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U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . i UFRJ UM SÉCULO DE PERNAMBUCANOS MAL CONTADOS: Estatísticas demográficas nos oitocentos Heitor Pinto de MOURA FILHO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. João Luís Ribeiro Fragoso Rio de Janeiro Junho 2005 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . i i UM SÉCULO DE PERNAMBUCANOS MAL CONTADOS: Estat ís t icas demográficas nos oi tocentos Heitor Pinto de MOURA FILHO Orientador: João Luís Ribeiro Fragoso Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Aprovada por: ______________________________ Presidente, Prof. João Luís Ribeiro Fragoso ______________________________ Prof. Tamás Szmrecsányi ______________________________ Prof. Manolo Florentino ______________________________ Prof. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (Suplente) ______________________________ Prof. Carlos Gabriel Guimarães (Suplente) Rio de Janeiro Junho 2005 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . i i i Moura Filho, Heitor Pinto de. Um século de pernambucanos mal contados. Estatísticas demográficas nos oitocentos/ Heitor Pinto de Moura Filho. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2005. xx, 180f.: il. xxcm. Orientador: João Luís Ribeiro Fragoso Dissertação (mestrado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós- gradução em História Social Referências bibliográficas: xxf. 1. Demografia histórica. 2. Pernambuco I. Fragoso, João Luís Ribeiro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós- graduação em História Social. III. Título. U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . i v UM SÉCULO DE PERNAMBUCANOS MAL CONTADOS: Estat ís t icas demográficas nos oi tocentos Heitor Pinto de MOURA FILHO Orientador: Prof. João Luís Ribeiro FRAGOSO RESUMO da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Trata da produção de estatísticas demográficas sobre Pernambuco no final do século XVIII e no século XIX, enfatizando a heterogeneidade das fontes e as discrepâncias entre elas. Depois de examinar os produtores de estatísticas e as muitas reações populares aos recenseamentos, resenha problemas conceituais encontrados ao se fazer uso dessas fontes em textos historiográficos. Estas dificuldades dizem respeito à delimitação do território, à compatibilização temporal e ao entendimento diacrônico dos conceitos que intitulam as estatísticas. Diversas fontes com referências sobre a população total de Pernambuco são analisadas. Os múltiplos fluxos de ordem social e demográfica que afetaram esta população são resenhados: tráfico africano, tráfico interprovincial e alforrias de escravos; imigração, migrações intraprovinciais e migrações interprovinciais de livres; natalidade e mortalidade. Discute os efeitos da mortalidade episódica decorrente de epidemias e convulsões sociais. É proposto modelo demográfico para estimar a população pernambucana em intervalos anuais, baseado em âncoras periódicas (totais reconhecidos como tendo maior precisão) e nos fluxos demográficos sociais e naturais conhecidos para este período. A partir da determinação de uma taxa de crescimento vegetativo única que leva a população inicial à final, considerando os fluxos dados, em cada intervalo entre âncoras, são determinadas séries populacionais de pessoas livres e escravos, em 4 regiões de Pernambuco (Recife, Zona da Mata, Agreste e Sertão). Esta modelagem, associada a padrões reconhecidos de natalidade e mortalidade, permite a suposição da existência, em certos períodos, de maiores fluxos de tráfico africano e de tráfico interprovincial do que registrados nas fontes e na bibliografia. E-mail: heitormoura@yahoo.com.br U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . v ONE CENTURY OF UNRECORDED PERNAMBUCANOS: Demographic s ta t is t ics in the 1800s Heitor Pinto de MOURA FILHO Supervisor: Prof. João Luís Ribeiro FRAGOSO ABSTRACT of the Dissertation presented to the Graduate Program in Social History-IFCS, of the Federal University of Rio de Janeiro, as part of the requirements for the concession of the title of Master in History. This dissertation deals with demographic statistics on Pernambuco during the late XVIIIth and XIXth centuries, emphasizing the heterogeneity of sources and the discrepancies among them. After examining the institutions responsible for the production of statistics and popular reactions to censuses, conceptual problems encountered when making use of these sources in historiographical texts are examined. These difficulties regard the delimitation of territories, temporal adequacy and the diacronic understanding of concepts which give title to statistics. Various sources which contain references to the total population of Pernambuco are analysed. The multiple flows of a social and demographic nature which affected this population are reviewed: African traffic, interprovincial traffic and slave manumission; immigration, intraprovincial and interprovincial migrations of the free population; births and deaths. The effects of episodic mortality in consequence of epidemics and social convulsions are discussed. A demographic model to estimate the population of Pernambuco at annual intervals is then proposed, based on periodic anchors (estimates recognized as having a greater precision) and the known social and natural flows in these intervals. Based on the determination of a natural growth rate which takes the initial population to the end population, given the known flows in each period between anchors, population series for free citizens and slaves, in 4 regions of Pernambuco (Recife, Zona da Mata, Agreste and Sertão) are calculated. This modeling, associated with recognized birth and death patterns, permits to envisage the existence, in certain periods, of African and interprovincial traffic greater than those registered in the sources or mentioned in the literature. E-mail: heitormoura@yahoo.com.br U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . v i AGRADECIMENTOS Aos fundamentais incentivadores de primeira hora, Renato Galvão Flôres Júnior, Dália Maimon e Michel Shiray, Afrânio Garcia e Marieta Moraes Ferreira. Aos Professores João L.R. Fragoso, José Augusto Pádua, Jacqueline Hermann e José Murilo de Carvalho, pela agradável e instrutiva convivência nos cursos do IFCS. Ao Professor Tamás Szmrecsányi por sua participação na banca de defesa da dissertação e por seu apoio durante o processo de pesquisa e redação, que incluiu desvios por textos preliminares sobre estatísticas açucareiras, tema que findou relegado a trabalhos futuros. Ao Professor Manolo Florentino, pelo oferecimento de dadosda pesquisa sobre o tráfico trans-atlântico de escravos e por sua participação nas bancas de qualificação e de defesa da dissertação. Ao Professor Antônio Carlos Jucá de Sampaio, por sua participação nas bancas de qualificação e suplência na defesa. Ao Professor Carlos Gabriel Guimarães, por sua participação como suplente na banca de defesa. Ao Professor Francisco José Silva Gomes, pelos comentários e referências sobre história da Igreja no Brasil. Ao Professor João Luís Ribeiro Fragoso pela recepção entre seus orientandos, pela dinâmica de discussões coletivas que marca sua orientação e pelos comentários precisos e proveitosos aos muitos textos que antecederam a este. Aos meus colegas do IFCS, co-orientandos do Professor João Fragoso, que participaram das discussões de textos que ajudaram a formar as idéias aqui expostas: Alexandre Vieira Ribeiro, Carlos Leonardo Kelmer Mathias, Célia Maria Loureiro Muniz, Cuca Machado, Daniel B. Domingues da Silva, Maria Fernanda Vieira Martins, Luciana Marinho Batista, Luiz Augusto Ebling Farinati, Martha Daisson Hameister, Roberto Guedes Ferreira, Tiago Luís Gil; com agradecimento especial a Cuca e Alexandre, pelo apoio na busca bibliográfica, e a Daniel, pelo oferecimento das importantes estatísticas que vem levantando sobre o tráfico africano. Às muitas pessoas que me ajudaram, desde as pesquisas anteriores à escolha deste tema, primeiro sobre as relações internacionais do Brasil no setor açucareiro, depois sobre U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . v i i estatísticas referentes a este setor em Pernambuco e, por fim, sobre demografia pernambucana: Danielle Sanches de Almeida e Tamara Rangel Vieira, estagiárias responsáveis pelo acúmulo de ampla bibliografia; Paulo Roberto Braga e Mello e seus colegas do Inmetro; Armênio Lobo da Cunha Filho e Janine Houard, pelo empréstimo de livros; Helena e João Pinheiro Lins, pelas sondagens no Recife; Luzilá Gonçalves Ferreira, José Raimundo Vergolino e seus colegas do IAHGP pelo apoio à pesquisa; Luiz de Barros Moreira, pelas buscas em São Paulo; Benedito Tadeu de Oliveira e Miriam Bahia, pela recepção em Belo Horizonte e Ouro Preto; Renato Pinto Venâncio, pela conversa simpática e sugestões de bibliografia. A Clara Sodré S. Gama, Cláudia M. Arantes da Silva e Patrícia L. Kegel, pela leitura e comentários precisos ao texto. A Lúcia Helena Pinheiro Lins, cuja alegre acolhida no Recife foi essencial para me possibilitar o levantamento de muito material nas fontes primárias do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. A meu pai, Embaixador Heitor Pinto de Moura, em cuja pernambucana pude dispor de raridades difíceis de encontrar numa única biblioteca. A meus pais, Déa e Heitor, sem cuja “régua e compasso” não teria existido esta dissertação. A Ângela de Araújo Pôrto, companheira de todas as horas, pelas pesquisas criteriosas e revisões sistemáticas. A Ângela, ainda, e a Eleonora, minha filha, um carinho especial pela compreensão e apoio nesses tempos “mono-temáticos”. U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . v i i i SUMÁRIO RESUMO .............................................................................................................................................. iv ABSTRACT ............................................................................................................................................v AGRADECIMENTOS......................................................................................................................... vi SUMÁRIO .......................................................................................................................................... viii LISTA DE QUADROS ..........................................................................................................................x LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................................... xii INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................13 CAPÍTULO I .......................................................................................................................................26 1. OS PRODUTORES DE ESTATÍSTICAS ................................................................................27 2. REAÇÕES A RECENSEAMENTOS........................................................................................35 3. DIFICULDADES CONCEITUAIS............................................................................................39 3.1. A DEFINIÇÃO TERRITORIAL ........................................................................................40 3.2. FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL ...............................................................51 3.3. ASPECTOS TAXONÔMICOS ..........................................................................................52 4. ALGUMAS FONTES PARA A DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA DO SÉCULO XIX 58 4.1. PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS ........................59 4.2. LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824 ........................................61 4.3. LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 ATÉ 1871.............................................68 4.4. O RECENSEAMENTO DE 1872 E DADOS POSTERIORES..........................................71 4.5. PANORAMA DAS AVALIAÇÕES POPULACIONAIS.....................................................74 CAPÍTULO II.......................................................................................................................................78 5. DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS...................................................................79 5.1. OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO ......................................................................................79 5.2. TRANSPORTE FERROVIÁRIO .......................................................................................82 5.3. MIGRAÇÕES INTERNAS ................................................................................................86 5.4. IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA..........................................................................................89 5.5. ESCRAVIDÃO – TRÁFICO AFRICANO .........................................................................95 5.6. ESCRAVIDÃO – TRÁFICO INTERPROVINCIAL...........................................................98 5.7. ESCRAVIDÃO – ALFORRIAS .......................................................................................102 6. DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS BIOLÓGICOS .......................................................104 6.1. OS CEMITÉRIOS PÚBLICOS .......................................................................................104 6.2. MORTALIDADE EPISÓDICA .......................................................................................107 6.3. MORTALIDADE NATURAL ..........................................................................................109 6.4. NATALIDADE ................................................................................................................112 6.5. CRESCIMENTO VEGETATIVO ....................................................................................113 7. DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO................................................................116 7.1. AS REGIÕES PERNAMBUCANAS................................................................................116 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . i x 7.2. FINAL DO SÉCULO XVIII ............................................................................................1187.3. INÍCIO DO SÉCULO XIX..............................................................................................119 7.4. MEADOS DO SÉCULO XIX ..........................................................................................120 7.5. CENSO DE 1872 ............................................................................................................121 7.6. ENTORNOS DA ABOLIÇÃO .........................................................................................122 7.7. CENSOS DE 1890 E 1900..............................................................................................122 CAPÍTULO III ..................................................................................................................................123 8. UM MODELO DEMOGRÁFICO NÃO-EXPLICATIVO....................................................124 8.1. O MODELO, SEUS OBJETIVOS E CONCLUSÕES ....................................................124 8.2. CONJUNTOS DEMOGRÁFICOS E REGIÕES .............................................................128 8.3. MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS...............................................................................129 8.4. CRITÉRIOS GERAIS DA MODELAGEM......................................................................131 8.5. ÂNCORAS PARA A POPULAÇÃO TOTAL E SUA DISTRIBUIÇÃO............................132 9. ESTIMATIVA DOS MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS ..................................................143 9.1. NATALIDADE ................................................................................................................143 9.2. MORTALIDADE EPISÓDICA .......................................................................................143 9.3. MORTALIDADE NATURAL ..........................................................................................144 9.4. IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA........................................................................................144 9.5. MIGRAÇÃO INTERPROVINCIAL.................................................................................145 9.6. TRÁFICO E ALFORRIA DE ESCRAVOS......................................................................145 10. SÉRIES ESTIMADAS..........................................................................................................147 10.1. RESULTADO – POPULAÇÃO CATIVA........................................................................147 10.2. RESULTADO – POPULAÇÃO LIVRE...........................................................................156 10.3. ROTAS PARA PESQUISA..............................................................................................160 CONCLUSÃO ....................................................................................................................................162 FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................165 ANEXOS .............................................................................................................................................178 ANEXO 1 – POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL ...........179 ANEXO 2 – POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, POR REGIÃO .............................................182 ANEXO 3 – POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA, POR REGIÃO ..............................................185 ANEXO 4 – POPULAÇÃO CATIVA ESTIMADA, POR REGIÃO ...........................................188 ANEXO 5 – FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO LIVRE...................191 ANEXO 6 – FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO CATIVA................194 ANEXO 7 – DESCRIÇÃO DOS CÁLCULOS DO MODELO......................................................197 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . x LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Existência de estatísticas populacionais referentes ao Recife ou a Pernambuco nos relatórios dos presidentes da Província de Pernambuco (1838 a 1888) ...........................33 Quadro 2 – Data das separações políticas e eclesiásticas de Pernambuco .............................................43 Quadro 3 – Esquema da composição e sobreposição de hierarquias na administração da província ....45 Quadro 4 – Justiça brasileira no período imperial..................................................................................47 Quadro 5 – Pernambuco (1859). Topônimos coincidentes para comarca, termo, município e freguesia/paróquia ............................................................................................................49 Quadro 6 – Alguns relatos de viajantes que mencionam aspectos demográficos de Pernambuco.........61 Quadro 7 – Abrangência geográfica das fontes e estimativas correspondentes para PE1 .....................67 Quadro 8 – Fontes sobre população escrava total em Pernambuco, entre 1872 e 1888.........................73 Quadro 9 – Pernambuco. Tráfego ferroviário e população ....................................................................85 Quadro 10 – Chegada das estradas de ferro ao interior de Pernambuco ...............................................85 Quadro 11 – Pernambuco. População residente, segundo a nacionalidade, 1872..................................93 Quadro 12 – Algumas estimativas do tráfico interprovincial de escravos, por origem........................100 Quadro 13 – Tráfico interprovincial 1877-1880 ..................................................................................101 Quadro 14 – Fontes sobre população de escravos matriculados, entre 1872 e 1888 ...........................102 Quadro 15 – Regimes brasileiros de mortalidade episódica no século XIX, segundo M.L.Marcílio ..108 Quadro 16 – Epidemias ocorridas no Recife durante a segunda metade do século XIX .....................109 Quadro 17 – Regimes brasileiros de mortalidade natural no século XIX, segundo M.L.Marcílio ......110 Quadro 18 – Referências sobre mortalidade natural ............................................................................111 Quadro 19 – Regimes brasileiros de fecundidade no século XIX, segundo M.L.Marcílio..................112 Quadro 20 – Algumas comparações entre natalidade e mortalidade de livres e escravos ...................113 Quadro 21 – Natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo da população brasileira, segundo Nadalin apud Merrick & Graham...................................................................................114 Quadro 22 – Crescimento vegetativo da população brasileira no século XIX, a partir da tipologia de M.L.Marcílio ..................................................................................................................115 Quadro 23 – Pernambuco. Levantamentos populacionais de 1782 e 1788..........................................119 Quadro 24 – Pernambuco. Levantamentos populacionais do início do século XIX ............................119 Quadro 25 – Pernambuco. Levantamentos populacionais em meados do século XIX ........................120 Quadro 26 – Pernambuco. População residente, segundo a condição civil, 1872 ...............................121 Quadro 27 – Movimentos anuais a serem modelados..........................................................................130 Quadro 28 – Âncoras empíricas utilizadas no modelo.........................................................................133 Quadro 29 – Distribuição regional da população total em 1800 ..........................................................134 Quadro 30 – Distribuição regional da população em 1800 – livres e escravos....................................134 Quadro 31 – Distribuição regional da população total em 1815 ..........................................................135 Quadro 32 – Distribuição regional da população em 1815 – livres e escravos....................................135 Quadro 33 – Distribuição regional da população total em 1830 ..........................................................136Quadro 34 – Distribuição regional da população em 1830 – livres e escravos....................................136 Quadro 35 – Distribuição regional da população total em 1845 ..........................................................137 Quadro 36 – Distribuição regional da população em 1845– livres e escravos.....................................137 Quadro 37 – Distribuição regional da população total em 1860 ..........................................................138 Quadro 38 – Distribuição regional da população em 1860 – livres e escravos....................................138 Quadro 39 – Estimativa da população em 1872...................................................................................140 Quadro 40 – Distribuição regional da população total em 1872 ..........................................................140 Quadro 41 – Distribuição regional da população em 1872 – livres e escravos....................................140 Quadro 42 – Âncoras para a população cativa, pós 1872 ....................................................................141 Quadro 43 – Distribuição regional da população em 1890 e 1900 ......................................................142 Quadro 44 – Referências sobre mortalidade episódica incorporadas aos cálculos do modelo ............143 Quadro 45 – Pernambuco. Tráfico de importação 1800-1855. Diversas fontes...................................146 Quadro 46 – Decomposição dos fluxos por período da estimativa, 1ª iteração ...................................148 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . x i Quadro 47 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, por período da estimativa, 1ª Iteração ...........................................................................................................................148 Quadro 48 – Taxas de crescimento vegetativo, por período, 2ª iteração (redução da população de 1845 e aumento da população de 1830 em 10%) ....................................................................150 Quadro 49 – Taxas de crescimento vegetativo, por período da estimativa, 3ª iteração (sem alforrias de 1800 a 1845 e com redução vegetativa fixa para 1831- 1845) .......................................150 Quadro 50 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, por período da estimativa, 4ª Iteração ...........................................................................................................................152 Quadro 51 – Decomposição dos fluxos por período da estimativa, 5ª iteração ...................................152 Quadro 52 – Decomposição das variações na população cativa (estimativa final) em médias anuais 155 Quadro 53 – Decomposição percentual das variações na população cativa (estimativa final) ............155 Quadro 54 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, por período da estimativa, 1ª Iteração (livres)...............................................................................................................156 Quadro 55 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, 2ª Iteração (livres, com migração líquida)............................................................................................................157 Quadro 56 – Decomposição dos fluxos por período da estimativa, 5ª iteração ...................................157 Quadro 57 – Decomposição das variações na população livre (estimativa final) em médias anuais...158 Quadro 58 – Decomposição percentual das variações na população livre (estimativa final) ..............159 Quadro 59 – Pernambuco. População estimada, segundo a condição civil (1800 a 1834) ..................179 Quadro 60 – Pernambuco. População estimada, segundo a condição civil (1835 a 1869) ..................180 Quadro 61 – Pernambuco. População estimada, segundo a condição civil (1870 a 1900) ..................181 Quadro 62 – Pernambuco. População total estimada, por região (1800 a 1834) .................................182 Quadro 63 – Pernambuco. População total estimada, por região (1835 a 1869) .................................183 Quadro 64 – Pernambuco. População total estimada, por região (1870 a 1900) .................................184 Quadro 65 – Pernambuco. População livre estimada, por região (1800 a 1834) .................................185 Quadro 66 – Pernambuco. População livre estimada, por região (1835 a 1869) .................................186 Quadro 67 – Pernambuco. População livre estimada, por região (1870 a 1900) .................................187 Quadro 68 – Pernambuco. População cativa estimada, por região (1800 a 1834) ...............................188 Quadro 69 – Pernambuco. População cativa estimada, por região (1835 a 1869) ...............................189 Quadro 70 – Pernambuco. População cativa estimada, por região (1870 a 1900) ...............................190 Quadro 71 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População livre (1800 a 1834) ..............191 Quadro 72 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População livre (1834 a 1869) ..............192 Quadro 73 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População livre (1870 a 1900) ..............193 Quadro 74 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População cativa (1800 a 1834)............194 Quadro 75 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População cativa (1834 a 1869)............195 Quadro 76 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População cativa (1870 a 1900)............196 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . x i i LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Mapa com as fronteiras da capitania de Pernambuco de 1799 até 1817, incluindo as Alagoas e a Comarca do São Francisco..............................................................................41 Figura 2 – Brasil. Estrutura do Poder Judicial........................................................................................47 Figura 3 – Pernambuco. População total segundo as diversas fontes compiladas .................................75 Figura 4 – Pernambuco. Dados sobre população total, com indicação de estimativas super ou subestimadas. ......................................................................................................................75 Figura 5 – Pernambuco. Estimativas para o total da população cativa, segundo as diversas fontes compiladas. .........................................................................................................................76 Figura 6 – Pernambuco. Estimativas para o total da população cativa, com indicação de estimativas super ou subestimadas. .......................................................................................................76 Figura 7 – Exportações de algodão do Recife para Portugal (em mil arrobas) ......................................81 Figura 8 – Rede de ferrovias (traço largo) e principais estradas (traços finos) em Pernambuco na segunda metade do século XIX, com data do início do tráfego ferroviário. ......................83 Figura 9 – Evolução do tráfego anual de passageiros (em ambos os sentidos) nas estradas de ferro de Pernambuco. (Eixo de tráfego em escala logarítmica) .......................................................84 Figura 10 – Pernambuco. Tráfego anual de passageiros nas estradas de ferro (em ambos os sentidos). Total de todas as estradas-de-ferro, com indicação dos períodos de maior crescimento. (Eixo de tráfego em escala logarítmica) .............................................................................84 Figura 11 – Freqüência e intensidade de secas no Nordeste durante o século XIX...............................87 Figura 12 – Pernambuco, 1872. Distribuição regional da população livre total e dos estrangeiroslivres ............................................................................................................................................94 Figura 13 – Pernambuco. Importação anual de escravos. ......................................................................95 Figura 14 – Pernambuco. Importação anual de escravos. Diversas fontes e estimativas.......................96 Figura 15 – Pernambuco e “Norte da Bahia”. Importação anual de escravos. Duas estimativas...........97 Figura 16 – Pernambuco. Algumas estimativas de saídas de escravos. .................................................99 Figura 17 – Pernambuco. Estimativas de saídas, entradas e saídas líquidas de escravos no Recife, segundo registros oficiais (1840-1871) ..............................................................................99 Figura 18 – Salvador. Exportação anual de escravos. ..........................................................................101 Figura 19 – Regiões modeladas ...........................................................................................................129 Figura 20 – População de escravos estimada. ......................................................................................147 Figura 21 – Componentes da variação demográfica ............................................................................149 Figura 22 – População de escravos. Estimativa final. ..........................................................................153 Figura 23 – Fluxos de aumento e redução da população escrava (iteração final) ................................154 Figura 24 – Fluxos de aumento e redução da população livre (iteração final).....................................158 Figura 25 – População estimada de Pernambuco, total, livres e escravos ...........................................159 Figura 26 – Nossa estimativa e das múltiplas fontes para a população de Pernambuco......................160 U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 3 INTRODUÇÃO “... the historian who dispenses with quantifiable statistical information is as likely to present a partial, one-sided view as the historian who believes that only the quantifiable data are relevant.”1 – Geoffrey Barraclough, Main Trends in History, 1978 Ainda não transcorreu um século desde que historiadores passaram a considerar uma série estatística como objeto lícito e desejável para suas investigações. Desde então, muito se escreveu sobre o que eram ou deveriam ser tais séries, sobre sua validade e seus limites na análise histórica. A distinção entre seu emprego em história, por historiadores, e nas demais ciências sociais, por seus respectivos profissionais, rendeu polêmicas e posicionamentos aguerridos. Sua participação como “teste empírico” em modelagens matematizadas pelos defensores de teorias funcionalistas – que enfatizam a integração social – angariou para os métodos quantitativos em geral uma antipatia apriorística da parte dos defensores das teorias que se opunham a estas, enfatizando o conflito social2. Independentemente do “apartheid” metodológico, no entanto, o emprego sistemático de séries estatísticas à moda dos Annales, fora de modelos quantitativos, tornou-se um procedimento reconhecido pela historiografia. Nas últimas décadas, as discussões envolvendo aspectos interpretativos e textuais da produção científica abriram dimensão adicional nessas polêmicas, que até então se travavam primordialmente em face das oposições empírico–teórico e integração–conflito. Desde então, seja a tradicional “âncora empírica” dos historiadores, proporcionada pelas fontes, seja o ímpeto analítico dos cientistas sociais, mais propenso a aceitar construções teóricas – representantes de uma realidade, mas irreais, por não corresponder a nenhum evento, pessoa ou processo – viram-se relegados a planos secundários frente às questões semióticas. Nesse novo contexto epistemológico, houve reação crescente à historiografia fundada na descrição estatística. Esta reação não atacou características quantitativas do método, antes criticando a ausência de atenção a aspectos sociais e individuais pouco propensos à quantificação. Em 1 “O historiador que dispensa a informação quantificável é tão propenso a oferecer uma visão parcial, distorcida, quanto o historiador que acredita que só os dados quantificáveis são relevantes” (Barraclough, 1991:87). 2 Adotamos aqui a tipologia empregada por Ciro F. Cardoso em (Cardoso, 1998b). U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 4 meio às críticas pós-modernas, o antigo debate opondo métodos quantitativos aos não quantitativos perdeu sua motivação diante da ênfase em pluralidade de construções e “leituras” admitidas como válidas e, portanto, irrefutáveis pela produção de provas empíricas – tarefa a que se destinavam essencialmente as estatísticas. Mais recentemente, o anti-realismo pós-moderno vem-se mostrando suscetível a críticas que, para aqueles mais próximos a filosofias realistas, abalam fundamentalmente seu embasamento epistemológico, afigurando-se agora bem menos “inevitável” do que afirmam seus propaladores (Cardoso, 1998a; 1998b:111). Por outro lado, muitas das práticas historiográficas desenvolvidas durante as últimas décadas, à sombra da virtual hegemonia pós-moderna, foram assimiladas por historiadores para quem o uso de fontes e métodos quantitativos não significa, necessariamente, desconhecimento ou pouco caso com relação aos temas e procedimentos discutidos durante essas décadas, incluindo destacadamente aqueles focados pela microstoria, por vezes apagados diante dos debates epistemológicos. Comentando o exagero de certas críticas à história baseada em informações estatísticas seriadas, João Fragoso lembrou, em 2001, que: “Insiste-se em duvidar das investigações que procuram apreender as regularidades observáveis e, com isso, construir quadros explicativos. Acredita-se, ainda, que essa “decrépita” abordagem deixaria os comportamentos e o acaso, isto é, a experiência social, de fora. (...) Mas se esquece que a apreensão de tais conflitos e solidariedades como características da vida dos grupos sociais pressupõe o estudo da regularidade daqueles fenômenos. Somente com isso seria possível elaborar teorias, explicar o porquê dos conflitos e do acaso no “cotidiano” dos grupos sociais” (Fragoso, 2002:31). Tendo a prática acadêmica, após décadas de polêmicas, chegado, talvez não a um entendimento, mas certamente a um convívio metodológico, cabe-nos apurar em que essas questões podem afetar a aplicação dos métodos quantitativos em história. Quiçá tal apuração possa favorecer maior equilíbrio entre perspectivas metodológicas, eventualmente desmontando, mesmo que parcialmente, algumas mitologias pós-modernas, a toques estatísticos de São Tomé: eis aqui, foi assim. O assunto, contudo, requer cuidados. Como empregar os métodos estatísticos – isto é, recursos aplicáveis a conjuntos formados por elementos repetidos ou repetíveis – em contextos históricos, a princípio únicos e, portanto, não repetíveis ? Procurando evitar controvérsias desnecessárias, queremos deixar logo claro que não pretendemos ver empregados, na história, métodos e padrões de precisão próprios às ciências U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 5 físicas ou biológicas, ou mesmo às ciências sociais matematizadas3. Trata-se, antes de tudo, no quotidiano das práticas quantitativas, de evitar iludir o leitor (ou mesmo de não se iludir) com uma precisão numérica irreal. Para isso, é preciso reconhecer e explicitar as lacunas,os acréscimos, os erros e as dúvidas inevitavelmente embutidos em seus números, mas opacos ao leitor. Os manuais descrevem as técnicas estatísticas, mas pouco abordam das relações entre validade de fontes e validade dos argumentos estatísticos produzidos sobre tais informações. Ou seja, mesmo que um conjunto de dados tabulados tenha significado estatístico intrínseco, qual a relevância e coerência, na argumentação desenvolvida, de suas informações originais, que foram traduzidas para estatísticas e conceitos historiográficos ? Os métodos matemáticos se impõem, por natureza, como invariantes frente a suas aplicações. Ora, a epistemologia da história sempre procurou distinguir a historiografia tanto das práticas científicas nomotéticas – físicas, biológicas ou mesmo sociais – quanto, mais recentemente, das práticas com maior conteúdo interpretativo e textual, como teoria literária ou psicanálise. Afirma que a prática da história não pode aspirar a conteúdo teórico semelhante ao das ciências nomotéticas ou mesmo ao das ciências sociais, por lidar, por definição, com eventos, indivíduos e processos únicos e posicionados inarredavelmente na linha do tempo. Por outro lado, também ficou claro, na discussão sobre o conteúdo ficcional da historiografia, que a história se distingue do grupo das práticas mais interpretativas justamente por essa “âncora empírica”, representada pelas fontes, que de fato oferecem aos historiadores conteúdo objetivo, pouco maleável pelas opções “narrativas” de se fazer história4. Em termos epistemológicos, os métodos estatísticos buscam lidar, exatamente, com as relações entre o empírico e o teórico. Tanto nas ciências nomotéticas como nas sociais, tornaram-se um instrumento da teorização a partir da descrição estatística. Surge daí a questão: se tantos historiadores recusam aceitar a preeminência ou, até, a necessidade da teoria na prática historiográfica, porque aceitariam sem qualificativos um instrumental 3 Para um resumo de abordagens quantitativas em história, ver (Barraclough, 1991; Linhares & Silva, 1981); sobre métodos e técnicas quantitativas em história, (Cardoso & Brignoli, 1979; Hudson, 2000; Kula, 1973); para uma exposição abrangente da oposição entre os “estilos analítico e continental”, (Toninelli, 2002). 4 O tema é ampla e interessantemente desenvolvido em (Rüsen, 2001). Falando da produção historiográfica brasileira na década de 1990, Fico (2000:28), descreve ambiente semelhante, deixando clara a sobrevivência de “maquisards realistas”: “O ceticismo quanto às teorizações totalizantes, a opção por objetos discretos, particulares ou mesmo singulares, e a busca por equacionamentos conceituais ad hoc seriam os traços que definiriam a maioria dos trabalhos brasileiros recentes, traços estes bastante correlacionados às críticas provenientes da filosofia e da teoria literária acerca da impossibilidade gnoseológica de referência ao real. Porém, não parece subsistir nenhuma dúvida quanto a essa possibilidade, dentre os historiadores do Brasil ou alhures, que, mesmo quando infensos às pretensões cientificistas, não abdicam da crença na capacidade das fontes documentais constituírem-se em vestígios seguros do passado – capacidade amplamente posta em dúvida pelas críticas mais radicais, inclusive brasileiras, segundo as quais é indiscutível o estatuto criativo e convencional do documento histórico que, tal como o literário, gera um “fictício” e, portanto, não refere uma verdade objetiva indiferente àquela permeada por seus efeitos de sentido.” [nosso grifo] U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 6 concebido e utilizado para “fazer teoria a partir do empírico” ?5 Existem, de fato, “zonas cinzentas”, que aproximam a história seja da teoria – através de construções como as de inspiração marxistas ou, noutro universo, as modelagens econométricas, seja das práticas interpretativas-textuais – através da história das idéias ou de personae sociais, ou ainda pela utilização historiográfica de métodos interpretativos. Não acreditamos, contudo, que isto altere as distinções fundamentais entre o núcleo da prática da história e os núcleos das demais práticas científicas e interpretativas. Um dos resultados que esperamos emirja dessa dissertação é mostrar que o emprego, em si, de técnicas quantitativas não deve servir para incluir um tipo de argumentação na historiografia ou para excluí-la da historiografia. Tal classificação decorre muito mais de como isso é feito e do uso que se dá à informação obtida, do que dos simples fatos de serem numérica a informação e matematizado o método de seu tratamento. Mesmo que os métodos matemáticos e estatísticos sejam uniformes para todos, ao postular para a historiografia um relacionamento especial entre o empírico e a teoria, não podemos deixar de examinar as relações estendidas, por tais operações, entre as fontes e nossos argumentos. Enquanto, nas ciências nomotéticas, se considera que a aplicação de procedimentos estatísticos não só “não altera os dados originais” como até “identifica regularidades científicas”, pode-se dizer o mesmo de uma prática que preza a unicidade de seus “dados” ? Em que medida pode-se considerar “repetição” de um evento ou de um processo o que transcorreu noutro lugar ou noutro momento, inevitavelmente dentro de outro contexto histórico ? Cabe atentarmos, portanto, para o significado, dentro de cânones historiográficos, de resultados obtidos pela aplicação de métodos estatísticos, que se baseiam fundamentalmente nessa repetição. Witold Kula abordou o mesmo problema a partir da noção de que a estatística trata de fenômenos coletivos: “Según la definición de Schule, ‘el método estadístico constituye un modo específico de análisis numérico de un tipo especial de fenómenos colectivos’. Cada manual de estadística aclara lo que se entiende por ‘modo específico de análisis numérico’, sobre todo respecto a su contenido. Pero el concepto de fenómeno colectivo requiere ser analizado más detenidamente, sobre todo por los historiadores.” (Kula, 1973:252) Segue, reforçando a idéia de conjunto: “...de tal definición resulta que el objeto del análisis debe ser alguma conjunción, algún agregado...”, mas logo em seguida aparentemente se contradiz: “Por otra parte, la colectividad o el agregado analizado no debe compornese de 5 Nem precisamos nos referir aqui àqueles que, de fato, buscam a teorização e, portanto, estão em seu direito de recorrer a ferramenta própria para isto. U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 7 unidades similares o por lo menos similares desde el punto de vista de la investigación.” Ou seja: “Este agregado no puede compornese de unidades sinónimas pero tampoco de unidades heterogéneas. Las unidades que lo componen, deben poderse adicionar en cualquier grado, poseer algún ‘denominador común’. ” Procurando resumir a idéia de Kula, é preciso que haja suficientes semelhanças entre as entidades para que formem um conjunto reconhecível e cuja agregação tenha significado lógico; mas que, ao mesmo tempo, os membros desse conjunto possam ser classificados ou ordenados segundo outra ou outras características que os diferenciem entre si. É dessa oposição que deverá surgir a análise estatística: semelhantes classificados, contados e ordenados segundo suas dessemelhanças. Cabe lembrar que esta abordagem, bastante genérica, feita por Kula, historiador polonês que escreveu principalmente durante as décadas de 1950 e 60, num contexto marxista, dá conta tanto de categorias claramente teóricas, como classes sociais, quanto de categorias mais reconhecidamentedescritiva, como homens e mulheres, por exemplo. Ou seja, este embasamento para métodos estatísticos é transparente a diversas opções teórico- metodológicas. Para a historiografia, esses comentários dizem respeito essencialmente ao elo entre as fontes e a análise – isto é, o modo de combinar seleção de categorias, especificação de problemas e proposição de um entendimento feito pelo historiador sobre suas fontes e sobre o corpus historiográfico que maneja. O uso de métodos matematizados na prática historiográfica, no entanto, depara-se com uma dificuldade adicional importante, que decorre de característica muito própria desses métodos. Constatamos que existe, nas técnicas quantitativas, uma gradação de complexidade lógica, acompanhada por um distanciamento crescente entre o objeto inicial contado ou medido e os sucessivos objetos teóricos criados matematicamente a partir daí. À medida que os conceitos estatísticos se tornam mais abstratos e distanciados de uma realidade empírica, perdemos noção de seu relacionamento com o conjunto inicial. Entramos logo num ambiente lógico- matemático, onde os conceitos se sustentam uns sobre os outros e ganham sentido unicamente a partir de seus relacionamentos lógicos com os demais conceitos. Como fazer a ponte, na prática historiográfica, entre tais conceitos abstratos, as fontes e um discurso que seja histórico e não puramente teórico ? Veremos que, diante da multiplicidade de situações e contextos, uma primeira regra para nos resguardar é conhecer em detalhe, e manter nossos leitores igualmente informados, sobre os números originais empregados, sobre os procedimentos matemáticos aplicados a eles e sobre as inferências que fazemos a partir desses U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 8 resultados. E mais, termos claros para nós mesmos e sermos capazes de expor aos leitores porque e como pulamos dos resultados obtidos matematicamente para essa nossa conclusão. Não existe, por certo, receita de bolo definitiva. E, também certamente, estamos entregues a contextos imprevisíveis. Daí o interesse renovado de sucessivas gerações de historiadores pelas mesmas matérias. O salto argumentativo entre conjuntos estatísticos e conclusões historiográficas torna-se certamente problemático ao tomarmos consciência dos contextos sociais em que foram produzidos e empregados. De fato as discussões sobre a relevância do quantitativo se ressentem da pouca importância atribuída a duas vertentes que reputamos fundamentais. Primeiramente, dar atenção à informação estatística enquanto instrumento de poder, isto é, ter em mente que sua produção, o tratamento quantitativo a que é submetida a informação original, sua forma de apresentação e o uso que se dá ao resultado fazem inescapavelmente parte de um contexto histórico e nem sempre – seja nas fontes ou pelas mãos de historiadores – terão surgido dentro dos estritos cânones dos manuais. Em segundo lugar, cuidar, no quotidiano, das práticas acadêmicas relativas a questões quantitativas, que não deveriam se esgotar pela aplicação mecânica dos ensinamentos de manuais. Cremos ser necessário que o historiador, diante de suas fontes e criações quantitativas, busque aplicar – o que vemos pouco hoje – o mesmo rigor metodológico e a mesma objetividade que deseja transmitir frente às fontes não quantitativas. Por tudo o que acabamos de elencar, é nossa proposição que a adoção de métodos matemáticos, dentro de um raciocínio desenvolvido sobre fontes históricas, não é necessariamente neutra com relação à argumentação historiográfica. No entanto, estes métodos são capazes de proporcionar ao historiador um entendimento definido, e por vezes inalcançável por outros caminhos, sobre suas fontes e, através dessa intermediação, sobre as situações, eventos, pessoas e processos que busca alcançar. Como qualquer outra ferramenta, física ou intelectual, os resultados que poderemos obter por seu intermédio decorrem conjuntamente da qualidade do material, da técnica e da arte do historiador. Além disso, cremos que a simples adaptação, ao quotidiano da prática historiográfica, das técnicas estatísticas empregadas nas ciências sociais não possa refletir, per se, as dificuldades e problemas próprios da história. As cautelas genéricas mencionadas nos manuais também valem para a história, é certo, mas existem outras cautelas específicas à prática historiográfica – isto é, à transformação de informações colhidas de fontes em argumentação histórica – que têm escapado a essas apresentações. Apesar da relevância do patrimônio trazido pela história U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 1 9 serial a esta área, acreditamos que a comunidade de historiadores, após quase um século manuseando estatísticas históricas, ainda não tenha fixado seu próprio paradigma para esses problemas, oscilando coletivamente entre o mundo hegemonicamente econométrico da cliometria e o completo desprezo do quantitativo. Na história econômica, desde os estudos pioneiros de François Simiand sobre preços, na década de 1930, houve impressionante acúmulo de pesquisas e dados, acompanhado por aguerridas polêmicas sobre métodos. Após as décadas de liderança das práticas dos annalistes, a microstoria trouxe novas perspectivas historiográficas, em que dados estatísticos adquiriam inserção também renovada. Enquanto isso, a ênfase mais estritamente quantitativa, na tradição de Jean Marczewski, desabrochada pela New Economic History e hoje em dia visceralmente associada à modelagem econométrica, seguia caminho próprio, com objetivos, métodos e público distintos6. As discussões sobre método que opuseram os praticantes da história serial aos defensores de tendências mais cliométricas pouco atingiram, entretanto, os estudos sobre demografia histórica. O pioneiro dessa historiografia foi Louis Henry, na década de 1950, que, ao se fixar sobre o universo dos registros paroquiais, estabeleceu um paradigma de pesquisa atual e profícuo ainda hoje, meio século depois7 (Gautier & Henry, 1958). Estas fontes, disponíveis principalmente a partir do século XVII, mostraram-se bastante fecundas quanto a informações ausentes de estudos tradicionais sobre população (mais focados sobre natalidade e mortalidade), tais como padrões de nupcialidade (casamento x celibato, casamento legítimo x união ilegítima, idade dos noivos, origem social dos noivos, naturalidade dos noivos etc.) e padrões de reposição populacional (número de filhos, prazo intergenésico, taxa geral de reposição, efeito de epidemias, crises demográficas etc.). Tais análises mais precisas foram possíveis, em boa parte, graças ao caráter fechado das populações reconstituídas através do levantamento de sucessivas gerações interligadas. No Brasil, foi Maria Luíza Marcílio a estudiosa pioneira sobre temas demográficos dentro desta nova metodologia, com suas teses sobre a cidade de São Paulo (1967) e, posteriormente, sobre a área rural paulista (1974)8. 6 Merecem rápida menção alguns dos desbravadores e praticantes, majoritariamente franceses, da história serial – Ernest Labrousse (sobre a extração de estatísticas em períodos pré-estatísticos), Pierre Vilar (sobre crescimento econômico e moeda), Pierre Chaunu (sobre Sevilha e o Atlântico), Posthumus (sobre preços seculares na Holanda) e Phyllis Dean e W.A.Cole (sobre crescimento econômico inglês). 7 “Muito rapidamente, os métodos de investigação aperfeiçoados – em particular, o método de reconstituição de famílias imaginado por L.Henry, criador inesgotável de técnicas de análise estatísticas desse novo tipo de fontes – deram à demografia histórica uma base científica sólida” (Burguière,1976:59). 8 (Marcílio, 1967, 2000) Na coletânea População e Sociedade (Marcílio, 1984a), M.L.Marcílio reúne textos que discutem estes temas e escreve especificamente sobre os “Sistemas demográficos no Brasil do século XIX” (Marcílio, 1984b). Sobre o Rio de Janeiro, Maria Yedda L. Linhares e Maria Bárbara Levy realizavam então U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 0 Nesse amplo intervalo desde o início do século XX, os padrões quantitativos das ciências sociais e os métodos, já bem internalizados, da história serial traçaram um balizamento que vem sendo aplicado há décadas, embora ainda não tenham sido devidamente assimiladas algumas dificuldades inerentes aos números enquanto instrumento de trabalho em história. Talvez só agora, após o mergulho coletivo de algumas décadas em ambientes conceitualmente distintos e, possivelmente, mais complexos que uma simples série estatística, é que os métodos matematizados possam voltar a ser vistos como simples instrumentos à disposição do artífice, e não como opções quase-ideológicas, inevitavelmente (de)formadoras do resultado. Neste papel renovado, todavia, esses métodos não devem perder sua condição de instrumentos, cada vez mais sofisticados, é certo, e até potencialmente perigosos. Desejamos tachá-los de perigosos por serem capazes de produzir, tanto quanto qualquer discurso verbal, uma interpretação deformadamente pessoal da realidade, com o agravante de esta interpretação ser mais facilmente tida como “real”, posto que alicerçada em provas numéricas. No entanto, raramente ficam explicitados, ou melhor, embora quase sempre fiquem escondidos seus caminhos e seus subterrâneos para a construção nessa “realidade autoral”. O common sense pragmático de Geoffrey Barraclough, ao resenhar a discussão sobre história quantitativa e história serial, resume olimpicamente a importância dos métodos quantitativos em história pela oposição irônica que citamos em epígrafe a esta Introdução (Barraclough, 1991:87). São vários os motivadores para este trabalho. Pernambuco se manteve, ao longo do século XIX, como a quarta província mais populosa do Brasil, depois do Rio de Janeiro, corte, e das maiores províncias do país, Bahia e Minas Gerais. Seus aspectos demográficos não mereceram, no entanto, a atenção dedicada às demais regiões9. Além disso, a dispersão e, principalmente, a heterogeneidade das fontes sobre demografia pernambucana do período dificultam a utilização de muitas delas pela maioria dos historiadores. Não existem estudos que reúnam, para o período, um leque abrangente de informações estatísticas. Há três décadas, pesquisas com base nos registros paroquiais nas diversas freguesias da cidade (Levy, 1973; Linhares & Levy, 1971), em seguida reproduzidos na História do Rio de Janeiro de Eulália M.L.Lobo (Lobo, 1978). 9 “Percebe-se, entretanto, uma centralização das pesquisas [sobre demografia] no sudeste e sul do país, mais contemplados com estudos do que, por exemplo, a região nordestina, indiscutivelmente a principal área econômica do período colonial brasileiro” (Faria, 1997:254). São exceções recentes os trabalhos de Versiani & Vergolino (2001, 2002) que revêem a questão da população cativa no Agreste e no Sertão. O clássico estudo de Eisenberg (1977) lista diversas fontes, mas não chega a comentá-las criticamente, nem oferece dados sobre todo o período. A tese de Silva (2003) discute os levantamentos populacionais de 1782 e 1788, ao tratar dos séculos XVII e XVIII. As dissertações de mestrado em história de Melo (1978) e Nascimento (1988) reúnem informações demográficas sobre Pernambuco disponíveis em fontes secundárias ao tratar da evolução econômica de Pernambuco, empregando basicamente o estudo de Peter Eisenberg. U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 1 esta necessidade tem sido suprida principalmente pelas tabelas pioneiras de Peter Eisenberg, apesar de suas lacunas e heterogeneidades pouco claras. Por outro lado, vemos Caio C. Boschi, ao tratar recentemente da produção sobre história econômica colonial, considerar que tem havido poucos estudos sobre o tema, principalmente a partir de um enfoque macroeconômico, devido à “ausência de fontes documentais seriadas, documentação que tenha seqüência, sobretudo cronológica”, citando as “dificuldades, inclusive metodológicas, para elaborar tais séries” (Boschi, 2005). A reunião sistemática de diversas fontes poderá, sem dúvida, agregar conhecimento novo ao completar lacunas temporais nessas séries e ao avaliar criticamente valores conflitantes, procurando apontar os mais plausíveis e defensáveis. É também comum vermos os dados disponíveis serem citados e re-citados, muitas vezes sem uma compreensão (ou sem esclarecimento ao leitor) de suas limitações de origem. Vemos este aspecto como particularmente relevante, pois estabelece uma cadeia de validação de informações por vezes falhas em seu embasamento ou até desencaminhadoras da análise. Ao serem repetidas, tornam-se aceitas como padrão do estado atual do conhecimento, afastando e dificultando possíveis críticas às fontes originais ou aos procedimentos empregados para sua construção. Completamos o trabalho de reunião, organização e comentário das fontes com uma modelagem – algo aparentemente além dos limites da historiografia, mas que propomos seja visto como exemplo de que métodos quantitativos empregados com cuidados próprios de historiador podem contribuir para a historiografia. As relações demográficas prestam-se eminentemente a um tratamento matemático, em que uma população qualquer, contada em certo momento, pode ser decomposta entre membros existentes ali num outro momento anterior, menos membros que deixaram a população entre esses dois momentos, por falecimento ou outros motivos, mais membros que entraram para a população nesse mesmo período, isto é, pessoas que ali nasceram ou chegaram àquela população por outros caminhos. As fontes estatísticas sobre população em Pernambuco incluem informações dispersas e heterogêneas sobre todos esses grupos. Ao incluir os dados e relações disponíveis num modelo matemático adequado, resultará uma estimativa demográfica que terá incorporado a gama de informações existentes nas fontes conhecidas e, além disso, que oferece estimativas necessariamente coerentes com todo o conjunto. A importância e, até, a necessidade de recurso a uma modelagem matematizada explicam-se pela situação atual de heterogeneidade e incompletude das fontes. Como reunir dados esparsos num corpo logicamente coerente de informação ? Como melhorar a qualidade U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 2 historiográfica desse conjunto pela integração das informações sobre os múltiplos aspectos demográficos ? Os instrumentos usuais da historiografia permitem que relacionemos as fontes, façamos a triagem das informações e criemos, com isso, um mosaico de números dispersos. Resta integrá-lo num conjunto que supra simultaneamente os requisitos de (a) preencher os escaninhos vagos e (b) aproveitar ao melhor as inúmeras informações tidas por confiáveis. Podemos nos valer aqui do comentário de Pierre Chaunu de quase meio século atrás (1960): “... o historiador não conhece diretamente o que pretende conhecer... quase todo conhecimento do passado é necessariamente artificial.”10 Merrick e Graham11 distinguem três tipos de estatísticas históricas sobre a população brasileira do século XIX: a) as que foram produzidas na época,com base em registros eclesiásticos e censos coloniais; b) as estimativas modernas baseadas em novas fontes; e c) séries retrospectivas preparadas com técnicas demográficas modernas. Imaginamos que este trabalho se insira em ambas as categorias contemporâneas: usa um arcabouço geral baseado em técnicas demográficas matematizadas e incorpora coerentemente o maior número de informações de época disponíveis. Procura, no entanto, fugir a um dos objetivos usuais de estudos demográficos e atuariais, que é homogeneizar as estatísticas, mesmo que por períodos ou categorias, para extrair “regularidades”, enunciáveis como fatos demográficos. Contrariamente, desejamos considerar e incluir em nossa modelagem tantos fatos heterogêneos ou discrepantes quantos estiverem registrados, para montar um retrato quantitativo da população de Pernambuco que reflita as principais flutuações e movimentos ocorridos durante o século XIX. Cabe aqui um comentário sobre os estudos de demografia histórica referidos mais acima, que privilegiam o que poderíamos chamar de “microdemografia”, já que buscam a reconstituição e um entendimento sobre a dinâmica de famílias e grupos sociais, fazendo uso de registros paroquiais, inventários post-mortem e outras fontes que individualizam informações sobre etapas da vida de cada pessoa (Faria, 1997; Marcílio, 1984a). Tais populações são analisadas como grupos fechados, sobre os quais há informações genealógicas que permitem a reconstituição de famílias e o cálculo de múltiplas estatísticas demográficas precisas sobre 10 “On a parfois opposé, sur le plan méthodologique, et à tort, évidemment, histoire statistique et histoire traditionnelle. Nos démarches, en réalité, sont identiques, si nos prétentions sont différentes. L’histoire est de toute manière una connaissance médiate. L’historien ne connaît pas directement ce qu’il prétend connaître. On ne pourra donc nous opposer la supériorité des méthodes éprouvées de l’histoire traditionnelle, au nom de ce qu’il faut bien appeler le complexe de la donnée immédiate; presque toute connaissance du passé est, nécessairement, artificielle” (Chaunu, 1978:13). 11 Merrick, T.W. & Graham, D.H. População e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1981, citado em (Paiva et al., 1990). U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 3 elas. Além da análise puramente demográfica, estes resultados permitem estudos mais abrangentes sobre, por exemplo, endogamia social ou diferenciação por categoria social. Nas palavras de André Burguière: “O interesse essencial dos registros paroquiais consiste em modificar a natureza da informação estatística. (...) As informações mais originais e mais preciosas que é possível extrair das fichas de família, as estatísticas de fecundidade, dão, ao contrário [de outras estatísticas], a impressão de uma passagem direta, graças à linguagem matemática, de uma realidade manifesta a uma realidade secreta, dos comportamentos aos motivos” (Burguière, 1976:61). Vale lembrar aqui que não adotamos, neste trabalho, perspectiva de história social, em que as estatísticas demográficas são usadas com fonte para uma análise de comportamentos e composição de grupos, possivelmente representados num modelo demográfico explicativo. Restringimo-nos à identificação e crítica de fontes, seguidas da estimação do tamanho da população total, organizada em macro-séries que individualizam os grandes contingentes populacionais de Pernambuco do dezenove: livres e escravos, nas suas 4 regiões geográficas – no que poderíamos, analogamente, chamar de “macrodemografia”. Estes contingentes são escancaradamente abertos, sendo os principais determinantes para seu tamanho justamente os fluxos de entrada e de saída (tráfico de escravos e migrações de livres), em oposição aos fluxos naturais de nascimentos e mortes. As dificuldades de obtenção desse tipo de estatística são importantes, mas as conseqüências de não dispor destas informações são fatais para um entendimento da demografia de uma província brasileira no dezenove. Mesmo de posse de informações suficientes para reconstituir a macro-composição e a evolução demográfica da província, ainda será preciso respeitar as relações lógicas de sua constituição, decorrentes das próprias definições dos fluxos demográficos: nascimentos, mortes, entradas e saídas. Por esta razão, torna-se essencial uma modelagem demográfica que mantenha esta lógica de definições. Ressaltamos, mais uma vez, que não se trata aqui de modelagem explicativa, mas somente de uma modelagem auxiliar para a organização dos dados existentes. Antes de descrever e analisar a modelagem realizada, examinamos os percalços da produção de estatísticas provinciais, apontando a multiplicidade de estruturas hierárquicas envolvidas e seus interesses conflitantes como principal pano de fundo para o entendimento dessa produção. Mencionamos também as muitas reações populares e institucionais às contagens e censos, bem como às regulações do governo central sobre o registro civil. Em seguida, passamos rapidamente sobre os diversos movimentos demográficos, tanto sociais como biológicos, que afetaram o tamanho, a distribuição geográfica e a classificação da população de Pernambuco durante nosso período de estudo: natalidade e mortalidade, U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 4 migrações intra- e interprovinciais, tráfico e alforria de escravos, imigração e naturalização de estrangeiros. Esperamos que estes relatos sejam suficientes para convencer o leitor da necessidade de uma revisão abrangente nos números esparsos e pouco coerentes usualmente encontrados na historiografia. Desejamos, além disso, que o método de proceder proposto possa igualmente convencê-lo da inevitabilidade de uma abordagem matematizada para realizar esta tarefa. << <> >> U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 5 Províncias do nordeste do Brasil, com Pernambuco ainda englobando a Comarca do São Francisco (Detalhe de mapa publicado por R.M.Martin e J&F Tallis, Nova Iorque, 1851; desenho e gravação de J.Rapkin) Fonte: David Rumsey Historical Maps (Martin & Tallis, 1851) U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 6 CAPÍTULO I A PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS DEMOGRÁFICAS 1 OS PRODUTORES DE ESTATÍSTICAS 2 REAÇÕES A RECENSEAMENTOS 3 DIFICULDADES CONCEITUAIS 3.1 A DEFINIÇÃO TERRITORIAL 3.2 FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL 3.3 ASPECTOS TAXONÔMICOS 4 ALGUMAS FONTES PARA DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA DO SÉCULO XIX 4.1 PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS 4.2 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824 4.3 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 ATÉ 1871 4.4 O CENSO DE 1872 E DADOS POSTERIORES 4.5 PANORAMA DAS AVALIAÇÕES POPULACIONAIS U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 7 1. OS PRODUTORES DE ESTATÍSTICAS “Pouco acostumados á estes trabalhos os Empregados Publicos deixão quazi sempre, sob diversos pretextos de cumprir as ordens que lhe são expedidas para a organisação ao menos de certas partes da statistica geral, não obstante ser esta uma das attribuições dos seusrespectivos Cargos, certos como estão de que a authoridade se cançará de ordenar.” – Francisco do Rego Barros, Presidente de Pernambuco, Fala à Assembléia Legislativa Provincial, 1838 A primeira tentativa de recenseamento do Brasil, no século XIX, decorreu de decisão do governo português em 1808, possivelmente dirigida para expandir a milícia, da qual se conhece o resultado agregado de 4 milhões de habitantes12. Em 1819, em relatório preliminar à criação de novos arcebispados, o conselheiro Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira apresenta uma população brasileira de menos de 4,4 milhões, aí incluídos 800 mil “índios bravios”, o que Souza e Silva argumentou posteriormente ser fortemente subestimado, avaliando a realidade em pelo menos 6 milhões de habitantes. Durante o meio século entre a independência e a realização do recenseamento geral de 1872, a produção sistemática de estatísticas populacionais amargou um longo recesso no Brasil. Apesar das tentativas determinadas em 1829 e em 1850, não foi possível estruturar nem executar levantamentos de âmbito nacional durante esse período (Marcílio, 2000:40-43; Smith, 2002). Em âmbito provincial, houve alguns recenseamentos mais abrangentes e sistemáticos, mas os levantamentos sobre Pernambuco durante o século XIX não podem ser incluídos nestes casos13. Durante as primeiras sete décadas do século, enquanto os governos provinciais obtinham levantamentos pouco fidedignos, viajantes, diplomatas, funcionários 12 Aviso de 16/03/1808 expedido por D.Rodrigo de Souza Coitinho, depois Conde de Linhares, então ministro dos Negocios da Guerra (Silva, 1870). “Four millions is also the total reported by the Minister of War in 1808 upon the completion of a general census of Brazil by the newly arrived government of John IV. The details of that census have never been revealed, but one student [Oliveira Vianna] considers the reported figure to have been a deliberate exaggeration intended to facilitate the crown’s efforts to increase the size of the colonial militia, and contrasts it with the much lower sum included in an anonymous report dated some years later which gives Brazil’s population in 1808 as only 2,473,641” (Alden, 1963:194-5). 13 Contrariamente, Dauril Alden considera que, dos levantamentos coloniais das últimas décadas dos setecentos, o de Pernambuco seria talvez o mais completo “The census of 1782 is in some ways the most complete demographic record available for any part of Brazil, and was included in a long economic report sent to the crown in that year. The data appear to derive mainly from the mid-1770’s...” (Alden, 1963:180). U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 8 públicos e políticos propuseram estimativas de precisão talvez por vezes mais acurada. Apesar das falhas dos primeiros censos, as informações sobre o tamanho da população só vieram a adquirir uma confiabilidade mínima com os recenseamentos gerais, em 1872, 1890 e 1900. Durante o período colonial, as estruturas eclesiástica e militar foram incumbidas de listar e contar a população. Silva & Linhares (1995) lembram que “No caso do Brasil, e muito particularmente no período colonial, a administração eclesiástica precedeu em muito as estruturas administrativas civis. (...) Decorria...com naturalidade que o poder público recorresse aos párocos para obter informações e serviços de que necessitava, compondo-se, assim, a estrutura básica do padroado. Desta forma, a administração pública, de cunho civil, confundia-se claramente com a estrutura administrativa da Igreja, onde a área de atuação dos párocos era bastante bem definida, impondo-se que as áreas de administração religiosa fossem tomadas como unidades básicas da administração pública.” Joaquim Norberto de Souza e Silva, em seu relatório sobre os recenseamentos havidos no Brasil até então, aponta a estrutura eclesiástica como a primeira a servir como rede de coleta de informações demográficas: “O que hoje seria de difficil execução, não o era tanto para aquelle tempo, em que toda a população era conhecida pelas listas das desobrigas das freguezias. Orçava-se então o número dos habitantes pela designação de commungantes ou freguezes, limitando-se unicamente à communhão catholica, como observa Roberto Southey, na sua History of Brasil (sic)” (Silva, 1870:6). No entanto, conforme adverte o conselheiro João Manoel Pereira da Silva, já se depositava pouca confiança nesses levantamentos: ”Confiavão [os bispos] nos parochos para os arrolamentos de seus districtos pastoraes. Incluião elles com exactidão os moradores que conhecião e que procuravão os seus serviços espirituaes, e lhes pagavão os emolumentos a que tinhão direito. Formavão hypotheticamente o resto do calculo” (Silva, 1870). Souza e Silva afirma que havia sistemática subcontagem, por omitirem os menores de 7 anos (não relacionados nas listas de desobriga pascal) ou as tropas pagas, e que ainda “...deve-se ter presente que os vigarios, de commum accôrdo com os capitães móres, diminuião o numero da população para obstarem a divisão das freguezias...”14 Havia, sem dúvida, dificuldades bastante objetivas para realizar os levantamentos populacionais: longas distâncias, viagens penosas, chefes de família recalcitrantes e um número excessivo de pessoas, de hierarquias distintas, envolvidas. Além desses problemas, Dauril Alden lembra que “a compilação de relatórios precisos talvez excedesse a competência técnica da burocracia portuguesa”, à semelhança do que acontecia com as espanholas e inglesas. O único país que possivelmente então tivesse tais condições teria sido a Suécia (Alden, 1963). O próprio governo português 14 Na população de 207 mil da Comarca (eclesiástica) de Olinda, listada em “Mapa que mostra o numero dos habitantes das quatro capitanias deste governo...” de 1782, incluindo as freguesias de Alagoas, conforme apresentada por Silva (2003:76), calculamos uma proporção de 25% do total de habitantes abaixo de 7 anos. U M S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N T A D O S P . 2 9 não teria confiança nos levantamentos organizados pela estrutura eclesiástica. Ainda nas palavras de Alden: “...a coroa estava dissatisfeita com os resultados de censos eclesiásticos anteriores e, portanto, determinou às autoridades seculares que assumissem os futuros levantamentos”15. Sendo exatamente a paróquia o local para onde convergiam os momentos definidores da vida oficial dos cidadãos – seu início, com o batismo, e seu fim, com o enterro em terreno consagrado – era a caprichosa estrutura eclesiástica, também subordinada às presidências das províncias, o alvo de grande parte dessas reclamações. Escapavam ao controle da Igreja os protestantes em geral, tendo como contrapartida a impossibilidade de obterem os ritos religiosos associados a esses momentos fora das instâncias – igrejas e cemitérios – criados a partir da chegada da corte joanina. O depoimento do pastor Kidder, falando sobre o cemitério norte-americano de Salvador, é esclarecedor: “Não somente os súditos britânicos se beneficiam dessa louvável atitude do governo inglês. Protestantes de todas as nacionalidades, especialmente cidadãos norte-americanos, devem grande soma de obrigações à colônia inglesa, pelo fato de freqüentemente facilitar, esta última, o enterramento de seus mortos. Não fora a cortesia dos ingleses, os nossos conterrâneos ver-se- iam embaraçados, principalmente em países essencialmente católicos, quando tivessem que realizar funerais” (Kidder, 1951:38). Além dos protestantes, fugiam a essa estrutura católica índios “bugres”, africanos não batizados e quilombolas, todos de fato
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