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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO LUCIANA SOUSA DE CARVALHO A ADOÇÃO DE PRINCÍPIOS LEAN PELO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL RIO DE JANEIRO 2013 ii Luciana Sousa de Carvalho A ADOÇÃO DE PRINCÍPIOS LEAN PELO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph. D. Rio de Janeiro 2013 iii Carvalho, Luciana Sousa de. A adoção dos princípios lean pelo setor da construção civil. / Luciana Sousa de Carvalho. -- Rio de Janeiro: UFRJ, 2013. 196 f.; 31 cm. Orientador: Kleber Fossati Figueiredo Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, 2013. 1.Práticas lean. 2. Construção Civil. 3. Administração – Teses. I. Figueiredo, Kleber Fossati. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. iv Luciana Sousa de Carvalho A ADOÇÃO DE PRINCÍPIOS LEAN PELO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Aprovada em ____________________________________________________ Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph.D. (Orientador) COPPEAD/UFRJ ____________________________________________________ Profª. Cláudia Affonso Silva Araújo, D.Sc. COPPEAD/UFRJ ____________________________________________________ Prof. Paulo Alcântara Gomes, D.Sc. Escola de Engenharia – UFRJ e Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro v AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Ronaldo e Rosa, responsáveis por todas as minhas conquistas, por terem sido maravilhosos guias e pelo apoio incondicional, cada um a sua maneira. A minha querida irmã Larissa, meu orgulho e razão das minhas gargalhadas. Ao meu orientador, Kleber Figueiredo, pelas sugestões, pela orientação e por ter possibilitado unir a minha graduação com os ensinamentos do mestrado. Aos professores Cláudia Araújo e Paulo Alcântara Gomes, por aceitarem compor a banca de defesa desta dissertação. Aos meus colegas de COPPEAD, pela amizade, parceria e momentos de descontração durante o curso. Aos profissionais das empresas que se dispuseram a responder esta pesquisa, tornando possível este trabalho. Enfim, a todos que me ajudaram, direta ou indiretamente, a concluir mais esta etapa da minha vida. vi RESUMO CARVALHO, Luciana Sousa de. A Adoção de Princípios Lean pelo Setor da Construção Civil. 2013. 197f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. O setor da construção civil tem papel fundamental na economia nacional dos países. Apesar das críticas ao desempenho de má qualidade, há cerca de duas décadas, a construção civil vem sofrendo os impactos de uma série de modificações conjunturais que obrigam as construtoras a reorientar suas estratégias. O interesse pela adoção da filosofia lean é baseado nas evidências empíricas de que suas práticas melhoram a competitividade das empresas, sobretudo, na forma de redução dos prazos e custos e aumento da qualidade, aspectos demandados pelo mercado. O objetivo deste trabalho é investigar como as práticas lean estão sendo implementadas na construção civil no ambiente brasileiro. Mais especificamente, o estudo visa identificar os fatores que motivam as construtoras a implantar tais práticas, bem como quais dessas práticas são mais recorrentes, os resultados obtidos, as possíveis dificuldades encontradas nesse processo e as perspectivas futuras deste tipo de prática no país. Identificou-se que as principais motivações que conduziram à introdução das práticas lean foram o maior grau de competitividade entre as empresas, o aumento das exigências do mercado e a redução de custos. Os principais benefícios encontrados foram a eliminação de desperdícios, a melhoria substancial na curva de aprendizado da força de trabalho e sua relação com a implantação das práticas, processos mais eficientes e redução de custos, ao passo que as dificuldades relatadas foram, sobretudo, relacionadas à falta de experiência na adoção de práticas e à resistência à mudança cultural radical. Os resultados desde trabalho sugerem que, de fato, há evidências de que as práticas lean melhoram os níveis de desempenho operacional e a competitividade das construtoras. Palavras-chave: práticas lean, construção civil, princípios lean, Lean Construction vii ABSTRACT CARVALHO, Luciana Sousa de. A Adoção de Princípios Lean pelo Setor da Construção Civil. 2013. 197f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. The construction sector plays a key role in the countries’ national economy. Despite criticism concerning lousy performance, about two decades ago, this sector has been suffering the impacts of a series of conjunctural changes that has been pushing construction companies to reorient their strategies. The interest in the adoption of lean philosophy is based on empirical evidences that their practices improve business competitiveness, especially in the form of reducing time and costs and increasing quality; aspects demanded by the market. The main goal of this work is to investigate how lean practices are being implemented in the Brazilian construction sector. More specifically, the study aims to identify the factors that motivate construction companies to implement such practices, as well as which of these practices are more recurrent, the results achieved, the possible difficulties in the process and the future prospects of this practice in the country. It was identified that the main motivations that led to the introduction of lean practices were highest competitiveness among companies, market increasing demands and cost reduction. The main benefits found were the elimination of waste, substantial improvement in the workforce learning curve and its relation with the implementation of the practices, more efficient processes and costs reduction while the difficulties reported were mostly related to lack of experience in the adoption of practices and resistance to radical cultural changes. The results of this study suggest that, in fact, there are evidences that lean practices improve operational performance levels and competitiveness among construction companies. Keywords: lean practices, construction industry, lean principles, Lean Construction viii LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Percentual de atividades que não agregam valor .....................................59 Figura 2 – Gráfico dos níveis de avaliação do SiAC .................................................71 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Resumo das práticas lean na construção civil ........................................61 Tabela 2 - Resumo das motivações relacionadas à implantação de práticas lean na construção civil ..........................................................................................................64 Tabela 3 - Resumo das dificuldades relacionadas à implantação de práticas lean na construção civil ..........................................................................................................65Tabela 4 - Resumo dos resultados relacionados à implantação de práticas lean na construção civil ..........................................................................................................66 Tabela 5 – Resumo das características gerais das construtoras estudadas ..........142 Tabela 6 – Motivações para a implantação de práticas lean ..................................144 Tabela 7 – Práticas lean adotadas ..........................................................................148 Tabela 8 – Dificuldades de implantação das práticas lean .....................................159 Tabela 9 – Resultados obtidos com a implantação .................................................163 ix LISTA DE SIGLAS Ademi – Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário BCG – Boston Consulting Group GBC - Green Building Council IGLC - International Group for Lean Construction ISO - International Organization for Standardization JIT – Just in Time LEED - Leadership in Energy and Environmental Design LCI – Lean Construction Institute LIB – Lean Institute Brasil OHSAS - Occupational Health and Safety Assessment Specification (Especificação para Avaliação da Segurança e Saúde Ocupacional) PBQP-H – Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat SECONCI - Serviço Social da Indústria da Construção Civil SiAC – Sistema de Avaliação da Conformidade de Empresas de Serviços e Obras da Construção Civil Sinduscon – Sindicato da Indústria da Construção Civil SMED – Single Minute Exchange of Dies STP – Sistema Toyota de Produção TPM – Total Productive Maintenance VSM – Value Stream Mapping x SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13 1.1 OBJETIVO DO ESTUDO ................................................................... 13 1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO .............................................................. 13 1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................. 17 1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ........................................................... 17 2 REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................ 19 2.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 19 2.2 FILOSOFIA LEAN ................................................................................. 20 2.2.1 O que é a filosofia lean ................................................................... 20 2.2.2 Como surgiu a filosofia lean ........................................................... 23 2.2.3 Os princípios e práticas lean........................................................... 25 2.2.4 Fatores que contribuem para a implantação bem sucedida de princípios e práticas lean .................................................................................... 30 2.2.5 Os benefícios da adoção da metodologia lean ............................... 32 2.3 FILOSOFIA LEAN NA CONSTRUÇÃO CIVIL ....................................... 36 2.3.1 O que é Lean Construction ............................................................. 36 2.3.2 A origem do conceito Lean Construction ........................................ 39 2.3.3 Princípios e práticas da construção lean ........................................ 41 2.4 IMPLANTAÇÃO DE PRÁTICAS LEAN NA CONSTRUÇÃO CIVIL ....... 52 2.4.1 Motivações...................................................................................... 52 2.4.2 Dificuldades de implantação ........................................................... 53 2.4.3 Resultados esperados e resultados encontrados em implantações em andamento ................................................................................................... 57 2.5 RESUMO E PROPOSTA DE ESQUEMA CONCEITUAL PARA ANÁLISE DOS CASOS ......................................................................................... 61 3 METODOLOGIA DE PESQUISA ................................................................. 68 xi 3.1 PERGUNTAS DE PESQUISA ............................................................... 68 3.2 MÉTODO DA PESQUISA ..................................................................... 68 3.3 A ESCOLHA DOS CASOS ................................................................... 69 3.4 SELEÇÃO DAS EMPRESAS E DOS ENTREVISTADOS ..................... 72 3.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS ...................................................... 73 3.6 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ................................................................. 74 4 DESCRIÇÃO DOS CASOS ......................................................................... 76 4.1 CONSTRUTORA ALFA ......................................................................... 76 4.1.1 Motivações para a implantação de práticas lean ............................ 78 4.1.2 Práticas adotadas ........................................................................... 81 4.1.3 Dificuldades de implantação ........................................................... 90 4.1.4 Resultados obtidos com a adoção de práticas lean ........................ 91 4.1.5 Projetos Futuros ............................................................................. 93 4.2 CONSTRUTORA BETA ........................................................................ 93 4.2.1 Motivações para a implantação de práticas lean ............................ 95 4.2.2 Práticas adotadas ........................................................................... 98 4.2.3 Dificuldades de implantação ......................................................... 105 4.2.4 Resultados obtidos com a adoção de práticas lean ...................... 108 4.2.5 Projetos Futuros ........................................................................... 110 4.3 CONSTRUTORA GAMA ..................................................................... 111 4.3.1 Motivações para a implantação de práticas lean .......................... 112 4.3.2 Práticas adotadas ......................................................................... 114 4.3.3 Dificuldades de implantação ......................................................... 123 4.3.4 Resultados obtidos com a adoção de práticas lean ...................... 125 4.3.5 Projetos Futuros ........................................................................... 128 4.4 CONSTRUTORA ÔMEGA .................................................................. 128 4.4.1 Motivações para a implantação de práticas lean .......................... 129 xii 4.4.2 Práticas adotadas ......................................................................... 131 4.4.3 Dificuldades de implantação ......................................................... 137 4.4.4 Resultados obtidos com a adoção de práticas lean ...................... 138 4.4.5 Projetos Futuros ........................................................................... 140 5 ANÁLISE DOS CASOS ............................................................................. 142 5.1 INTRODUÇÃO ................................................................................. 142 5.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS EMPRESAS ENTREVISTADAS ......................................................................................................................... 142 5.3 MOTIVAÇÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DE PRÁTICAS LEAN .. 144 5.4 PRÁTICAS ADOTADAS .................................................................. 148 5.5 DIFICULDADES DE IMPLANTAÇÃO .............................................. 159 5.6 RESULTADOS OBTIDOS COM A ADOÇÃO DE PRÁTICAS LEAN 162 5.7 PERSPECTIVAS FUTURAS ........................................................... 166 6 RESUMO, CONCLUSÕES E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS 1686.1 RESUMO DA PESQUISA ................................................................ 168 6.2 CONCLUSÕES ................................................................................ 169 6.3 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E GERENCIAIS ............................. 183 6.4 SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS ..................................... 183 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 185 APÊNDICE A – ROTEIRO PARA ENTREVISTAS ....................................... 195 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 OBJETIVO DO ESTUDO O presente trabalho tem por objetivo investigar como as práticas lean estão sendo implementadas na construção civil no ambiente brasileiro. Mais especificamente, o estudo visa identificar os fatores que motivam as construtoras a implantar tais práticas, ou seja, o porquê de estarem implementando práticas lean em suas operações, bem como quais práticas são mais recorrentes, os resultados obtidos com a implantação, as possíveis dificuldades encontradas nesse processo e as perspectivas futuras deste tipo de prática no contexto brasileiro. 1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO A construção civil - setor de negócios com papel fundamental na economia nacional dos países (ZANTANIDIS e TSIOTRAS, 1998) - é essencialmente uma atividade baseada em projetos, operada em um ambiente de considerável complexidade e incerteza devido à estrutura fragmentada de sua cadeia de suprimentos; aos relacionamentos comerciais de curto prazo (muitas vezes conflituosos); ao parco fluxo de informações; e ao alto grau de dependência entre tarefas – diferenças chave entre a construção e outros setores centrados em processos (FEARNE e FOWLER, 2006). O setor da construção civil é, sem dúvida, o menos integrado entre todos os principais setores industriais. Os projetos são invariavelmente tratados como uma série de operações sequenciais e predominantemente isoladas, na qual agentes individuais têm pouca participação ou compromisso com o sucesso a longo prazo do produto resultante – as edificações (FEARNE e FOWLER, 2006). Também fazem parte do contexto da construção o progresso lento e frequentes problemas de baixa produtividade, qualidade insuficiente, atrasos e 14 segurança precária, que acabam por impedir a entrega de valor aos clientes (SENARATNE e WIJESIRI, 2008). Problemas de planejamento de projeto e/ou da construção, de gerenciamento de materiais e fluxos de trabalho, e de monitoramento e controle existentes no modelo da construção civil tradicional fazem com que o fluxo de processos na construção seja desnecessariamente fragmentado, complexo, pouco transparente e variável. No controle do projeto, as situações criadas para resolver crises consomem totalmente os recursos e a atenção do gerenciamento, deixando pouco espaço para o planejamento e para as atividades que geram melhorias (KOSKELA, 1992; WIGINESCKY, 2009). Além disso, o histórico da construção civil também é marcado pela competição baseada mais em preços e menos na qualidade e no tempo de entrega. O controle da qualidade é necessário, porém difícil, posto que a forte competição faz com que as empresas utilizem materiais mais baratos (ZANTANIDIS e TSIOTRAS, 1998). Como consequência de processos de baixa qualidade, alguns estudos realizados no Brasil apontam para percentuais bastante elevados de perdas (FORMOSO et al., 1997). Contudo, apesar das críticas ao desempenho de má qualidade, a construção civil, em especial a construção de edifícios, vem experimentando, desde a década de oitenta, os impactos de uma série de modificações conjunturais. Dessa maneira, as formas tradicionais de realizar e gerenciar os processos de construção passaram a enfrentar desafios sem precedentes, que obrigam as construtoras a pensarem na reorientação de suas estratégias de posicionamento no mercado, de forma a privilegiar a qualidade e a produtividade no processo de produção (GILLEARD, 1992; FABRÍCIO e MELHADO, 1998; RAY e RAJU, 2008; IBRAHIM et al., 2010). No caso específico da produtividade, publicações específicas da área, como a revista Téchne, apontam para a falta de visão sistêmica das construtoras sobre essa questão e como a variação da produtividade de execução pode ser muito maior do que o esperado. Ao contrário do que se imaginava, a variação não é de apenas 5% a 10%. Ela pode chegar a 50%, 80% e até 100%. Portanto, reduções no percentual de produtividade da mão de obra - que pode ser equivalente à metade do custo da obra em alguns casos -, podem dobrar ou triplicar os ganhos com os empreendimentos. 15 Novas técnicas, novos processos e novos equipamentos estão transformando os canteiros de obra de diferentes portes em todo o país. Aos poucos a construção civil no Brasil começa a implementar soluções já utilizadas há anos na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto, segundo dados da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração, em 2013, cerca de 60% a 70% das construções ainda seguem métodos tradicionais (CASTRO, 2013). Ademais, nos últimos anos, observou-se também um aumento das exigências dos clientes, especialmente em relação à qualidade (que vem ocorrendo em todos os setores da economia), que fez com que a qualidade passasse a ser valorizada como um elemento importante para a competitividade no setor da construção. Os impactos dessa exigência podem ser observados através do aumento do número de empresas que buscam implantar programas de gestão da qualidade e da produtividade para a obtenção de certificações e adequação aos novos condicionantes competitivos (FABRÍCIO e MELHADO, 1998). Outro aspecto ligado às modificações conjunturais mencionadas pode ser observado no estudo da professora de gestão e tecnologia na construção civil da Universidade de São Paulo, Mércia Barros, apresentando pela revista Exame, que estima que haja um déficit de 250.000 trabalhadores no setor da construção civil (STEFANO et al., 2011). Dessa forma, a escassez e encarecimento de mão de obra (além dos gastos referentes à sua qualificação) levaram as construtoras a industrializar o processo construtivo, movimento que vem se acentuando nos últimos anos. A tendência aponta para que a construção torne-se um processo de montagem, semelhante ao setor automotivo. A utilização de pré-moldados, importante para esse processo, reduz o tempo da obra, a necessidade de funcionários, os custos do empreendimento e o volume de resíduos produzidos, assim, aumentando a produtividade e a competitividade das empresas (CASTRO, 2013). Dentre as abordagens apresentadas por diversos pesquisadores como formas de resolver problemas do setor, destaca-se a filosofia lean, que consiste na reconfiguração dos ativos da empresa e dos relacionamentos com seus parceiros da cadeia de suprimentos, visando estabelecer um novo patamar para a criação de valor adicional aos clientes. Tais mudanças permitem às organizações enxergar um 16 grande número de oportunidades e redefinir a natureza da competição em seus setores (JONES, 2007). O interesse pela adoção da filosofia lean na construção é baseado, principalmente, nas evidências empíricas de que suas práticas melhoram a competitividade das empresas em seus mercados, na forma de redução dos prazos e custos e aumento da qualidade, aspectos demandados pelo mercado (SANCHEZ e PÉRES, 2001; ALARCON e SEGUEL, 2002; MULLENS e NAHMENS, 2004). De acordo com Ballard e Howell (2003) países como Reino Unido, Austrália, EUA e Brasil ganharam benefícios significativos pela adoção dos conceitos de Lean Construction (SENARATNE e WIJESIRI, 2008). Esses conceitos são difundidos, sobretudo, por instituições que atuam como plataforma para o estudo e difusão da filosofia lean, como o International Group of Lean Construction (IGLC) e o Lean Construction Institute (LCI). O InternationalGroup for Lean Construction (IGLC), criado em 1993, é formado por uma rede de profissionais e pesquisadores de arquitetura, engenharia e construção que acreditam que a prática, a educação e a pesquisa nessas três áreas precisam ser radicalmente renovadas para responder aos desafios futuros (INTERNATIONAL GROUP FOR LEAN CONSTRUCTION, 2012). O grupo tem por objetivo atender a demanda dos consumidores e melhorar drasticamente os processos e produtos da arquitetura, da engenharia e da construção. Para alcançá-lo, o grupo vem criando novos princípios e métodos para o desenvolvimento de produtos e para o gerenciamento da produção, voltados especificamente para a construção civil, porém, semelhantes aos da produção lean, comprovadamente bem sucedidos na manufatura. O IGLC destaca-se pela ênfase na teoria, dado a constatação de que a falta de uma teoria explícita tem sido um dos maiores gargalos para o progresso do setor da construção. Entre os temas discutidos pelo IGLC estão: planejamento e controle da produção, pessoas, gestão da cadeia de suprimentos, segurança, qualidade e o ambiente etc. Esses aspectos precisam ser radicalmente renovados para responder aos desafios futuros do setor (INTERNATIONAL GROUP FOR LEAN CONSTRUCTION, 2012). Já o Lean Construction Institute (LCI), criado em 1997, tem o objetivo de catalisar as transformações no setor da construção para que sejam entregues projetos utilizando um sistema operacional enxuto, centrado em torno de uma 17 linguagem comum, de princípios fundamentais e de práticas básicas (LEAN CONSTRUCTION INSTITUTE, 2012). É nesse contexto de competitividade e difusão de práticas lean na construção civil, e buscando suprir uma lacuna de estudos similares no contexto brasileiro, que pode ser identificada a relevância de um estudo sobre práticas lean envolvendo construtoras brasileiras. A importância teórica do tema está associada à necessidade de se compreender melhor o processo de implantação de práticas lean e seus desdobramentos dentro do contexto da estratégia dessas empresas. A importância prática deste trabalho decorre da possibilidade de utilização dos resultados do estudo como subsídio para melhorar o planejamento e operacionalização das práticas lean no ambiente nacional. 1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO Foram consideradas neste estudo empresas de construção civil com atuação no Estado do Rio de Janeiro. As construtoras devem estar certificadas no nível A do SiAC (Sistemas de Avaliação da Conformidade dos Serviços e Obras) do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H), do Ministério das Cidades. Ademais, devem ter como atividade principal a construção de edificações verticais (residenciais ou comerciais), desconsiderando–se os empreendimentos do tipo baixa renda, os quais possuem outras peculiaridades. As fontes de dados desta pesquisa estão, sobretudo, baseadas no ponto de vista dos entrevistados - gestores e demais responsáveis por conduzir a implantação de práticas lean em suas empresas e acompanhar seu desenvolvimento ao longo do tempo. 1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO O estudo aqui apresentado está organizado em seis capítulos, da seguinte forma: 18 • O primeiro capítulo apresentou os objetivos do estudo e a sua relevância. • O segundo capítulo traz uma revisão da literatura, iniciando-se com a definição de “Filosofia lean”. Em seguida, aborda este conceito no contexto da Construção Civil, identificando quais as motivações, as dificuldades e os resultados associados à implantação das práticas lean. • O terceiro capítulo apresenta a metodologia do estudo, trazendo as perguntas da pesquisa, o método escolhido, a seleção das empresas e dos entrevistados, o processo de coleta e análise e as limitações do método. • O quarto capítulo apresenta a descrição dos casos estudados, seguindo a estrutura formada pelas perguntas de pesquisa e baseando-se no esquema conceitual fruto da revisão da literatura. • O quinto capítulo apresenta a análise dos casos, confrontando os resultados obtidos com os pontos identificados na literatura. • O sexto e último capítulo apresenta as conclusões, contribuições e limitações do estudo e as sugestões para estudos futuros sobre este tema. 19 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 INTRODUÇÃO Nesse capítulo será apresentado o referencial teórico a ser utilizado na elaboração do roteiro de entrevistas que será aplicado em empresas do setor da construção civil. Ademais, seu objetivo é servir como base para posterior análise das práticas adotadas por essas empresas, dos fatores que motivam as construtoras a adotá-las, das dificuldades de implantação, bem como dos benefícios oriundos da adoção de princípios lean na construção civil, conforme apontado pelos pesquisadores de Lean Construction. Para tanto, a revisão de literatura que fundamenta esta pesquisa está dividida em quatro partes. A primeira delas aborda o conceito de “Filosofia lean” de forma mais ampla, considerando seu papel tanto na manufatura quanto em serviços. Nela também são expostos os princípios e práticas da Filosofia lean, bem como os benefícios alcançados pelas organizações que puseram tais princípios em prática. A parte seguinte começa a focar no tema central dessa pesquisa. A Filosofia lean será abordada no contexto da Construção Civil, através da explanação da origem e do conceito “Lean Construction”, bem como dos princípios e práticas da construção enxuta. A terceira parte da revisão aborda os eventos relacionados à implantação das práticas lean pelas construtoras, identificando quais as motivações que as levam a adotar tais práticas, os obstáculos que podem surgir durante a fase de implantação e os resultados esperados e efetivamente obtidos com tal esforço. O capítulo se encerra com um resumo dos pontos mais relevantes que auxiliarão as análises posteriores, através da apresentação de uma proposta de esquema conceitual que reúne as principais práticas lean mencionadas na literatura sobre Lean Construction, os aspectos que motivam a sua adoção, as possíveis dificuldades encontradas pelas construtoras e os resultados de sua implantação. Os artigos utilizados no desenvolvimento da revisão da literatura foram retirados das bases de dados Proquest, Science Direct, Emerald e Ebsco no período de dezembro de 2011 a junho de 2012. As palavras chave introduzidas nestas bases 20 foram: lean construction, lean thinking, lean production, lean philosophy, lean principles, lean principles in construction, lean initiatives. Algumas dessas palavras chave também foram empregadas em português, visando obter material de referência que pudesse abordar a filosofia lean no contexto da construção civil no Brasil. Cabe destacar, entretanto, que alguns artigos citados na revisão da literatura não foram resultado direto das buscas feitas com as palavras chave mencionadas. A localização de tais artigos se deu com base nas referências de artigos já lidos. 2.2 FILOSOFIA LEAN 2.2.1 O que é a filosofia lean No início da década de 1990, Womack e Jones popularizaram o termo produção enxuta (Lean production) para descrever a gestão ultra-eficaz de processos da empresa considerada por eles como exemplar – a Toyota. Segundo os autores, para produtores e provedores (funcionários, gerentes etc.), criar processos de produção enxuta implica determinar como configurar atividades vinculadas de negócios, sobretudo entre empresas, para atender à necessidade da clientela sem desperdiçar tempo, energia e recursos – seus ou do consumidor (WOMACK e JONES, 2005). O Lean Institute Brasil (LIB) define que o termo lean refere-se a uma estratégia de negócios para aumentar a satisfação dos clientes através da melhor utilização dos recursos. Portanto, o propósito da gestão lean é fornecer valor aos clientes,consistentemente, e com os custos mais baixos. Isso ocorre através de processos de identificação de melhoria dos fluxos de valor e por meio do envolvimento de pessoas qualificadas e motivadas em prol desse objetivo (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). Enriquecendo a definição, Jones (2007) defende que lean consiste em aprender como reconfigurar os ativos e os relacionamentos com parceiros da cadeia de suprimentos, visando estabelecer um novo patamar para a criação de valor adicional aos clientes. Tais mudanças permitirão às organizações enxergar um 21 grande número de oportunidades e redefinir a natureza da competição em seus setores. Além disso, um insight fundamental por trás desse conceito é o entendimento de que o valor para o consumidor é criado por ações de diferentes pessoas ao longo de diversos departamentos e organizações. Jones (2007) também aponta que, embora os princípios lean tenham sido inicialmente aplicados ao chão de fábrica, todas as atividades de suporte podem ser redesenhadas utilizando os mesmos princípios e ferramentas. É preciso, entretanto, enxergar as organizações como um conjunto de fluxos de valor horizontais, ao invés da familiar organização vertical de funções e departamentos. A definição técnica de lean apresentada pelo periódico “The Controller’s Report” (ANONYMOUS, 2008) diz que o termo refere-se ao uso de certos conceitos gerenciais, como o kaizen (melhoria contínua) e o kanban (reabastecimento permanente) desenvolvidos pela Toyota e por outras empresas japonesas. Segundo o periódico, os praticantes de práticas lean são atraídos por sua ênfase na eficiência e na eliminação de desperdícios, bem como na resultante estabilidade de preços que elas proporcionam ao consumidor. Ademais, as organizações adotam práticas lean com o objetivo de aumentar a produtividade, alcançar maior flexibilidade, melhorar a qualidade de seus produtos e reduzir o tempo de seus ciclos. Tudo isso, em última análise, com custos menores. Helmold (2011) resume o conceito de lean através do princípio dos 5Rs, que enfatizam a mentalidade do defeito zero: “the Right part in the Right quality must arrive at the Right time in the Right quantity and at the Right place”. Isto é: o componente certo, com a qualidade certa deve chegar no tempo certo, na quantidade certa, no lugar certo. É relevante mencionar que Liker (1992 apud D’AMICO, 2009b) defende que lean não se trata de imitar as ferramentas utilizadas pela Toyota em um processo particular de produção; na realidade, diz respeito ao desenvolvimento de práticas adequadas ao perfil de cada organização (D’AMICO, 2009b; LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). Tais práticas deverão ser diligentemente exercidas para que se alcance um desempenho que adicione valor continuamente aos consumidores e à sociedade, ao mesmo tempo em que as empresas se mantêm competitivas e lucrativas (D’AMICO, 2009b). 22 Um termo bastante referenciado na literatura sobre este tema é “Lean Thinking” (ou Pensamento Enxuto). Muitos autores (entre eles COMM e MATHAISEL, 2000 apud WAN e CHEN, 2008, WAN e CHEN, 2008; PIERCY e RICH, 2009) apresentam definições para o termo. Entretanto, é a definição de Coleman (2008), compartilhada por Howard (2008), que parece melhor esclarecer este conceito. O autor considera Lean Thinking como uma extensão do conceito de produção enxuta e o descreve como a cultura de resolver problemas (com o uso de ferramentas), através de um processo contínuo de melhoria e busca por excelência. O Lean Thinking visa, portanto, criar mais valor e aumentar a capacidade de resposta às demandas do consumidor através da busca constante, ao longo de toda a operação da empresa, de atividades que não adicionam valor (COLEMAN, 2008). Contudo, enfatiza-se que, pelo fato de as práticas lean não serem adotadas intuitivamente pela maioria das pessoas, a cultura da organização tem impacto significativo nos processos de melhoria e na forma como a empresa desenvolve e aprimora suas competências chave (core competences) (COLEMAN, 2008; HÖÖK e STEHN, 2008). De forma complementar, o pensamento enxuto visa eliminar ou reduzir significativamente a variabilidade do ambiente operacional, para capturar a eficiência no processo de produção (FEARNE e FOWLER, 2006). Lean Thinking requer que os praticantes pensem de forma diferente sobre os processos de seu negócio, desafiando crenças, hábitos e habilidades. Além disso, ele estimula que a empresa utilize seus funcionários - maiores conhecedores dos processos da empresa – como meio de descobrir novas oportunidades de eliminar barreiras, reduzir o número de atividades que não geram valor e fomentar a capacidade de formação de equipes (COLEMAN, 2008). Os pioneiros da produção lean desenvolveram uma enorme gama de ferramentas e técnicas que permitiram aos seus seguidores rastrear uma série de problemas em suas operações, eliminar desperdícios, de modo a tornarem-se enxutos. A maioria das ferramentas disponíveis foi desenvolvida para solucionar problemas específicos, como a baixa disponibilidade de equipamentos, tempo longo de setup e elevado nível de produtos em processo (WAN e CHEN, 2009). Contudo, esses autores argumentam que ainda são poucas as ferramentas destinadas à 23 identificação de áreas problemáticas que podem ser adaptadas pelos praticantes em seus casos particulares. O tópico 2.2.3 deste capítulo apresentará algumas das ferramentas e técnicas utilizadas pelas empresas que optaram pela trajetória lean, citadas na literatura sobre o tema. 2.2.2 Como surgiu a filosofia lean O livro “The machine that changed the World”, publicado em 1990 por Womack et al.1, foi oficialmente responsável pela introdução do termo “Lean Production” (HOLWEG, 2007; WAN e CHEN, 2008; WONG e CHEAH, 2011). Desde então, tornou-se uma das referências mais citadas sobre gestão de operações na última década. De acordo com os autores do livro, os princípios lean, na realidade, foram empregados diversas vezes ao longo da história. Embora a terminologia “Lean Production” ainda não fosse usada, Henry Ford, o exército romano, o comandante Nelson da Marinha inglesa e outras figuras notórias já faziam uso de práticas lean em suas empreitadas (HOLWEG, 2007). A primeira pessoa a integrar verdadeiramente todo o processo de produção foi Henry Ford, em 1913 (LANDER, 2010). Ele casou, com consistência, peças intercambiáveis com trabalho padronizado e em movimento para criar o que chamou de “fluxo de produção”. Ford definiu um processo com etapas de fabricação que lhe permitia fabricar e montar carros em poucos minutos (BAUMHARDT, 2002 apud WIGINESCKI, 2009). Entretanto, o problema do sistema Ford de produção não se encontrava nos fluxos ou nos estoques, posto que era capaz de girar o estoque de toda a companhia em poucos dias. A grande questão residia na sua incapacidade de 1 Jim Womack, Daniel Jones e Daniel Roos são participantes do grupo de pesquisa do renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT). A publicação do livro “The machine that changed the World” é resultado de um longo estudo sobre o estilo japonês de produção, em especial, do estudo do Sistema Toyota de Produção (STP) na década de 80. Diferentemente de Holweg (2007), Wan e Chen (2008), Yamamoto e Bellgran (2010) e Wong e Cheah (2011); Bowen e Youngdahl (1998) e Kim (2002) defendem que John Krafcik, também pesquisador do programa internacional de automotores do MIT, foi quem cunhou o termo “Lean Production”, em 1988. 24 oferecer variedade. Quando o mundo passou a exigir tal variedade e em ciclos menores que os 19 anos do Ford Modelo T, as demais montadoras responderam a essa necessidade oferecendo diversas opções (WILSON, 1996). Contudo, eram amparadas por sistemas de produção cujo design e etapas de fabricação representavam um retrocesso,sendo mais complexos e consumindo mais tempo (KOCAKULÂH, BROWN e THOMSON, 2008). Observando essa situação, a Toyota, nos anos 1930 e principalmente no período pós Segunda Guerra, percebeu que uma série de inovações simples poderia resultar simultaneamente em processos com fluxos contínuos e ampla variedade de produtos ofertados. Dessa forma, a empresa revisou as ideias originais de Ford e desenvolveu o Sistema Toyota de Produção (STP) que incluía, entre outras ferramentas inovadoras, estoques seguindo o sistema just-in-time (HOWELL, 1999; CONTE e GRANSBERG, 2001; LEAN ENTERPRISE INSTITUTE, 2012). O STP foi desenvolvido para que a empresa pudesse sobreviver em situações de dificuldade, na qual os recursos eram bastante limitados e não se podia arcar com desperdícios (LANDER, 2007; WAN e CHEN, 2009). A partir daí, o conceito lean foi difundido nos Estados Unidos, sendo empregado por diversas indústrias que buscavam a mesma melhoria drástica em suas operações e na experiência de seus clientes (COLEMAN, 2008). Cusumano (1985 apud HOLWEG, 2007) e Fujimoto (1999 apud HOLWEG, 2007) apontam que o conceito lean não foi uma invenção isolada inspirada no sistema just-in-time (JIT), mas o resultado de um processo dinâmico de aprendizado que adaptou práticas oriundas da indústria automobilística e têxtil japonesa em resposta às contingências do ambiente no Japão em dado momento. Esse aprendizado foi retratado na publicação “The machine that changed the World”, mencionada no início deste tópico, e desencadeou uma série de estudos sobre a adoção de práticas lean. Inicialmente, sua aplicação restringia-se ao setor automotivo, mas rapidamente foi difundida entre as operações de manufatura e de serviços (PICCHI, 2003). À medida que a filosofia lean foi sendo difundida em outros países, líderes passaram a adotar suas práticas além da manufatura, atingindo os setores de logística e distribuição, serviços, construção, varejo, saúde, e até mesmo o Governo (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). Dessa forma, a produção enxuta não apenas desafiou com sucesso as aceitas práticas da produção em massa na 25 indústria automobilística, mudando significativamente o trade-off entre produtividade e qualidade, como também fez com que uma ampla gama de operações manufatureiras e de serviços fossem repensadas (HOLWEG, 2007). Wan e Chen (2008; 2009), entretanto, argumentam que, apesar do STP ter se mostrado eficaz para a Toyota, uma série de ferramentas desse sistema é destinada à resolução de problemas específicos e, portanto, são difíceis de serem precisamente reproduzidas por outros praticantes. Dessa forma, os autores defendem que a publicação “Lean Thinking” de Womack e Jones (1996) foi a responsável por resumir de forma sistemática os cinco elementos críticos para a implementação de princípios lean. São eles: valor, fluxo de valor (value stream), fluxo, produção puxada (pull) e busca pela perfeição. Esses elementos críticos - também chamados de princípios lean – serão abordados mais adiante. Höök e Stehn (2008) criticam o estudo de Womack e Jones no sentido de que falta aos cinco princípios lean uma ênfase nos recursos humanos e em sua criatividade. Assim, com base na revisão da literatura, os autores desenvolveram um esquema, o qual denominaram “the house of Lean Production” (a casa da produção enxuta), que incorpora aos cinco princípios de Womack e Jones os demais elementos que compõem a cultura lean. Embora questões culturais também tenham sido levantadas por outros autores (e.g., LIKER, 2001 apud HÖÖK e STEHN, 2008; YAMAMOTO e BELLGRAN, 2010) os cinco princípios de Womack e Jones são amplamente reconhecidos e citados de forma recorrente na literatura. 2.2.3 Os princípios e práticas lean Para auxiliar as empresas ao redor do mundo a adotarem práticas lean em suas operações, em 1996 Womack e Jones identificaram cinco princípios lean, mencionados brevemente no tópico anterior, que servem de guia para organizações de todos os setores da economia (PIERCY e RICH, 2009). São eles: (1) Valor. Determina o que é valor para o consumidor em um produto ou serviço, ou seja, quais são os benefícios percebidos por esse consumidor 26 (TATIKONDA, 2007; PIERCY e RICH, 2009). Diferentemente do que muitos pensam, não é a empresa e sim o cliente quem define o que é valor. É sabido que a necessidade gera o valor, dessa forma, cabe às empresas identificar quais são as necessidades e procurar satisfazê-las, cobrando por isso um determinado preço, a fim de manter a empresa competitiva e aumentar os lucros. Tudo isso deve ocorrer via melhoria contínua dos processos, redução dos custos e aumento da qualidade (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). (2) O fluxo de valor. Mapeia, através de um mapa de processos (ou de fluxos de valor), como o valor é entregue. Recomenda-se usar esse instrumento como base para a identificação e eliminação de qualquer área ou processo que não agregue valor (PIERCY e RICH, 2009). Mais detalhadamente, o Lean Institute Brasil aponta que o fluxo de valor consiste em dissecar a cadeia produtiva e separar os processos em três tipos: aqueles que efetivamente geram valor; aqueles que não geram valor, mas são importantes para a manutenção dos processos e da qualidade; e aqueles que não agregam valor, e que, portanto, deverão ser eliminados imediatamente. É importante ressaltar que essa análise não deve focar apenas na redução de custos; deve ser acompanhada sob a ótica da geração de valor, levando em conta o longo prazo e o processo como um todo - desde a criação do produto até a sua venda (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). (3) Fluxo Contínuo. Assegura um fluxo suave de produtos e informações do início ao final da cadeia de valor. Seu objetivo é excluir inventários ou zonas de “amortecimento” (buffer zones) através da utilização dos “facilitadores estruturais” (structural enablers) como designs modulares, células de trabalho, máquinas de uso geral e trabalhadores com múltiplas capacidades (PIERCY e RICH, 2009). A remoção de obstáculos, como a desorganização, gargalos e defeitos, torna possível o trabalho circular mais livre e rapidamente (TATIKONDA, 2007). O Lean Institute Brasil argumenta que assegurar o fluxo contínuo exige uma mudança na mentalidade das pessoas, posto que é necessário deixar de lado a ideia de que a produção por departamentos é a melhor alternativa (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). (4) Produção puxada (pull). Apenas se entrega o que é realmente demandado (pulled) pelo consumidor, ao invés de servi-lo através de estoques ou buffers. Dessa forma, as operações são controladas sem que haja a utilização de estoque em processo e a decisão de o que, quando e como produzir é tomada com 27 base no consumo do cliente. Por esta razão, neste modelo, diferentemente do que ocorre na produção empurrada (na qual a operação começa antes da ocorrência da demanda pelo produto), o fluxo de materiais ganha extrema importância (TATIKONDA, 2007; PIERCY e RICH, 2009). (5) Perfeição. Busca contínua pela melhoria dos processos e sistemas com base nos princípios mencionados acima, almejando atingir a perfeição (PIERCY e RICH, 2009). O aperfeiçoamento contínuo em direção a um estado ideal deve nortear todos os esforços da empresa, através de processos transparentes, no qual os membros da cadeia tenham conhecimento profundo do processo como um todo, sendo capazes de contribuir na busca de melhores formas de criar valor (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). Os princípios expostos por Womack e Jones (1996) são amplamente citados na literatura e reconhecidos por sua originalidade. São também recorrentes na literatura (e.g., LANDER, 2007; HÖÖK e STEHN, 2008; YAMAMOTO e BELLGRAN, 2010) as quatorze práticas identificadas no livro “The Toyota Way”, publicado por Jeffery Liker em 1997. De forma sucinta, as quatorze práticas são: (1)Basear decisões gerenciais na filosofia de longo prazo, mesmo que elas representem os custos financeiros de objetivos de curto prazo. As decisões de longo prazo devem se sobrepor às de curto prazo e isso pode ser feito alinhando toda a organização em uma única direção, seguindo um propósito comum (D´AMICO, 2009a). (2) Criar fluxos de processos contínuos de forma a trazer possíveis problemas à tona. Os processos devem ser redesenhados para que atividades não agregadoras de valor sejam eliminadas e para que materiais e informações circulem com rapidez (PICCHI, 2003; TATIKONDA, 2007). (3) Utilizar o sistema “pull” para evitar produção excessiva. O objetivo desta prática é reduzir estoques e ganhar flexibilidade para prover o consumidor com o produto que ele deseja, na quantidade e tempo requisitados por ele. (TATIKONDA, 2007). (4) Nivelar a carga de trabalho. Os métodos de produção lean procuram tirar a pressão de pessoas e equipamentos através da eliminação de variações nas escalas de produção (D´AMICO, 2009a). 28 (5) Construir uma cultura de alcançar a qualidade certa da primeira vez, ao invés de ficar solucionando problemas (HELMOLD, 2011). (6) Tarefas padronizadas são a base para a melhoria contínua e para o empowerment dos funcionários (SACKS et al., 2010). Um dos objetivos da produção enxuta é desenvolver procedimentos estáveis e replicáveis, colaborando para manter a previsibilidade e tempos e resultados consistentes (D´AMICO, 2009a). (7) Utilizar controles visuais para que nenhum problema fique oculto (SACKS ET AL., 2010). (8) Utilizar apenas tecnologia confiável e testada que sirva às pessoas e processos (e que não as substitua). Liker (1992 apud D’AMICO, 2009b) aconselha que os gestores devem rejeitar ou modificar tecnologias que não estejam alinhadas com a cultura da organização ou que possam resultar em falta de confiança ou perturbações (disruptions). (9) Desenvolver líderes que, conhecendo o trabalho, vivam a filosofia da empresa e ensinem-a aos demais. Líderes devem atuar como modelos da filosofia da organização e da forma de fazer negócios (ACHANGA et al., 2005). (10) Desenvolver funcionários e equipes excepcionais que sigam a filosofia da empresa. Os gestores devem fazer uso de equipes multifuncionais visando melhorar a qualidade e a produtividade. (D´AMICO, 2009b; TURESKY e CONNELL, 2010). (11) Respeitar a rede de contatos – parceiros e fornecedores – desafiando- os e auxiliando-os a crescer e prosperar (GARRETT e LEE, 2011). (12) Verificar pessoalmente a situação para entender corretamente cada evento. Além disso, os gestores devem verificar dados durante a busca por soluções ou formas de melhoria (D´AMICO,2009b). (13) Tomar decisões devagar, por consenso, considerando todas as opções disponíveis, porém, implementá-las rapidamente. (D´AMICO,2009b) (14) Tornar-se uma organização voltada para o aprendizado e proteger sua base de conhecimento (SPEAR e BOWEN, 1999 apud PICCHI, 2003; ACHANGA et al., 2005). Além das práticas mencionadas acima, cabe ainda citar, de forma mais específica, algumas ferramentas comumente utilizadas pelas empresas que optaram 29 pela trajetória lean. Em seu artigo, Kocakulâh, Brown e Thomson (2008) apresentam as principais ferramentas lean, dentre elas, é possível destacar: (1) Mapeamento do Fluxo de Valor (Value stream mapping – VSM). Consiste em uma ferramenta básica para representar visualmente os fluxos de informação e de materiais no processo produtivo (e a relação entre eles), para a identificação de atividades que não agregam valor (ABDULMALEK e RAJGOPAL, 2007; TATIKONDA, 2007; GARRETT e LEE, 2011). O mapeamento, por si só não afeta o bottom line da organização, mas permite aos gestores visualizar, de forma simples, o fluxo de valor. Kocakulâh, Brown e Thomson (2008) defendem que o VSM é a base para a priorização de ações lean, pois ajuda o gestor a identificar os sete desperdícios clássicos nos processos: (1) superprodução, seja para o consumidor ou para a etapa seguinte do processo; (2) transporte; (3) estoques, tanto de produto em processo quanto de produto acabado; (4) espera de trabalhadores e máquinas pela chegada de componentes; (5) defeitos; e (6) super processamento (e.g. diminuir a o ritmo de operação de uma máquina para obter uma superfície com acabamento mais refinado do que o requerido). (2) A metodologia dos 5S’s foi introduzida pela montadora Toyota para descrever os métodos adequados de manutenção da empresa. São eles: Seiri (separar os desnecessários), Seiton (ordem), Seiso (limpeza), Seiketsu (padronização), Shitsuke (manutenção). Os 5S’s, cujo maior benefício é a disciplina, são geralmente aplicados na forma dos chamados eventos Kaisen, nos quais funcionários e gestores são retirados de suas rotinas e solicitados a focar em uma área específica para que possam praticar os 5S’s e promover melhorias (KOCAKULÂH, BROWN e THOMSON, 2008; SHIL, 2009; LANDER, 2010). (3) A manutenção produtiva total ou “total productive maintenance” (TPM) é a metodologia utilizada para atacar questões relacionadas ao tempo de máquina (paradas, quebras, tempo de setup, ciclos lentos, defeitos, retrabalhos etc.). Através dessa ferramenta são avaliados (1) disponibilidade - se a máquina está ou não disponível; (2) performance – se a máquina está funcionando na velocidade ótima e (3) taxa de qualidade – quantos peças defeituosas são produzidas (KOCAKULÂH, BROWN e THOMSON, 2008; POPHALEY, 2010). (4) Troca rápida de ferramentas ou “single minute exchange of dies” (SMED). O SMED foi desenvolvido no Japão nos anos 1950 como resposta à 30 necessidade emergente de produção de lotes cada vez menores para atender as demandas dos consumidores. Através dessa ferramenta busca-se padronizar e simplificar as atividades de modo a minimizar a necessidade de trabalhadores com habilidades específicas. O objetivo do SMED é reduzir o tempo de setup, melhorando o fluxo, a qualidade e capacidade (KING, 2009). (5) O Six Sigma visa desenvolver produtos e processos com zero defeito, com base em uma curva normal. Todo processo tem variações, porém o Six Sigma ajuda a definir quais características de um componente são críticas para reduzir a variação do processo através da aplicação rigorosa do processo de coleta de métricas e análise estatística (CIMA et al., 2011). O tópico 2.2.5 deste capítulo abordará novamente alguns princípios e práticas mencionados nesta seção e os benefícios relacionados a eles. 2.2.4 Fatores que contribuem para a implantação bem sucedida de princípios e práticas lean O BCG (The Boston Consulting Group) conduziu entrevistas com executivos de diversas empresas com diferentes níveis de experiência sobre práticas lean para entender os fatores que levaram determinadas organizações a obterem sucesso com a adoção dessas práticas. A maioria dos executivos entrevistados relata que programas lean são difíceis ou muito difíceis de serem implantados e as razões atribuídas a essa dificuldade são variadas. Alguns mencionam a resistência cultural, falta de habilidades ou questões ligadas à liderança. Outros apontam que os processos em suas empresas não são corretamente entendidos ou que os funcionários têm problemas em absorver novas estratégias e métodos. Além disso, um dos executivos relatou que as pessoas se esquecem de que sua principal função é servir ao consumidor (SIRKIN et al., 2008). Em virtude disso, o BCG apresenta sete fatores chave (também publicados no periódico “The Controller’s Report”, ANONYMOUS, 2008) para auxiliar as organizações durante a adoção de práticas lean. Esses fatores, apresentados a seguir, ajudam a explicar porque algumas empresas obtêm mais sucesso adotando práticas lean do que outras. 31 (1) Escolher projetos estratégicos, centrados no consumidor (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998). Iniciativas alinhadascom a estratégia geral da organização e focadas no cliente reforçam a mensagem de que entender, satisfazer e reter o consumidor é prioridade número um (SIRKIN et al., 2008). (2) Pensar grande, mas começar pequeno. Programas lean devem ser ambiciosos, porém é necessário começar com testes de pequenos projetos, focando em áreas de maior prioridade. (SIRKIN et al., 2008). (3) Envolver a todos – desde a alta gerência até o bottom line – para tornar disponível um volume maior de conhecimento e ideias, além de criar uma atmosfera de entusiasmo (ACHANGA et al., 2005). (4) Customizar a abordagem conforme a cultura de cada organização (e.g. hierárquica, individualista etc.) (D’AMICO, 2009b; LEAN ENTERPRISE INSTITUTE, 2012). (5) Atribuir pessoal em tempo integral e com amplo conhecimento sobre os princípios e práticas lean, suas ferramentas e técnicas (DIXON, 2009). (6) Usar métricas para direcionar o progresso. William E. Deming já dizia que “não se melhora o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende”. Entretanto, o conjunto de métricas deve estar alinhado com a estratégia geral da organização (ANONYMOUS, 2008). (7) Comunicar, comunicar, comunicar. É importante manter a visibilidade e estimular o feedback contínuo (DIXON, 2009; TURESKY e CONNELL, 2010). Muitos gestores e engenheiros erroneamente acreditavam que a adoção da produção lean (em especial, do Sistema de Produção Toyota) meramente consistia na implementação de ferramentas lean individuais (e.g. JIT, Kanban). Entretanto, há variáveis que podem comprometer o sucesso dessas ferramentas. A cultura organizacional, por exemplo, desempenha um papel bastante importante para o sucesso ou fracasso da implementação de práticas lean. Portanto, é uma dimensão que deve ser cuidadosamente estudada (YAMAMOTO e BELLGRAN, 2010; WONG e CHEAH, 2011). Indo mais além, pode-se dizer que as mudanças requeridas para a implantação das práticas lean também devem ocorrer ao longo da cadeia de valor da organização, dado a sua significância estratégica (BHASIN e BURCHER, 2006). Além disso, a utilização de uma série de ferramentas lean de uma só vez pode resultar em uma situação caótica. Portanto, é preciso selecionar as 32 ferramentas certas para a situação particular de cada organização (WAN e CHEN, 2009). Por fim, cabe destacar que, embora a alta gerência deva se comprometer verbalmente com a adoção de práticas lean, ela também deve demonstrar responsabilidade e fazer acompanhamento adequado (TURESKY e CONNELL, 2010; GARRETT e LEE, 2011) de modo a sustentar verdadeiramente o processo de mudança organizacional. As equipes responsáveis pela implementação das práticas devem contar com um mix adequado de pessoas familiarizadas com o assunto, com habilidades necessárias e recursos suficientes para obter resultados de sucesso, que, por sua vez, deverão ser mensurados através de um sistema compreensível para dar suporte a novas mudanças e melhorias. (TURESKY e CONNELL, 2010). 2.2.5 Os benefícios da adoção da metodologia lean Com base na leitura de diversos estudos de caso sobre os impactos da adoção de práticas lean por empresas de diferentes setores (com características e limitações particulares à sua atividade) (e.g. LIKER, 1997; DETTY e YINGLING, 2000; ABDULMALEK e RAJGOPAL, 2007), é possível fazer um levantamento dos principais benefícios alcançados por essas organizações que empreenderam tais iniciativas. A adoção de práticas de produção lean tem impactado significativamente na produtividade de vários setores da indústria (WAN e CHEN, 2009; RAHMAN, LAOSIRIHONGTHONG e SOHAL, 2010; WONG e CHEAH, 2011). Além de adotarem as práticas com o objetivo de aumentar a produtividade, as organizações também visam alcançar maior flexibilidade, melhorar a qualidade de seus produtos e reduzir o tempo de seus ciclos. Tudo isso, em última análise, com custos menores (ANONYMOUS, 2008). De acordo com Seeliger et al. (2005 apud WONG e CHEAH, 2011), nos três a cinco primeiros anos de implementação de práticas lean não é incomum que empresas atinjam reduções de até 75% no estoque, aumento da produtividade dos funcionários em até 20%, melhoria do nível de serviço de entregas para cerca de 99%, reduções de 75% nos lead time e de 50% na utilização dos espaços, aumento 33 da capacidade em 20% e redução de tempo de setup em 75% e do número de defeitos em 20%, anualmente. Os autores citados por Bhasin e Burcher (2006) (e.g. Lathin, 2001; Nystuen, 2002; Claudius Consulting, 2004) relatam percentuais um pouco diferentes, conforme os casos por eles estudados, mas, em linhas gerais, percebe-se que os benefícios gerados pela adoção de práticas lean são substanciais em termos de melhoria de desempenho das organizações (HANSON e VOSS, 1998 apud BHASIN e BURCHER, 2006). A produção lean, de acordo com Bowen e Youngdahl (1998), não apenas traz mais eficiência para as empresas que a adotam, como também lhes confere maior flexibilidade. Para esses autores, são benefícios da produção lean (e seus respectivos princípios): (1) A redução dos trade-offs de desempenho (KIM, 2002). A produção lean combina a eficiência da prática de produção em massa com abordagens flexíveis de produção artesanal. Dessa forma, têm-se trabalhadores flexíveis suportados por ferramentas de uso geral produzindo múltiplos produtos em linhas de montagem únicas (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998). Isso torna possível realizar economias com equipamentos, pessoal e transporte (DETTY e YINGLING, 2000). Ademais, as equipes de funcionários buscam constantemente maneiras de reduzir os tempos de configuração ou de mudança de produto. Assim, os clientes se beneficiam da expansão da variedade de produtos ao passo que as empresas beneficiam-se do aumento da oferta de produtos sem que haja perda de eficiência (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998). (2) A fluidez dos processos de agregação de valor e a implementação da atração pelos clientes (WOMAK e JONES, 1996 apud BOWEN e YOUNGDAHL, 1998). Com base no sistema just-in-time (JIT), criam-se fluxos contínuos e sistemas puxados nos quais as peças são “puxadas” para as estações de trabalho à medida que os clientes fazem seus pedidos (demanda real do cliente) e conforme a sua necessidade na cadeia de operações (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2012). Essa prática traz como benefícios a eliminação de desperdícios com excessos de estoque e o aumento da visibilidade de problemas relacionados à qualidade de produtos e processos (GARRET e LEE, 2011). Para que esse sistema funcione, ou seja, para que as empresas “puxem” a produção, os autores defendem que é necessário abandonar a meta de produzir grandes lotes, responsáveis por proporcionar 34 economias de escala (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998; KOCAKULÂH, BROWN e THOMSON, 2008; SACKS et al., 2010). (3) A tecnologia de grupo (Group Technology) consiste no agrupamento de famílias de peças conforme requisitos de processos semelhantes, em combinação com os esforços de redução dos tempos de setup. Tal medida tem por objetivo propiciar um aumento substancial da velocidade de realização de um fluxo (SHAHIN, 2010). (4) A eliminação de desperdícios da cadeia de valor das atividades desde o desenvolvimento até a entrega do produto (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998). Desperdício é todo tempo, espaço ou material usado na realização de atividades (de manuseio, transporte, inspeção, estoque, retrabalho etc.) que não contribui diretamente para adicionar valor ao produto acabado (IBRAHIM et al., 2010). A manufatura enxuta pretende eliminar todas as atividades que não estejam agregando valor ao processo produtivo (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998; GARRET e LEE, 2011). (5) A intensificação do foco no cliente e o envolvimento do mesmo no desenvolvimento do produto e nos processos de entrega. Nas produções lean, os clientes participam ativamente naprovisão de insumos para as equipes de projeto. Em alguns casos, os clientes participam, inclusive, como equipes paralelas de projetos de engenharia (MONCZKA et. al., 2011). Bowen e Youngdahl (1998) apontam que as empresas que se sobressaem neste quesito tendem a ter desempenhos de alto nível com relação a custo, qualidade, entrega e flexibilidade. (6) A delegação de poder para trabalhadores e equipes (empowerment). Um argumento fundamental da produção lean é que a qualidade, a produtividade e a flexibilidade podem ser aumentadas com a transferência de responsabilidades e da tomada de decisão para os empregados (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998). Entretanto, embora os funcionários e equipes confiram ganhos à empresa através da identificação de problemas e do desenvolvimento de processos de trabalho, não são tolerados desvios desses processos, posto que o controle estatístico das variações do processo depende de trabalhos padronizados (SACKS et al., 2010). Treinamentos proporcionam aos funcionários oportunidades de desenvolver habilidades e uma mentalidade lean (TURESKY e CONNELL, 2010). 35 Além dos benefícios acima descritos, também é possível listar como resultados desfrutados pelas organizações que têm se baseado na filosofia lean: • A melhoria da qualidade do produto final (BHASIN e BURCHER, 2006; ABDULMALEK e RAJGOPAL, 2007; CERYNO e POSSAMAI, 2008; OLIVEIRA, 2008); • Ganhos de produtividade (SHERIDAN, 2000; apud. BHASIN e BURCHER, 2006) e da capacidade de produção (OLIVEIRA, 2008); • Redução do tempo de entrega, ou seja, aumento da velocidade de resposta ao cliente (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998; BHASIN e BURCHER, 2006; CERYNO e POSSAMAI, 2008; OLIVEIRA, 2008); • Redução no prazo de desenvolvimento de novos produtos (OLIVEIRA, 2008); • Aumento na satisfação dos clientes e a melhoria do relacionamento com eles (SOHAL e EGGLESTON, 1994 apud DETTY e YINGLING, 2000; BHASIN e BURCHER, 2006; OLIVEIRA, 2008); • Redução no número de pedidos processados em regime de urgência (OLIVEIRA, 2008); • Melhoria no relacionamento da área comercial com a área de produção (OLIVEIRA, 2008); • Redução do estoque de produto semi-acabado entre os processos e de produto final nos depósitos (OLIVEIRA, 2008) e melhor controle de estoque (ABDULMALEK e RAJGOPAL, 2007); • Redução nos espaços requeridos para estocagem de produtos (DETTY e YINGLING, 2000; OLIVEIRA, 2008); • Melhoria da competitividade da organização em relação aos concorrentes e criação de vantagem estratégica (SOHAL e EGGLESTON, 1994 apud DETTY e YINGLING, 2000; BHASIN e BURCHER, 2006); • Redução do tempo de troca de ferramentas para mudança do mix de produtos (BOWEN e YOUNGDAHL, 1998; DETTY e YINGLING, 2000; OLIVEIRA, 2008); 36 • Visão clara das capacidades do sistema de produção (OLIVEIRA, 2008); • Redução dos custos operacionais de produção (BHASIN e BURCHER, 2006; CERYNO e POSSAMAI, 2008; OLIVEIRA, 2008); • Melhoria na performance financeira devido, entre outras coisas, a economias com pessoal, equipamentos e transporte (DETTY e YINGLING, 2000; ABDULMALEK e RAJGOPAL, 2007); • Redução de desperdícios (ABDULMALEK e RAJGOPAL, 2007); • Programações precisas e operações eficientes (LIKER, 1997); • Melhoria no nível de moral dos trabalhadores (OLIVEIRA, 2008), do aprendizado organizacional (DETTY e YINGLING, 2000) e outros benefícios intangíveis, difíceis de quantificar (STANDARD e DAVIS, 2000 apud BHASIN e BURCHER, 2006). 2.3 FILOSOFIA LEAN NA CONSTRUÇÃO CIVIL Esta sessão buscará abordar os conceitos da produção lean aplicados ao contexto da Construção Civil, apresentando suas semelhanças e particularidades, bem como as práticas mais recorrentes implantadas pelas empresas do setor. Assim, inicialmente serão apresentados o conceito “Lean Construction” e sua origem para que, em seguida, sejam expostos os princípios e práticas adotadas pelas construtoras. 2.3.1 O que é Lean Construction Uma característica distintiva da literatura sobre Lean Construction (ou construção enxuta) é a falta de definições comuns. Ao realizar uma revisão da literatura sobre o tema, Jorgensen (2006 apud JORGENSEN e EMMITT, 2008) encontrou uma grande variedade de interpretações, concluindo que poucos autores haviam apresentado definições explícitas e concisas, tornando difícil, portanto, estabelecer exatamente o que o termo Lean Construction significa. Diante da 37 ausência de uma definição mais sólida, será utilizada a definição apresentada pelo Lean Construction Institute (LCI) (LEAN CONSTRUCTION INSTITUTE, 2012) para esclarecer o conceito. Lean Construction, de acordo com o LCI, é uma abordagem baseada na gestão da produção para a entrega de projetos – sendo, portanto, uma nova forma de projetar e construir instalações de capital. Aplicada à construção, a filosofia lean muda a forma como o trabalho é executado durante todo o processo de entrega. Lean Construction envolve desde os objetivos do sistema de produção lean - maximização do valor e minimização de desperdícios – até a aplicação de técnicas específicas (LEAN CONSTRUCTION INSTITUTE, 2012). Howell (1999) contribui para a definição do conceito mencionando que a construção lean não se trata de produção em massa e nem de produção artesanal, e tem como objetivo melhorar o atendimento às necessidades do cliente, utilizando menos de tudo. O Lean Construction Institute (2012) aponta que a adoção de práticas lean na construção civil implica que: • As instalações e seu processo de entrega sejam projetados conjuntamente para melhor revelar o propósito dos clientes. • O trabalho esteja estruturado ao longo de todo o processo para maximizar o valor e para reduzir o desperdício. • Esforços para gerenciar e melhorar o desempenho visem melhorar o desempenho total do projeto, pois este resultado é mais importante do que a simples redução dos custos ou o aumento da velocidade de qualquer atividade isoladamente. • O conceito de "controle" seja redefinido, passando de "monitoramento dos resultados" para "fazer as coisas acontecerem." O desempenho dos sistemas de planejamento e controle devem ser medidos e aprimorados. Com base nos pontos acima listados, Lean Construction é principalmente útil em projetos complexos, incertos e rápidos, enfatizando a entrega rápida e confiável de valor (IBRAHIM et al., KIM, 2002). Além disso, sua prática desafia a crença de que sempre deve haver trade-off entre tempo, custo e qualidade (KIM, 2002). 38 Argumenta-se, entretanto, que as edificações são diferentes dos demais produtos manufaturados em diversos aspectos, que acabam por afetar a maneira na qual novos processos de produção podem ser implantados (GANN, 1996 apud LOW e FANG, 2005; PICCHI, 2003; IBRAHIM et al., 2010). Dessa forma, Jorgensen e Emmitt (2008), Höok e Stehn (2008) e Mao e Zhang (2008 apud Eriksson, 2010) advertem que muitos dos argumentos, tanto positivos quanto negativos, levantados no debate sobre Lean Production não podem ser simplesmente transpostos para o contexto de construção, devendo a Lean Construction ser desenvolvida e modificada de modo a se encaixar no contexto baseado em projetos. Ao revisar a literatura sobre manufatura e produção lean, bem como a literatura no campo da construção lean, é possível destacar uma série de características que são específicas da construção lean. Um exemplo das particularidades da construção é a existência de multiplos “clientes finais” e o fato de que raramente poderá ser considerado apenas um único cliente final (JORGENSEN e EMMITT, 2008). Outras características diferenciadoras em grande marca dos produtos manufaturados e produtos resultantes da construção incluem as amplas dimensões das construções, a imobilidade do produto produzido, o elevado custo de produção para gerar produtos duráveis e de qualidade e o elevadograu de complexidade no número de partes componentes e ligações necessárias (LOW e FANG, 2005; IBRAHIM et al., 2010). Entretanto, essas características físicas das edificações não devem limitar a implementação de novas técnicas na construção (PICCHI, 2003; LOW e FANG, 2005). Wright (2000) já havia argumentado que o processo de concepção e construção de edificações é marcadamente diferente dos produtos manufaturados. Entretanto, também defende que a adoção de alguns conceitos de gestão da produção lean na construção civil tem potencial para aumentar substancialmente a eficiência na entrega das construções. Da mesma maneira, Conte e Gransberg (2001) reforçam que a implantação de modelos de gestão da produção com base nos princípios e práticas lean é viável e pode ser aplicada a qualquer tipo de construção, independentemente da tecnologia de execução empregada, posto que esta filosofia lean, acima de tudo, tem como intenção a otimização do processo de gestão da produção. 39 O resultado do estudo conduzido por esses autores permitiu aos mesmos demonstrar que é possível atingir uma redução média de 20% a 30% no tempo previsto de construção e uma redução do custo total de produção entre 5% e 12%. Adicionalmente, ambos estão convictos de que a construção lean na esfera brasileira é viável devido ao reconhecimento da importância das atividades de planejamento e concepção por parte das empresas do setor. Tal atitude consolidará novos tipos de competitividade sustentável em ambientes marcados pela incerteza e risco. (CONTE e GRANSBERG, 2001). 2.3.2 A origem do conceito Lean Construction O termo “lean” foi empregado na construção civil apenas alguns anos depois de ter ganho impulso nas indústrias transformadoras ocidentais. Sua aplicação no ambiente da construção foi discutida pela primeira vez em 1992, no trabalho de Lauri Koskela (“Application of the New Production Philosophy to Construction”), que investiga o que o autor chama de "filosofia da nova produção" e sua aplicação à construção civil (JORGENSEN e EMMITT, 2008). Neste mesmo trabalho, o pesquisador argumenta sobre a necessidade de uma teoria de gestão da produção para o contexto da construção (GHOSH e CORBETT, 2009). Seu trabalho enfatiza a importância do fluxo do processo de produção, bem como os aspectos relacionados à conversão de inputs em produtos acabados - elementos importantes para reduzir o valor desperdiçado nos canteiros de obra. Segundo ele, a produção deve ser vista como um fluxo que gera valor por meio de processos de conversão, caracterizados por custos, tempo e grau de valor acrescentado (WRIGHT, 2000; CONTE e GRANSBERG, 2001; SENARATNE e WIJESIRI, 2008). Neste contexto, considerando a elevada incerteza típica do setor da construção, faz-se essencial a adoção de medidas de gestão que sejam capazes de tornar estável o ambiente operacional, reduzindo a variabilidade do processo de produção e aumentando significativamente a confiabilidade das fases de planejamento da produção, inclusive da logística interna do canteiro de obras. (CONTE e GRANSBERG, 2001). 40 Desde que Koskela (1992) apontou que a adoção de práticas lean poderia melhorar a eficiência no setor da construção, diversas pesquisas foram conduzidas nessa área. Pesquisadores trabalharam em conjunto com praticantes investigando a teoria, princípios e técnicas da Lean Construction, bem como seus impactos no setor (GHOSH e CORBETT, 2009). A partir de 1993, duas grandes linhas de pensamento passaram a reger os trabalhos sobre construção lean. Uma delas é o conceito de Transformação-Fluxo- Valor apresentado por Koskela, conforme mencionado acima, e a outra linha refere- se ao método “Last Planner” de controle da produção, introduzido por Ballard e Howell e utilizados pela maioria das empresas de construção norte-americanas (BERTELSEN, 2002; KIM, 2002). A técnica “Last Planner” consiste na utilização de procedimentos formais e flexíveis de planejamento da produção como primeiro passo para tornar estável o ambiente de produção, posto que um projeto bem executado reflete precisamente seu planejamento. Ademais, um bom planejamento da produção envolve planejar elementos que possam ser efetivamente executados. (CONTE e GRANSBERG, 2001). Embora estudos sobre construção enxuta estivessem sendo desenvolvidos, Howell, em 1999, relatou que a forma de gestão da produção na construção derivava da abordagem da produção em massa, na qual os projetos eram otimizados atividade por atividade, considerando que o valor para o cliente já havia sido identificado durante a fase de concepção do projeto (HOWELL, 1999). Assim, eram feitos esforços no sentido de reduzir custos e a duração das atividades. Ou seja, a gestão do projeto focava nas atividades, ignorando considerações sobre fluxo e valor (KOSKELA, 1992; KOSKELA e HUOVILA, 1997 apud HOWELL, 1999). Apesar da promoção da construção lean ter ganho alta visibilidade em países como EUA, Reino Unido, Dinamarca, Austália e Brasil pelos benefícios significativos que geraram aos seus praticantes (BALLARD e HOWELL, 2003 apud SENARATNE e WIJESIRI, 2008), pouco tem se visto em termos de debate crítico sobre o tema. Histórias de sucesso e relatos de resultados significativos após a aplicação de abordagens lean e suas ferramentas são comuns no setor da construção; contudo, em muitos casos, a documentação é incipiente ou inexistente (JORGENSEN e EMMITT, 2008). O campo da construção lean é relativamente imaturo e, 41 ocasionalmente, é criticado por ter um viés positivo, baseado em argumentos entusiasmados nos livros de gestão, ao invés de se examinar o raciocínio teórico e imparcial característico dos periódicos da área (GREEN e MAY, 2005; FEARNE e FOWLER, 2006; JORGENSEN e EMMITT, 2008; ERIKSSON, 2010). Embora haja uma forte promoção do tema na imprensa profissional e em redes nacionais e globais de construção lean, Lean Construction não tem marcado presença massiva em revistas do setor. A maioria das publicações são documentos de conferências, descrevendo melhorias significativas de desempenho e, portanto, havendo poucas evidências de um debate crítico. A literatura relacionada à produção lean reflete certa maturidade, entretanto, uma filosofia coerente para a construção lean ainda não foi desenvolvida (JORGENSEN e EMMITT, 2008). Ademais, Jorgensen e Emmitt (2008) advertem que a falha em reconhecer o lado potencialmente “obscuro” dos princípios lean no debate da construção civil deve ser um motivo de preocupação. O perigo está em pesquisadores e profissionais serem induzidos ao erro por uma literatura excessivamente otimista. Embora o trabalho de Lauri Koskela seja frequentemente citado, poucos têm discutido a estrutura inteira desse conceito, preferindo se concentrar apenas em aspectos discretos. Atualmente, as instituições que atuam como plataforma para o estudo e difusão da filosofia lean são o International Group of Lean Construction (IGLC), fundado em 1993, e o Lean Construction Institute (LCI), fundado em 1997, cujos papéis foram previamente descritos no capítulo 1 no tópico sobre a relevância do tema. 2.3.3 Princípios e práticas da construção lean Em conformidade com os princípios da produção lean apresentados por Womack e Jones (1996), a implementação da construção lean consiste em seguir os seguintes passos: (1) definir o que é valor para o cliente; (2) planejar a sequência de atividades necessárias para entregar os valores identificados previamente; (3) alcançar um fluxo eficiente de trabalho; (4) desempenhar as atividades apenas quando necessário para atingir esses valores; e (5) buscar a perfeição através da 42 aplicação contínua das etapas anteriores. Tudo isso deve ser realizado evitando-se desperdícios de tempo, talentos, recursos financeiros e energia (WRIGHT, 2000). Ainda que estes princípios
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