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1 O Ensino de Sociologia no C. E. Lauro Corrêa: uma abordagem acerca das desigualdades sociais Marlon da Costa Guimarães1 Karmahero2000@yahoo.com.br 1 Professor de Sociologia da SEEDUC-RJ, Licenciado em Ciências Sociais pela UFF e Especialista em Ensino de Sociologia pela UFRJ – CESPEB. 2 Introdução Desde o início da minha carreira no magistério em 2007, enfrentei muitas dificuldades para avaliar os resultados da minha prática doente, por isso, a monografia final2 do CESPEB – Ensino de Sociologia foi desenvolvida tendo como principal objetivo observar a minha prática docente e os seus desdobramentos. Naquele trabalho, que terá alguma de suas partes apresentadas aqui, eu utilizei como base para a pesquisa redações aplicadas aos estudantes do Colégio Estadual Lauro Corrêa3. 121 estudantes de 5 turmas do Ensino Médio diurno elaboraram os textos durante a primeira aula do ano. Nas turmas de 1º ano eu fiz rapidamente uma introdução tema desigualdades sociais e logo a seguir pedi a elaboração dos textos. Nas turmas de 2º e 3º anos eu revisei o tema desigualdades sociais – conteúdo trabalhado no ano anterior – e depois pedi que elaborassem os textos. Após essa fase, entre os meses de fevereiro e setembro de 2011, foi feita uma análise de conteúdo dessas redações, fundamentada na metodologia proposta por Romeu Gomes4, a fim de identificar que tipo de influência o Ensino de Sociologia exerce sobre o aprendizado daqueles estudantes. A isso se deve a escolha por analisar textos, tanto de estudantes que haviam estudado Sociologia (2º e 3º anos), quanto de estudantes que ainda não a haviam estudado (1º ano). O processo de análise dos textos ocorreu por meio de categorizações formuladas para mediar a leitura do material selecionado com os objetivos da pesquisa. Foram definidas duas categorias: série (1º, 2º e 3º anos) e conteúdo (naturalização e desnaturalização). Ambas, possibilitaram a decomposição do material coletado em partes analisáveis, auxiliando a identificação da influência do ensino de Sociologia para a elaboração dos argumentos expressados pelos estudantes. Assim, as 121 redações foram categorizadas e analisadas de acordo com a sua proximidade ou o seu afastamento das contribuições sociológicas. De maneira que, os textos que expressaram influências oriundas do senso comum foram associados à categoria naturalização e os textos influenciados pelos conteúdos trabalhados nas aulas de Sociologia foram categorizados em desnaturalização. 2 A monografia O Ensino de Sociologia no C. E. Lauro Corrêa: uma abordagem acerca das desigualdades sociais foi elaborada sob orientação da professora Ms. Julia Polessa Maçaira (FE/UFRJ). 3 Trabalho há 5 anos nessa escola, que fica localizada no bairro Trindade, em São Gonçalo – RJ. 4 GOMES, Romeu. A análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 29 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2010. 3 De acordo com Romeu Gomes, “na análise [de conteúdo] o propósito é ir além do descrito, fazendo uma decomposição dos dados e buscando as relações entre as partes que foram decompostas e, por último, na interpretação – que pode ser feita após a análise ou após a descrição – buscam-se sentidos das falas e das ações para se chegar a uma compreensão ou explicação que vão além do descrito e analisado.” (GOMES, 2010, p.80) No caso desta pesquisa, a decomposição e a análise dos textos escritos pelos estudantes, precederam a interpretação dos dados, que foram interpretados, a fim de “caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado” (GOMES, 2010, p. 84). Ou seja, para inferir os argumentos contidos nas redações, busquei criar condições que ampliassem as possibilidades de compreensão daquilo que foi (d)escrito pelos estudantes. Para interpretar o material empírico, utilizei também a técnica de análise temática. A qual, de acordo com Bardin, considera que: “ ‘O tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura’. Trabalhar com a análise temática ‘Consiste em descobrir os núcleos que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido’ ”. (BARDIN apud GOMES, 2010, p. 87) Dessa maneira, o conteúdo dos textos foi analisado de maneira transversal, delimitando suas unidades de registro – tema, palavras, frases e orações – e relacionando-as com suas unidades de contexto – condições que balizaram a construção da mensagem do material de pesquisa. A leitura das redações correspondeu ao primeiro passo no processo de decomposição do material empírico. A seguir, os textos foram organizados em partes analisáveis e categorizados. Dessa forma, as unidades de registro das diversas redações foram agrupadas de acordo com os objetivos da metodologia proposta por Bardin, na qual a autora apresenta a análise de conteúdo como: “‘um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.’ ” (BARDIN apud GOMES, 2010, p. 83) grifos do autor Assim, a pesquisa teve as seguintes etapas: a) aplicação e recolhimento das redações; b) leitura de todas as redações; c) separação das redações por turmas; d) leitura dos textos 4 teóricos; e) elaboração das categorias; f) releitura das redações e dos textos teóricos; g) elaboração do relatório final. Tendo em vista que o objetivo dessa pesquisa é descobrir se o ensino de Sociologia contribuiu para a instrumentalização do entendimento dos estudantes do Ensino Médio do Lauro Corrêa a respeito das desigualdades sociais – suas origens, suas formas e sua construção histórico-social –, foram formuladas as seguintes hipóteses: a) devido ao fato de ainda não terem estudado a disciplina Sociologia, os estudantes do primeiro ano expressam suas impressões influenciados pelo senso comum? b) devido à aproximação com os temas, os conceitos e as teorias sociológicas durante as aulas da série anterior, os estudantes do segundo ano expressam suas impressões transitando entre o senso comum e a teoria sociológica? c) devido ao fato de terem tido uma quantidade maior de aulas de Sociologia e de terem utilizado o livro didático, os estudantes do terceiro ano expressam suas impressões de forma mais sociológica, ou seja, por meio da desnaturalização? Categorização Antes da primeira leitura, as 121 redações passaram pela primeira e mais simples categorização temática, na qual o material coletado foi dividido de acordo com as séries correspondentes: Série do Ensino Médio Número de redações analisadas 1º ano 73 2º ano 21 3º ano 27 Total 121 Na segunda categorização temática, o objetivo foi relacionar todos os textos de cada série aos critérios das categorias naturalização e desnaturalização, para que se pudesse identificar a influência dos conteúdos da Sociologia nas argumentações dos estudantes acerca do tema proposto. As categorias naturalização e desnaturalização foram atribuídas aos textos que expressaram em seus conteúdos o conjunto de critérios listados na tabela a seguir: 5 Naturalização Desnaturalização a) ausência de perspectiva histórica e social; b) não-identificação das diferentes formas de desigualdade; c) ausência de perspectivas quanto às transformações sociais.a) perspectiva histórica e social; b) identificação de diferentes formas de desigualdade; c) perspectivas quanto às transformações sociais. Se, a desnaturalização corresponde a um processo de superação do senso comum, as redações incluídas nesta categoria tem que apresentar todos os três critérios presentes na tabela. Enquanto que, para serem incluídas na categoria a naturalização, as redações tem que expressar todos os critérios de sua categoria (listados na tabela) ou não apresentar algum dos critérios da categoria desnaturalização. Dessa forma, será possível definir se os textos aproximam-se mais da teoria sociológica ou do senso comum e, consequentemente, se os temas, conceitos e teorias trabalhados nas aulas de Sociologia influenciaram os discursos desses estudantes. Análise das redações Dos 73 textos recolhidos nas turmas do primeiro ano, 69 foram categorizados em naturalização e apenas quatro foram categorizados em desnaturalização. O resultado por si só não surpreende se considerarmos que do total de estudantes das três turmas apenas 13 eram repetentes e já haviam tido aulas de Sociologia. Porém, os textos destes estudantes repetentes surpreenderam pelo fato de nenhum deles ter sido categorizado em desnaturalização. As 69 redações categorizadas em naturalização apresentam interpretações que generalizam as condições de vida, ignorando os processos históricos e sociais que dão origem às desigualdades sociais. Mas, apesar disso, muitos estudantes reconheceram em seus argumentos que essas desigualdades se expressam de diversas formas. Os trechos a seguir explicitam esta situação: “[...] as mulheres são tratadas na sociedade [...] como se não conseguissem fazer nada sozinhas, como se tudo que elas fizessem deveria ser com a ajuda de um homem, eu acho isso errado, tudo bem que existem algumas mulheres que são mais sensíveis, mas também existem mulheres que não [são] [...].” (J. T., 1º ano, repetente) 6 “Desigualdade social é algo que não vai acabar, pois temos diferentes tipos de religiões, crenças e raças.” (P. F., 1º ano, não-repetente) “No mundo sempre ‘existiu’ desigualdades, de homem, de mulher, de rico, de pobre e essa desigualdade se cria na própria sociedade.” (D. S., idem) Ao tratar a desigualdade social como um problema social atemporal, negando a possibilidade de mudanças sociais, esses estudantes assumem uma concepção idealista da história, partindo do pressuposto de que o mundo sempre foi e sempre vai ser assim. Ou seja, constroem seus dizeres apropriando-se de ideais oriundos do senso comum, demonstrando não perceber a dinâmica das relações sociais. A influência do senso comum encontra-se mais explícita nos três trechos a seguir: “A desigualdade social, dependendo da situação, não vejo como ponto negativo, pois quem está em cima hoje em dia, se esforçou para chegar onde está ou nasceu em uma família com condições para dar um bom ensino particular, pois os públicos não são bons como os particulares.” (L. C., 1º ano, não-repetente) “E se o mundo fosse rico ‘seria tudo mil maravilhas’, imagina, todas as pessoas andando nas ruas com o mesmo estilo de vida? Quem não ia gostar ‘né’?! Mas não seria bom, é melhor ter a desigualdade social, o mundo está fluindo desse jeito.” (C. V. R., 1º ano, repetente) “[...] vivemos num país onde a desigualdade social é muito grande, resta a nós nos acostumar!” (I. M., 1º ano, não-repetente) Nesses três trechos, nota-se que a condução dos argumentos perpassa principalmente pelo conformismo e pela defesa da necessidade da existência e da continuidade das iniquidades, tomando-as como essenciais à manutenção da ordem. Ao justificar e aceitar as desigualdades sociais como condição sine qua non à sustentação da vida social, esses estudantes revelam não compreender que a construção da ordem social é originada pelo processo histórico e social. Isto é, ao rejeitar a possibilidade de mudança do status quo, eles formulam concepções fundamentando-se na ideia de que as relações sociais vigentes estão consolidadas e seriam imutáveis, o que os leva a entender que as transformações sociais são inviáveis e, até mesmo, indesejadas. Desse modo, estes jovens expressam as limitações das análises a respeito da vida social baseadas no ideário do senso comum. A esse respeito é importante observar que entre os textos categorizados em naturalização, existe uma grande quantidade de trechos que apontam o capitalismo e a corrupção como origens das desigualdades sociais. Porém, nessas interpretações também se 7 percebe o uso de generalizações e de formulações que ignoram o contexto histórico e social. E, sendo assim, essas redações não puderam ser inseridas na categoria desnaturalização. Diferente da maioria, quatro estudantes contextualizaram as formas de desigualdade em suas redações demonstrando em seus discursos a compreensão a respeito da influência dos fatores históricos e sociais que originam as desigualdades. Desse modo, seus textos foram categorizados em desnaturalização. “A desigualdade social infelizmente é um dos problemas que o capitalismo nos trouxe. [...] o número de pessoas pobres têm aumentado devido a ambição de pessoas ricas querendo ficar mais ricas, o que vemos na televisão a respeito disso? Nada! Eles deixam o foco e uma vez ou outra, quando a situação está insustentável, aí sim eles passam um pouco a respeito disso[...]. Falam de democracia, mas o que ‘está parecendo imperialismo’.”(W. A., 1º ano, não-repetente) “Aqueles que não possuem dinheiro são excluídos da sociedade por conta disso. [...] Isso acontece por conta do capitalismo. Acho que pode chegar ao comunismo ou ao socialismo, mas num futuro bem distante.” (D. C., 1º ano, não-repetente) “A desigualdade social tornou-se um problema mundial após o capitalismo. Pessoas que um dia tiveram ações, posses e poder, hoje em dia passaram a ter mais, e pessoas que por sua condição não possuem os mesmos poderes que outras pessoas acabam sendo deixadas de lado a cada dia que passa.” (R. L., 1º ano, não-repetente) “Coisas como essa me ‘revolta’, e sei que revolta muita gente, pena que a nossa força por enquanto não é bastante para vencer o capitalismo e conquistar nossos direitos. Mas vivemos com esperança de conquistar uma sociedade melhor.” (S. B., 1º ano, não-repetente) Percebe-se nesses trechos que, embora esses estudantes ainda não tivessem tido aula de Sociologia até o 9º ano do Ensino Fundamental, eles orientam seus argumentos a partir de alguns conceitos tratados pela Sociologia escolar – capitalismo, imperialismo, democracia, socialismo, comunismo, demonstrando reconhecer a influência do processo histórico e social na origem e no aprofundamento das iniquidades (primeiro e segundo trechos), além de vislumbrar a chance de transformação do modo de produção (segundo e quarto trechos). A mensagem do primeiro texto, por exemplo, explicita indignação diante das condições de vida, além de apontar a dominação de classe. No segundo trecho, a mensagem é orientada pela possibilidade de uma futura transformação da ordem social. E, no terceiro trecho, o processo de expropriação é diretamente relacionado ao aumento dos privilégios de determinados grupos sociais. 8 No segundo ano, foram analisados 21 textos. No entanto, é importante destacar que a origem heterogênea dos estudantes5 comprometeu em parte a pesquisa, no que diz respeito a entender o processo de formação promovido pelo ensino de Sociologia, mas não impediu a obtenção de dados relevantes para a análise de conteúdo. Todos os 21 textos foram categorizados em naturalização. Porém, embora nenhum texto tenha sido categorizado em desnaturalização, dez estudantes que tiveram aulas de Sociologia no ano anterior apresentaram em suas redações conceitos característicos da teoria sociológica. O problema, é que em todos estes textos não se observauma articulação coerente destes conceitos com seus sentidos concretos, fazendo com que essas contextualizações sejam confusas e equivocadas, destituídas de perspectiva histórica e de perspectiva quanto à mudança social. Dessa forma, apesar de algumas mensagens identificarem diferentes formas de desigualdades sociais, nenhuma delas apresentou o conjunto de critérios da categoria desnaturalização. Como se pode observar nos três trechos selecionados: “Minha opinião sobre a desigualdade social é que a sociedade está dividida e muito mal dividida em classes [...]. Pouco abaixo das classes estão os miseráveis, seja lá qual é o nome dado a eles.” (O. B., 2º ano, teve um tempo de aula semanal comigo) “A verdade é que no mundo em que vivemos, os que têm mais condições são mais privilegiados que os que têm menos condições. Até a distribuição de poder é distribuída diferenciadamente. É muito poder e dinheiro nas mãos de poucos e pouco poder (quase nada) e dinheiro escasso na mão da maioria. Levando essa maioria com menos condição a se submeter aos poderosos.” (W. R., idem) “A desigualdade social no mundo em que vivemos está um pouco avançada. Pois cada dia cresce o preconceito, o racismo e até mesmo a pobreza. [...] ninguém é melhor que ninguém, apenas diferente! (M. M., idem) As limitações apresentadas nessas argumentações não possibilitam anunciar que seus produtores desnaturalizaram suficientemente as relações sociais. Os estudantes do terceiro ano6 começaram a ter aulas de Sociologia a partir do ano anterior, em dois tempos de aula semanal e utilizaram o livro didático7 durante o 3º e 4º bimestres. Dos 27 textos analisados, seis foram categorizados em desnaturalização. 5 Dos 21 estudantes, apenas 15 pertenciam haviam estudado comigo no ano anterior, destes, 12 vieram do primeiro ano (tendo assistido a uma aula semanal de 50 minutos) e três são repetentes (tendo assistido a duas aulas semanais de 50 minutos). A formação dos demais estudantes é a seguinte: uma aluna veio de outra escola pública teve um tempo semanal de Sociologia; uma aluna veio do curso normal teve dois tempos semanais de Sociologia; uma aluna veio do turno da noite e não teve Sociologia; duas alunas vieram de escolas particulares e não tiveram Sociologia; um aluno veio de escola particular com um tempo semanal de Sociologia. 6 24 estudantes estudaram comigo em 2010 nas turmas 2001 (manhã) e 2002 (tarde); dois são repetentes e também estudaram comigo; uma aluna veio da rede privada, onde teve um tempo de aula semanal. 7 OLIVEIRA, Luiz & COSTA, Ricardo. Sociologia para jovens do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Imperial Novo Milênio, 2007. 9 Dentre as redações categorizadas em naturalização, três expressaram apenas influências características do senso comum e, as demais foram assim classificadas por não alcançarem todos os critérios da desnaturalização. Observe os trechos de algumas dessas redações: “[...] a sociedade é assim desde a pré-história.” (F. S., 3º ano, não-repetente) “Desigualdades sociais ‘é’ um fato que sempre ocorrerá em nosso dia a dia, [...]. Conclusão: classes sociais contribuem para as desigualdades sociais.” (U. C., idem) “O mundo ‘ao’ decorrer de um longo tempo vem sofrendo com diversas desigualdades sociais as quais estamos atrelados [...].” (E. L., 3º ano, repetente) “A desigualdade social é uma divisão de classes, as mais ricas e as mais pobres.” (L. F., 3º ano, não-repetente) Da mesma forma que as redações do segundo ano percorreram caminhos de interpretação estéreis, indo do fatalismo à confusão teórica, essas redações do terceiro ano padeceram do mesmo problema8. Alguns estudantes distanciaram-se do conteúdo trabalhado em sala de aula – demonstrando limitações na articulação dos conceitos com suas respectivas definições –, aproximando suas argumentações do senso comum. Contudo, seis alunos conseguiram desenvolver o tema proposto, mediando os conteúdos trabalhados durante as aulas de Sociologia com suas interpretações, alcançaram os critérios da desnaturalização, demonstrando não apenas estranhar as relações sociais, mas também certa capacidade de abstração. Pode-se compreender isso ao ler os trechos selecionados: “Não é de hoje que a sociedade presencia um dos pontos mais discutidos pela humanidade, a desigualdade social. [...] Todo dia há uma notícia decorrente dessa situação. [...] Isso sempre foi uma muralha que separa a sociedade socialista da capitalista. E até quando será assim?” (L. S., 3º ano, não-repetente) “Falar sobre desigualdades sociais é um assunto muito amplo e demorado, pois mesmo estando no séc. XXI há muitas desigualdades. [...] A desigualdade também toca no assunto do preconceito [...] Espero que no futuro, seja aniquilada essa tal desigualdade social.” (W. C., idem) “A desigualdade social é um dos, se não o maior problema que existe no mundo. [...] Cada vez maior, a desigualdade é como uma linha imaginária que separa ricos e pobres, brancos e negros. É um problema que parece ser sem solução por sua proporção, mas [...] essa solução só terá efeito a longo prazo [...].” (J. S., idem) 8 Fatalismo: primeiro trecho. Confusão teórica: segundo, terceiro e quarto trechos. 10 “Tudo o que eu achava ser verdade, se foi; toda esperança que existia está desaparecendo. Quanto mais o tempo passa vejo que faço parte de um sistema cruel [...]. Enquanto houver prole eu acredito em mudança, mesmo que não esteja aqui para ver!” (T. M., idem) Ao discorrer sobre o tema por meio de indagações e análises dentro da perspectiva histórica e social, avalio que esses estudantes conseguiram minimamente instrumentalizar os conteúdos trabalhados nas aulas de Sociologia em seus dizeres. Além disso, eles conduziram suas argumentações apontando alguma complexidade do tema e as dificuldades em transformar as condições de vida, sem abandonar a possibilidade de mudança da ordem social, mesmo que isto aconteça no futuro e que não se possa estar “aqui para ver”. Nota-se, portanto, que esses estudantes desnaturalizam o mundo que os cerca, construindo uma análise distanciada dos ideais oriundos do senso comum. Considerações finais Após o processo de categorização de todo o material de pesquisa, os resultados obtidos foram os seguintes: Embora os resultados quantitativos desta pesquisa não constituam a única e nem a mais importante referência para interpretar o material coletado, eles indicam que há problemas quanto ao alcance de um dos principais objetivos do meu planejamento didático: a desnaturalização. Desse modo, mesmo que a análise das redações tenha polarizado os textos em apenas duas categorias – naturalização e desnaturalização – e as condições de coleta das redações possam ter influenciado no resultado quantitativo, esta análise de conteúdo deixou em evidência a dificuldade que a maioria dos estudantes dessa escola enfrentou para reconhecer e utilizar os conteúdos aprendidos (habilidade) e para articular o conjunto destes conteúdos ao elaborar uma análise sobre o tema proposto (competência). 1º ano 2º ano 3º ano Total Naturalização 69 21 21 111 Desnaturalização 04 00 06 10 11 Além disso, devo destacar que os resultados desta pesquisa significam necessariamente que os atuais estudantes do C. E. Lauro Corrêa vivenciem um contexto destituído de possibilidades quanto à desnaturalização. Afinal, a dinâmica da vida social transforma continuamente a atuação dos atores inseridos no ambiente escolar. Sendo assim, é importante ressaltar que os problemas identificados possibilitam ajustes no planejamento das aulas de Sociologia. Uma situação muito bem observada por Carvalho, quando a autora argumenta que: “a sociologia não está sendo convocada para ilustrar enciclopedicamente os jovens do mundo,mas para imprimir hábitos e uma cultura intelectual ligados àquela disciplina - principalmente a crítica à naturalização do que é histórico, às formas explícitas e disfarçadas de etnocentrismo, ao preconceito. Por essa razão, afirma Lahire, as ciências sociais são de importância primordial na Cidade democrática contemporânea. São, enfim, uma forma racional e laica, em oposição às formas religiosas e doutrinárias, de socialização de valores. (CARVALHO, 2010, p. 03)” Ou seja, o professor de Sociologia da Educação Básica não cumpre um sacerdócio, mas sim o dever de auxiliar seus estudantes na compreensão do contexto histórico e social que produzem as relações sociais, de maneira que eles possam conquistar mais autonomia diante das suas condições de vida. E, mesmo que a Escola pública brasileira esteja enfrentando uma série de problemas, ela ainda representa o mais importante espaço de formação dos trabalhadores brasileiros e da sociedade como um todo. E, diante da complexidade que envolve as condições de aprendizagem dos estudantes e as dificuldades impostas ao trabalho do professor, a pesquisa sobre o Ensino de Sociologia é essencial para possamos construir uma prática balizada na autonomia docente e discente. Principalmente, porque a dinâmica das relações sociais que interferem no cotidiano escolar exige do educador uma contínua compreensão tanto da realidade na qual está inserido quanto das necessidades subjetivas dos estudantes. 12 Referências bibliográficas: BOMENY, Helena et alli. O que os jovens podem querer com a Sociologia? Campinas: Boletim CEDES, 2010. BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio. Volume 3 – Ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Básica, pp 101-133, 2006b. _______. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997c. BURGOS, Marcelo Baumann. Sociologia no Ensino Médio: Oportunidade de inovação na escola e na universidade. Campinas: Boletim CEDES, 2010. CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Sociologuês: Linguagem para uma vida raciocinada. Campinas: Boletim CEDES, 2010. DAYRELL, Juarez. A Escola "Faz" as Juventudes? Reflexões em Torno da Socialização. Campinas, vol. 28, n. 100: CEDES, 2007. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). A análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 29 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2010. SAES, Décio Azevedo Marques de & Alves, Maria Leila. A Complexidade do Real: A Diversidade dos Conflitos Sociais Na Escola Pública. São Bernardo do Campo/SP: UMESP. SAES, Décio Azevedo Marques de. Problemas vividos pela escola pública: do conflito social aos conflitos funcionais (uma abordagem sociológica). Revista Linhas Críticas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília – UNB, volume 10, no. 19, - p. 165-182, jul./dez., 2004.
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