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CAQUEXIA DO CÂNCER: PROPOSTA DE UM NOVO MÉTODO DE AVALIAÇÃO PARA A PRÁTICA CLÍNICA Emanuelly Varea Maria Wiegert Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Nutrição do Instituto de Nutrição Josué de Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em Ciências Nutricionais. Orientadora: Profa. Dra. Wilza Arantes Ferreira Peres Coorientadora: Profa. Dra. Márcia Soares da Mota e Silva Lopes Rio de Janeiro Abril/2020 12 Wiegert, Emanuelly Varea Maria W645c Caquexia do câncer: proposta de um novo método de avaliação para a prática clínica / Emanuelly Varea Maria Wiegert. --Rio de Janeiro: UFRJ/INJC, 2020 XXII, 173 p.: il; 29,7 cm Orientadora: Wilza Arantes Ferreira Peres. Coorientador: Márcia Soares da Mota e Silva Lopes. Tese (doutorado) – UFRJ/INJC/Programa de Pós- graduação em Nutrição, 2020. Referências Bibliográficas: p. 135-145. 1. Avaliação nutricional. 2. Caquexia. 3. Neoplasia. 4. Cuidados paliativos. 5. Prognóstico. I. Peres, Wilza Arantes Ferreira et al., orient. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, INJC, Programa de Pós-graduação em Nutrição. III. Caquexia do câncer: proposta de um novo método de avaliação para a prática clínica. 13 CAQUEXIA DO CÂNCER: PROPOSTA DE UM NOVO MÉTODO DE AVALIAÇÃO PARA A PRÁTICA CLÍNICA Emanuelly Varea Maria Wiegert TESE DE DOUTORADO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NUTRIÇÃO DO INSTITUTO DE NUTRIÇÃO JOSUÉ DE CASTRO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS NUTRICIONAIS. Examinada por: ______________________________________________ Profa. Wilza Arantes Ferreira Peres (Presidente) Doutora em Clínica Médica - UFRJ Instituto de Nutrição Josué de Castro Orientadora ______________________________________________ Profa. Márcia Soares da Mota e Silva Lopes Doutora em Ciências Biológicas - UFRJ Instituto de Nutrição Josué de Castro Coorientadora ______________________________________________ Profa. Eliane Lopes Rosado (Revisora) Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos - UFV Instituto de Nutrição Josué de Castro Examinadora titular ______________________________________________ Profa. Avany Fernandes Pereira Doutora em Ciências dos Alimentos - USP Instituto de Nutrição Josué de Castro Examinadora titular 14 ________________________________________________ Profa. Anke Bergmann Doutora em Saúde Pública - FIOCRUZ Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva Examinadora titular _________________________________________________ Profa. Renata Brum Martucci Doutora em Ciência de Alimentos - UFRJ Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva Examinadora titular _________________________________________________ Profa. Diana Borges Dock Nascimento Doutora em Ciências - USP Universidade Federal de Mato Grosso / Faculdade de Nutrição Examinadora titular RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL ABRIL/2020 15 A Deus, toda honra e toda glória. Ao meu esposo Gustavo, pessoa cоm quem аmо compartilhar а vida. Obrigado por acreditar е sonhar comigo. Aos meus filhos Gabriel, Valentina e Felipe, minhas inspirações a prosseguir. 16 AGRADECIMENTOS A Deus, dono de toda sabedoria e poder. Obrigado pelo privilégio da vida e de exercer a profissão que escolhi com dedicação e amor! A minha amada família pelo apoio incondicional. Ao meu esposo Gustavo, por seu amor, mansidão, companheirismo e por ter compreendido meus momentos de ausências e renúncias. A minha extraordinária mãe Cida, por ser este exemplo de mulher virtuosa, determinada e perseverante, você me inspira. Ao meu pai Laércio (in memoriam) saudades das nossas conversas, do seu carinho, bom humor e cuidado. Aos meus filhos Gabriel (meu Ruru), Nina e Lipe, gratidão eterna pela dádiva de ser vossa mãe e de desfrutar de um amor tão pleno e transformador! Ao meu primogênito Gabriel... tenho orgulho da nossa história, você me motivou a nunca desistir, juntos combatemos o bom combate, completamos a carreira e guardamos a fé. A minha querida orientadora e amiga professora Wilza Peres, por seus ensinamentos, generosidade em compartilhar o sentido da vida de pesquisadora е pela confiança ао longo dessa caminhada. A minha coorientadora Márcia Soares, pelo carinho em acolher minhas ideias e dúvidas e por todas as palavras de incentivo. A vocês, não bastaria um muitíssimo obrigado! Às mulheres maravilhas e amigas Larissa e Livia, que muito me incentivaram e auxiliaram com disponibilidade, dedicação e carinho durante a construção desta pesquisa. Gratidão por acreditarem e sonharem comigo! A todos participantes do grupo de pesquisa NutriPali, sem vocês nada seria possível, recebam toda a minha admiração. Em especial, a Natália Borges, por acreditar e ser terreno fértil quanto tudo era apenas semente. Às minhas queridas amigas Liziane e Ignez, que dividiram comigo muitos momentos de angústia, acolhendo estes momentos como apenas os grandes amigos são capazes de fazer. A direção e toda equipe do HC IV pelo incentivo, sensibilidade e acolhimento, que certamente fazem desta instituição um centro de referência na assistência em cuidados paliativos oncológicos. Agradeço sincera e profundamente a todos vocês que são exemplos de seres humanos. Em especial, as nutricionistas do HC IV... Ig, Livis, Lara, Karlinha, Rô, Mari, Vê e Djanir pela amizade e carinho. Vocês serão sempre os melhores exemplos de profissionais para mim! Saibam que é um imenso privilégio fazer parte desta família. Nunca terei como lhes agradecer pelo apoio, compreensão e respeito. Aos membros da banca examinadora, por aceitarem prontamente o convite para participar da defesa e por contribuírem de maneira dedicada e especial para o aprimoramento desta tese. Em especial, a professora Eliane Rosado, por sua generosidade e por ter participado de tantos momentos importantes durante a trajetória do doutorado. Aos pacientes do INCA e seus familiares, por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar... Mas, o mar seria menor se lhe faltasse uma gota. Gratidão por me ensinarem todos os dias. 17 Não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si É sobre saber que em algum lugar alguém zela por ti É sobre cantar e poder escutar mais do que a própria voz É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós É saber se sentir infinito Num universo tão vasto e bonito, é saber sonhar Então fazer valer a pena Cada verso daquele poema sobre acreditar Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações E assim ter amigos contigo em todas as situações A gente não pode ter tudo Qual seria a graça do mundo se fosse assim? Por isso, eu prefiro sorrisos E os presentes que a vida trouxe pra perto de mim Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar E sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais Porque quando menos se espera a vida já ficou pra trás Segura teu filho no coloSorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui Que a vida é trem-bala, parceiro E a gente é só passageiro prestes a partir Letra da música: Trem Bala (Compositora: Ana Vilela) 18 RESUMO WIEGERT, Emanuelly Varea Maria. Caquexia do câncer: proposta de um novo método de avaliação para a prática clínica. Rio de Janeiro, 2020. Tese (Doutorado em Ciências Nutricionais) - Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Orientadoras: Profa. Dra. Wilza Arantes Ferreira Peres Profa. Dra. Márcia Soares da Mota e Silva Lopes A determinação da caquexia do câncer (CC) é complexa devido sua fisiopatologia e etiologia multifatorial. Por essa razão, seu diagnóstico pressupõe a avaliação de vários domínios, o que torna sua identificação e classificação desafiadora na prática clínica. A escolha do método de avaliação da CC mais adequado, com facilidades metodológicas e que possa ser incorporado na rotina da assistência oncológica é fundamental para alocar os pacientes nos estágios mais próximos possíveis do clinicamente ideal considerando a gravidade da doença. Cada estágio da CC deve identificar um fenótipo específico permitindo o planejamento individualizado dos cuidados. O objetivo principal da presente tese foi desenvolver um novo método para a classificação da CC e verificar sua aplicabilidade clínica em indivíduos com câncer avançado. A casuística foi constituída por dados de uma coorte prospectiva de pacientes avaliados consecutivamente no primeiro atendimento na unidade de cuidados paliativos do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. O período total de captação dos participantes ocorreu de julho de 2016 a março de 2019. Ao todo, foram incluídos 1.614 pacientes. Para desenvolver o método de classificação da CC foram realizadas análises de regressão logística para identificar os fatores explicativos mais importantes associados à síndrome. Em seguida, a partir das variáveis explicativas selecionadas, foi empregada a análise de clusters com objetivo de determinar quantos grupos distintos da CC eram possíveis de serem identificados. Após a determinação dos grupos (clusters), foram verificados os fatores independentes associados aos mesmos e seus respectivos pontos de corte por meio de regressão logística ordinal e construção de curvas ROC (receiver operator characteristic), respectivamente. O novo método proposto permite classificar os pacientes em três estágios: pré-caquéticos, caquéticos e caquéticos refratários de acordo com a combinação dos seguintes fatores: a) porcentagem 19 de perda de peso corporal nos últimos seis meses, b) massa muscular, avaliada por meio da área muscular do braço corrigida e c) concentração sérica de proteína C reativa. Pode- se observar que a gravidade da CC, avaliada por meio do método desenvolvido, foi relacionada a pior qualidade de vida (QV), menores valores médios de força muscular, maior prevalência de baixa massa muscular esquelética, probabilidade de sobrevida reduzida e maior risco de óbito em 90 dias. Em conclusão, o sistema de classificação da CC desenvolvido propõe o uso de indicadores simples e facilmente disponíveis na prática clínica, permitindo discriminar adequadamente os pacientes em três grupos distintos de risco em relação todos os desfechos avaliados incluindo prognóstico e QV. Palavras-chave: Estado nutricional; avaliação nutricional; caquexia; neoplasia; cuidados paliativos; prognóstico. 20 ABSTRACT WIEGERT, Emanuelly Varea Maria. Cancer cachexia: proposal for a new assessment method for clinical practice. Rio de Janeiro, 2020. Thesis (PhD degree in Nutrition Science) - Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Advisors: Profa. Dra. Wilza Arantes Ferreira Peres Profa. Dra. Márcia Soares da Mota e Silva Lopes The determination of cancer cachexia (CC) is complex due to its pathophysiological and multifactorial etiology. For this reason, its diagnosis requires the evaluation of several domains which makes its identification and classification challenging in clinical practice. The choice of the most appropriate CC assessment method with methodological facilities and that can be incorporated into the oncology care routine is important to allocate patients in the closest possible stages to the clinically ideal considering the severity of the disease. Each stage of CC should identify a specific phenotype, thus permitting individualized care planning. The main objective of this thesis was to develop a new method for the classification of CC and to verify its clinical applicability in individuals with advanced cancer. The sample consisted of data from a prospective cohort of patients evaluated consecutively in the first visit to the palliative care unit of the National Cancer Institute José Alencar Gomes da Silva, in the city of Rio de Janeiro, Brazil. The total participants collection period was from July 2016 to March 2019. A total 1,614 patients were included. To develop the CC classification method, logistic regression analyzes were performed to identify the most important explanatory factors associated with the syndrome. Then, based on the selected explanatory variables, cluster analysis was employed to determine how many different groups of CC could be identified. After determining the groups (clusters), the independent factors associated with them and their respective cut-off points were verified by ordinal logistic regression and construction of ROC (receiver operator characteristic) curves, respectively. The new proposed system can classify patients into three stages: pre-cachectic, cachectic and refractory cachectic according to the combination of the following factors: a) percentage of weight loss in the last six months, b) muscle mass, assessed by mid-upper-arm muscle area, and c) serum concentration of C-reactive protein. It can be observed that the severity 21 of CC, assessed using the developed method was related with poorer quality of life (QoL), lower mean values of muscle strength, higher prevalence of low skeletal muscle mass, reduced probability of survival, and higher risk of 90-day mortality. In conclusion, the CC classification system proposes the use of simple and easily available indicators in clinical practice, permitting to adequately discriminate patients in three different risk groups in relation to all evaluated outcomes measures including prognostic and QoL. Keywords: Nutritional status; nutritional assessment; cachexia; neoplasms; palliative care; prognosis. 22 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1. Principais critérios diagnósticos da caquexia do câncer............................... 42 Quadro 2. Classificação das variáveis avaliadas por objetivo de análise....................... 57 Manuscrito 1 Table 1. Description of included studies……………………………………………. 80 Manuscrito 2 Table 1. Criteria for cancer cachexia diagnosis as described by Wallengren et al. [10], Blum et al. [11], and Vigano et al. [12] and its translation to our study methods……………………………………………………………… 99 Table 2. Descriptive characteristics of the advanced cancer patients (n= 1,041)…. 100 Table 3. Differences between cancer cachexia stages as defined by different diagnostic criteria…………………………………………………………. 102 Table 4. Multivariate analysis describing independent factors associated with cancer cachexia as classified by different diagnostic criteria…………….. 104 Table 5. Cox regression analysis of association between cancer cachexia by different diagnostic criteria and survival in advanced cancer patients (n=1,041)………………………………………………………………………. 106 Manuscrito 3 Table 1. Demographics and clinical characteristics of incurable cancer patients (n= 621)…………………………………………………………………..... 122 Table 2. Ordinal logistic regression of the independent factors associated with cancer cachexia groups created according to the cluster analysis (n= 621)……………………………………………………………………….... 123 Table 3. Cut-off points and accuracy measurements of the independent factors associated with cachexia groups created according to the cluster analysis (n= 621)……………………………………………………………………. 124 Table 4. Differences according to different cachexia groups classified by the new cancer cachexia system (n= 621)………………………………………….. 124 23 Table 5. Ordinal logistic regression of independent factors for quality of life according to the severity of cancer cachexia (n= 619)…………………… 126 Supplementary table 1. Logistic regression analysis describing factors associated with cancer cachexia as classified by different diagnostic criteria (n= 1,136)………………….. 131 Supplementary table 2. Ordinal logistic regression of the cut-off points of the independent factors associated with cachexia groups created according to the cluster analysis (n= 621)………………………………………………………………........ 132 24 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Mecanismos envolvidos na fisiopatologia da caquexia do câncer.............. 32 Figura 2. Representação geral do processo de seleção das amostras do estudo......... 48 Manuscrito 1 Figure 1. Search strategy in the electronic database………………………………. 76 Figure 2. Flow diagram of study selection process………………………………… 77 Supplementary figure 1. Quality assessment by using the Newcastle-Ottawa Scale for the included studies…………………………………………………………... 78 Figure 3. Summary of studies reporting the prevalence of low muscle mass in incurable cancers………………………………………………………… 79 Manuscrito 2 Figure 1. Overlap between cachexia as defined by A) Wallengren et al. [10], B) Blum et al. [11], and C) Vigano et al. [12] in patients with advanced cancer in palliative care………………………………………………….. 101 Manuscrito 3 Figure 1. A new cancer cachexia staging system…………………………………… 127 Figure 2. Differences in mean values of muscle strength (A) (n= 610) and differences in prevalence of low skeletal muscle index (SMI) (B) by the sex-specific cut-off [26] (n= 137) among male and female patients according different cancer cachexia stages……………………………… 128 Figure 3. Kaplan Meier survival curves according to the cancer cachexia stages (n= 621)………………………………………………………………….. 129 Supplementary figure 1. Flow chart of study selection……………………………………………... 130 25 LISTA DE ANEXOS Anexo 1. Termo de consentimento livre e esclarecido............................................... 150 Anexo 2. Parecer do comitê de ética em pesquisa...................................................... 154 Anexo 3. Publicação do manuscrito 1......................................................................... 163 Anexo 4. Submissão do manuscrito 2......................................................................... 172 Anexo 5. Submissão do manuscrito 3......................................................................... 173 26 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AJ: Altura do joelho AMBC: Área muscular do braço corrigida ANOVA: Análise de variância ASG-PPP: Avaliação subjetiva global produzida pelo paciente BRASPEN: Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral CA: Caquéticos CAR: Caquéticos refratários CASCO: The cachexia score CC: Caquexia do câncer CRP: C-reactive protein Cm: Centímetros CMB Circunferência muscular do braço CI: Confidence interval DCT: Dobra cutânea tricipital DXA: Absorciometria de duplo feixe de raios X ECOG PS: Eastern cooperative oncology group performance status EPGm: Escore prognóstico de Glasgow modificado ESAS: Edmonton symptom assessment system EUA: Estados Unidos da América FPM: Força de preensão manual GRADE: Grading of recommendations, assessment, development and evaluation GLIM: Global leadership initiative on malnutrition HC IV: Hospital de Câncer IV HR: Hazard ratio IBNO: Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica IL1: Interleucina 1 IL6: Interleucina 6 ITFγ: Interferon γ IMC: Índice de massa corporal IMME: Índice de massa muscular esquelética 27 INCA: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva Kg: Quilograma KPS: Karnofsky performance status MUAMA: Mid-upper-arm muscle area NCA: Não caquético OR: Odds ratio OS: Overall survival PB: Perímetro do braço PCA: Pré-caquéticos PPA: Perímetro da panturilha PCR: Proteína C reativa PS: Performance status PP: Perda de peso QV: Qualidade vida QoL: Quality of life RNL: Razão neutrófilos-linfócitos RPL: Razão plaquetas-linfócitos ROC: Receiver operator characteristic SARC-F Strength, assistance in walking, rise from a chair, climb stairs falls SPSS: Statistical package for the social sciences STATA: Stata data analysis and statistical software TCLE: Termo de consentimento livre e esclarecido TC: Tomografia computadorizada TNFα: Fator de necrose tumoral α UCP: Unidade de cuidados paliativos WL: Weight loss WHO: World health organization 28 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO……………………………………………………... 19 1. INTRODUÇÃO........................................................................................ 21 2. REVISÃO DA LITERATURA............................................................... 24 2.1 Estado nutricional e câncer avançado........................................................ 24 2.2 Caquexia do câncer.................................................................................... 27 2.2.1 Definição e epidemiologia.............................. ........................................... 27 2.2.2 Fisiopatologia............................................................................................. 30 2.2.3 Implicações clínicas................................................................................... 33 2.3 Critérios diagnósticos da caquexia............................................................. 35 3. JUSTIFICATIVA..................................................................................... 43 4. HIPÓTESES............................................................................................. 44 4.1 Manuscrito 2............................................................................................... 44 4.2 Manuscrito 3............................................................................................... 44 5. OBJETIVOS............................................................................................. 45 5.1 Objetivo principal.................................................................................... 45 5.2 Objetivos específicos................................................................................. 45 6. MÉTODOS............................................................................................ 47 6.1 Delineamento e local do estudo.................................................................. 47 6.2 Participantes da pesquisa............................................................................47 6.3 Aspectos éticos........................................................................................... 48 6.4 Tamanho amostral...................................................................................... 49 6.5 Coleta de dados.......................................................................................... 49 6.5.1 Variáveis sociodemográficas...................................................................... 49 6.5.2 Medidas antropométricas........................................................................... 49 6.5.3 Força de preensão manual.......................................................................... 52 6.5.4 Avaliação subjetiva global produzida pelo paciente.................................. 52 6.5.5 Avaliação da composição corporal............................................................. 53 6.5.6 Karnofsky performance status.................................................................... 54 6.5.7 Edmonton symptom assessment system…………………………….......... 54 6.5.8 Qualidade de vida....................................................................................... 54 6.5.9 Exames laboratoriais.................................................................................. 55 29 6.6 Sobrevida.................................................................................................... 56 6.7 Classificação das variáveis analisadas....................................................... 56 6.8 Análises dos dados..................................................................................... 57 6.8.1 Programa estatístico................................................................................... 57 6.8.2 Análises exploratórias básicas.................................................................... 57 6.8.3 Análises do manuscrito 2........................................................................... 58 6.8.4 Análises do manuscrito 3........................................................................... 58 6.9 Qualidade dos dados................................................................................... 60 7. RESULTADOS…………………………………………………………. 62 7.1 Manuscrito 1: Association Between Low Muscle Mass and Survival in Incurable Cancer Patients: A Systematic Review………………………. 63 7.2 Manuscrito 2: Cancer Cachexia: Clinical Relevance of the Diagnostic Criteria in Patients with Advanced Cancer……………………………... 84 7.3 Manuscrito 3: Proposal and Applicability for a New Cancer Cachexia Staging System for Use in Clinical Practice…………………………….. 107 8. CONCLUSÃO.......................................................................................... 133 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 134 REFERÊNCIAS....................................................................................... 135 APÊNDICE A. Instrumento de coleta de dados referente ao estudo: Diagnóstico nutricional diferencial e qualidade de vida de pacientes com câncer avançado em cuidados paliativos.................................................... 146 ANEXOS................................................................................................... 150 19 APRESENTAÇÃO A presente tese teve como objetivo principal desenvolver um método para a classificação da caquexia do câncer (CC) e avaliar sua relação com desfechos clínicos em indivíduos com doença avançada. A determinação do método de avaliação da CC mais adequado para utilização na prática clínica, com facilidades metodológicas, e que possa ser incorporado na rotina da assistência oncológica é um tema que deve ser discutido com objetivo de melhorar o diagnóstico da síndrome e fornecer dados epidemiológicos ainda escassos na literatura. Ademais, dada a existência de evidências científicas que apontam o estado nutricional como um fator potencialmente modificável, a identificação dos indicadores e estágios de relevância clínica da CC poderá direcionar o planejamento dos cuidados e subsidiar o aconselhamento nutricional individualizado e o tratamento especializado. Os dados amostrais deste estudo fazem parte de um projeto maior denominado “Diagnóstico nutricional diferencial e qualidade de vida de pacientes com câncer avançado em cuidados paliativos” em desenvolvimento na unidade de cuidados paliativos do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, na cidade do Rio de Janeiro. Este projeto conduzido sobre a responsabilidade do grupo de pesquisa NutriPali, do qual sou uma das idealizadoras, foi concebido com o objetivo de fortalecer a assistência nutricional como parte integrante dos cuidados a serem dispensados aos pacientes com câncer avançado no país. De acordo com os resultados parciais obtidos nesta pesquisa, foram produzidos dois, dos três manuscritos, que constituem a presente tese. Embora independentes, os manuscritos abordam a temática do diagnóstico nutricional e sua aplicabilidade prática na assistência oncológica proveniente de uma reflexão sobre a relevância da atenção nutricional neste contexto. Os três manuscritos foram formatados de acordo com as normas dos periódicos que foram submetidos. O primeiro intitulado "Association Between Low Muscle Mass and Survival in Incurable Cancer Patients: A Systematic Review" foi publicado no periódico Nutrition e explorou os resultados de estudos que analisaram a associação entre baixa massa muscular e sobrevida em pacientes com câncer incurável por meio de uma revisão sistemática da literatura. O segundo denominado “Cancer Cachexia: Clinical Relevance of the Diagnostic Criteria in Patients with Advanced Cancer”, enviado o periódico Nutrition, comparou três diferentes critérios diagnósticos da CC publicados na literatura e avaliou a relevância clínica dos mesmos. Por fim, o terceiro manuscrito 20 nomeado “Proposal and Applicability for a New Cancer Cachexia Staging System for Use in Clinical Practice” foi submetido ao Journal of Parenteral and Enteral Nutrition e teve como objetivo desenvolver um novo método para a avaliação da CC que permitisse discriminar adequadamente os estágios de gravidade (por meio de uma metodologia até então não utilizada por outros autores na literatura com esta finalidade) e avaliar sua relação com desfechos clínicos em pacientes com câncer avançado. Os resultados acima descritos, além de motivados pela necessidade premente de estabelecer um critério diagnóstico da CC direcionado à uma população específica, poderão trazer contribuições ao conhecimento atual do tema que certamente extrapolam sua concepção, ora traduzidas nas palavras de Laviano e Fearon (2013): “[...] produzir evidências é a melhor estratégia para chamar a atenção para problemas nutricionais... a integração e o reconhecimento dos cuidados nutricionais como terapêutica adjuvante no atendimento de rotina de pacientes com câncer ainda deve ser alcançado, entretanto para isso devemos começar a refletir sobre nossa abordagem aos colegas de outras especialidades que não estão familiarizados com questões relacionadas à nutrição... estabelecer um linguagem comum deve ser o primeiro passo levado em consideração pela comunidade nutricional para atender as necessidades destes pacientes... que deve trabalhar para harmonizar definições e desenvolver sólidos, reproduzíveis e confiáveis marcadores de estado nutricional, a fim de definir e padronizar o que é realmente importante de ser medido [...]” 21 1. INTRODUÇÃO O câncer é reconhecido como um problema de saúde pública mundial e segundo dados da World Health Organization(WHO), foi responsável por 9,6 milhões de óbitos em 2018, constituindo a segunda principal causa de mortalidade no mundo. Globalmente, uma em cada seis mortes estão relacionadas a doença e aproximadamente 70% ocorrem em países de baixa e média renda (BRAY et al., 2018). No Brasil, conforme estimativas do Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA) para o triênio 2020/2022 serão aproximadamente 625.000 casos incidentes (BRASIL, 2019). O diagnóstico tardio e o tratamento inacessível do câncer são comuns, notadamente, nos países em desenvolvimento como o Brasil (WHO, 2020). De acordo com a WHO (2020) os cuidados paliativos se destacam como uma necessidade primordial a ser incorporada no atendimento abrangente do câncer e devem ser integrados aos cuidados de saúde em todos os níveis assistenciais. Cuidados paliativos enfatizam o cuidar global do paciente diante de uma doença que ameace a continuidade da vida, visando, principalmente, fornecer alívio dos sintomas e melhor qualidade de vida ao indivíduo e ao seu núcleo de cuidados (WHO, 2002). Estima-se que anualmente mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo requeiram este tipo de cuidados em seu último ano de vida, em sua maioria (69%) indivíduos maiores de 60 anos. O câncer representa a segunda maior causa dessa demanda totalizando aproximadamente 6,5 milhões pessoas (WHO, 2014). Nesta perspectiva, discute-se a importância da mudança cultural assistencial do país, centrada no atendimento ao episódio agudo, da cura, para a necessidade de priorizar atenção aos cuidados contínuos relacionados às condições crônicas de saúde como modelo a ser desenvolvido no sistema de saúde (MENDES, 2018). Todavia, a provisão de cuidados paliativos no Brasil é oferecida de maneira isolada e com disponibilidade limitada. Persiste um pequeno número de serviços especializados e distribuídos de maneira irregular, apenas 177 no total, sendo 58% deles localizados na região sudeste (ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2018). De acordo com relatório publicado pelo The Economist (2015) que avaliou a qualidade e disponibilidade de cuidados paliativos em um ranking de 80 países, o Brasil ocupou a 42º colocação posicionando-se atrás de países menos desenvolvidos como Mongólia (28º), Costa Rica (29º) e Uganda (35º). Um possível avanço para a modificação desta realidade foi a 22 recente regulamentação da resolução que dispõe os cuidados paliativos como parte dos cuidados continuados integrados que devem ser ofertados no âmbito sistema único de saúde (BRASIL, 2018). Em face ao exposto, mudanças de paradigmas são necessárias para abordar as situações complexas que acompanham o suporte a longo prazo do câncer, não só em razão do diagnóstico tardio, mas também pelo avanço das possibilidades de tratamentos antitumoral que não curam a doença, mas prolongam a “jornada” clínica dos pacientes (WHO, 2020). Os serviços de saúde e as equipes interdisciplinares serão constantemente desafiadas a fornecer um plano de cuidados cada vez mais individualizado e especializado. A importância crescente de prover resultados centrados no paciente, tais como a melhora da qualidade de vida (QV), da funcionalidade e dos sintomas, sobretudo no câncer incurável, imputará a necessidade de gerenciar aspectos multidimensionais no planejamento das políticas de saúde em oncologia, dentre eles fatores associados a assistência nutricional (LAVIANO, LAZZARO, KOVERECH, 2018). Neste contexto, o estado nutricional constitui um dos fatores potencialmente modificáveis e que pode melhorar estes resultados, de tal modo que, recomenda-se seu monitoramento contínuo e subsequentemente implementação de intervenções nutricionais independente da fase da doença oncológica (ARENDS et al., 2017). De acordo Blackwood et al. (2020), existem evidências científicas de qualidade moderada para apoiar intervenções nutricionais (aconselhamento nutricional e/ou suplementação oral) em pacientes com câncer incurável, todavia, permanece incerto na literatura o momento ideal para implementá-las (por exemplo, estágio de caquexia) e quais medidas de desfecho são mais apropriadas para avaliá-las (BLACKWOOD et al., 2020; CRAWFORD, 2019). A caquexia do câncer (CC) é uma síndrome multifatorial complexa caracterizada por perda acentuada de massa muscular esquelética e gordura corporal associada a inflamação sistêmica e alterações metabólicas (FEARON et al., 2011). Acomete até 80% dos indivíduos com doença avançada e repercute em diminuição de capacidade funcional, redução da QV e da sobrevida, constituindo um dos principais fatores de pior prognóstico nesta fase da doença (HAUSER et al., 2006; MALTONI et al., 2005; MARTIN et al., 2010; OLIVEIRA et al., 2020). Estima-se que 20 a 40% das causas de óbito decorrentes do câncer estejam relacionadas à CC (FOX et al., 2009). Contudo, apesar de constituir 23 causa direta de morbidade e mortalidade, na maioria dos casos não é diagnosticada ou abordada (EVANS et al., 2008). Dados epidemiológicos precisos sobre a CC ainda são escassos, visto que, sua prevalência varia consideravelmente (12% a 85%) dependendo do critério de definição adotado para o diagnóstico (WALLENGREN, LUNDHOLM, BOSAEUS, 2013). Existem diversos domínios associados a CC; os mais comuns são: perda de peso (PP) involuntária, anorexia, redução da massa muscular esquelética, presença de sintomas e alterações inflamatórias e funcionais (EVANS et al., 2008; FEARON et al., 2011). Entretanto, embora atualmente exista uma definição conceitual da CC, sua determinação tem mostrado divergências nas publicações científicas, especialmente, no que diz respeito aos domínios e parâmetros utilizados, além do número de estágios preconizados para definir a síndrome, tornando sua identificação e classificação desafiadora na prática clínica (MARTIN, 2016; VIGANO et al., 2017). Cabe ressaltar, que a assistência nutricional é parte essencial da intervenção multimodal da CC (ARENDS et al., 2016, 2017; BRASIL, 2015). Todavia, o diagnóstico nutricional exige padronização e definição dos critérios apropriados para a avaliação. O método desejável precisa ser de fácil execução, baixo custo, reproduzível em várias situações clínicas, válido e capaz de ajudar a prever aqueles indivíduos que terão piores desfechos (SARHILL et al., 2003; ORREVALL et al., 2009; WIEGERT et al., 2017). Em face a inexistência na literatura de um critério bem definido para diagnosticar assertivamente a CC, persiste a necessidade de estabelecer um método válido, constituído por ferramentas simples e acessíveis para identificar a CC nos diferentes estágios de gravidade. Além disso, a avaliação do impacto da CC nos desfechos centrados no paciente e seu significado prognóstico permanecem limitados em pacientes com câncer avançado sob cuidados paliativos (MARTIN, 2016; WALLENGREN, LUNDHOLM, BOSAEUS, 2013). 24 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Estado nutricional e câncer avançado O comprometimento do estado nutricional de pacientes com câncer está associado à localização, ao estágio e à sintomatologia da doença e, ainda, ao tipo de tratamento antitumoral empregado (ANKER et al., 2019; CARO et al., 2008; CORONHA et al., 2011; SEGURA et al., 2005). Diferentes parâmetros, tais como medidas antropométricas, exames laboratoriais e métodos subjetivos, têm sido utilizados para descrever o estado nutricional de indivíduos com câncer em diversos cenários clínicos, faixas etárias e países (AKTAS et al., 2017; GYAN et al., 2018; PINHO et al., 2018; RYAN et al., 2016). Neste contexto, a prevalência de desnutrição nesta população pode variar consideravelmente conforme o método de avaliação adotado para o diagnóstico nutricional (CUNHA et al., 2018; SARHILL et al., 2003; THORESEN et al., 2013). Mais de 50% dos pacientes com câncerapresentam sinais e indicadores de comprometimento nutricional ainda nos estágios iniciais da doença maligna sendo que sua frequência aumenta nos estágios mais avançados (CARO et al., 2008; MUSCARITOLI et al., 2017). De acordo com o Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica - IBNO (2013), que avaliou pacientes internados em 45 instituições do país, a prevalência de desnutrição, avaliada por meio da avaliação subjetiva global produzida pelo paciente (ASG-PPP) foi de 45%, atingindo 55,6% nos idosos (BRASIL, 2013). Estudos prévios realizados no Brasil, com pacientes em cuidados paliativos oncológicos, demostraram uma prevalência de desnutrição de aproximadamente 80% nesta população (CARVALHO et al., 2017; CUNHA et al., 2018; WIEGERT et al., 2017). O câncer está associado ao aumento da atividade pró-inflamatória, catabolismo, diminuição das reservas proteicas e da ingestão alimentar, o que leva à perda da função física e aumento da morbidade e mortalidade (FEARON et al., 2011; TISDALE, 2009, 2010). As mudanças do estado nutricional nos pacientes com câncer diferem das encontradas nas de etiologia não-oncológica e são decorrentes de várias alterações ocasionadas pela interação tumor-hospedeiro, que repercutem em modificações da composição corporal, traduzidas, pela ocorrência de depleção muscular-esquelética e redução das reservas de tecido adiposo, consequentemente resultando em variações do peso corporal (ARENDS et al., 2016; CORONHA et al., 2011; WIEGERT, ALENCASTRO, 2013). 25 A PP não intencional é uma das principais manifestações clínicas nos pacientes com câncer avançado, e, portanto, um dos parâmetros mais utilizados para avaliar o estado nutricional nesta população (ROELAND et al., 2016). De acordo com Dewys et al. (1980), a PP pode variar de 31% a 87%, dependendo da localização e do estágio da doença. As maiores frequências foram observadas em indivíduos com tumores do trato gastrointestinal e naqueles com doença em estágio mais avançado. Em 2002, Bosaeus, Daneryd e Lundholm descreveram que a PP ≥10% em um período de até seis meses, estava presente em 43% dos pacientes que iniciavam um programa de cuidados paliativos. Neste estudo a PP foi estatisticamente associada a um menor tempo de sobrevida. Em outro estudo com 352 pacientes em cuidados paliativos, 71% da amostra apresentou PP significativa, no entanto, destes, 87% possuía índice de massa corporal (IMC) considerado normal ou elevado (SARHILL et al., 2003). Por conseguinte, o diagnóstico nutricional convencional determinado somente por meio da PP não intencional ou avaliação do IMC pode representar uma simplificação excessiva das alterações nutricionais que acometem indivíduos com câncer, uma vez que, podem ocorrer modificações importantes da composição corporal, antes de refletir no peso corporal. Como exemplo destas modificações, pode-se citar a presença de miopenia ou sarcopenia secundária que é caracterizada por baixa quantidade de massa muscular esquelética não relacionada ao envelhecimento (sarcopenia primária) (FEARON, EVANS, ANKER, 2011; PRADO, BIRDSELL, BARACOS, 2009; PRING et al., 2018). Shachar et al. (2016), em uma metanálise com 7.843 pacientes com tumores sólidos, descreveu a prevalência de sarcopenia, avaliada por tomografia computadorizada (TC), técnica considerada padrão-ouro, variando de 11% a 69%, chegando a 74% nos indivíduos com doença avançada. Diferente do preconizado para o diagnóstico da sarcopenia relacionada a idade, a sarcopenia nos pacientes com câncer vem sendo descrita apenas como a presença de depleção muscular grave, sendo portanto controversa a necessidade de avaliação de outros fatores como força ou função muscular para o seu diagnóstico (ARGILÉS, MUSCARITOLI, 2017; CRUZ-JENTOFT et al., 2018; SOCIEDADE BRASILEIRA DE NUTRIÇÃO PARENTERAL E ENTERAL, 2019). Não obstante, estudos recentes salientam a importância das alterações micro e macroscópicas na composição muscular, como por exemplo a presença de mioesteatose, que diz respeito a infiltração de gordura intramuscular ou intramiocelular, como um importante fator subjacente à qualidade 26 muscular. A menor radiodensidade do músculo esquelético (medida de avaliação da infiltração de gordura no músculo) está significativamente associada a maior ocorrência de desfechos desfavoráveis em pacientes com câncer avançado (DE PAULA et al., 2019; RODRIGUES, CHAVES, 2018; SJØBLOM et al., 2016). Desta forma, a determinação da baixa massa muscular em termos quantitativos, pode não refletir aspectos relacionados a qualidade muscular, que se refere tanto a alterações na arquitetura e composição do músculo, quanto na sua função (DE PAULA et al., 2019; PRADO, HEYMSFIELD, 2014). Além disso, é importante enfatizar que em muitos pacientes com câncer a etiologia da sarcopenia é multifatorial, o que pode dificultar a caracterização da perda de massa muscular como primária ou secundária (ARGILÉS, MUSCARITOLI, 2016). Entre outros exemplos, de medidas utilizadas para a avaliação do estado nutricional em pacientes com câncer, pode-se citar as concentrações séricas de proteína C reativa (PCR) e albumina (DOUGLAS, MCMILLAN, 2014). A PCR elevada e a albumina reduzida estão correlacionadas positivamente ao estágio mais avançado da doença, presença de caquexia e PP significativa (DOUGLAS, MCMILLAN, 2014; MUSCARITOLI et al., 2017). O diagnóstico do estado nutricional por meio do escore prognóstico de Glasgow modificado (EPGm) que se baseia na combinação destes dois indicadores, mostrou-se útil para avaliar a gravidade do risco nutricional em pacientes com câncer avançado em cuidados paliativos (SILVA et al., 2019). Entretanto, esses marcadores são facilmente sensíveis a outras condições de estresse agudo e, portanto, podem estar alterados mesmo em indivíduos considerados adequadamente nutridos ou com excesso de peso corporal por meio da avaliação de outros parâmetros como PP ou IMC (BILIR et al., 2015; SILVA et al., 2019). Em 2018, o Global leadership initiative on malnutrition (GLIM) reuniu especialistas e sociedades de nutrição clínica para publicar um consenso global com objetivo padronizar critérios para o diagnóstico de desnutrição em contextos clínicos. Os critérios propostos como fatores fenotípicos da desnutrição incluem PP não intencional, baixo IMC e redução da massa muscular. Por sua vez, os critérios etiológicos compreendem a ingestão de alimentos ou absorção de nutrientes reduzidas e aumento da inflamação sistêmica relacionada a presença de doença crônica. Segundo esta definição, o diagnóstico de desnutrição requer no mínimo a presença de um critério fenotípico e um etiológico (CEDERHOLM et al., 2019). Até o momento, não foram observados estudos 27 na literatura validando o uso deste critério para pacientes com câncer ou ainda relatando prevalência de desnutrição em pacientes com câncer avançado segundo esta classificação. A compreensão sobre os mecanismos moleculares e alterações metabólicas, mediados principalmente pela ativação da resposta inflamatória sistêmica, envolvidos na interação tumor-hospedeiro progrediram ao longo da última década, permitindo melhorar a definição conceitual de algumas terminologias associadas ao diagnóstico nutricional, como desnutrição, sarcopenia e caquexia na tentativa de diferenciar essas condições (ARGILÉS et al., 2015; CEDERHOLM et al., 2017; PETERSON, MOZER, 2017). Cabe observar, contudo, que a presença das mesmas pode coexistir nos indivíduos com câncer. Ademais, nestes indivíduos, pode haver dificuldades na interpretação de alguns parâmetros utilizados para avaliar o estado nutricional em virtude das alterações fisiológicas, retenção hídrica, aumento da massa tumoral, alterações hormonais, síndromes paraneoplásicas e efeitos do tratamento anticâncer e da doença sobre o metabolismo e composição corporaldo indivíduos (ARENDS et al., 2017; BRASIL, 2015). Desta forma, esses indivíduos podem experimentar diversas alterações no seu estado nutricional, e ainda assim não serem classificados como sarcopênicos, desnutridos ou caquéticos (CA) a depender do método de avaliação utilizado para o diagnóstico. 2.2 Caquexia do câncer 2.2.1 Definição e epidemiologia Caquexia é uma palavra de origem grega em que “kakos” significa “mau”, e “hexis” significa “condição, estado”. Etimologicamente significa, portanto, “um mau estado de saúde” (BENNANI-BAITI, WALSH, 2009; FOX et al., 2009). Entre 460 e 370 a.C, Hipócrates apud Peterson e Mozer (2017), descreveu a caquexia cardíaca da seguinte forma: “...a carne é consumida e se torna água, ...o abdome se enche de água, os pés e pernas incham, os ombros, clavículas, peito e coxas se dissolvem. Essa doença é fatal”. Desde então, várias publicações destacaram a caquexia como uma manifestação clínica comum à diversas doenças, como câncer, síndrome da imunodeficiência adquirida, insuficiência cardíaca crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal e outras condições de estresse metabólico, tais como, trauma, sepse, queimaduras, entre outros (ARGILÉS et al., 2014; MUSCARIOLI et al., 2010; TAN, FEARON, 2008). A definição conceitual mais recente da CC foi determinada por meio de um consenso internacional de especialistas “Definition and classification of cancer cachexia: 28 an international consensus” como uma síndrome multifatorial onde há perda contínua de massa muscular esquelética, com ou sem perda massa gorda, associada à inflamação sistêmica e alterações metabólicas que não pode ser completamente revertida exclusivamente por meio do suporte nutricional convencional e leva a incapacidade funcional progressiva e aumento da morbidade (FEARON et al., 2011). Acredita-se que esta definição como síndrome multifatorial é um dos conceitos mais representativos, uma vez que, sua fisiopatologia compreende múltiplos fatores e compromete a função de vários tecidos e órgãos (ARGILÉS et al., 2014). A CC é mediada pela resposta inflamatória sistêmica decorrente das interações tumor-hospedeiro e, por conseguinte, sua prevalência aumenta à medida que o câncer progride. No entanto, mesmo frequentemente associada aos estágios mais avançados da doença, pode estar presente nas fases iniciais, antes de quaisquer sinais e sintomas de malignidade (BENNANI-BAITI, WALSH, 2009; DAVIS, DICKERSON, 2000; FEARON et al., 2011). Entre as manifestações clínicas relacionadas à síndrome, a PP não intencional, e frequentemente, a anorexia são os primeiros sintomas percebidos pelo paciente (CORONHA et al., 2011; ARENDS et al., 2017). Entretanto, a etiopatogenia da CC representa um espectro de fatores e os acometidos podem não experimentar todos eles, visto que sua manifestação e progressão depende de aspectos como resposta inflamatória sistêmica, tipo e estágio tumoral, tratamento e capacidade de manter ingestão alimentar adequada, entre outros (MARTIN, 2016; MUSCARITOLI et al., 2017). A CC pode estar presente no momento do diagnóstico do câncer sem PP significativa ou fenótipo, ou ainda ser frequentemente subdiagnosticada na obesidade, pois em geral presume-se que estes indivíduos sejam, paradoxalmente, bem nutridos (BARACOS et al., 2018; TAN et al., 2009). A prevalência da CC varia consideravelmente nos pacientes com câncer avançado, o que pode ser atribuído, principalmente, às diferenças nos critérios diagnósticos, além do tipo e localização tumoral. Sun et al. (2015) avaliaram a prevalência da CC em 390 pacientes com câncer avançado, e, relataram que aproximadamente 36% foram classificados como CA de acordo com os critérios propostos pelo consenso internacional (FEARON et al., 2011). As maiores prevalências foram observadas nos tumores pancreáticos (89%), gástricos (76,5%) e esofágicos (52,9%), respectivamente. Contudo, foi observado uma prevalência de apenas 2,9% no câncer de mama e zero nos linfomas. 29 Segundo os autores, apenas 33 pacientes (8,5% da amostra) foram considerados CA de acordo com a avaliação médica. No estudo de Van Der Werf et al. (2018) foi avaliado a concordância entre dois métodos de avaliação da CC em pacientes com câncer colorretal metastático em quimioterapia paliativa. Dos 69 pacientes estudados, 52% foram identificados como CA de acordo com os critérios de Fearon et al. (2011) e apenas 9% de acordo com avaliação médica que compreendeu a opinião de oncologistas de acordo com a apresentação clínica do paciente. O médico oncologista foi questionado se o paciente era considerado CA (sim ou não). Wallengren, Lundholm e Bosaeus (2013), ao avaliar 405 pacientes recebendo cuidados paliativos, demostraram que a prevalência de CC variou de 12% a 85% conforme o critério empregado para o diagnóstico. Neste estudo, de acordo com a definição de Fearon, Voss e Hustead (2006), 45% dos pacientes foram considerados CA, a prevalência foi de 33% quando utilizado a classificação de Evans et al. (2008) e de 85% conforme critério proposto Fearon et al. (2011). Vanhoutte et al. (2016) utilizando dois critérios diagnósticos distintos para avaliar pacientes com vários tipos de tumores e diferentes estágios da doença (n= 167), observaram que 70% desenvolveram CC durante o período de estudo, segundo a definição de Fearon et al. (2011) e somente 40% de acordo com Evans et al. (2008). Recente revisão sistemática da literatura publicada por Anker et al. (2019), estimou que 36,4% dos pacientes com câncer nos Estados Unidos da América (EUA) e 37,6% na União Europeia, tem o risco de desenvolver CC. Entretanto, o risco variou de 90-80% a 30-20% nos grupos considerados respectivamente de alto e baixo risco, classificados no estudo de acordo com a localização da tumoral. Segundo os autores, em razão da grande variabilidade encontrada, seria importante avaliar a CC de maneira mais específica, em subgrupos e separadamente, em vez de considerá-la como uma doença única em detrimento dos vários tipos de câncer existentes. Os resultados anteriormente expostos destacam o fato de que, embora o conceito da CC pareça razoavelmente bem estabelecido na literatura, no que diz respeito a questão conceitual e/ou qualitativa da síndrome, a falta de um critério diagnóstico bem estabelecido para esta condição, bem como quais são de fato os estágios de relevância clínica em relação a gravidade da CC representa um desafio na prática clínica, o que repercute em dados inconsistentes e de difícil comparação. Ademais, consequentemente, 30 pode resultar em prevenção inadequada e tratamentos ineficazes ou inexistentes (ARGILÉS, MUSCARITOLI, 2017; MUSCARIOLLI et al., 2010). 2.2.2 Fisiopatologia A fisiopatologia da CC decorre de uma interação complexa entre o organismo do hospedeiro e a presença do tumor, que repercute em alterações metabólicas, imunológicas e neuroendócrinas, e, que se caracteriza por um balanço calórico-proteico negativo impulsionado por uma combinação variável de ingestão alimentar reduzida e metabolismo anormal (FEARON et al., 2011). A etiologia principal da CC assinala-se pela presença de um estado inflamatório sistêmico crônico com aumento da atividade das citocinas pró-inflamatórias, interleucina 1 (IL1), interleucina 6 (IL6), interferon γ (ITFγ) e do fator de necrose tumoral α (TNFα) que promovem aumento da produção hepática de proteínas de fase aguda positiva, salientando-se a PCR, fibrinogênio, a-antitripsina e ceruloplasmina, com consequente redução das proteínas de fase aguda negativa, como a albumina, pré-albumina e transferrina, produzindo reflexos no metabolismo intermediário que se assemelham à resposta metabólica, ao trauma e à infecção, no entanto, sem a resposta adaptativa ao jejum. Deste modo, o organismo necessita de glicose obtida principalmentepela degradação de proteínas, ao contrário de se adaptar usando energia proveniente do tecido adiposo e dos corpos cetônicos, como ocorre no jejum normal na tentativa de preservar a massa muscular esquelética (ARGILÉS et al., 2014; ARENDS et al., 2016, 2015; TISDALE, 2009). As principais modificações metabólicas do hospedeiro são caracterizadas por glicólise acentuada, justificada pela rapidez das células neoplásicas em captar glicose como fonte de energia. O aumento dessa captação está relacionado ao grau de malignidade e ao poder de invasão celular tumoral. O consumo excessivo de glicose, por sua vez, aumenta a produção de glicose hepática a partir do lactato no ciclo de Cori (glicólise anaeróbia) e por meio de aminoácidos musculares do hospedeiro pela neoglicogênese, resultando em intensa proteólise e depleção muscular esquelética (ARGILÉS et al., 2015; TISDALE, 2009). No metabolismo dos lipídios, ocorre aumento da lipólise associada à diminuição da lipogênese, em consequência à inibição da enzima lipase lipoproteica promovendo elevação da concentração de ácidos graxos livres no sangue e, ainda, aumento da lipase 31 hormônio sensível, ocasionado depleção acentuada das reservas de gordura corporal. O estado de hipermetabolismo ou catabolismo persistente está presente principalmente em estágios mais avançados da doença e, provavelmente, é resultado das alterações observadas no metabolismo em função da intensa proliferação celular requerida pelo tumor, causando maior demanda energética (TISDALE, 2009). Soma-se a essas alterações metabólicas a liberação de substâncias produzidas pelas células tumorais, entre elas o fator de mobilizador de lipídios, que promove maior degradação do tecido adiposo em ácidos graxos livres e o fator indutor de proteólise, glicoproteína capaz de induzir a degradação proteica no músculo esquelético. Além disso, o aumento do catabolismo proteico é refletido por elevação na atividade da via proteolítica ubiquitina-proteassoma, considerada um mecanismo central para explicar a proteólise muscular acentuada na CC (ARGILÉS et al., 2015; LEITNER et al., 2017; TISDALE, 2009). Por sua vez, a patogênese da anorexia é complexa e multifatorial, acredita-se que ocorram alterações neuro-hormonais promovendo desbalanço nos mediadores anorexígenos e orexígenos (triptofano, leptina, neuropeptídio Y, melacortina e grelina) que afetam o controle do apetite e estão associados ao aparecimento da anorexia, alterações do paladar, bem como influenciam no controle da saciedade (ARGILÉS et al., 2014; MOLFINO, LAVIANO, FANELLI, 2010; MUSCARITOLI et al., 2010). Além das alterações anteriormente citadas, fatores secundários como obstruções, má absorção, intervenções cirúrgicas ou toxicidade das drogas; e presença de sintomas de impacto nutricional, como disfagia, odinofagia, mucosite, náuseas, vômitos, xerostomia, diarreia, alterações quimiossensoriais, entre outros, relacionados a doença per se ou as múltiplas opções de tratamento antineoplásico disponíveis, contribuem para o agravamento da CC (CORONHA et al., 2011; SADEGHI et al., 2018). Desse modo, as alterações fisiopatológicas (Figura 1) envolvidas na CC influenciam de modo significativo diversos órgãos e tecidos, formando um ciclo, exacerbando e contribuindo para o agravamento da síndrome. Deve-se ressaltar, que embora vários fatores envolvidos no desenvolvimento CC sejam conhecidos, alguns mecanismos subjacentes não estão completamente elucidados, o que poderia explicar o fato de que alguns pacientes com mesmo tipo de tumor e estágio da doença, podem desenvolver CC e outros não. Além disso, mesmo com os potenciais mecanismos e biomarcadores descritos, não é possível prever com precisão quem irá desenvolver CC 32 rapidamente versus aqueles que podem desenvolver a síndrome em um ritmo mais lento. Tal variação pode estar relacionada, pelo menos em parte, ao genótipo do hospedeiro (FEARON, 2008; JOHNS et al., 2017). Em síntese, a combinação de diversos fatores é responsável pelo complexo processo no desenvolvimento da CC de maneira que sua trajetória não é linear ao curso da doença. Figura 1: Mecanismos envolvidos na fisiopatologia da caquexia do câncer. Nota: Adaptado de Tan et al. (2014). IL1: interleucina 1; IL6: interleucina 6; ITFγ: interferon γ; TNFα: fator de necrose tumoral α. 33 2.2.3 Implicações clínicas Apesar de acometer variavelmente os pacientes com câncer, estima-se que a CC é responsável direta pelo óbito de 20-40% destes (TISDALE, 2002, 2010; ARGILÉS et al., 2014). Sua presença, está associada a diversas implicações clínicas relevantes, incluindo aumento do risco de toxicidade de quimioterapia (ROCHA et al., 2019), complicações cirúrgicas (FUKUTA et al., 2019; AAHLIN et al., 2016), maior tempo de hospitalização e aumento dos custos (ARTHUR et al., 2016), redução da QV (DALY et al., 2020; LEBLANC et al., 2015; OLIVEIRA et al., 2020; TARRICONE et al., 2016), aspectos psicológicos (AMANO et al., 2019; LOK, 2015; HINSLEY, HUGHES, 2007; WHEELWRIGHT et al., 2014) e mortalidade (LASHEEN, WALSH, 2010; VAN DER MEIJ et al., 2013). Segundo Anker et al. (2019) até 90% dos pacientes com câncer irão desenvolver CC no decorrer da trajetória da doença. A taxa de mortalidade associada a CC pode chegar a 80% em um ano (LEITNER et al., 2017). A gravidade da síndrome está diretamente relacionada com à redução do tempo de sobrevida, implicando em pior prognóstico (BLUM et al., 2014; BARACOS, 2011; MARTIN, 2016). A associação com menor sobrevida em pacientes CA com doença avançada foi verificada por diversos estudos (BLUM et al., 2014; SILVA et al., 2019, VIAGNO et al., 2017; WESSELTOFT-RAO et al., 2015; WALLENGREN, LUNDHOLM, BOSAEUS, 2013; ZHOU et al., 2018). A CC impacta negativamente a QV. Pacientes CA apresentam imagem corporal alterada, perda de apetite, aumento da fadiga e diminuição da funcionalidade reduzindo a autonomia e as atividades de vida diária (AMANO et al., 2017; CARO, LAVIANO, PICHARD, 2007; LEBLANC et al., 2015; TARRICONE et al., 2016; PREVOST, GRACH, 2012). Neste contexto, um dos aspectos negligenciados da CC são suas repercussões psicossociais. Reid et al. (2009) realizaram um estudo qualitativo sobre a percepção da CC por pacientes com câncer avançado e seus familiares e descreveram que a mesma exprime uma série de implicações que ultrapassam o aspecto físico, representando uma questão complexa e multidimensional associada a um elevado sofrimento psicológico. As mudanças na aparência física e na autoimagem, experimentadas por pacientes CA, refletem uma autopercepção alterada que pode afetar o senso de identidade e de propósito repercutindo em angústia e isolamento social. A imagem corporal alterada também pode prejudicar a sexualidade, a autoconfiança e a autoestima com potencial de 34 ser estigmatizante (HINSLEY, HUGHES, 2007; MCCLEMENT, 2005). Além disso, a CC apresenta-se frequentemente associada a sentidos negativos como fracasso, perda de independência e conflitos familiares, pois muitas vezes reflete a confirmação visual da gravidade da doença e a possível proximidade da morte (AMANO et al., 2019; FEARON, 2008; SADEGHI et al., 2018; WHEELWRIGHT et al., 2014). Em contrapartida, alguns pacientes, particularmente os obesos, podem considerar a PP como benéfica e até mesmo experimentar melhorias em autoimagem, porém, paradoxalmente a valorização relacionada à PP pode resultar em complacência no manejo da alimentação, acelerando assim a progressão da CC (FEARON, 2008; SADEGHI et al., 2018). Alimentos realizam diversas funções não biológicas e carregam grande importância simbólica. Ademais, comer é um fenômeno biopsicossociocultural (BENARROZ, FAILLACE, BARBOSA, 2009; DAVIS, DICKERSON, 2000; COSTA, SOARES, 2017; SADEGHI et al., 2018). Mudanças no padrão alimentare a conexão associada entre a alimentação e a sobrevivência podem resultar em conflitos relacionais com os cuidadores e familiares. Por sua vez, os cuidadores e familiares também experimentam os efeitos psicológicos, pois as emoções negativas que o paciente vivencia associadas a baixa ingestão alimentar e ausência de recuperação do seu estado nutricional podem levá-los a assumir a responsabilidade por não conseguir desempenhar com êxito o papel de cuidar adequadamente do paciente (CARO, LAVIANO, PICHARD, 2007; MCCLEMENT, 2005; SADEGHI et al., 2018; SOUTER, 2005). Outro aspecto relevante que impacta a QV e a gravidade da CC são a presença de sintomas. Pacientes CA com câncer avançado em cuidados paliativos apresentam sintomas de impacto nutricional mais graves e suas famílias têm maior sofrimento relacionado à alimentação do que os não caquéticos (NCA) (AMANO et al., 2019). O estudo realizado por Lasheen e Walsh (2010), com 484 pacientes com câncer metastático em cuidados paliativos demostrou que pacientes CA apresentaram maior carga de sintomas e nove deles (saciedade precoce, constipação, disfagia, fadiga, náusea, vômitos, alterações do paladar, falta de energia e astenia) foram significativamente associados a síndrome. Os autores ressaltam a importância da avaliação dos sintomas para o manejo da CC. Corroborando com estes resultados, outro estudo com pacientes com câncer avançado (n= 306) comparou a prevalência e a intensidade da ocorrência de sintomas de acordo com a gravidade da CC. A falta de apetite foi o sintoma que apresentou os maiores 35 escores de intensidade e o mais significativamente associado a gravidade da CC. Além da falta de apetite, alterações no sono, fadiga, falta de energia e sofrimento foram os outros sintomas mais prevalentes e associados a síndrome. Em síntese, os resultados deste estudo identificaram uma maior carga e intensidade de sintomas e sua associação com os estágios da CC, enfatizando seu impacto e concomitantemente a importância da triagem em múltiplos sintomas para pacientes CA (ZHOU et al., 2017). 2.3 Critérios diagnósticos da caquexia Inicialmente, a PP não intencional foi o critério exclusivo para caracterizar a CC. Pacientes com percentual de PP involuntária ≥10 em relação ao peso corporal habitual nos últimos 6 meses eram considerados CA (BENNANI-BAITI, WALSH, 2009). Essa definição tinha a vantagem de ser simples de medir e obter. Apesar do fato da PP identificar globalmente pacientes com pior prognóstico, não é por si só suficiente para caracterizar a importância da composição corporal ou alterações metabólicas que ocorrem nos pacientes com câncer conforme descrito anteriormente. Além disso, ao considerar como critério diagnóstico para a CC somente uma PP não intencional de 5% ou 10% no período anterior há um ano ou seis meses assume-se um risco igual para todas as intensidades de PP acima desses valores desconsiderando todas as proporções de gravidade e temporalidade entre elas (MARTIN, 2016). Ademais, a PP isoladamente, não é suficiente para explicar a deterioração da função física, que é uma característica importante da CC (ARENDS et al., 2017; ROELAND et al., 2016). A definição subsequente da CC associava a PP à anorexia. A anorexia, no entanto, não é uma característica determinante da CC, pois pacientes sem anorexia podem, por exemplo, apresentar PP ou mesmo aqueles com uma ingestão alimentar normal ou aumentada podem apresentar CC (BENNANI-BAITI, WALSH, 2009). Sarhill et al. (2003) demostraram que a maioria dos pacientes com câncer metastático apresentava percentual de PP ≥10, mas nem a PP nem a anorexia isoladamente foram capazes de definir a CC nesse estudo. Outro aspecto relevante, diz respeito ao fato que na prática diária a falta de apetite (ou anorexia) e a baixa ingestão alimentar são comumente usadas como sinônimos, visto que ambas podem ser caracterizadas como “redução da vontade de comer”. Entretanto, existem discussões de que a redução do consumo de alimentos e a perda de apetite sejam itens distintos, visto que mesmo com falta de apetite o indivíduo pode manter uma 36 ingestão alimentar adequada ou ao contrário. Estudo multicêntrico com 885 pacientes com câncer incurável destacou a necessidade de avaliar tanto a ingestão alimentar quanto o apetite de forma concomitante como parte dos domínios que compõem a CC (SOLHEIM et al., 2014). Em 2006, Fearon, Voss e Hustead relataram que a PP isoladamente não foi preditor de aspectos funcionais, QV e prognóstico em pacientes com câncer pancreático irressecável. Os autores sugeriram que o diagnóstico da CC fosse baseado na presença de, pelo menos dois, dos seguintes fatores: PP não intencional >10% no período de seis meses, baixa ingestão alimentar (<1.500 kcal/dia) e concentração sérica de PCR ≥10mg/L. Corroborando com o fato de que a baixa ingestão alimentar e inflamação sistêmica eram fatores importantes a serem considerados no diagnóstico da CC. No entanto, entre as desvantagens desta definição estão a necessidade de completar um recordatório alimentar para estimar a ingestão alimentar diária e a falta de estágios para identificar a gravidade da CC. Posteriormente, Evans et al. (2008), definiram a caquexia (não específica do câncer) como percentual de PP >5, associada a no mínimo três outros fatores: diminuição da força de pressão manual (FPM), fadiga, baixa ingestão alimentar, redução da massa muscular, PCR >5mg/L, anemia (hemoglobina <12g/dL) ou hipoalbuminemia (albumina <3,2g/dL). Esta definição destacou a complexidade da caquexia e representou um passo importante na ampliação das possíveis características a serem avaliadas no diagnóstico da síndrome. No entanto, além de não ser específica do câncer, os fatores associados foram sugeridos por meio de revisão de literatura, sem análise de dados ou validação. Além disso, esta definição, igualmente a de Fearon, Voss e Hustead (2006) sugere uma classificação dicotômica, ou seja, CA ou NCA. Em 2011, por sua vez, foi publicado o consenso internacional com o objetivo de definir qualitativamente a CC classificando-a em três estágios de relevância clínica: pré- caquexia, caquexia e caquexia refratária. Conceitualmente a pré-caquexia se caracteriza por presença de sinais clínicos e metabólicos, tais como anorexia, diminuição da tolerância à glicose, anemia e percentual de PP involuntária ≤5 nos últimos seis meses. A CC foi definida pelo percentual de PP >5 nos últimos seis meses ou por IMC <20kg/m² ou percentual de PP >2 em qualquer período de tempo concomitante a presença de sarcopenia (baixa massa muscular). Por fim, a caquexia refratária foi associada à doença 37 em estágio avançado, sem resposta a terapia antitumoral, baixa capacidade funcional e sobrevida reduzida, menor que três meses (FEARON et al., 2011). Embora na teoria o consenso internacional avançou ao estabelecer estágios de relevância clínica para CC e ao ter sugerido que os critérios diagnósticos deveriam considerar não somente a PP, mas também a baixa massa muscular, esta publicação não estabeleceu critérios objetivos que pudessem ser adotados na prática clínica para diferenciar todos os estágios de relevância clínica. Além disso, de acordo com os critérios consensuados nessa definição, os pacientes podem ser denominados como CA se apresentarem unicamente um percentual de PP >5 nos últimos 6 meses. Pode-se observar que a partir da publicação do consenso internacional, e em razão do avanço da compreensão de mecanismos subjacentes à etiologia e a heterogeneidade da CC, o foco comum dos critérios de CC propostos na literatura foram incorporar outros parâmetros, em especial, a baixa massa muscular e o aumento da inflamação sistêmica como domínios importantes para o diagnóstico da síndrome. Os principais critérios para definição da CC publicados na literaturaa partir de 2011 estão descritos no Quadro 1. Cabe ressaltar, que pacientes com CC podem ser heterogêneos em relação aos domínios avaliados, visto que nem todos desenvolvem o espectro completo da síndrome. Ademais um paciente definido como CA no momento do diagnóstico pode aumentar seu peso corporal ou a massa muscular e consequentemente ser classificado de outra maneira durante a trajetória da doença (PRADO et al., 2013; WALLENGREN et al., 2015). Além disso, embora a perda de massa muscular deve ser considerada uma característica fenotípica clinicamente relevante da CC, não é específica para síndrome, visto que condições como envelhecimento, anorexia, desnutrição, repouso no leito, inatividade física, entre outros também estão associados a mesma. A perda de massa muscular na CC deve, portanto, ser distinguida de outras formas de depleção, em particular, a sarcopenia relacionada à idade (ARGILÉS et al., 2015; ARGILÉS, MUSCARITOLI, 2017; TSAI, 2012). Em 2011, Argilés et al. descreveram o The CAchexia SCOre (CASCO) propondo classificar a intensidade da CC por meio da combinação de cinco domínios: PP ou composição corporal, inflamação ou imunossupressão, desempenho físico, anorexia e QV. Somente em 2017, os autores validaram o uso do escore numérico proposto em 2011, sugerindo classificar a CC como: leve (15 ≤ a ≤ 28 pontos), moderada (29 ≤ a ≤ 46 pontos) ou grave (47 ≤ a ≤ 100 pontos). Apesar de terem demonstrado que o CASCO é um método 38 válido no contexto clínico, observaram que o grande número de itens utilizados (tanto medidas, como questionários) poderia ser um obstáculo para seu uso rotineiro, assim, desenvolveram uma versão simplificada do método chamado Mini CASCO, contendo uma redução do número de itens analisados em relação à versão original (ARGILÉS et al., 2011; ARGILÉS et al., 2017). A tentativa de validação dos critérios diagnósticos baseados no consenso internacional (FEARON et al., 2011) foi publicada por Blum et al. (2014). A amostra foi constituída por 1.070 pacientes com diagnóstico de câncer avançado, cujo 85% apresentava doença metastática incurável e os demais (15%) doença localmente avançada. Os autores observaram ao analisar o modelo dicotômico de classificação da CC (NCA versus CA) que a combinação da PP e IMC distinguiram significativamente os pacientes em relação aos desfechos avaliados (ingestão alimentar, inflamação, função e sobrevida). Porém, quando testado o modelo de classificação em quatro estágios NCA versus pré-caquéticos (PCA) versus CA versus caquéticos refratários (CAR), o diagnóstico da CC avaliado somente por PP e IMC não apresentou boa discriminação em relação as características analisadas, principalmente entre os estágios NCA e PCA, sugerindo que um modelo de classificação de quatro grupos necessitava de domínios adicionais para melhor discriminar os estágios intermediários (e iniciais) da CC. Wallengren, Lundholm e Bosaeus (2013), compararam a QV, função física e sobrevida em pacientes com câncer avançado em cuidados paliativos de acordo com diferentes critérios de caquexia e observaram que a PP, fadiga e marcadores de inflamação sistêmica foram os mais fortemente associados aos desfechos estudados. Foram incluídos neste estudo pacientes com doença maligna metastática ou localmente avançada sem proposta de tratamento antitumoral específico. De acordo com os parâmetros analisados os autores sugeriram um critério diagnóstico da CC definido por três fatores percentual de PP >2, fadiga >3 (avaliada por escala de intensidade que varia de 0 a 10) e PCR >10mg/L, porém esta definição não foi validada em outra amostra e além disso, também consiste em uma classificação dicotômica (NCA versus CA). Em 2015, Martin et al. compilou um grande conjunto de dados de mais de 11 mil pacientes com câncer avançado, da Europa e do Canadá para desenvolver e validar um sistema de classificação de PP de acordo com a estratificação de risco de mortalidade, em cinco estágios de gravidade (0 a 4). Este sistema de classificação sugere que a intensidade do percentual de PP deve ser graduada concomitante ao IMC como critério diagnóstico 39 para avaliar a CC, em síntese, quanto maior a PP e menor o IMC mais grave é o risco de mortalidade. Este sistema não permite estabelecer fenótipos para a síndrome e não considera marcadores relacionados a composição corporal, como a avaliação da massa muscular e/ou alterações etiológicas da CC como por exemplo, parâmetros relacionados a inflamação sistêmica. Mais recentemente Vigano et al. (2017) propuseram um sistema de classificação da CC em quatro estágios (NCA, PCA, CA e CAR) de acordo com a combinação de cinco parâmetros: 1) laboratorial (PCR ou leucócitos elevados ou hipoalbuminemia ou anemia), 2) ingestão alimentar (normal /diminuída), 3) PP moderada (≤5%) ou 4) PP significativa (>5%) nos últimos seis meses e 5) capacidade funcional (Eastern cooperative oncology group performance status - ECOG PS). Foram incluídos neste estudo 277 pacientes com diagnóstico histologicamente confirmado de câncer avançado (localmente 31,2% e metastático 68,8%) e expectativa de vida maior que três meses. De acordo com os resultados, pacientes classificados como PCA não apresentaram diferença estatística significativa em relação aos CA para quase todos os desfechos examinados (sintomas, composição corporal, FPM, número de visitas de emergência e tempo de internação hospitalar e sobrevida). Em 2018, Zhou et al. justificando a falta de critérios que apresentassem boa discriminação para todos os estágios de CC, propuseram um novo critério compreendendo cinco componentes: PP em seis meses, avaliação de sarcopenia por meio do questionário SARC-F (Strength, assistance in walking, rise from a chair, climb stairs e falls), ECOG PS, perda de apetite e parâmetros laboratoriais. Foram avaliados 297 pacientes com diagnóstico de câncer avançado (estágio da doença III: 26,6% e IV: 73,4%). De acordo com este estudo, os pacientes foram classificados como: NCA (escore 0-2), PCA (escore 3-4), CA (escore 5-8) e CAR (escore 9-12) e os desfechos estudados foram comparados entre os grupos com diferenças significativas entre eles. Entretanto, entre as limitações deste trabalho, além da combinação aleatória dos parâmetros e escores para a classificação da CC e não validação do método em outras populações, foi o uso de um questionário não validado para avaliação de sarcopenia em pacientes com câncer, além de baixa sensibilidade do mesmo para avaliação da baixa massa muscular (MILLER et al., 2018). Segundo recente diretriz de terapia nutricional no paciente com câncer, da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN, 2019), o diagnóstico 40 da CC envolve a avaliação da PP, da ingestão alimentar, de mediadores inflamatórios, além da avaliação da massa muscular, definida no contexto da CC como sarcopenia secundária e também pode incluir a avaliação da função e desempenho físico no caso de pacientes idosos. Ademais, esta publicação recomenda como nível de evidência considerado moderado (de acordo com o critério Grading of recommendations, assessment, development and evaluation - GRADE) a necessidade de realização de avaliação nutricional para pacientes com câncer. Em face ao exposto, a determinação de quais variáveis incluir para o diagnóstico da CC é crucial, porque a inclusão ou a exclusão de um determinado domínio pode significar resultados bem distintos (ARGILÉS, MUSCARITOLI, 2017; CRAWFORD, 2019). Além disso, a quantidade e a denominação dos estágios atribuídos a síndrome podem variar de um sistema de classificação para outro. Da mesma forma, quais os parâmetros e seus respectivos pontos de corte podem diferir amplamente. Idealmente, deveria haver tantos estágios quanto fossem os diferentes fenótipos CC para permitir a classificação
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