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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAÇÃO Inaura Maria de Almeida Silva RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIO PARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970) Fortaleza - CE 2005 Silva, Inaura Maria de Almeida. Relatos historiográficos e memórias da travessia do rio Parnaíba: a educação baronense e a busca peio sistema escolar de Floriano no Piauí (1940 - 1970). Inaura Maria de Almeida Silva. - Fortaleza: 2005. 160 p: ií. Orientadora: Maria Juraci Maia Cavalcante. Dissertação (Mestrado) - UFC / UFPI: Faculdade de Educação, 2005. 1. História e memória. 2. Educação. 3. Barão de Grajaú, Ma - Floriano, Pi. 4. rio Parnaíba. I. Título. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAÇÃO Inaura Maria de Almeida Silva RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIO PARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970). Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof3 Dr3 Maria Juraci Maia Cavalcante. Fortaleza - CE 2005 RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIO PARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970) BANCA EXAMINADORA Profa Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante (Presidente - UFC) Profa Dr3 Zuleide Queiroz Fernandes - 1a Examinadora (URCA) Profa Dr3 - M3 Isabel F. Lima Ciasca - 2a Examinadora (UFC) Aprovada no dia 01 de julho de 2005 DEDICATÓRIA Aos pais, José Almeida e Adelina, que com muito esforço, proporcionaram uma base sólida na qual foram edificados os meus sonhos. Ao meu esposo Daniel, pelo estímulo para a realização deste trabalho. Aos filhos Daina e Danilo, orgulho e incentivo para a concretização dos meus sonhos, construídos ao longo dos anos. AGRADECIMENTOS A Deus, nossa sustentação espiritual e guia em todos os momentos da nossa vida. À professora, doutora Maria Juraci Maia Cavalcante, pela competente e segura orientação, repleta de sabedoria, paciência e, sobretudo, de amizade, numa autêntica demonstração do que é ser educadora. Ao Campus Amílcar Ferreira Sobral, pelos meios postos à nossa disposição na pessoa do senhor Diretor. Ao professor, doutor José Arimatea, pela paciente disposição para o diálogo e pelas ricas sugestões no início do projeto. Ao professor doutor Rui Martinho, pelos valiosos comentários que muito contribuíram para a condução da pesquisa. Aos professores do mestrado, pelo convívio e pela experiência de ensino- aprendizagem vivida durante o curso. À professora, Dra. Marlene Carvalho, pelos esclarecimentos e sugestões na elaboração do projeto. À amiga acolhedora e incentivadora, Izaura Silva e seu esposo Carlos Alberto. À cunhada, Maria Fontinele, pela colaboração ao longo do curso. Ao sobrinho Gustavo pelo auxílio prestado na transcrição e digitação das entrevistas. À sobrinha Lidiany pela colaboração na estrutura final deste trabalho. À diretora da Unidade Escolar Domingos Machado, Maria Luiza Almeida, e a diretora do Ney Braga, que nos permitiram consultar os arquivo da Escola. Ao colega Alex, pelo apoio na apresentação da pesquisa. Aos colegas Gilmar e Everardo pelo auxilio na organização das fotos. A todos que contribuíram para a realização deste trabalho. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 12 2. O SENTIDO HISTÓRICO DA ESCOLA NA MODERNIDADE.......................... 30 3. A OCUPAÇÃO DO SERTÃO: O SURGIMENTO DAS CIDADES DE BARÃO DE GRAJAÚ E FLORIANO 3.1. A criação de gado e a ocupação dos pastos................................................ 39 3.2. A ocupação do atual Município de Barão de Grajaú.................................... 46 3.3. A origem e aparecimento das cidades.......................................................... 50 3. 4. De uma Colônia Agrícola nascem duas povoações: a educação como ponto de partida e de chegada....................................................................... 57 4. UM RASTREAMENTO HISTÓRICO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ESCOLAR DO MARANHÃO: RETARDAMENTO E BUSCA DOS BARONENSES PELAS ESCOLAS DE FLORIANO NO PIAUÍ 4.1. A organização do sistema escolar no Maranhão: 1940 - 1970 ........... 64 4.2. A trajetória da organização escolar em Barão de Grajaú.......................... 75 4.3. Democratização da Escola e o impacto da modernidade na educação baronense............................................................................................................ 94 4.4. Outro lado, outras escolas: início da migração de alunos....................... 106 5. MEMÓRIAS DO RIO PARNAÍBA: UM DIVISOR DE TERRAS E INTEGRADOR SOCIOECONÔMICO E CULTURAL 5.1. O rio Parnaíba como divisor de terras e integrador socioeconômico e cultural................................................................................................................. 122 5.2. O rio na memória de estudantes, canoeiros e de pais de alunos em relação ao período de 1940 a 1970............................................................................... 132 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 155 índice das fotos Foto 1 - Alunos da Escola Estadual Domingos Machado. Ao centro, o prefeito Pedro Ferreira Góes e as professoras Corina e Zuleide Souza Silva....... 85 Foto 2 - Apresentação cívica da Escola Domingos Machado............................... 91 Foto 3 - Prédio da Prefeitura e da casa ao lado, onde funcionou a primeira escola de Barão de Grajaú.......................................................................................... 94 Foto 4 - Ponte sobre o rio Parnaíba, ligando as cidades de Barão de Grajaú - Ma. e Floriano-Pi .................................................................................... 123 RESUMO Este trabalho apresenta uma abordagem histórica sobre a educação do Município de Barão de Grajaú - Ma., com o objetivo de reconstruir a experiência vivida por jovens baronenses que estudavam na cidade de Floriano. Embora próximas, as duas cidades pertencem a Estados diferentes e têm na Educação um dos elementos integradores no campo sócio-econômico e cultural. Por meio desta pesquisa, procurou-se apreender informações mediante memórias, que ajudaram na reconstituição da estrutura educacional de Barão de Grajaú. Para melhor elucidação do desenvolvimento educacional ocorrido neste município maranhense, de 1940 a 1970, período em estudo, buscou-se apoio teórico-metodológico nas idéias de autores da História Nova, por possibilitar maior dinamismo à pesquisa. Ao abordar temas como memórias, recorremos aos escritos de Ecléa Bosi e Paul Thompson. Como recurso metodológico, foram realizadas entrevistas, fazendo a interlocução com outras fontes, como documentos, jornais, registros públicos e particulares, importantes para chegar ao objetivo proposto. As fontes orais foram representadas por alunos, pais, professores, funcionário de escola e canoeiro que vivenciaram aquele período. Nesta pesquisa, evidenciou-se que as experiências do cotidiano escolar dos pesquisados, reveladas pela memória, foram importantes na reconstrução da história da educação de Barão de Grajaú. Sem esses elementos, teria sido difícil a compreensão da trajetória educativa desses sujeitos históricos. ABSTRACT This work introduces a historical approach about education of Barão de Grajaú with the purpose ofreconstruct the experience lived by baronenses youths that studied in Floriano. Although these two cities are near, they belong to different states and have in Education one of the integral elements in social-economic and cultural field. Through this study, we search to apprehend information from memories, that helped in educational structure reconstitution de Barão de Grajaú. To a better elucidation of the educational development occurred em Barão de Grajaú, from 1940 to 1970, period in study, we lookes for methological-theoretical support on the ideas from the new History authors, as they could enable a big dynamism to the research. When we approach themes like memories, we resort to Ecléa Bosi's is and Paul Thompson's works. As methodological resource, interviews were realized to do interlocution with other authorships such as: documents, newspapers, public and private registers, that were very important to reach the purpose. The oral information were represented by students, parents, teachers, school official and canoeist that lived in that period. In this research, it was proved that the daily school experiences of the partakers, exposed through memory, were important on reconstruction of Barão de Grajaú education history. Without these elements it would be difficult to comprehend educational route of those historical subjects. RYSUM Este trabajo presenta subir histórico en Ia educación de Ia ciudad dei Barão de Grajaú - Ma., con el objetivo para reconstruir Ia experiência vivido para los baronenses jóvenes que estudiaron en Ia ciudad de Floriano. Aunque es siguiente, Ias dos ciudades pertenecen los diversos estados y tienen en Ia educación uma de los integradores de los elementos en el el socio-econo'mico y cultural campo. Con esta investigación me miro prendo Ia información a través memórias, que habían ayudado en Ia reconstitución dei educativo estructura de Barão de Grajaú. Para un informe mejor de Ia ocurrencia educativa dei desarrollo en el Barón de Grajaú, de 1940 el 1970. Cuando temas que se acercan como memórias, abrogamos a Ias escrituras de Ecléia Bosi y de Paul Thompson. Como recurso dei metodológico, tales habían sido llevados con Ias entrevistas que hacían el interlocution com otras fuentes como: documentos, periódicos, público y registros particulares, que habían sido importantes llegar el objetivo considerado. Las fuentes verbales habían sido representadas por las pupilas, padres, profesores, empleado de Ia escuela y dei canoeiro que había vivido profundamente ese período. En esta investigación, fue probado que las experiencias de pertenecer diário a Ia escuela buscados, divulgado con Ia memória, habían sido importantes en Ia reconstrucción de Ia historia dei educación dei Barão de Grajaú. Sin estos elementos llegó a ser difícil Ia comprensión de Ia trayectoria educativa de estos ciudadanos históricos. 12 1. INTRODUÇÃO Cresce o interesse pelo estudo de fenômenos relacionados à História da Educação brasileira, no intuito de melhor compreender a realidade educacional no País. Nesse sentido, a Educação se aproximou de outras áreas do conhecimento humano, dentre elas a História, que possibilitem um aprofundamento do fenômeno ocorrido em um determinado tempo e em certo lugar. Essa aproximação resultou na intensificação e inovação das pesquisas pelos historiadores da educação, que, com modos mais refinados de elaborar a História, adotaram problemas, métodos, objetos e fontes variadas, provocando, como explica Zequera (2002), o surgimento de enfoques e perspectivas de análise diversas no campo da pesquisa histórico- educacional. Por conseguinte, foi a descoberta dessa combinação da inovação de pesquisas e ampliação do universo do conhecimento ora descrito que nos encorajou para realizar um estudo sobre o fenômeno da educação, sob o recorte de um espaço geograficamente pequeno, mas relevante, por estar sendo bem mais valorizado dentro das perspectivas atuais da História da Educação. Diante disso, além da motivação pessoal e profissional que nos anima, encontramos no presente estudo um campo fértil para o nosso preparo acadêmico como pesquisadora. A propósito disso, é importante dizer que o nosso interesse pelo tema enfocado está relacionado com a nossa própria história de vida, já que parte da vida estudantil teve curso em escolas na cidade de Floriano, no Piauí e residindo em Barão de Grajaú, Maranhão, nosso lugar de origem e onde estudamos da 1a a 4a série primária. Nesse período, convivíamos’ com muitas outras crianças, 13 adolescentes e jovens, na faixa de idade entre 10 a 20 anos, que faziam o mesmo trajeto à procura de oportunidades ascendentes de escolarização. O estudante tinha que atravessar o rio Parnaíba, que serve de limite entre as duas cidades, dentro de pequenas canoas para chegar à escola. As embarcações, nos horários de passagem dos estudantes, ganhavam um alegre colorido, não só pela diversidade dos tons e modelos das fardas, mas, principalmente, pela sua jovialidade contagiante. Ao concluir o 2° grau, que corresponde ao atual Ensino Médio, fomos para a Capital maranhense, no intuito de dar continuidade aos estudos. O ingresso na Universidade Federal do Maranhão redobrou a esperança de exercer o magistério nas cidades onde realizamos a educação básica. Ser professora era um sonho alimentado desde a infância, em função dos elogios à profissão e por influência de nossa mãe que era docente. Concluído o curso de Licenciatura Plena em História, retornamos a Barão de Grajaú. Aquele deslocamento espacial, que, nos deixou marcas do tempo de juventude, foi continuado, só que não mais como estudante, e, sim, como professora na rede de ensino de Floriano. Como professora, percebemos uma realidade diferente da vivida como estudante. Outras ações, reflexões e necessidades se formavam, estando a exigir novas explicações e respostas em meio à constatação de estar a viver num mundo em constante transformação. Refazendo o mesmo percurso, passamos a observar mais atentamente o movimento migratório diário de estudantes baronenses e percebemos que, ao longo do tempo, muitas mudanças haviam acontecido. A principal delas estava relacionada com a passagem obrigatória pelo rio Parnaíba, em canoas movidas pela força 14 humana, a partir da década de 1970, quando foram introduzidas as primeiras embarcações com motor movido a óleo diesel. As lembranças dos tempos de estudante e as experiências como professora expressavam momentos com características bastante diferentes. Depois da motorização dos barcos, a passagem de uma cidade para outra fora facilitada e se tornado mais freqüente. Em 1978, com a construção da ponte sobre o rio Parnaíba - que liga Barão de Grajaú a Floriano - foi ainda mais facilitada a passagem de um lado para o outro do rio. As canoas haviam perdido muito da sua importância nessa relação entre as duas cidades. Era o aludido progresso que chegava aos pequenos e distantes lugares do Nordeste, o qual se integrava ao resto do país, através da Transamazõnica. Este progresso mudou a paisagem do Parnaíba e deu outro contorno à relação entre estas duas cidades. Os avanços da sociedade brasileira modernizada se fizeram sentir em todos os setores da vida social: melhoraram as condições de vida de populações interioranas, surgiram melhores oportunidades de estudo e trabalho às famílias e, ao mesmo tempo, conduziram a um distanciamento de hábitos e práticas realizadas por outros, no passado, suplantando, sob muitos aspectos, as suas tradições. A vivência como estudante em Floriano e as observações feitas como profissional empenhada com a causa social, produziram em nós um anseio de reaver experiências educacionais e nos remeteram ao aprofundamento sobre a educação escolar dos baronenses. No âmbito da educação e das relações interpessoais, há uma riqueza de elementos de vivênciacultural, muitas vezes inexplorados, mas que podem nos ajudar na compreensão da própria história 15 coletiva. Nesse sentido, nos apoiamos na lição de Nagle (In: CAVALCANTE, 2000), para quem “história da educação também é história". O que tomou decisiva a escolha do tema aqui apresentado foi o desejo de registrar aquele momento histórico, marcante na vida daqueles que migravam diariamente para a cidade vizinha em busca de formação escolar, conforme relatos, sempre presente em encontros, de velhos estudantes e contemporâneos, ameaçado de cair num total esquecimento, esmagado pelo avanço científico e tecnológico. As lembranças da travessia do rio Parnaíba aparecem cheios de representações e significados. Em uma dessas ocasiões, foi possível um mergulho profundo na memória, uma viagem que trazia de volta o passado, dava vida e o tomava presente. Uma história se desdobrava em outras, e, aos poucos, ia surgindo uma riqueza de informações detalhadas nas lembranças sobre os encantos e os desencantos, os prazeres e os desprazeres do nosso tempo de estudante. O exercício de rememorar revelava o cotidiano e trazia ao presente muito do que já não era lembrado. Além desses motivos de ordem pessoal e profissional que justificaram a escolha do assunto a ser estudado, há também de se considerar a dificuldade de encontrar registros e estudos sobre o tema, sendo esta uma razão de caráter acadêmico, que motivou a nossa decisão de realizar a investigação da qual apresentamos no presente trabalho. Com este estudo, pretendemos contribuir para o resgate histórico da educação de Barão de Grajaú, no período de 1940 a 1970, despertando, quem sabe, o interesse de outros pesquisadores, com vistas ao aprofundamento do assunto. A escolha do período compreendido entre as décadas de 1940 e 1970 decorreu da identificação de dois importantes marcos da história de Barão de Grajaú: o primeiro, relativo à emancipação da localidade, ascensão concedida em 1938 e o segundo, em decorrência da instalação do primeiro ginásio da cidade, ocorrida em 1968. Considerando que os desdobramentos desses dois marcos puderam ser mais bem avaliados nas décadas que subseqüentes, é que optamos por trabalhar com o período assinalado, além do que essas três décadas são referidas mais freqüentemente por nossos depoentes e testemunhas, revelando o seu significado particular e esclarecedor da sua presença insistente nas memórias daqueles que as vivenciaram. Esse recorte temporal, também, se justifica pelo fato de representar uma fase de adaptação e consolidação de uma nova situação política e social que, conseqüentemente, influenciou na organização educacional do Município. É acrescida a razão de tratar-se de um momento histórico considerado importante e inovador na educação baronense, tal como a contratação de professoras normalistas, facilitando assim o desenvolvimento da pesquisa, de acordo com os objetivos propostos. Neste trabalho, buscamos reconstituir, sob o prisma histórico, a educação em Barão de Grajaú, enfocando as experiências e o que representava o rio Parnaíba naqueles momentos na vida das pessoas. Ao escolher este tema para pesquisa, sabíamos que as dificuldades seriam grandes e que íamos percorrer um caminho espinhoso, pois, em ensaio de pesquisa histórica realizado anteriormente, acerca do município (SILVA, 1992), já havíamos identificado dificuldades para encontrar fontes sobre a educação em Barão de Grajaú. Essa barreira, no entanto, passou a ser 17 também um desafio e queríamos justamente encontrar uma forma de enfrentá-io. Foi a ausência de fontes historiográficas que nos levou à decisão de trabalhar com a memória de sujeitos envolvidos nesse processo. Novamente, é em Nagle (In: CAVALCANTE, 2002) que vamos buscar estímulo para julgar a importância de articular memória e história: ...a pesquisa em história no campo da educação, aviva aquilo que nós chamamos de memória social. [...] Talvez a importância maior da pesquisa histórica no campo da educação esteja no fato de que é essa pesquisa que nos vai dar elementos para a nossa própria identidade, não é individual, também, mas eu faço por ressaltar a identidade política (p. 16). A história é consciência do passado no presente e, como o mesmo autor ressalta, o passado nos dá lições muito importantes e que, por isso, não devem ficar limitadas ao plano político, mas que ocorra também no terreno da educação. Para a história, nem tudo do que aconteceu um dia pode ser considerado perdido. Muito embora o passado não esteja registrado em documento, é possível (re)construir a história mediante outras diferentes e variadas fontes, tal como a memória. Nesse sentido, Cavalcante (2003) destaca a importância das múltiplas histórias e experiências como auxiliares no trabalho de pesquisa e na reconstituição do passado, inclusive, no campo educacional. Por essa razão, séculos depois de firmada essa ambição moderna de enfeixamento do conhecimento, perpassada por uma ânsia reformista da sociedade, pressupor uma vastidão de iniciativas de registro e análise e, assim, adotar o esteio da multiplicidade de histórias, idéias e experiências educacionais, é o melhor que temos a fazer, inclusive, para dar lugar a outras tantas iniciativas de reflexão e entendimento, que não cessam nunca de acontecer. Afinal de contas, vivemos um tempo aberto ao múltiplo e ao microscópio, o que se traduz, no campo do conhecimento histórico, numa proliferação de narrativas e narradores (p. 17). 18 O presente tem forte relação com o passado e com o futuro. Trazer o passado para o presente é confirmar experiências, situando-se em uma realidade vivida por indivíduos e coletividades na família e no grupo ao qual pertencemos, como bem expressa Hobsbawm (1990 p. 36): “é inevitável que nos situemos no continuum de nossa própria existência, da família e do grupo a que pertencemos”. É a história do grupo que está representada na experiência escolar de pessoas comuns. São realidades de um tempo passado e totalmente desconhecidas das gerações mais novas, em virtude das mudanças ocorridas nos últimos anos, que transformou a sociedade nos seus variados aspectos - políticos, sociais, econômicos - onde as relações sociais e as formas de ver o mundo são diferentes de trinta há cinqüenta anos. Desse modo, há um risco de perdermos essas memórias que podem se constituir como uma fonte de grande riqueza para a história das duas cidades - Barão de Grajaú e Floriano - razão que torna ainda mais importante uma pesquisa nesse segmento. Para a delimitação do nosso objeto de estudo, durante o desenvolvimento da pesquisa, consideramos a origem histórica, a organização do sistema escolar e a memória das duas cidades. Duas questões nortearam todo o processo de investigação: a motivação dos estudantes de Barão de Grajaú em buscar o sistema escolar de Floriano e a importância social e simbólica do rio Parnaíba nesse contexto. A fundamentação teórico-metodológica adotada para responder às questões formuladas foi baseada nas idéias dos seguidores da História Nova, pois, segundo esse paradigma, é possível realizar a história a partir de uma atividade humana qualquer, pois tudo tem um passado quê pode ser recobrado, como bem 19 acentua Haldane; “tudo tem uma história” (In: BURKE, 1992, p.11). Na abordagem histórica - neste pressuposto - é um campo de possibilidades a ser trabalhado, reconhecendo uma diversidade de abordagem, inclusive, há um envolvimento do sujeito no processo do conhecimento. Com essa orientação, podemos visualizar novas ações, ocorridas ao longo do tempo, pontos de vistas e interpretações que se transformam na decorrência da História. Há ainda de considerar que a História Nova admite a utilização de várias fontes, o que facilita o trabalho do pesquisador na compreensão e análise do objeto em estudo. As fontes de pesquisa aqui utilizadas forammúltiplas e envolvem documentos provindos do Poder Executivo e Legislativo Estadual, localizadas no Arquivo Público e na Biblioteca Pública do Maranhão; registros oficiais da Prefeitura de Barão de Grajaú, jornais de época, livros, fotografias, documentos de arquivos particulares e de escolas de Barão de Grajaú e Floriano, como também entrevistas com pessoas que vivenciaram o período, na tentativa de entender como se sucedeu o intercâmbio cultural desses estudantes com o sistema escolar da vizinha cidade piauiense, visto ser essa, a nossa problemática da pesquisa. A dinâmica de depoimentos, articulados com dados em registros, serviu como alternativa para preencher vazios documentais a respeito do tema. A ausência de documentos mais precisos sobre a educação em Barão de Grajaú tornou mais difícil o cruzamento das informações colhidas. Ã ação do tempo e do que foi “perdido”, é o que leva o historiador a tomar como “novo aquilo que foi silenciando, no âmbito da historiografia produzida. Para 20 Le Goff (2003, p. 179), “mais do que uma ruptura com o passado, ‘novo’ significa um esquecimento, uma ausência de passado”. Para reflexão e esclarecimento no campo da memória, a base teórica foi encontrada em Ecléa Bosi, por tratar do significado da ação direta da história na vida pessoal e coletiva, numa trama permanente traçada com as próprias experiências nas duas instâncias, o que torna importante o uso de lembranças para recompor os significados da trajetória educacional. Seguindo o relato sobre o exercício da presente investigação, foram levantadas informações sobre a rede de educação escolar do Município de Barão de Grajaú para avaliar sua formação, e saber como eram as escolas em Floriano, buscando configurar o perfil do aluno que estudava nessa cidade piauiense. Para isso, fizemos entrevistas com base na orientação metodológica de Thompson (2002), pois, de acordo com esse autor, a lembrança pessoal é importante para o historiador, porque ajuda a fazer uma descrição mais ampla do objeto de estudo, em especial, quando se trata de um espaço geográfico pequeno. Para a realização das entrevistas, foram escolhidas, de início, 10 pessoas. Posteriorrnente, surgiu a necessidade de incluir outros sujeitos que vivenciaram esse período, a fim de alcançar melhor equilíbrio em relação às diferentes “vozes” nos variados momentos do período enfocado, tais como alunos, pais de alunos, professores, funcionários de escolas e canoeiros. A escolha dos entrevistados foi arrimada, como expressamos a pouco, nas idéias de Thompson (2002), haja vista este autor assinalar que o homem é o construtor da sua própria história, bem como das fontes e dos documentos que 21 servirão para a reelaboração da História como saber. Pessoas comuns contando fatos da sua vivência, é que tornam essas falas alvo de interesse histórico, tomando- as como agentes que participam da formulação social da história com suas experiências, “cujas vozes estão ocultas porque suas vidas são muito menos prováveis de serem documentadas nos arquivos” (IDEM, p. 16-17). A articulação das fontes e do tempo permite o entendimento da transformação social e da própria vida em sociedade. De acordo com Zequera (2002, p. 126), “a História é entendida como ingrediente da construção social da realidade e como categoria ontológica dessa realidade. Isto é, toda sociedade se transforma, ao longo do tempo, e é história em si mesma”. Para justificar seu entendimento a respeito dessa idéia, cita Vinao: El tiempo social y humano, múltiple y plural, es um aspecto más de Ia construcción social de Ia realidad. Esta construcción es consecuencia e implica el estabelecimento de unas determinadas relaciones entre el antes, el después y ela hora - el passado, el futuro y el presente -, de una determinada temporalización de Ia experiência em relación com el presente también concreto (IBIDEM, p. 12). Acreditamos que trabalhar com a memória das pessoas sobre determinados acontecimentos por elas vivenciados será de extrema importância, tanto para a reconstrução da história como para elevar nelas a auto-estima e, certamente, servir de estímulo e de conscientização do seu papel no processo histórico. As narrativas emanadas das lembranças têm uma função social, por tratar- se de uma informação passada para outro, ‘na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo’ (LE GOFF, 2003, p. 421). 22 As entrevistas foram do tipo semi-estruturada, por entendermos que esse meio possibilita maior liberdade ao entrevistado para discorrer sobre o tema em curso. Nossos sujeitos são pessoas comuns que vivenciaram uma época em que a realidade educacional e as condições socioeconômicas do Município eram bem diversas da atual, tempo em que as oportunidades eram poucas, mas, com todas as adversidades, foram, sobretudo uns vencedores. São testemunhos carregados de experiências significativas para a construção da história de Barão de Grajaú. Ao rememorar, trazem para o presente acontecimentos do passado até então desconhecidos pelas gerações mais novas. As experiências desses sujeitos, na análise de Bosi (1987), fazem parte de “um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não conhecemos”, o qual só pode ser compreendido através da memória dos velhos, importante veículo de aproximação desse momento, que poderá ser perdido, caso não seja exercitado. A memória, para Le Goff (2003), é um elemento essencial que permite a compreensão das diferentes relações sociais e da reconstituição da história. O ato de rememorar, segundo Halbwachs (1990), é quase sempre individual, mas está inserido nos quadros sociais da vida humana. Os fatos rememorados, além de evocativos, para Thompson (2002), são matéria-prima para uma história valiosa. Por intermédio da memória, teremos um passado revelado, apresentando- se, como entende Bosi (1987), não como antecedente do presente, mas como fonte deste. Assim, o homem, é sujeito da história e é fonte de edificação do processo 23 histórico. É nesse manancial cheio de possibilidades inesgotáveis que iremos mergulhar, nessa pesquisa, para nos auxiliar na reconstituição da história educacional de Barão de Grajaú. A apresentação dos sujeitos será feita por ordem alfabética, ressaltando- se a diferença de idade entre eles, visto ser o estudo concentrado no período de 1940 a 1970, e os testemunhos se referem a pontos diversos de temporalidade, dentro do mesmo espaço. A lista de depoentes exposta na seqüência, além de tornar mais claro o desenvolvimento empírico desta investigação, pode facilitar a leitura relativa ao nosso modo de articulação entre história e memória, ao longo do trabalho. 1. Adelina Ferreira de Almeida Nasceu em 05 de agosto de 1927. Residente em Barão de Grajaú, desde 1955. Esposa de agricultor. Os dez filhos estudaram o primário na escola pública naquela cidade e o ginásio e 2° grau em Floriano. Foi professora de adultos, contratada pelo Município, de 1956 a 1958, e, posteriormente, contratada para lecionar no Grupo Escolar Domingos Machado. Foi mãe de alunos e, também, aluna, na rede escolar de Floriano. 2. Aiida Rios Cunha Residente em Floriano. Foi nomeada professora para o Grupo Escolar Domingos Machado, pelo Estado do Maranhão, em 1949. Em 1961 foi transferida para a Escola Paroquial Santo Antonio, onde trabalhou até 1968. 24 3. Aldir Carvalho Nascido em 05 de junho de 1936. Filho de lavrador. Mudou-se para a cidade de Barão de Grajaú, ainda criança, onde estudou as primeiras séries do primário. Transferiu-se para São Luis no intuito de concluir seus estudos e se profissionalizar. 4. Alexandre Dias Azevedo Canoeiro, desde os 16 anos. Residente em Barão de Grajaú. Nascido em 24 de abril de 1928. 5. Altanir Fereira Góes Filho de político e comerciante, nasceu a 14 de maio de 1943. Estudou primário e ginásio em Floriano. Recebeu orientaçãode tarefas escolares na escola particular da professora Zuleide Silva 6. Maria Angélica de França Tesoureira e secretária do Ginásio Primeiro de Maio, por mais de 30 anos. Nasceu em 03 de julho 1938. Residente em Floriano. 7. Ângelo Ferreira do Nascimento, “Major”. Nascido em 27 de maio de 1926. Foi canoeiro por mais de 3 décadas. Transportava os estudantes mensalistas, por meio de acordo verbal, forma típica da época. 25 8. Helena Barros Helluy Filha de funcionário público e político. Estudou as primeiras séries do primário em Barão de Grajaú e as seguintes, alternando entre São Luis e Floriano. Nasceu em 7 de outubro de 1941. Mudou-se para a capital maranhense e, freqüentemente, vem a Barão de Grajaú a passeio. 9. Idalina Meneses Rezende Natural de Colinas, Maranhão, chegou em Barão de Grajaú em 24 de junho de 1941, nomeada professora para a Escola Reunida Domingos Machado. Fixou residência e constituiu família na cidade. 10. Joselita Góes Damasceno Filha de político, lavrador e comerciante. Estudou o primário em Barão de Grajaú e o ginásio e magistério em Floriano. Aposentou-se como professora do Município, 11. Justiná Pereira Nasceu em 06 de junho de 1925. Esposa de funcionário público federal e mãe de cinco filhos que também estudaram ginásio e 2o grau em Floriano. 12. Maria das Graças Pereira da Silva Filha de lavadeira. Concluiu o primário em 1964 e ingressou no ginásio Bandeirante na década de 1970. Atualmente é professora do Município. Nasceu em 21 de setembro de 1951. 26 13. Maria Efigênia Guimarães Ramos Residente em Floriano e nomeada para a Escola Reunida Domingos Machado, em 1949, onde exerceu a profissão até 1983. 14. Paulino Carvalho Nasceu em 17 de dezembro de 1929, no lugar Jatobá, município de Barão de Grajaú. Foi um dos precursores nessa experiência de estudar em escolas da vizinha cidade piauiense. Filho de comerciante, criador de gado e lavrador. Fiscal da Receita Federal aposentado. 15. Salomão Pires de Carvalho Filho de lavrador e criador de gado para subsistência. Fiscal da Receita Federal, aposentado. Nasceu no município de Barão de Grajaú 1926. Foi também um dos pioneiros na passagem do rio Parnaíba para chegar à escola. 16. Sebastião Ribeiro Chegou em Barão de Grajaú em 1948. Foi prefeito do município e funcionário público estadual. 17. Vicente Almeida Neto Filho de comerciante, lavrador e político. Engenheiro mecânico. Nasceu em 1940 no interior do município de Barão de Grajaú, transferindo-se para a cidade com 12 anos, para completar os estudos primário e secundário. 27 18. Zuleide de Souza Silva Foi professora leiga na Escola Reunida Domingos Machado. Pioneira na educação baronense e fundadora de uma escola “particular”. Este trabalho foi divido em quatro capítulos numa demonstração do esforço mantido para a estruturação do estudo proposto, de modo a obter certa organicidade em nossa exposição no que concerne ao cruzamento de fontes historiográficas, documentais e orais. O segundo capítulo - após esta introdução - faz um apanhado histórico das lutas pela educação a partir das idéias iluministas, para situar a importância da escola pública a partir da revolução e hegemonia burguesa no mundo ocidental. No terceiro tópico, discorremos sobre as origens históricas da região em estudo, na tentativa de apresentar a antiga relação entre as cidades de Floriano e Barão de Grajaú, com vistas a sua constituição social. Os fatos descritos referem-se à conquista do sertão piauiense e maranhense, seguindo a historiografia relativa aos aspectos gerais da história do Maranhão e Piauí, sobre a evolução e características das cidades, assim como o surgimento dos dois núcleos populacionais de Barão de Grajaú e Floriano. No quarto tópico, é feita uma descrição sobre a estrutura escolar baronense e a trajetória dos estudantes do Município, no período enfocado. Para melhor entendimento dessa organização educacional, foi necessário fazer um recuo temporal em busca das primeiras escolas implantadas na cidade. Apesar da 28 precariedade das fontes documentais, os fatos foram organizados de maneira a mostrar a dificuldade para a formação educacional dos baronenses na própria cidade e a necessidade da migração para Floriano. Para descrever esse capítulo, as fontes básicas utilizadas foram os relatórios e discursos oficiais, bem como os relatos pessoais. Destaca também a importância da rede escolar de Floriano na formação escolar dos baronenses, que, embora incipiente, lhes dava a base necessária para prosseguimento dos estudos, na cidade vizinha. O quinto módulo foi reservado para apresentação e análise das memórias dos sujeitos que vivenciaram a trajetória da educação escolar de baronenses em Floriano, buscando identificar o que o rio representou para essa integração social, econômica e cultural; ou seja, a importância do rio Parnaíba como fonte integradora e de desenvolvimento para ambas. Na parte conclusiva do trabalho, foi realizada uma análise sobre o tema pesquisado e foram articuladas as relações estabelecidas entre a educação de baronenses e a rede de ensino de Floriano. Entendemos que o presente estudo tem significado relevante, pois faz parte de uma realidade histórico-educacional em que as pessoas eram atraídas pela cidade vizinha, especialmente os jovens, para integrar o seu sistema escolar. Acreditamos ainda que o trabalho ensejará às gerações futuras a possibilidade de conhecer as marcas dos caminhos pisados por seus antepassados e conterrâneos, alcançando, certamente, melhor compreensão do passado e provocando uma atitude de valorização da história. Afinal, é a compreensão do passado que dá sentido ao presente e ajuda a projetar o futuro, pois nele estão as raízes do presente. São fatos que fizeram parte da vida dos estudantes e das famílias de 29 Barão de Grajaú, e que contribuíram para a formação, pessoal e coletiva, de um contingente letrado na região, tendo, portanto, papel fundamental na formulação e desconstrução da identidade dos baronenses. Registrar esses acontecimentos é também evitar que caiam no esquecimento e desapareçam ao longo dos anos. Esperamos também que estejamos estabelecendo as bases para outros estudos relacionados à história e à memória da educação em Barão de Grajaú e Floriano. 30 2. O SENTIDO HISTÓRICO DA ESCOLA NA MODERNIDADE A educação, como processo sistemático no qual se utilizam meios que visam a atingir intencionalmente determinados fins, geralmente ministrado dentro da família e da escola, sempre ocupou lugar de destaque nas discussões filosóficas, desde a Antiguidade. Considerada como fundamental na sociedade moderna, a educação escolar tem um papel importante na vida das pessoas, sendo, portanto, instituída, por essas sociedades, como um dever do Estado e um direito de todos. No Brasil, a educação, mediante a luta de educadores e governantes, tem procurado, ao longo dos anos, novos rumos e ampliação do seu alcance social, iniciativas traduzidas sob a forma de projetos e reformas. Os constantes debates sobre a democratização da escola pública não são recentes. No século XVIII, acalorados discursos de defensores do ensino gratuito para todos, a partir da Revolução Francesa, ultrapassaram fronteiras, perseverando no espaço e no tempo, até hoje. Para entender melhor a educação nos dias atuais, será necessário um mergulho no passado, trazendo para o presente a origem da instrução pública na sociedade burguesa. As transformações ocorridas a partir do século XV, alteraram o modo de produção, caracterizado pelo surgimento do capitalismo, trazendo, também, mudanças no campo social, com a ascensão da burguesia contrapondo-se à nobreza feudal. A maneira de pensar da nova classe era diferente daquela predominante na Idade Média. As críticas dos renascentistas demonstram a 31 necessidade de romper com o pensamento medieval. De acordo comAranha (2002), com o objetivo de ser um dos instrumentos para difusão dos valores burgueses, nem sempre alcançado nas escolas da Igreja Católica, literatos, filósofos e pedagogos defendem uma educação independente do controle religioso. O ensino escolar não era mais pensado apenas para nobres e futuros membros da igreja cristã. Os colégios se multiplicaram. Segundo Le Goff (1988), jovens de origem camponesa passam a frequentar as universidades, mas a Igreja continuava a ter o domínio do ensino, nesse período. No século XVII, com uma burguesia fortalecida pelo capitalismo, delineou- se o pensamento liberal que vai exprimir o desejo da burguesia. A teoria liberal, embora se apresente como democrática, tem bases elitistas e é voltada para interesses burgueses, estendendo-se para o âmbito da educação. O racionalismo de Descartes, priorizando a razão como ponto de partida para todo conhecimento e o empirismo de Locke, que destaca a experiência nesse processo do conhecer vão influenciar a educação. De acordo com Aranha (2002), alguns países da Europa como Alemanha e França criaram escolas gratuitas para crianças pobres. Essas escolas, porém, visavam à instrução religiosa, disciplinar e de preparação para o trabalho, onde pareciam mercados de servidores domésticos, empregados comerciais ou industriais. Analisando o pensamento dos enciclopedistas, Boto (1996), assinala que D’Alembert não propôs o ensino como dever público, mas tão somente sugeriu a educação doméstica. A “escola pública para todos”, defendida pela burguesia, encontrava os entraves dos interesses burgueses sobre o Estado, cujo governo não se interessava 32 pela educação universal. Esse fato envolveu políticos e pensadores nos debates pela educação pública, especialmente na França. O século XVIII ficou conhecido como o Século das Luzes, caracterizado, segundo Burns (1975), pela primazia da razão humana, procurando uma explicação racional de interpretação e reorganização do mundo. De acordo com Boto (1996), aquele foi “por excelência o século da política”, (p. 38) Durante a Revolução Francesa, ponto alto das discussões, houve forte tendência de uma defesa ampla de uma escola pública e universal, leiga, gratuita e obrigatória. Do lluminismo à Revolução Francesa, vislumbra-se o surgimento de um espírito público no qual a pedagogia passa a ser a pedra de toque. [...] Por tal utopia revolucionária, credito-se à instrução o ofício de palmilhar a arquitetura da nova sociedade. A escola - como instituição do Estado - deveria gerir e proteger a República (BOTTO, 1996, p. 16). A idéia de universalização da escola está, em princípio, ligada à necessidade de transformar as “pessoas comuns” em cidadãos. A modernidade elegia a cidadania como referência e álibi para sustentação de uma sociedade que não equacionava as distancias e as desigualdades sociais. A cidadania, no entanto, exigia emancipação pelas Luzes, pela erradicação do suposto obscurantismo (IBIDEM p. 16). A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1793, segundo Luzuriaga (1959), preconiza a educação como um direito de todos e comete aos governantes, portanto, ao Estado, essa responsabilidade. 33 No século XIX, com o impacto da industrialização e o aumento da produção, novas mudanças aconteceram em todos os setores da sociedade humana. Na economia, o capitalismo liberal deixa a idéia da livre concorrência e passa para o moderno capitalismo dos monopólios. A burguesia se consolida no pode,r operando mudanças que mais uma vez influenciaram o pensamento pedagógico e a organização educacional. A urbanização, característica da expansão industrial, exigiu, segundo Manacorda (1989), a qualificação da mão-de-obra e concretizou as tentativas de universalização do ensino, do século anterior. O Estado assumiu, aos poucos, o encargo da escolarização. O caráter universal e geral deixou de ser o foco da educação e a preocupação passou a ser a formação da consciência nacional e patriótica do cidadão. A concentração de renda e as conseqüentes diferenças entre as classes sociais e choques entre nações imperialistas culminam em conflitos de grandes proporções, que marcaram profundamente o século XX, especialmente pela ocorrência de duas grandes guerras mundiais. Nos períodos de restabelecimento da paz, esse quadro social reafirma a necessidade da escola pública, gratuita e leiga. Nos paises em desenvolvimento, apesar dos intensos programas dos governos para atendimento da população escolarizável, estes são nitidamente insuficientes. No Brasil, durante o período colonial, a educação era de responsabilidade dos padres jesuítas, segundo Monvelade (1997), que receberam do rei de Portugal a concessão de colégios com o objetivo de conquistar o “novo mundo” para Cristo. Até o século XVII, as escolas públicas não tiveram despesas para o Estado. A educação, nesse período histórico, tornou-se uma “empresa de gado bem-sucedida”. No século 34 XVII, inúmeras escolas gratuitas se espalhavam pelas fazendas. Fora da responsabilidade dos jesuítas, existiam as escolas gratuitas, “não oficiais”, que funcionavam nas casas grandes e sobrados para complementar o ensino dado pelos jesuítas, com aulas ministradas pelos ex-alunos dos padres. Na verdade, o sistema jesuítico de educação serviu mais para acumular terras e gado. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, a educação fica a cargo da Coroa, implantando as famosas Aulas Régias, isto é, aquele que soubesse mais e que quisesse lecionar solicitava a permissão ao Rei, através da Câmara Municipal, para obter a licença. O começo do século XIX, com a consolidação da economia agrário- comercial, a preferência é pelo ensino superior. O Império, segundo Vieira (2003), abre passagem rumo à descentralização educacional. A Constituição de 1824, no seu artigo 179, limita a estabelecer a gratuidade do ensino a todos os cidadãos. A Lei de 15 de outubro de 1827 regulamentou a responsabilidade do Estado, com a educação, bem como a necessidade de ampliação de escolas. O autor supra citado apresenta o papel do Estado diante das mudanças ocorridas naquele período. ... estavam presentes as idéias da educação como dever do Estado, da distribuição racional por todo o território nacional das escolas dos diferentes graus e da necessidade da graduação do processo educativo (p. 59). Na prática, o ensino oficial, no período imperial, privilegiou a educação da elite em detrimento da educação popular. Ainda com base na mesma autora, o sistema escolar, no Brasil, não tinha bases sólidas, o que contribuiu para que parte dos problemas relacionados à organização do sistema educativo brasileiro surgisse a partir do Ato Adicional de 1834 ou Lei n° 16, de 12 de agosto de 1834. 35 As tentativas de reformas do ensino no Segundo Reinado, não lograram êxito. A população que tinha acesso à escola continuava muito pequena, dando uma configuração, de uma educação voltada para a elite do País. Com a implantação da República, em 1889, reacendem-se no Brasil as idéias liberais; surgem novas promessas de Reforma, que realimentam, segundo Vieira (2003), os anseios de mudança no campo educacional no País. Consoante Nagle (2001), O que se deve considerar antes de tudo, é a força desenclausurada com que se apresentou esse ideário no contexto histórico-social daquele tempo. O ideário liberal, então difundido, se compunha, basicamente, de dois elementos, em torno dos quais girava a luta para alterar o status quo: representação e justiça (p. 131). Na Primeira República, as transformações econômicas e sociais, conviviam visivelmente em desarmonia desarticulando outros setores e desencadeando novas condutas de pensamento político e cultural. A burguesia urbana exigia acesso à educação, porém, uma educação acadêmica, elitista. O operariado, por sua vez, reclamava pela expansão de oferta do ensino. Notadamente, eramforças sociais antagônicas em busca da satisfação dos seus interesses. Ainda de acordo com Nagle, de um lado, estava a civilização urbano- industrial e, do outro, a civilização agrário-comercial. O período é marcado por grandes discussões e críticas ao modelo vigente, sendo proposto para, em seu lugar, uma educação primária articulada com o ensino mais avançado, formando um todo. As reformas educacionais, sob o clima do “entusiasmo pela educação” e do “otimismo pedagógico", foram muito importantes em torno de um modelo de organização de educação pública. Essas idéias caracterizam os anos 1920, dado o surgimento de profissionais da educação e intelectuais que se empenharam no 36 campo dos debates por uma educação justa e que pudesse ajudar na recuperação do Brasil, retirando-o do aludido atraso em que se encontrava. O “otimismo pedagógico” é a expressão empregada por pelo autor para identificar o pensamento da Escola Nova, cuja orientação ideológica é democratizar e transformar a educação por meio da escola. O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem caracterizam a década de 1920, começaram por ser, no decênio anterior, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos políticos-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos (IBIDEM, p. 135). A década de 1930 começa com embates políticos e educacionais entre liberais, católicos, integralistas, governistas e aliancistas. Cada grupo defendia transformações conforme seus princípios ideológicos. De acordo com Ghiraldelli (2001), de um lado, havia facções conservadoras que não concordavam com a democratização de oportunidades educacionais para toda a população; de outro lado, estavam concentrados os liberais, que desejavam um ensino público de qualidade e a expansão de vagas. No Estado Novo, houve uma “desobrigação” por parte do Estado, em relação à educação pública. Na apreciação de Ghiraldelli, a Carta de 1937 não se interessou em estabelecer tarefas ao Estado, no sentido de atender à população por meio de um ensino público e gratuito. Nesse sentido, Schwartzman (2000) considera que o Estado Novo teve um caráter excludente e opressor. A Constituição de 1946, reconhecida como “fiel às linhas do liberalismo clássico”, avançou em relação às constituições republicanas anteriores, ao estabelecer a educação como um direito de todos e, ao mesmo tempo, reanimou os 37 debates em defesa da escola pública. Foi também, na Carta de 1946, empregada, pela primeira vez, a expressão “ensino oficial”, conforme o Art. 168, II: “O ensino primário oficial é gratuito para todos: o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Para a organização do sistema de ensino é proposta a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O percurso da LDB foi demorado, produzindo discussões e divergências sobre o projeto em tramitação. Diante dos desacordos sobre o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a década de 1950 mostrava sinais de uma “verdadeira guerra ideológica” e de conflitos entre os próprios escolanovistas. Em 1959, é desencadeada uma Campanha de Defesa da Escola Pública, em que apresenta a necessidade de uma educação liberal e democrática. Toda a história do ensino nos tempos modernos é a história de sua inversão em serviço público. É que a educação pública é a única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos acompanha e reflete, e que ela concorre, por sua vez, para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento (GHIRALDELLI, 2001, p.153). Òs governos populistas aproveitaram-se dos debates em prol da educação pelo desenvolvimento, para incluir nos seus discursos temas relacionados ao ensino público e intenções de novos projetos no campo educacional. Em 1961, foi aprovado o projeto da LDBN, frustrando as expectativas dos setores progressistas que acreditavam na democratização da escola pública. Na Lei, os estabelecimentos oficiais e privados tinham a mesma igualdade de tratamento, o que acarretava envio de verbas públicas para a rede particular de ensino. 38 No regime militar, das reformas promovidas, o grande destaque, no pensamento de Vieira (2003), foi para a reforma do ensino fundamental e médio, com a tentativa de introduzir a educação profissionalizante. Essas reformas, consoante Ghiraldelli (2001, p.167), tinham por finalidade “alinhar o sistema educacional pelo fio condutor da ideologia do desenvolvimento com segurança”. Para Boto (1996, p.17), os educadores brasileiros, defensores da democratização da escola pública “são tributários do ideário democrático da Revolução que consolida a política burguesa”. A escola moderna, na análise da autora (IN: CAVALCANTE, 2003, p. 38), remete à idéia de única instituição a ter o propósito de educar; “para isso eram necessários métodos, técnicas, um espaço físico dividido mediante critérios específicos, uma nova organização do tempo em horários e um dado segredo da arte...”. As intenções das reformas realizadas sob a luz das discussões de intelectuais, políticos e educadores e das pressões econômicas e sociais, contudo, mostram a permanente preocupação com a educação popular em nossa história republicana e manifestam o sentido e a importância da educação na formação de um país ou nação. 39 3. A OCUPAÇÃO DO SERTÃO: O SURGIMENTO DAS CIDADES DE BARÃO DE GRAJAÚ E FLORIANO 3.1. A criação de gado e a ocupação dos pastos O Maranhão tem a sua história ligada à colonização francesa, na parte litorânea, e à criação de gado na sua parte interiorana. A área onde se desenvolve a presente pesquisa pertence ao interior do Estado, na região dos sertões, desbravada muitos anos depois da conquista do litoral, naquela zona de maior ocupação pelo colonizador1. A finalidade da criação do gado bovino era, a principio, para ser fonte de alimentação dos moradores dos engenhos. Depois foi usado como transporte e no funcionamento dos engenhos de trapiches, um tipo de engenho que empregava somente bois no serviço de moagem. 2 Esse tipo de vegetação possibilitou a superação das adversidades enfrentadas pelos sertanejos, uma vez que aprenderam, com os nativos, a lidar com estas terras de natureza árida. Além disso, favoreceu o desenvolvimento da pecuária, grande impulsionadora da conquista dos sertões. No inicio da colonização, com a montagem dos engenhos de cana-de- açúcar no Nordeste do Brasil, houve, de forma lenta, a penetração e povoamento do sertão nordestino, pelos criadores de gado, sob a forma de processo paralelo e complementar às necessidades econômicas das grandes plantações. A expansão da pecuária abrangendo a região do médio São Francisco até o rio Parnaíba, nos limite do Maranhão, e também, do Ceará, começa com a instalação do Governo Geral na Colônia em 1549. Informa Prado Júnior (1999), que a criação do gado vacum incidiu nessa região em virtude das características geográficas, que facilitaram a penetração do homem no território. De acordo com Varnhagen, numa referência de Capistrano de Abreu (1982), a caatinga2 possibilitou a entrada e a conquista dos sertões nordestinos. 40 Como era variado o uso do gado bovino, rapidamente, cresceu o rebanho, inviabilizando a criação de gado e a plantação de cana na mesma área, surgindo, com isso, as fazendas dedicadas apenas à pecuária. A instalação dessas fazendas ocorreu no interior do território da Colônia brasileira, pois o litoral era ocupado pelos grandes engenhos de açúcar. O gado vacum dispensava a proximidade da praia, pois como as vítimas dos bandeirantes a si próprio transportavam das maiores distâncias, e ainda com mais comodidade; dava-se bem nas regiões impróprias ao cultivo da cana, quer pela ingratidão do solo quer pela pobreza das matas sem as quais asfornalhas não podiam laborar... (CAPISTRANO DE ABREU p. 131). Iniciado nos arredores da cidade de Salvador, no governo de Tomé de Sousa, a criação de gado se estendeu pelas margens do rio São Francisco, na região de Sergipe e Pernambuco, e, tendo esse mesmo rio como referência, alcançou o interior brasileiro, abrindo caminhos que levaram à formação dos atuais Estados do Ceará, Piauí e Maranhão. Com as doações de sesmarias feitas pela Coroa portuguesa aos desbravadores do sertão, ao longo do rio São Francisco, os maiores beneficiados foram os Ávilas, fundadores da Casa da Torre3, em Sergipe, de onde partiram expedições para a região do Piauí, na sua parte sul, já na década de 1670. O que causou essa ampliação foi a perseguição aos nativos que fugiam de incursões 3 A Casa da Torre foi a unida de central de uma sesmaria por quase trezentos anos, e compreendia áreas desde Salvador até o atual Estado do Maranhão, o que correspondia a 800.000 km2, ou seja, 1/10 da área total de nosso Pais. As terras serviam como grandes pastagens de gado, provenientes da índia, e como áreas para cultivo do coco, espécie introduzida no Brasil em 1553, originária também da índia. Em 1551, foi construída a Torre Singela de São Pedro de Rates, e, depois, a casa com a atual capela, por Garcia D'Ávila que chegou ao Brasil em 1549 na expedição de Tomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil-Colônia. 41 destruidores, como uma bandeira punitiva organizada por Francisco Dias de Ávila, juntamente com Domingos Rodrigues de Carvalho, a serviço do governador-geral D. Afonso Furtado de Mendonça, que promoveu o massacre de 85 pessoas, entre negros e brancos, às margens do rio São Francisco, e se apossaram dos currais de gado ali existentes. Decorre essa implantação, também, da disposição plana das terras com facilidade de pastos para o gado (LIMA SOBRINHO, 1946). Prado Júnior (1999) também indica que a escolha dessa região para a criação do gado vacum ocorreu por possuir características geográficas que facilitavam a penetração de pessoas no território. Em 1676 e 1681, foram doadas terras, pelo governador de Pernambuco, aos homens da Casa da Torre, situadas às margens dos rios Gurguéia e Parnaíba. Capistrano de Abreu (1982) fez uma representação da geografia das bandeiras e dele extraímos aquelas que penetraram no interior do Maranhão e Piauí, percorrendo caminhos através das principais bacias hidrográficas: a) Bandeiras paulistas, ligando o Paraíba ao São Francisco, ao Parnaíba e Itapecurú até o Piauí e Maranhão por um lado; [...] b) Bandeiras baianas, ligando o São Francisco ao Parnaíba e chegando ao Maranhão pelo Itapecurú [...] c) [...] d) Bandeiras maranhenses, de pouco alcance, ligando o Itapecurú ao Parnaíba e São Francisco, e o Parnaíba às terras aquém da Ibiapaba. 42 Para o major Francisco de Paula Ribeiro (2002), Domingos Afonso Sertão4 Domingos Afonso Mafrense ou Sertão veio de Portugal para o Brasil por volta de 1670, em companhia do irmão Julião Afonso, tomando-se em pouco- tempo, um dos maiores latifundiários do Piauí e um dos sócios da Casa da Torre (BANDEIRA, 2000, p. 174). e seus companheiros foram os primeiros a alcançar e povoar as terras além do Parnaíba, após ter povoado todo o Piauí: Domingos Afonso Sertão e outros seus companheiros que do rio São Francisco, nos sertões da Bahia, vieram atravessando e povoando todo o Piauí, por eles verdadeiramente então descoberto, foram os primeiros que passando aquém do Parnaíba, estabeleceram as primeiras povoações de Pastos Bons, sacudindo para o sudoeste para o sudoeste e para oeste o referido gentilismo. Seus progressos de população foram bastante rápidos: lançaram-se as primeiras fazendas de gado nas cabeceiras do rio Piauí e como em um momento surgiu a capitania deste nome, a sua capital, as suas vilas e até os estabelecimentos de Pastos Bons, aquém do dito rio Parnaíba, chegando logo a sessenta léguas de extensão, montaram no ano de 1810 às margens do Tocantins mais de cento e vinte, distante das primeiras povoações do riacho e fazenda Serra (p. 110). De acordo com Clodoaldo Cardoso (1946), a pecuária, dos fins do século XVII ao início do século XIX, foi um elemento de expansão geográfica e fator de uma dinamização econômica que contribuiu decisivamente para a colonização do sul do Estado do Maranhão. Ainda segundo o autor, “os criadores de gado, na ânsia de descobrirem novas pastagens, atiraram-se à conquista do sertão desconhecido, deixando em cada pousada a semente de uma cidade". Domingos Afonso Mafrense e Domingos Jorge Velho tangendo os seus rebanhos das margens do rio São Francisco, transpuseram a Serra dos Dois Irmãos e em 1674, atingiram as Chapadas do Piauí, onde o primeiro se estabeleceu fundando importantes e muitas fazendas. Consta que no mesmo período Francisco Dias D’Avila, senhor da Casa da Torre, chegou às terras piauienses, atravessou o Parnaíba indo até a beira do rio Mearim. No início do século XVIII, quando a colonização maranhense estava em pleno ciclo da cana- de-açúcar, não havia se afastado das proximidades dos engenhos, na zona litorânea, estendendo-se somente até Aldeias Altas (Caxias), os vaqueiros procedentes do Vale do São Francisco e da 43 Serra da Ibiapaba, em Pernambuco e Ceará iniciaram a devastação dos Sertões maranhenses em Pastos Bons e “se fixaram para a labuta tranqüila de vida pastoril” (p 1). As menções ora apresentadas apontam no sentido de que a ocupação dos sertões brasileiros ocorreu com a expansão da pecuária e a instalação de currais, a serviço da família dos Ávilas e dos sócios da Casa da Torre, que, da Bahia, chegaram até o sertão maranhense através do Piauí, e que Domingos Afonso Sertão, além dos latifúndios no Piauí, tinha terras, também, no Maranhão A presença de Domingos Jorge Velho em terras piauienses, tem sido motivo para questionamentos por pesquisadores que dividem opiniões sobre o assunto. Pelos documentos analisados por historiadores interessados no assunto, há indícios da passagem de Jorge Velho pelo Piauí, mas, como recomenda Lima Sobrinho, será necessário mais documentos para uma conclusão definitiva. Em relação ao sertanista Domingos Afonso Sertão, após a morte em 1711, suas propriedades foram doadas para os jesuítas, representados pelo colégio da Bahia. Mais tarde, essa herança, assim como de outros sesmeiros, foi confiscada pelo Estado, na época em que o marquês de Pombal era ministro de Portugal. Com a tomada de posse dessas fazendas7, pela Coroa Portuguesa, houve um aumento da produção de gado e o Piauí passou a exportar toda essa produção para as Minas Gerais e Paraíba. 7 Essas fazendas acham-se situadas no município de Oeiras no Piauí, distante 86 km de Barão de Grajaú. Enquanto os vaqueiros, através do rio São Francisco e da serra da Ibiapaba, nas áreas que vieram a compor os Estados de Pernambuco e Ceará, 44 ultrapassam o rio Parnaíba e alcançam o sertão maranhense, o Maranhão, até o início do século XVIII, em pleno ciclo da cana-de-açúcar, tinha a colonização limitada às proximidades dos engenhos, na zona litorânea, estendendo-se somente até Aldeias Altas, hoje denominada Caxias. A ocupação do sertão do Maranhão e da parte do médio Parnaíba, na afirmação de Cardoso (1947), ocorreu a partir do Piauí, E se acaso os sertões dessa província não recebessem colonos pelo Piauí, desde 1730, que ocuparam todo o território de Caxias até o Tocantins, talvez ainda hoje não fossem conhecidos. Tanto a colonização do litoral, como a dos sertões, vieram encontrar-se em Caxias, a antiga Aldeias Altas, em 1750 em diante, segundo o que podemos coligir de algumas memórias e documentos antigos (p. 2). Na segunda metade do século XVII, a partir do latifúndio de Garcia d’Ávila, criadores de gado pertencentes àquela família fundaram fazendas de gado na Bahia e Pernambuco, e, em seguida, rumaram para o atual Estado do Piauí, onde instalaram fazendaspróximas aos rios Piauí e Canindé; posteriormente, atingiram o território maranhense. O Arraial dos Ávilas fundado por Miguel de Abreu Sepúlveda, às margens do rio Gurguéia, afluente do rio Parnaíba, possibilitou a penetração do lado esquerdo do dito rio, rumo a Pastos Bons8 onde estabeleceram alguns currais (SILVA, 1992, p. 15). Denominação dada pelo colonizador, em razão da fertilidade do solo e da sua vegetação atraente. Das fazendas na Capitania do Piauí, criadores de gado avançaram e penetraram o atual Estado do Maranhão, denominando a região de Pastos Bons. 45 O processo de colonização e povoamento do Maranhão não ocorreu de forma homogênea. Enquanto o litoral era palco de lutas entre franceses e portugueses, o interior ainda era território tranqüilo para os nativos. O Piauí, por conseguinte, teve a sua colonização e povoamento a partir do interior, como mostra Nunes (1975, vol. I). E foram esses povoadores do Piauí que desbravaram também o interior maranhense, no sentido leste-oeste, como nos aponta Cardoso (1946, p. 2) numa apreciação de Berredo: Foram os exploradores da Bahia que habitavam o rio São Francisco e os bandeirantes de São Paulo que em 1674 entraram no interior dessa província, os primeiros pela Serra dos Dois Irmãos, e os outros, provavelmente pelo Sul, em procura de índios para cativar; e pouco a pouco se foram estendendo até o litoral. A esses mesmos exploradores deve a Província do Maranhão a povoação de todo o sertão de Pastos Bons, e São José, e o rápido incremento do distrito de Caxias; e por isso há uma notável diferença entre a população oriunda da colonização que entrou pelo litoral, e a outra: a primeira é de costumes mais amenos, a segunda é menos civilizada, e ressente- se em extremo da sua origem. Daí provém o chamar-se no interior da Província do Maranhão aos sertanejos ou habitantes do campo - baianos. Numa confirmação de que o interior maranhense foi ocupado pelos mesmos que povoaram o Piauí, o mesmo autor citado continua fazendo referência a Berredo, de quem retiramos o seguinte trecho: A esses exploradores deve a Província do Maranhão a povoação de todo o seu sertão de Pastos Bons, e São José o rápido incremento do distrito de Caxias; e por isso há uma notável deferência entre a população oriunda da colonização que entrou pelo litoral, e a outra: a primeira é de costumes mais amenos, a segunda é menos civilizada, e ressente-se em extremo da sua origem. Nunes (1975) também nos informa que os vaqueiros do Piauí, já no final do século XVII, frequentavam o Maranhão, onde, passaram a pedir datas de terras para instalação de seus currais. 46 De acordo com a historiografia consultada, o nordeste, o Piauí, sudeste e sul do Maranhão tiveram os mesmos caminhos e a mesma forma de ocupação do território. A nossa intenção, ao expor o processo de povoamento do sertão maranhense e piauiense, é de demonstrar que o espaço sociocultural que iremos estudar fez parte de uma ação ampla e gradativa de ocupação dos sertões brasileiros e está imbricada com a ocupação do lado direito do rio Parnaíba, cujo processo, por sua vez, está relacionado com os mesmos povoadores. 3.2. A ocupação do atual Município de Barão de Grajaú A criação do gado foi um dos fatores que mais colaborou para a ocupação e conquista do território brasileiro. Há evidências que a atração pelos pastos para o gado, na margem do rio Parnaíba, acelerou a posse das terras e a fixação de algumas fazendas, sendo que esse processo não demorou muito a ganhar importância política, social e econômica. Na expressão de Francisco de Paula Ribeiro (2002), a natureza de alguns terrenos, demasiadamente generosa na sua vegetação, talvez tenha estendido a denominação de Pastos Bons para todo o Distrito. Encontramos em Carlota Carvalho (2000) a seguinte interpretação à denominação dada às novas terras: “Pastos Bons foi uma expressão geográfica, uma denominação regional geral, dada pelos ocupantes a imensa extensão de campos 47 abertos para o ocidente em uma sucessão pasmosa em que ao bom sucedia o melhor” (p.68). Ainda segundo Paula Ribeiro (2002), Chama-se distrito ou freguesia de Pastos Bons todo aquele território que desde a fazenda e riacho Serra, na extremidade sul dos limites de Caxias, cortada da beira do rio Parnaíba na povoação das Queimadas, à barra do riacho corrente no rio Itapecurú, se estende por entre o mesmo rio Parnaíba e o Tocantins até as margens do rio Manoel Alves Grande, como já fica relatado, limitando-se por entre as cabeceiras dos ditos Parnaíba e Manoel Alves Grande com a serra chamada Piauí, e com a capitania deste nome por uma parte das margens daquele rio, assim como se limita com a capitania de Goiás pelas margens deste e por uma parte das do Turi até defronte do rio Araguaia. Nesse espaço foi criado o Distrito de Pastos Bons e atualmente é ocupado pelos municípios maranhenses compreendidos dos vales dos rios Tocantins, Parnaíba, Balsas Neves, Itapecurú com os municípios de Colinas e Mirador, e o vale Alpercatas (p. 42-43). No mesmo sentido, Cardoso (1947) faz a seguinte narração; Extasiados diante da imensidade verde dos ‘campos gerais’ que avançando da zona ribeirinha do Parnaíba, desbravam-se a perder de vista , na direção do ocidente, os pioneiros refeitos da monotonia das ‘caatingas’ do nordeste sáfaro, que haviam atravessado, deram o nome de ‘pastos bons' (p. 2). Os incursionistas gradativamente foram tomando as terras dos “primitivos habitantes, os amanajós, índios louros ou de cor mais clara do que os das outras tribos” (COELHO NETO, 1985) e, ao mesmo tempo, chamando dos sertões de outras capitanias confinantes os negociantes de gados, que dali transportam vacas e novilhas para a criação, manutenção e povoação dos campos como pontua Ribeiro (2002). Aos poucos, pernambucanos, baianos e piauienses intensificavam a busca por terras do lado esquerdo do rio Parnaíba,* com o intuito ou não de ali se estabelecerem. Cardoso (1947), afirma que a travessia era feita na altura do lugar 48 chamado Nossa Senhora da Conceição da Passagem da Manga9, onde desenvolveram duas povoações com o mesmo nome, sendo uma do lado direito e outra do lado esquerdo do rio. 9 A denominação Manga refere-se à região próxima ao rio, que servia de descanso e pasto para o gado, enquanto os vaqueiros esperavam o momento da passagem de um lado para o outro do dito rio. O lugar, atualmente, pertence ao Município de Barão de Grajaú e, na outra margem do rio, ao município de Floriano. 10 Nome da cidade de Parnaíba, no litoral piauiense, no tempo que era vila. Para Coelho Neto (1985), em virtude do intenso movimento migratório, a Passagem da Manga, como ficou conhecida, passou a ser chamada de “porta do Distrito de Pastos Bons”. Tomou-se também referência para outras paragens de aventureiros e comerciantes, servindo como um meio de sobrevivência para os que ali moravam. “São geralmente pobres os seus moradores, sem embargo de ser notável a freqüência de passageiros para todas as minas do Brasil, para o Piauí, Bahia, Pernambuco, São Paulo e para todo o mais continente de leste e sul, cujos viandantes na ida ou vinda pagam as quantias que ali se lhes estabelecem pelo contrato real das passagens do mesmo rio, e das quais é esta a mais principal” (RIBEIRO, 2002, p. 60). Com o passar do tempo, as viagens são feitas, rio acima e rio abaixo, margeando o Parnaíba, levando aos mais distantes lugares das Províncias do Piauí e Maranhão, tornando-se a principal via de comunicação. A navegação era feita em balsas ou jangadas de buriti, onde os seus moradores exportavam para a vila de São João da Parnaíba10 “os insignificantes gêneros que podem transportar, ou que podem traficar” (IDEM, p. 62). O imenso território de Pastos Bons, segundo Guimarães (1976), era vasto e, a partir da primeira metade do século XIX, foi se fragmentando em unidades 49 político-administrativasque se tornaram autônomas, dentre as quais está o Município de Barão de Grajaú. De acordo com Silva (1992), a vila de Nossa Senhora da Conceição da Manga foi o primeiro núcleo de povoamento do que constitui atualmente o Município baronense. Sobre a extensão territorial de Pastos Bons, colhemos, também, o registro de Coelho Neto (1985): O espaço do então Distrito de Pastos Bons é atualmente ocupado pelos municípios maranhenses compreendidos no vale do Tocantins, vale do Pamaíba, vale do Balsas e do rio Neves, o vale de Itapecurú com os municípios de Colinas e Mirador, ainda no vale Alpercatas (p. 27). Essa fragmentação começa ainda na segunda metade do século XIX, com a criação de vários municípios pertencentes ao Distrito e Comarca de Pastos Bons. Em 1870, por lei provincial11, é extinta a vila da Manga, criada em 1859. Anos depois, pela Lei Provincial n° 1412, de 17 de março de 1888, Nossa Senhora da Conceição da Manga passa a pertencer ao Município de São Francisco, distante 72 km e também na margem do rio Parnaíba. A navegação, no entendimento de Barbosa (1986), foi um elemento preponderante para o surgimento de aglomerados populacionais em toda a extensão que margeia o rio, uma vez que a via utilizada para a comunicação entre as povoações ribeirinhas dava-se através do Parnaíba. 11 Lei Provincial cio Maranhão n° 920 de 14 de julho de 1870. Coleção de Leis Provinciais do Maranhão - 1868 a 1870. De acordo com Cardoso (2001), em 1884, Barão de Grajaú era uma povoação de certa importância na região intermediária entre Manga e São 50 Francisco. Dos povoadores, alguns eram piauienses, o que contribuiu para fortalecer as ligações comerciais com aquele Estado. Apesar de situada na área correspondente aos “pastos bons”, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1948), o solo era de baixa fertilidade natural, embora oferecesse potencial para a agricultura e pecuária de subsistência. Felizmente, o Município goza de uma posição geográfica privilegiada e talvez por isso os habitantes dessa região, por não contarem com o apoio do governo, recorreram à exploração de alguns produtos nativos e ao seu comércio, bem como de produtos de primeiras necessidades, tais como cereais, tecidos, ferramentas, entre outros. É a partir do intercâmbio com a Província do Piauí que outros maranhenses, ali, se estabelecem e esse fato vai criando outra dinâmica para aquela povoação. 3.3. A origem e aparecimento das cidades A cidade é um local com maior concentração de pessoas e mais desenvolvido no processo civilizatório. É também um lugar de ações intelectuais, comerciais, de conflitos, sede das decisões político-administrativas e de relações sociais mais intensas. São muitos os entendimentos sobre a cidade. No estudo de Giometti e Braga (2004), retiramos a definição de cidade: 51 A cidade como uma aglomeração humana abastecida do exterior, na qual a maioria dos habitantes se dedicam a atividades diferentes da exploração agrícola ou pastoril. O que define uma cidade não é a quantidade de pessoas que ali residem, mas o que elas fazem, bem como o seu modo de fazer (p.2). A busca histórica sobre da origem das duas cidades aqui tratadas permite uma compreensão em torno das especificidades do processo de povoamento de Barão de Grajaú e de Floriano. Desde os seus primórdios, os homens estabeleceram relações entre si e a natureza modificando o espaço, criando diferentes formas produtivas e sociais de vida, que se tornavam cada vez mais complexas. Em decorrência desse processo criativo do homem, grandes civilizações começaram a se formar e a maioria delas desenvolveu-se nas proximidades de grandes rios, aproveitando o regime de suas águas, que favorece a fertilidade da terra e a prática da agricultura. Outras civilizações, porém, dedicaram-se ao comércio e à pecuária. As primeiras cidades, segundo Sjoberg (1972), surgiram na Ásia, nos vales do rio Tigre e Eufrates, por volta de 3.500 a.C. Mais ou menos 400 anos depois, outras apareceram, na África, no vale do rio Nilo; e entre 2.500 a.C. e 1.500 a.C., os vales do Indo e Amarelo, também na Ásia, já contavam com algumas cidades. Essas cidades surgiram quando o homem, além de caçar e coletar, aprendeu a plantar e a domesticar animais, o que o levou a se fixar em determinado lugar, abandonando o nomadismo e tomando-se dessa forma um sedentário. Esse fenômeno ficou conhecido como Revolução Agrícola, ocorrida no período Neolítico, no século IV, antes de Cristo. Para Rolnik (1995), além desses fatores, contribuiu 52 também para a sedentarização a fundação de templos religiosos, reunindo o grupo de pessoas que viviam ali próximas, assinalando que a cidade dos “deuses e dos mortos” precede a cidade dos vivos, anunciando a sedentarização. Com isso, surge a necessidade de garantir a defesa e a produção em áreas amplas e habitadas por grupos diferentes, o que levou ao inicio da “organização de Estados" e cidades com base e delimitação territorial, com vistas à organização da vida pública, por intermédio de uma autoridade político-administrativa. A partir daí, outros espaços são formados com as mesmas características, expandindo-se para lugares diversos e distantes. Para Le Goff (1988), as cidades, com características atuais, surgiram na Idade Média No século VII, no Ocidente, as urbes antigas desapareceram no seu formato. No lugar do templo, foi construída a igreja cristã e, ao lado, o campanário12, torre onde ficava instalado o sino, ponto de referência das cidades. A sociabilidade urbana toma outra configuração, momento em que os velhos hábitos, os locais de encontros, decisões e discussões são substituídos. A igreja passou a ser o espaço de concentração dessas reuniões. A igreja também assumiu a responsabilidade pelos mortos, deixando de existir as antigas práticas de enterrarem os corpos fora da cidade, e o cemitério, desde então, passa, a ser um lugar de encontro e sociabilidade. 12 Torre construída ao lado da igreja onde ficava instalado o sino. Durante muitos séculos, ainda de acordo com Le Goff (1988), a maioria da população européia tinha vida ruralizada. Poucas eram as cidades importantes e desenvolvidas. A partir do século X, houve grande período de urbanização, como conseqüência do desenvolvimento do artesanato e do comércio, caracterizado por 53 núcleos dominados por um membro do clero ou por um senhor leigo, que governa a partir de seu castelo 13 ou do palácio episcopal. A área da cidade propriamente dita é separada do campo por muralhas e fossos, ou seja, a área urbana da área rural, possivelmente, constituindo uma geopolítica, que hoje conhecemos sob a forma político-administrativa integrada de município. 3 Centro econômico e político e de dominação da sociedade camponesa pelos seus “senhores". Ainda, segundo o autor, há no início de formação da civitas um espaço onde se desenvolvem a produção e a troca, voltadas para a economia monetária. Na cidade, desenvolve-se o gosto para o negócio e é onde se concentram as atividades de lazer e os “prazeres pelas festas e diálogos”. Segundo Rouanet, (1997), historicamente, as cidades seguem o mesmo ritual. As ruas são traçadas a partir de um ponto central, geralmente de uma praça ou de uma construção de grande significação religiosa, social, cultural ou econômica. As cidades modernas começam a se desenhar na Idade Média, quando a vila, centro de produção e de comercialização, onde se concentrava o “grande domínio", tem o seu poder substituído pelo poder da cidade. Antigamente, vila era um centro de domínio e designava um estabelecimento rural importante. Não esqueçamos de a palavra “ville”, para designar aquilo que chamamos de cidade, é muito tardia. Até os séculos XI e XII, escreve- se quase que estritamente em latim e, para designar uma cidade, usa- se “civitas”, “cite”. Ou urbs, a rigor, mas basicamente civitas
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