (que difere entre espécies) e a resposta imune celular genetica- mente determinada pelo hospedeiro humano, podendo variar de assinto- máticas e autolimitadas à comprome- timento da pele e mucosas. PRINCIPAIS SÍNDROMES DA LEISHMANIOSE DOENÇA CLASSIFICAÇÃO LOCAIS QUE PODEM ACOMETER Leishmania Cutânea Baço Mucosa Fígado Medula óssea Tegumentar Visceral 2. O PATÓGENO A Leishmania é um parasita dige- nético com duas formas básicas. No homem e em outros animais, é en- contrada no interior de fagócitos mononucleares (macrófagos) sob a forma de amastigotas intracelulares. As fêmeas dos mosquitos servem como vetores. Elas ingerem macrófa- gos contendo amastigotas quando se alimentam do sangue de um reserva- tório contaminado. No intestino da fê- mea do mosquito, a Leishmania sofre 4LEISHMANIOSE VISCERAL uma transformação, tomando a forma de promastigotas,que são flagelados e extracelulares; até que, após várias etapas de diferenciação se transfor- mam em metacíclicos infecciosos, que irão migrar para o aparelho bucal do mosquito e são inoculados quando o flebótomo tenta se alimentar novam ente (figura 1). Figura 1 – Ciclo de vida da Leishmania. Cecil, 2012. A leishmania causa doenças que po- dem se apresentar de formas mui- to distintas, a depender do agen- te etiológico (subtipo específico de Leishmania) e da resposta imunoló- gica do paciente, sendo classificada como uma antropozoonose que pode se apresentar na forma cutânea loca- lizada, cutânea disseminada, cutânea difusa, mucocutânea e leishmaniose visceral (LV). O principal reservatório desse pro- tozoário no ambiente urbano é o ca- chorro (Canis familiaris), enquanto no ambiente rural normalmente os reservatórios são animais silvestres como raposas e marsupiais. Os veto- res da doença são mosquitos fêmeas hematófagos conhecidos como fle- botomíneos, que podem ser do gê- nero Phlebotomus no velho mundo e do gênero Lutzomyia no Novo Mun- do, como é o caso do Brasil, onde as principais espécies de vetores são o Lutzomiyia longipalpis e o Lutzomyia cruzi. A LV apresenta um período de incu- bação bastante variável tanto para o homem como para o cão. No homem varia de dez dias a vinte e quatro me- ses e no cão varia de três meses a vá- rios anos. Em relação ao período de transmissibilidade, o vetor poderá se infectar enquanto o parasitismo per- sistir na pele ou no sangue circulante dos reservatórios. 5LEISHMANIOSE VISCERAL CONCEITO! De forma simplificada, o ciclo da vida da Leishmania é resumido pela picada de um flebotomíneo infecta- do a um ser humano ou outro reserva- tório (mais comumente o cão),infectan- do-o com promastigotas de Leishmania que apresentam a capacidade de invadir macrófagos e sobreviver dentro deles. Nos macrófagos, a promastigota passa para a forma amastigota, se replicando e posteriormente infectando outros ma- crófagos. Quando o flebotomíneo pica um reservatório infectado pela Leishma- nia, ingere macrófagos infectados por amastigotas, que são então liberadas no intestino do flebotomíneo. As amastigo- tas passam então novamente à forma de promastigotas, e assim o ciclo da vida da Leishmania se reinicia. 3 meses a vários anos No homem No cachorro 10 dias a 1 ano Apresentação Cachorro Mosquitos Período de incubação Cutânea localizada Cutânea difusa Cutânea disseminada Mucocutânea Leishmaniose visceral Principal reservatório em ambiente urbano As fêmeas do gênero Lutzomyia são os principais vetores do Novo Mundo O PATÓGENO 6LEISHMANIOSE VISCERAL braziliensis. Outras espécies menos comuns são: L. guyanensis, L. lainso- ni, L. naiff. Os registros da OMS de 2015 indi- cam cerca de 200.000 novos casos de LV nesse ano, no entanto, acredi- ta-se que esses dados sejam muito subestimados, uma vez que a LV é uma doença endêmica de áreas po- bres, com assistência limitada à saú- de e problemas tanto na assistência quanto na notificação da doença, principalmente na África. A LV é uma doença de notificação compulsória no Brasil. Há ainda muitos casos assin- tomáticos que não são descobertos e notificados. Fatores de risco para infecção entre os moradores das áreas endêmicas são: idade < 5 anos, coinfecção pelo HIV ou outra forma de imunodeficiên- cia e desnutrição. 3. EPIDEMIOLOGIA A forma visceral (também conhecida como Kala-azar, palavra de origem indiana que significa febre negra, fa- zendo com que a doença ficasse po- pularmente conhecida como calazar no Brasil) é endêmica em 88 países, incluindo países da África, Ásia, Eu- ropa e América Látina. No Brasil, os estados com maiores prevalências de LV são MG, Bahia, Cerá, Piauí e Ma- ranhão. A doença predomina no meio periurbano. O agente etiológico é a Leishmania chagasi (sinônimo de L. Infantum). Na índia, China e na África o agente é a L. donovani. Em países do medi- terrâneo e norte da África é o L. in- fantum. Agentes etiológicos como o L. Tropica e L. mexicana são associa- dos à forma tegumentar da doença, mas há relatos de caso de leishma- niose visceral tendo esses agentes como causadores. A forma tegumentar é endêmica na América Latina. Brasil, Peru e Bolívia são responsáveis por 90% dos casos. No Brasil, a maior incidência é na re- gião Norte e Nordeste. No Brasil existem 6 espécies de Leishmania responsáveis pela doen- ça humana, e mais de 200 espécies de flebotomíneos implicados em sua transmissão. O mais prevalente é a L. 7LEISHMANIOSE VISCERAL Figura: Ilustração mostra a epidemiologia da Leishmaniose no Brasil. Fonte: https://www.vetsmart.com.br/cg/ estudo/13418/milteforan-o-unico-produto-aprovado-para-tratamento-da-leishmaniose-visceral-canina-no-brasil 4. FISIOPATOLOGIA LEISHMANIA VISCERAL A infecção é adquirida quando uma fê- mea de flebotomíneo inocula promas- tigotas em uma área exposta da pele, que pode formar um nódulo cutâneo, úlcera ou não ter nada (maioria dos casos). Os parasitas se convertem em promastigotas e se multiplicam no interior de fagócitos mononucleares e se disseminam através dos vasos linfáticos e do sistema vascular para outros fagócitos ao longo de todo o sistema reticuloendotelial. A maioria das infecções serão assintomáticas e autolimitadas, e a menor parte evolui para a leishmaniose visceral clássica (ou calazar). Alguns estudos acreditam que esta susceptibilidade é por uma associa- ção genética entre a leishmania e o gene SLC11A1 (regula a atividade do macrófago); assim como o polimor- fismo da IL-4. Sendo que o tipo de resposta imune montada contra o pa- tógeno determina as consequências da infecção: Resposta Th1 consegue conter o processo infeccioso de for- ma mais adequada, pois eles ativam os macrófagos através de citocinas 8LEISHMANIOSE VISCERAL como IL-12, IFN-gama e TNF-al- fa, levando a destruição das formas amastigotas intracelulares. Entretan- to, pacientes que secretam IL-10 tem umaresposta Th1 frustrada, evoluin- do com uma multiplicação desenfre- ada do parasita, compondo o quadro clínico no calazar. O parasita parece ter diversos me- canismos adaptativos para impedir o combate efetivo do organismo do hospedeiro contra ele. A Leishmania reduz a ativação das células T CD4+, reduzindo a reação inflamatória con- tra a infecção. Além disso, para serem capazes de sobreviverem e se repro- duzirem dentro dos macrófagos, as amastigotas impedem a produção de superóxido por parte do macrófago, bem como reduz a produção do óxido nítrico, importantes mecanismos de exposição à radicais livres para com- bate a microorganismos invasores. LEISHMANIA TEGUMENTAR A sequência de eventos é a seguinte: Inoculação pelos flebotomíneos Resposta granulomatosa Lesão cutânea Necrose na pele Ulceração O exame histopatológico revela in- flamação crônica e aguda, com alte- rações granulomatosas. Células mo- nonucleares do sangue periférico de individuas com leishmaniose cutâ- nea típica produzem interferon-y em resposta a antígenos de Leishmania in vitro, e os pacientes apresentam reação de hipersensibilidade do tipo tardio. Na lesão, parece haver um equilíbrio entre uma imunidade ce- lular protetora e uma exacerbadora da doença. Por fim, as células T com resposta Th 1 (ação pró-inflamató- ria) predominam e ocorre a cura da lesão, deixando uma cicatriz atrófica no local. As diferentes apresentações cutâneas parecem apresentar relação com o desenvolvimento de uma res- posta imunológica adequada. Apa- rentemente, pacientes com resposta imunológica inadequada (predomi- nantemente Th2), apresentam maior risco de apresentar a forma cutânea disseminada da doença. 5. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS LEISHMANIOSE VISCERAL: Estu- dos indicam que cerca que a maioria dos pacientes infectados pelo L. Infan- tum são assintomáticos (proporção 9LEISHMANIOSE VISCERAL de 4:1), sendo descobertos apenas através de testes sorológicos. No caso de pacientes sintomáticos, alguns autores dividem em: forma aguda e forma crônica. Basicamente, diz respeito ao tempo de evolução da doença. Na forma aguda, os sinto- mas mais comuns apresentados pe- los pacientes são febre alta, calafrios, diarreia (pode ser do tipo disenteria) e esplenomegalia até 5 cm do rebordo costal esquerdo (RCE). A forma crônica é a mais comum, co- nhecida como calazar clássico, cujas manifestações podem ser encontra- da na tabela 1. Esses pacientes apre- sentam sintomas com início insidioso no decorrer de meses, normalmente apresentando fadiga, febre, perda ponderal e esplenomegalia, que pode ser acompanhada por hepatomega- lia – normalmente menos significativa que a esplenomegalia. Esses pacien- tes podem apresentar dor abdominal em virtude da distensão da cápsula esplênica, principalmente em casos de evolução mais rápida. LEISHMANIA/ CARACTERÍSTICAS INCUBAÇÃO/ INICIO/ EVOLUÇÃO PRINCIPAIS SINTOMAS SINAIS LABORATÓRIO • Anemia(normocíti- ca-normocrômica); • Trombocitopenia, VISCERAL 8-11 Meses Incidioso / Crônico. Febre, mal-estar, anorexia, perda ponderal e aumento do volume abdominal. Esplenomegalia, hepatomegalia. Pode ter icte- rícia, epistaxe, gengivorrafia, petéquias. Além de edema e asci- te, causados pela hipoalbuminemia. • Leucopenia (po- dendo chegar à 1000/ml) às custas de neutro- penia (pode ter eosinopenia). • Gama-GT (9-10 • g/dl) • TGO, TGP (raro) • VHS e PCR • Presença de au- toanticorpos e imunocomplexos Tabela 1. Principais manifestações clínicas da Leishmania visceral. 10LEISHMANIOSE VISCERAL Com a progressão da doença, os pa- cientes podem se apresentar anêmi- cos (e hipocorados ao exame físico), emagrecidos, com ascite em virtude de hipoalbuminemia, podem apre- sentar até mesmo disfunção hepáti- ca, e como consequência, icterícia. Raramente, pacientes apresentam também acometimento do intestino, apresentando diarreia crônica. Em es- tágios tardios, esses pacientes tam- bém podem apresentar complicações hemorrágicas (hemoptise, sangra- mento gengival) em virtude de pla- quetopenia e redução dos fatores de coagulação. Cerca de 40% dos pacientes com LV apresentam algum grau de com- prometimento renal, sendo o achado mais comum a presença de proteinú- ria aumentada. Em uma pequena porção dos pacientes, é detectada também redução da taxa de filtração glomerular. Es- sas lesões pa- recem estar relacionadas a uma nefrite intersticial por imunocomplexos. Esse quadro costu- ma apresentar melhora espontânea com o tratamento da LV. Além disso, há associação entre a presença de LV e imunossupressão, com coinfecções bacterianas compli- cando o quadro clínico. O quadro da LV apresenta alta mortalidade, che- gando a 10% mesmo com tratamento adequado, apresentando mortalidade ainda maior em pacientes imunossu- pressos, principalmente aqueles com HIV, que representam cerca de 6% dos pacientes com LV no Brasil. Em virtude da alta prevalência des- se achado nos pacientes com LV, a esplenomegalia é um dos principais sintomas para guiar o médico no ra- ciocínio diagnóstico, pensando no diagnóstico diferencial das condições que causam esplenomegalia. Confira esse fluxo com algumas das princi- pais causas de esplenomegalia! 11LEISHMANIOSE VISCERAL PACIENTE COM ESPLENOMEGALIA PACIENTE COM ESPLENOMEGALIA Causas hematológicas Causas auto- imunes Causas infecciosas Miscelânea Leucemias e linfomas Infecções virais (CMV, EBV, parvovírus e etc.) Mielofibrose Leishmaniose visceral LES Doença de Gaucher Principais diagnósticos diferenciais para casos de esplenomegalia, um dos principais achados que guia a investigação diagnóstica dos pacientes com Leishma- niose visceral. ATENÇÃO! Fique atento! Em áreas endêmicas, pacientes com quadro de febre de evolução crônica, associada a perda ponderal devem ter a leishma- niose visceral listada como diagnósti- co diferencial, além de suspeitas mais comuns como tuberculose, neoplasias hematológicas e HIV. A presença de esplenomegalia aumenta significativa- mente a probabilidade de diagnóstico de Leishmaniose visceral. Outros diagnósticos diferenciais para pacientes com LV são esquistossomose, malária, linfoma e histoplasmose. Figura 1. Ilustração mostra paciente apresentando des- conforto abdominal, febre e fraqueza, alguns dos princi- pais sintomas da Leishmaniose visceral. Disponível em: https://www.tuasaude.com/sintomas-de-leishmaniose/ 12LEISHMANIOSE VISCERAL LEISHMANIOSE TEGUMENTAR: O período de incubação da Leishma- nia tegumentar é de 1-3 meses. A leishmaniose cutânea inclui diversas formas de variação pode ir desde cutâ- nea difusa, caracterizada por lesões cutâneas nodulares disseminadas, contendo um grande número de ma- crófagos infectados com amastigotas. Essas lesões nodulares não evoluem para úlceras, uma vez que a resposta Th1 protetora não se desenvolve de forma adequada e a síndrome persis- te indefinidamente; manifestando-se na forma de lesões destrutivas crôni- cas. Nas lesões típicas, que são úlce- ras indolores únicas, há evidência de uma resposta Th1 intensa, produção de IL-10 diminuída e baixa resposta exógena de IL-10. O mesmo paciente pode apresentar apenas uma ou múl- tiplas lesões cutâneas. Nas lesões ulceradas, pode ocorrer infecção bacteriana sobreposta, o que pode dificultar o diagnóstico clíni- co com base na morfologia da lesão. O diagnóstico diferencial é bastante extenso, por isso é muito importante buscar na história do paciente se ele mora em região endêmica da doença e questionar sobre como foi a evolu- ção da lesão. O diagnóstico diferen- cial inclui miíase cutânea, pioderma granuloso, impetigo, liquen simples crônico, malignidades cutâneas, úlce- ra tropical, tuberculose cutânea e di- versas outras lesões cutâneas. SE LIGA! O que define a manifestação cutânea da Leishmaniose é principal- mente a relação entre a resposta imuno- lógica do paciente e o grau de replicação da Leishmania. Pacientescom doença localizada apresentam baixa replica- ção do protozoário, em virtude de uma intensa resposta pró-inflamatória Th1, que ativa os macrófagos e reduz a pro- liferação da Leishmania. Pacientes com lesões difusas, normalmente não apre- sentam lesões ulcerativas, e sim nódulos nos quais há grande replicação dos pro- tozoários, em virtude de um predomínio de resposta Th2 e liberação de citocinas como o IL-4 e IL-10 que apresentam ações que reduzem a inflamação crô- nica, através de diversos mecanismos, como por exemplo uma menor ativação de macrófagos. Pacientes com imunodeficiências (a mais comum delas sendo em decorrên- cia de coinfecção pelo HIV) costumam apresentar resposta imunológica ina- dequada, e apresentam riscos maiores de desenvolver a forma disseminada da doença. 13LEISHMANIOSE VISCERAL FORMA CARACTERÍSTICAS CUTÂNEA Lesões únicas ou múltiplas indolores, que variam com a espécie e resposta imunológica. Começa como pápula eritematosa no local da picada dos flebótomos > nódulo > úlcera. Essa evolução costuma durar algumas semanas. As lesões podem ser úmidas ou secas (com crosta central). Essas lesões persistem por meses/anos e se curam espontaneamen- te. Alguns estudos sugerem que a L. braziliensis pode causar linfadenopatia regional, febre e esplenomegalia antes da lesão aparecer. CUTÂNEA DIFUSA Mais rara. Começa com uma pápula que não ulcera, formando múltiplos nódulos na face e extremidade. Progride lentamente e pode persistir por décadas. MUCOSA Pequena porcentagem dos infectados por L. braziliensis pode desenvolver essa forma. Atinge nariz, boca, faringe ou laringe. Geralmente aparece após meses/anos da cicatri- zação da primeira ulcera cutânea. As lesões se caracterizam por uma resposta granulo- matosa crônica que pode destruir septo nasal ou palato. A leishmaniose mucosa pode desenvolver formas mais graves da doença, passando a apresentar acometimento da laringe, que é indicado pela presença de rouquidão, tosse, odinofagia e até mesmo dis- túrbios ventilatórios obstrutivos. Tabela 2. Principais manifestações clínicas da Leishmania tegumentar Figura 2. Ilustração mostra paciente pediátrico apresentando forma mucosa da leishmaniose, associada a infecção bacteriana superposta. Fonte: Velozo, D., Cabral, A., Ribeiro, M., Motta, J., Costa, I. and Sampaio, R. (2019). Leishmaniose mucosa fatal em criança. 14LEISHMANIOSE VISCERAL Figura 3. Lesão Leishmania tegumentar curânea Cecil,2012. 6. DIAGNÓSTICO Apesar de não ser utilizado para fins diagnósticos, o teste intradérmico de Montenegro é usado para triagem. Ele é realizado com extrato de antí- genos da Leishmania (é semelhante ao PPD), que se baseia na “memó- ria imunológica” dos linfócitos Th1. O teste permanece positivo por anos, mesmo após a resolução do qua- dro. Entretanto, ele não é reativo em pessoas com Leishmaniose visceral. Possui melhor resultado na Leishma- nia tegumentar. Abaixo, falaremos mais especifica- mente sobre cada tipo: Leishmania visceral Faz-se uma suspeita diagnóstica pre- suntiva com base na clínica do pa- ciente, sendo mais difícil na fase ini- cial e em pacientes com AIDS, que apresentam quadro clínico atípico. Ou seja, pensar sempre em calazar se: Febre associada a esplenomegalia. A confirmação é feita pela presença dos amastigotas em tecidos ou com o isolamento de promastigotas em cultura. O aspirado do tecido pode ser realizado no baço (padrão ouro), medula óssea (menos sensível: 70%), fígado e linfonodos (quando aumen- tados). Para a cultura o meio mais uti- lizado é o NNN, Schneider e LIT, sen- do que leva cerca de 5-15 dias para as formas promastigotas se prolifera- ram e o exame positivar (sensibilida- de de 60%). REQUISITOS PARA REALIZAR ASPIRADO ESPLÊNICO: Esplenomegalia > 3 cm TP > 60% Plaquetopenia > 40 mil Pode-se eventualmente visualizar a Leishmania no esfregaço de sangue periférico, porém é pouco sensível (30%). Os testes sorológicos são úteis para triagem e apesar de muito sensíveis, são pouco específicos, ou seja, sem- pre deve-se confirmar o resultado 15LEISHMANIOSE VISCERAL positivo com a pesquisa direta do pa- rasita. Os testes sorológicos se tornam menos sensíveis naqueles pacientes que apresentam imunodeficiências primárias ou adquiridas. Testes mo- leculares também são utilizados, de- tectando o DNA da Leishmania, apre- sentando como vantagem o fato de identificar pacientes imunosupressos. Como foi descrito no quadro clínico, diversas alterações decorrentes da progressão da LV, causam alterações de diversos exames laboratoriais, como anemia normocítica e normo- crômica, neutropenia, eosinopenia, trombicitopenia, elevação de transa- minases, hipoalbuminemia e eleva- ção de bilirrubina. FIQUE ATENTO! Apesar dos testes sorológicos serem úteis na investiga- ção de pacientes com suspeita de LV, e apresentarem a vantagem de não serem invasivos, a biópsia deve ser realizada para confirmar o diagnóstico, através da presença de amastigotas. Os sítios em que a biópsia apresenta maior sensibili- dade para esse diagnóstico são medula óssea e baço. 16LEISHMANIOSE VISCERAL LEISHMANIOSE VISCERAL CLÍNICA DIAGNÓSTICO FISIOPATOLOGIA EPIDEMIOLOGIA Áreas endêmicas: oligossintomáticos Vetor: flebotomíneo Agente etiológico: Leishmania chagasi Acomete principalmente órgãos linfoides: baço, fígado, medula óssea, linfonodos Aspirado da medula óssea Pobreza e baixo nível socioeconômico Sexo masculino Criança < 10 anos Imunoensaios enzimáticos e imunofluorescência Teste de Montenegro Febre, palidez cutâneo-mucosa Hepatoesplenomegalia Emagrecimento progressivo e queda do estado geral Pancitopenia Anemias, infecções e hemorragias Negativo na fase ativa Não é diagnóstico. Apenas vigilância epidemiológica MAPA MENTAL SOBRE A LEISHMANIOSE VISCERAL 17LEISHMANIOSE VISCERAL Leishmania tegumentar Deve sempre ser considerada como possibilidade diagnóstica em casos de lesões cutâneas localizadas e crô- nicas. A confirmação é por meio da identificação das amastigotas no te- cido ou do crescimento em cultura de promastigotas. Para isto, a análise é feita através de realização de biopsia e aspirado da margem da lesão. Este material é utilizado para análise em lâmina e para cultura. A cultura é fei- ta no meio NNN e é pouco sensível (40%), demora semanas para ficar pronto. A sorologia tem sensibilidade de 75%. Os testes sorológicos ou de PCR para detecção da leishmaniose tegumentar podem ser utilizados de forma semelhante à da Leishmaniose visceral. 7. TRATAMENTO A anfotericina B lisossomal é a droga que apresenta maior eficácia e segu- rança terapêutica como monoterapia no tratamento da LV. Há ainda a op- ção de uso da anfotericina B desoxi- colato, no entanto, essa opção apre- senta mais efeitos colaterais, com destaque para a nefrotoxicidade. A ação clássica da anfotericina B é através da toxicidade contra a mem- brana celular fúngica, particularmente contra o ergosterol, uma molécula se- melhante ao colesterol que compõe a parede celular fúngica. No entanto, no caso da ação da anfotericina B con- tra a leishmaniose, isso ocorre atra- vés de outros mecanismos de ação. Estudos in vitro indicam que a anfo- tericina B apresenta capacidade de inibir a respiração celular dependente de oxigênio da forma amastigota, au- mento da permeabilidade da mem- brana celular da leishmania causando perda de moléculas importantes para o seu metabolismo. A anfotericina in- terefere, ainda, com o funcionamen- to do transporte ativo de substâncias importantes para o metabolismo do protozoário, causando efeitos impor- tantes como redução da eficácia do transporte de glicose do meio ex- tracelular para o meio intracelular. Através desse conjunto de ações, a anfotericina B é uma droga que apre- senta alta eficácia no tratamento da leishmaniose. Drogas pentavalentes antimoniais como o glucantime e pentostan fo- ram usadas por muito tempo como aprimeira linha de tratamento para Leishmaniose, no entanto, devido a menor toxicidade da anfotericina, o papel dessas drogas como primeira escolha na monoterapia tem caído. Efeitos colaterais importantes dessa droga é a alta incidência de flebite e até mesmo de trombose, problema este que é atenuado, mas não solucio- nado com a diluição da droga. O uso de acessos venosos centrais também não é suficiente para evitar o desen- volvimento de flebite. Além disso, há 18LEISHMANIOSE VISCERAL risco aumentado de desenvolvimento de pancreatite aguda, existindo indi- cação de dosagens 2 vezes por se- mana da amilase sérica e interrupção do uso dos antimoniais em caso de elevação da amilase acima de 4 ve- zes o valor de referência. Alguns autores indicam ainda o uso de monitorização eletrocardiográfica durante a infusão da droga, em vir- tude do risco de arritmias cardíacas, que normalmente são rapidamen- te revertidas com a interrupção da administração dos antimoniais. Ou- tros efeitos colaterais comuns, no en- tanto menos graves, são náuseas, dor muscular, astenia e cefaleia. Outras drogas aprovadas para uso na leishmaniose são a paromomicina, miltefosina e isetionato de pentamidi- na. Essas drogas são menos utiliza- das do que a anfotericina B e que os pentavalentes antimoniais. A combi- nação de drogas pode ser necessária em casos de Leishmania resistente, o que não é comum no nosso meio. LEISHMANIA TRATAMENTO VISCERAL Realizar internamento para terapia. • - Primeira escolha: Anfotericina B (desoxicolato ou lipossomal), sendo a desoxi- colato 1ª escolha em pacientes com HIV, e a lipossonal 1ª escolha em > 50 anos, portadores de transplante hepático, renal e/ou cardíaco, portadores de insuficiência renal crônica e nas gestantes. A dose da anfotericina lisossomal cumulativa deve ser de 20mg/kg, no entanto, existem diversos esquemas com diferentes durações, não existindo evidência de aumento de eficácia entre eles desde que se mantenha a dose final de 20mg/kg. • - Segunda escolha: Antimoniais pentavalentes (Glucantime ou Pentostan) 20 mg/ Kg/dia, IV ou IM, por 20-30 dias. TEGUMENTAR Semelhante ao tratamento para a forma visceral. • Primeira escolha: antimonial pentavalente (Glucantime), 15 mg/kg/dia de antimônio (formas cutâneas puras) ou 20 mg/kg/dia (formas cutaneomucosas), via IM ou IV, por 10-30 dias. • Outras opções: Anfotericina B 25-50 mg/dia, IV, até completar a dose cumulativa de 1.200- 2.000 mg do antibiótico OU Pentamidina 4 mg/kg, IV, a cada dois dias (mais eficaz para a Leishmania guyanensis). 19LEISHMANIOSE VISCERAL Tratamento: • Glucatime • Pentostan • Anfotericina B lipossomal VISCERALLEISHMANIOSETEGUMENTAR Apresentação clínica: • Febre irregular e de longa duração; • Hepatoesplenomegalia e linfadenopatia; • Anemia com leucopenia • Hipergamaglobulinemia • Edema, emagrecimento e caquexia. Apresentação clínica: • Lesão na derme com invasão de mucosa e cartilagem; • Acomete nariz, boca, laringe e faringe; • Lesão mucosa costuma surgir após resolução da lesão de pele. Apresentação clínica: • Lesão confinada à derme; • Única ou múltiplas; • Lesão pode variar conforme a espécie infectante. Principais agentes: • L. braziliense • L. guyanensis • L. chagasi Principais agentes: • L. lodovani • L. chagasi • L. infantum Muco-cutânea Cutânea Diagnóstico: • Clínica compatível em localidade endêmica; • Confirmação laboratorial por aspirado de baço ou medula óssea. Diagnóstico: • Clínica compatível em localidade endêmica • Biópsia da borda da lesão • Sorologias costumam ser negativas FLUXOGRAMA SOBRE A LEISHMANIOSE VISCERAL E TEGUMENTAR 20LEISHMANIOSE VISCERAL 8. CONCLUSÕES A patogênese da leishmaniose está fortemente relacionada a resposta imune. Enquanto que na Leishma- niose visceral a IL-10 tem um papel importante na Supressão da res- posta imune e, consequentemente no desenvolvimento da doença, na Leishmaniose cutânea e mucosa, a resposta imune é exagerada e asso- ciada a dano tecidual; Na Leishmaniose cutânea e muco- sa, o desenvolvimento, tamanho da lesão e a intensidade do processo inflamatório, são associados à ativa- ção celular e produção de TNF e INF GAMA; A resposta imune inata (Capacidade microbicida de macrófagos e monóci- tos) tem papel importante no controle da infecção em indivíduos infectados por L. Brasilienses; Macrófagos e células T ativadas atra- vés da produção de citocinas pró-in- flamatórias participam da patogêne- se, sendo danosos ao tecido- lesões teciduais. 21LEISHMANIOSE VISCERAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cecil, Tratado de Medicina Interna , 25ª Ed., 2016. Cecil, Tratado de Medicina Interna , 24ª Ed., 2012. Harrison Medicina Interna, 19ª Ed., 2015. Gazeta médica da Bahia. 2005; 75:1(Jan-Jun):3-1 Nota Técnica nº 52/2011. Ministério da Saúde, Brasil. Kumar Saha, A., Mukherjee, T. and Bhaduri, A. (1986). Mechanism of action of amphotericin B on Leishmania donovani promastigotes. Molecular and Biochemical Parasitology, 19(3), pp.195-200. UptoDate, Aronson N.,Cutaneous leishmaniasis: Clinical manifestations and diagnosis. UptoDate, Bern C., Visceral leishmaniasis: Epidemiology and control. UptoDate, Bern C., Visceral leishmaniasis: Treatment. 22LEISHMANIOSE VISCERAL
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