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2009-Dis-FNEGREIRO

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FAUSTON NEGREIROS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA 
SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fortaleza – CE 
2009 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 S Negreiros, Fauston 
 A merenda escolar e seu potencial em face da 
segurança alimentar em Guaribas-PI. / Fauston Negreiros -- 
Teresina, 2009. 
 143f. : il 
 
 Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) – 
Universidade Federal do Ceará. 
 Orientador: Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra. 
 
 1. Educação - Currículo. 2. Segurança alimentar. 
3. Merenda escolar. I. Bezerra, José Arimatea Barros 
 – Orient. II. Título. 
 
 CDD – 
 
 
 
FAUSTON NEGREIROS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA 
SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI 
 
 
 
 
 
 
Relatório de Dissertação de Mestrado apresentado 
ao Programa de Pós-Graduação em Educação 
Brasileira, da Faculdade de Educação da 
Universidade Federal do Ceará, como requisito 
parcial para obtenção do Título de Mestre em 
Educação 
 
Área de Concentração: Currículo e Ensino 
 
Orientador: Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra 
 
 
 
 
 
Fortaleza – CE 
2009 
 
 
 
FAUSTON NEGREIROS 
 
 
 
 
 
A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA 
SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI 
 
 
 
Trabalho apresentado em: 21/01/2009 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
_________________________________________________________ 
Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra - (UFC) 
Presidente da Banca 
 
 
_________________________________________________________ 
Profª. Drª. Maria de Lourdes Peixoto Brandão 
Examinadora (UFC) 
 
_________________________________________________________ 
Profª. Drª. Elza Maria Franco Braga 
Examinadora (UFC) 
 
 
_________________________________________________________ 
Profª. Drª. Helena Alves de Carvalho Sampaio 
Examinadora (UECE) 
 
 
_________________________________________________________ 
Profª. Drª. Maria Socorro Lucena Lima 
Examinadora (UECE) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“O que o mundo social fez, o mundo 
social pode desfazer.” 
Pierre Bourdieu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
À Helenita Gomes de Negreiros, vozinha, pelo 
açúcar, fermento e afeto, indispensáveis ao meu 
preparo. 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Ao professor José Arimatea Barros Bezerra pela orientação e motivação contínua que me 
impulsionaram à conclusão deste trabalho. 
 
À professora Maria de Lourdes Peixoto Brandão, por oferecer os instrumentos necessários à 
resolução de inquietações da pesquisa e assim favorecer o meu crescimento. 
 
Aos meus pais, Luiz Gonzaga e Gema Galgani de Negreiros, que apesar de distantes 
fisicamente nunca soltaram as minhas mãos. 
 
Aos sujeitos da pesquisa, cuja contribuição foi imprescindível para que este trabalho se 
tornasse um fato e cuja participação se fundamenta como primeiro elemento transformador. 
Por permitirem a troca de conhecimentos para o desenvolvimento de ações futuras. 
 
Ao Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da Faculdade de Educação da UFC e 
ao Núcleo de Educação, Currículo e Ensino por terem contribuído para meu amadurecimento 
acadêmico. 
 
À tia Lourdinha Nunes pelo incentivo implacável e crença constante em meu potencial. 
 
À amiga Ana Valéria Lopes Lemos, que me ajudou a editar essa dissertação e os problemas 
do dia-a-dia. 
 
À Ana Lourdes Lucena, pela amizade fiel e leal que tanto me ajudou a crescer durante o 
mestrado, adoçando o amargo e salgando o insípido. 
À Samara Mendes pela “co-orientação”, pela amizade, pelos conselhos e pelos temperos da 
companhia. 
 
À Natércia Mendes e Samara Alves, grandes amigas, por mais uma parceria de sucesso, 
conjugando bons pratos, bons livros e relevantes artigos. 
 
A Cleilson Nogueira pelo apoio moral em momentos significativos para a conclusão deste 
trabalho. 
 
A Mauro Furtado, amigo das urgências e emergências, da ciência e paciência, toda a gratidão. 
 
A Delite Barros e Carla Andrea, profissionais amigas e amigas profissionais por todo o 
carinho, confiança e cumplicidade. 
 
Ao Instituto Dom Barreto, em nome da Prof.ª Márcia Rangel, pelo incentivo constante e por 
subsidiar meu crescimento profissional e pessoal. 
 
A todos aqueles que acreditaram em mim, por meio de contribuições para este estudo, em 
especial ao povo cearense pela acolhida calorosa. 
 
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES), durante o ano de 2008 pela 
concessão de financiamento para essa pesquisa. 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
Estudo sobre a análise do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) como um 
instrumento com potencial de desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida frente 
à situação de fome presente no município de Guaribas – PI. Buscou-se mapear o universo da 
produção agrícola familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os 
cardápios da merenda escolar; e apresentar as práticas alimentares da população do município 
situando sua construção sócio-histórico-cultural; O método utilizado foi qualitativo, História 
Oral, com abordagem de pesquisa definida como exploratório-explicativa, no qual foram 
necessários grupos de participantes contemplados por moradores de Guaribas, pais de alunos, 
técnicos responsáveis pela merenda escolar e pela análise das potencialidades da região 
geográfica. Estudos acerca das teorias do currículo, dos conceitos sócio-antropológicos de 
comida e alimento, produção agrícola e situação de fome, aspectos culturais do sertão 
piauiense e práticas alimentares no espaço escolar, representaram o suporte teórico da 
investigação. A análise dos dados sucedeu conforme orientações da Hermenêutica de 
Profundidade, através da qual se dá uma ênfase ao processo de interpretação, possibilitando a 
compreensão das formas simbólicas enquanto campo-objeto e também campo-sujeito. Por 
meio desse estudo, constata-se que as formas de utilização do PNAE – política educacional – 
poderiam constituir potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e superação da 
fome, podendo garantir segurança alimentar. No entanto, isso não ocorre, em sua plenitude, 
na operacionalização daquele Programa junto ao município de Guaribas – PI. 
 
 
Palavras-Chaves: merenda escolar; segurança alimentar e nutricional; Piauí; Guaribas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
It is a study about The National Program for Free School Meal (NPFSM) as an instrument 
with the potential for social development and promotion of the quality of life in the midst of 
hunger present in the town of Guaribas-PI. It is an effort to map out the universe of family 
agricultural production at the town, identifying the foods that can be integrated into the menu 
of school meal; and to present the eating practices of the population of the town situating its 
social-historical and cultural construction. The method utilized was qualitative, Oral History, 
with the research approach defined as explorative-explanative, in which it was necessary 
groups of participants contemplated by the residents of Guaribas, the parents of the students, 
technicians responsible for school meal and through the analysis of the potentialities of the 
geographical region. These are the studies around the curriculum theory, the social-
anthropological concepts of food and nourishment, agricultural production and the situation of 
hunger, cultural aspects of the dry regions of Piauí and the eating practices in school spaces, 
which representthe theoretical base of the investigation. The analysis of the data was done 
according to the orientations of the Depth Hermeneutics, through which it was given the 
emphasis on the process of the interpretation, making possible the comprehension of the 
symbolic forms as field-object and also field-subject. Through this study, we can establish 
that the ways of the utilization of the NPFSM- educational policy- can constitute the potential 
element of the stimulus to the local and family agriculture and for the overcoming of hunger, 
enabling to guarantee food security. However, this does not happen, in its plenitude, in the 
operationalization of the Program for the town of Guaribas-PI. 
 
Key Words: school meal; food and nutritional security; Piauí; Guaribas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10 
 
CAP. 1 – “COZER O PIAUÍ E DESCASCAR GUARIBAS” – O ESTADO E O 
MUNICÍPIO EM SUAS CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES ............................. 19 
 
1.1 Comer, comer, comer... Terra à vista! – As práticas alimentares e os alimentos 
transportados pela armada de Pedro Álvares de Cabral ................................................................ 19 
1.2 Piauí: berço da humanidade ou o caldeirão do inferno?........................................................... 22 
1.3 O fim do mundo, uma imensidão quase desconhecida, ou seja, o Piauí ................................. 23 
1.4 Descansa a fome no Piauí em berço esplêndido, eternamente? .............................................. 27 
1.5 O estado do Piauí: uma caracterização histórica ..................................................................... 29 
1.6 E por falar no Piauí, Guaribas como anda você? ..................................................................... 35 
1.6.1 Um pouco além/ mais da história local ................................................................................ 37 
1.7 Comer hoje no Piauí é... .......................................................................................................... 40 
 
CAP. 2 - GUARIBAS À MODA DA CASA: HÁBITOS ALIMENTARES E SITUAÇÃO 
DE FOME ..................................................................................................................................... 41 
 
2.1 Bolo de Milho com coco, e sua receita como metáfora para expressar as práticas 
alimentares de Guaribas – PI ......................................................................................................... 42 
2.1.1 Duas xícaras de chá de massa de milho; duas xícaras de chá de leite; três ovos ................. 43 
2.1.2 Uma xícara e meia de chá de açúcar; meia xícara de chá de óleo; uma colher de 
sobremesa de fermento em pó ....................................................................................................... 46 
2.1.3 Uma xícara de chá de coco ralado ......................................................................................... 49 
2.1.4 Modo de preparo: em uma panela, misture a massa de milho, leite, o açúcar e o óleo ........ 55 
2.1.5 Leve ao fogo por 5 minutos; desligue o fogo e deixe esfriar ............................................... 59 
2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento ...... 62
2.1.6.1 Despeje a massa em uma forma untada e enfarinhada ..................................................... 62 
2.1.6.2 E leve ao forno na temperatura média ou baixa por cerca de 45 minutos. Para servir 
polvilhe com coco ralado ............................................................................................................... 66 
2.1.7 Rendimento: 10 pedaços; ou 8 pessoas ................................................................................. 59 
 
 
2.1.8 Tempo de preparo: 1 hora e 10 minutos ................................................................................ 77 
2.2 Comer e não comer. A segurança alimentar em Guaribas, alguém determina? ...................... 81 
 
CAP. 3 – O SABOROSO E O INSÍPIDO NA ESCOLA: DISCUTINDO OS 
TEMPEROS DO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR ............... 82 
 
3.1 A data de fabricação ................................................................................................................ 84 
3.2 COMPOSIÇÃO QUÍMICA: escolha de cardápios e aceitabilidade ...................................... 88 
3.3 A EMBALAGEM: como os atores vêem a merenda escolar .................................................. 91 
3.4 PRESERVAR EM LOCAL AREJADO: operacionalização das propriedades do PNAE ...... 96 
3.5 PRAZO DE VALIDADE: aspectos da funcionalidade do PNAE .......................................... 100 
 
CAP. 4 - O CONTEÚDO DO PNAE: POSSIBILIDADES DE USUFRUTO DE SEU 
PESO LÍQUIDO .......................................................................................................................... 116 
 
4.1 O PNAE como indutor de segurança alimentar e nutricional ................................................. 118 
4.2 Necessidade de políticas públicas mais eficazes. .................................................................... 120 
4.3 A Merenda educadora .............................................................................................................. 124 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 130 
 
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 132 
 
APÊNDICES ................................................................................................................................ 138 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 A presente dissertação de mestrado está organizada em introdução, quatro 
capítulos, conclusão e seis anexos. A introdução discorre acerca dos anseios pessoais para a 
realização do estudo, a relevância social e acadêmica desta temática, uma breve discussão 
sobre a segurança alimentar no Brasil, sob o foco prospectivo das ações desenvolvidas, e a 
demarcação dos pressupostos teóricos e metodológicos que guiaram a pesquisa. 
 O objetivo principal foi de analisar o PNAE como um instrumento potencial de 
desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida frente à situação de fome presente no 
município de Guaribas - PI. Desdobrou-se esta meta em outras mais: mapear o universo da 
produção agrícola familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os 
cardápios da merenda escolar; apresentar as práticas alimentares da população do município 
situando sua construção sócio-histórico-cultural; identificar as formas de utilização do PNAE 
– como política educacional – como um potencial elemento de estímulo à agricultura familiar 
local e superação de fome/ garantia de segurança alimentar. 
 Quando se procura discutir a construção de um fenômeno ou de alguns hábitos 
culturais de uma civilização, como a alimentação, logo se remete aos aspectos históricos e 
geográficos, que, por conseguinte, construíram novas subjetividades. Apesar de ser bastante 
discutida a ascensão de novos sujeitos que se constroem ao longo das gerações, verifica-se 
que certos fenômenos ou alguns problemas sociais, se perpetuam, persistem e se repetem de 
maneira plenamente funesta à sociedade, como é o caso da fome, da miséria e da pobreza. 
 Comer é cultura? Sim, comer é cultura. A prática alimentar está permeada por 
diversas manifestações culturais, dentre elas o gosto por um determinado alimento, a sua 
escolha em determinado momento (horário) de consumo, o modo específico de consumir e 
preparar o alimento, os instrumentos utilizados para o seu consumo, e preparo onde e com 
quem se come, são indubitavelmente, práticas culturais. 
 A proposta de pesquisaras relações entre o Programa Nacional de Alimentação 
Escolar (PNAE), a vivência da fome e a promoção da segurança alimentar partiu de 
inquietações surgidas em um estudo anterior, realizado no município de Guaribas, Piauí. 
Nesse estudo, apresentou-se a necessidade de se “[...] desenvolver a aprendizagem de novas 
formas de ação por parte daqueles que vivenciam o fenômeno da fome.” (NEGREIROS, 
2003, p. 54). Assim, é proposta deste estudo analisar o PNAE como um instrumento com 
11 
 
potencial de desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida frente à situação de 
fome presente no município de Guaribas, Piauí, considerando o fomento de ações nos espaços 
educacionais. 
 O tema da segurança alimentar, muito em voga nos últimos anos, em especial no 
que diz respeito às medidas do atual Governo Federal para assegurar o direito de todos os 
sujeitos terem acesso a uma alimentação segura e compatível com suas necessidades vitais, 
tem provocado discussões por estudiosos, e engajadas no tema, em especial pelo fato de o 
problema da fome ter persistido ao longo das décadas, perpetuando e promovendo a 
reprodução da inferioridade social. 
 A relevância desta investigação está na proposta de descrever e analisar uma 
política alimentar que pode subsidiar a construção de novos instrumentos/políticas para atuar 
diante da realidade que se perpetuou no decorrer de décadas no município de Guaribas. 
Instrumento que, possivelmente, poderá ser considerado em futuras pesquisas de caráter 
interventivo e, principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento de políticas públicas e 
ações pedagógicas, tendo em vista o enfrentamento das desigualdades sociais, com maior 
eficácia. 
 A fome é um tema constante atualmente nos diversos meios de comunicação, 
onde tem sido alvo de controvérsias no que concerne à tentativa de sua erradicação. Isso se 
deve à postura do atual Governo Federal, que foi a de implantar um programa – Programa 
Fome Zero, que atualmente engloba, dentre outros, o Programa Bolsa Família – que visa 
garantir a segurança alimentar da população brasileira. Este foi criado para combater a fome e 
suas causas estruturais, que geram a exclusão social, garantindo que todas as famílias tenham 
condições de se alimentar dignamente e de forma permanente, com quantidade e qualidade 
adequadas. 
 Apesar do extraordinário avanço científico e tecnológico, a civilização moderna 
não superou o drama da fome. Ao contrário, por mais paradoxal que possa parecer, as 
condições de vida da maioria da população dos países subdesenvolvidos têm se deteriorado 
nas últimas décadas. Milhões de seres humanos vivem em estado de pobreza absoluta, pois 
sua renda é tão baixa que ficam impedidos de uma alimentação mínima diária satisfatória, 
condenados, portanto, a uma crônica subnutrição. 
 Valente (2002) afirma que o Brasil tem os meios e o conhecimento técnico 
necessários para erradicar a fome. Para que esses objetivos sejam atingidos, faz-se necessário 
um planejamento prévio, uma vez que a fome não é só efeito, mas também causa da miséria, 
12 
 
pois atrofia o corpo, reduz a capacidade de aprendizado, estreita a esperança e definha o 
futuro. Essa afirmação reforça as idéias de Castro (1960), ao apontar que com a perpetuação 
da desigualdade e as pressões de mercado, aliadas à inexistência ou descontinuidade de 
projetos públicos para tentar solucionar o problema, ele vem aumentando de proporção em 
grandes regiões do Brasil, em especial no Nordeste. 
 Dados coletados pelo IBGE (2000) classificaram o município de Guaribas 
(situado na mesorregião do Sudoeste piauiense e na microrregião de São Raimundo Nonato) 
como o mais miserável do país. Além de apresentar um elevado índice de desnutrição, a 
situação da população ainda se agrava com a falta d’água (escassez de chuvas), de 
saneamento básico, de ofertas de trabalho e pelo funcionamento precário dos serviços de 
saúde (NEGREIROS, 2003). Por esse motivo, escolheu-se como localidade para a realização 
desta pesquisa o município de Guaribas, devido ainda ao reconhecimento e à divulgação em 
âmbito nacional da presença latente do problema da fome. Isto tudo se alia à proximidade 
geográfica – o pesquisador é ex-residente da aludida microrregião de investigação – e aos 
interesses municipal, estadual e nacional, de promoção de pesquisas interventivas 
preocupadas com a realidade social, que auxiliem na construção de políticas públicas 
funcionais e específicas. É significativo destacar que o pesquisador já desenvolveu estudos 
anteriores envolvendo temáticas relacionadas às práticas alimentares e às vivências e 
experiências da fome (NEGREIROS, 2003). Esses trabalhos também foram norteadores para 
a elaboração da atual pesquisa. 
 O primeiro capítulo relaciona as características históricas, sociais, econômicas e 
culturais do estado do Piauí, traçando comportamentos e costumes, historicamente 
construídos, apreendidos e reproduzidos. Em especial algumas das concepções apresentadas 
frente ao estado em momentos distintos de sua história, da conquista do território no século 
XVI, o apogeu da economia pecuária, até as indicações atuais sobre do Índice de 
Desenvolvimento Humano (IDH), que desponta uma de suas cidades, Guaribas, como a mais 
miserável da nação. Oportunamente, a localidade também é situada histórica e culturalmente. 
 No segundo capítulo, é exposta a constituição sócio-histórico-cultural das práticas 
alimentares da população do município de Guaribas – PI, explicitando as situações de fome 
apresentadas no decorrer das últimas décadas. Destacam-se, as mudanças ocorridas nestas 
práticas mediante transformação no espaço físico-geográfico da cidade, como no âmbito 
econômico. 
 Já nos capítulos posteriores, terceiro e quarto, discute-se acerca das práticas 
13 
 
alimentares indicadas nas diretrizes e leis do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o 
PNAE, junto ao município de Guaribas – PI sob a gestão de seus responsáveis junto aos 
Conselhos de Alimentação Escolar (CAE). Sobretudo, foi o intento mapear o universo da 
produção agrícola familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os 
cardápios da merenda escolar; e subsequente oportunizar a identificação de formas de 
utilização do PNAE como um potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e 
superação de fome/ garantia de segurança alimentar. 
 Finalmente, ressalta-se que nos capítulos dois, três e quatro, os sujeitos que 
participaram desta pesquisa tiveram seus nomes preservados, ao mesmo tempo que sugeriram 
um prato de comida de maior apreciação ao paladar como palavra de auto-denominação. Em 
anexo, encontram-se os instrumentos – roteiros de entrevistas – utilizados para a coleta dos 
dados, e algumas imagens do município de Guaribas – PI, espaço geográfico em que foi 
ensejada a pesquisa. 
 
• O referencial teórico-metodológico 
 
 Para desenvolver este estudo recorreu-se à pesquisa qualitativa, escolha que se 
fundamenta na compreensão de que “as principais características dos métodos qualitativos são 
a imersão do pesquisador no contexto e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa”. 
(KAPLAN; DUCHON, 1998, apud DIAS, 2007). 
 Acrescenta-se, ainda, que esta abordagem de pesquisa define-se como 
exploratório-explicativa, a partir do referencial formulado por Santos (2000). Porque 
 
explorar é tipicamente fazer a primeira aproximação de um tema e visa a 
criar maior familiaridade em relação a um fato, fenômeno ou processo. 
Quase sempre se busca essa familiaridade, prospecção de materiais que 
possam informar ao pesquisador a real importância do problema, o estágio 
em que se encontram as informações já disponíveis a respeito do assunto, e 
até mesmo revelar ao pesquisador novas fontes de informações (SANTOS, 
2000, p.26). 
 
 Por ser exploratório-explicativa, esta pesquisa busca analisar o processo de 
implementação do PNAEem Guaribas – PI, tendo como parâmetros de análise a produção 
acadêmica já existente sobre práticas alimentares, currículo escolar, segurança alimentar e 
políticas públicas de alimentação e nutrição. Portanto, implica considerar o PNAE, como 
14 
 
política sócio-educacional e potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e 
superação de fome com sua contribuição para o aumento dos níveis de segurança alimentar 
nas famílias envolvidas, com práticas alimentares existentes no município de Guaribas–PI. 
 O referencial teórico norteador se pauta na Sociologia de Bourdieu (Habitus, 
Capital Cultural, Capital Simbólico, Campo) e nas Teorias Críticas sobre Currículo, 
dialogando com a produção sobre políticas públicas de alimentação e nutrição, e a produção 
sócio-antropológica acerca da alimentação. 
 Para a realização deste estudo foi necessário agrupar três grupos gerados a partir 
dos perfis de sujeitos de pesquisa. Nessa introdução, consta uma breve apresentação desses 
grupos, sendo que serão pormenorizados e articulados concomitantemente com os respectivos 
referenciais norteadores para a presente abordagem teórica. 
 Os sujeitos da pesquisa foram selecionados com base em amostras não-
probabilísticas intencionais, visto que estes foram escolhidos conforme os objetivos da 
pesquisa. De acordo com Moura (1998, p. 60), “[...] as amostras intencionais se utilizam de 
pessoas que, na opinião do pesquisador, possuem, a priori, as características específicas que 
ele deseja ver refletidas em sua amostra”. 
 O primeiro grupo de sujeitos da pesquisa é composto por seis moradores da zona 
urbana e/ou rural do município de Guaribas – PI, com no mínimo de 40 (quarenta) anos, que 
sempre residiram na localidade e que tenham como principal meio de subsistência a 
agricultura. A coleta de dados junto a este grupo visou obter informações acerca da 
construção das práticas alimentares da população local de baixa renda, optando-se por 
participantes nessa faixa etária, com o intuito de que estes tenham registrado vivências das 
possíveis modificações nos hábitos alimentares, produção agrícola, assim como da situação de 
fome presente na localidade. 
 Para auxiliar na discussão dos dados coletados sobre práticas alimentares junto a 
este grupo de sujeitos, foram utilizados os estudos de Câmara-Cascudo (2004); Santos (2005); 
Levi-Strauss (2004); Damatta (1986); Maciel (2004). Por outro lado, sob uma perspectiva 
complementar, foram usadas concepções e estudos fomentados nas obras de Castro (1959) 
sobre a fome. 
 Não obstante, foram utilizados os estudos que abordam os aspectos culturais do 
sertão piauiense, no âmbito da História e da Geografia do Piauí, tais como: IBGE (Censo 
Demográfico) e Fundação CEPRO, com dados acerca da realidade sócio-política da realidade 
piauiense; Costa (2006) que discute sobre as especificidades da escola do sertão piauiense; 
15 
 
Araújo (1991) que apresenta discussões em torno do Estado piauiense e o desenvolvimento 
sócio-político-econômico. Recorreu-se, ainda, a textos literários piauienses: Ataliba, o 
vaqueiro, de Francisco Gil Castelo Branco; Trinta e Dois, de Fontes Ibiapina, nos quais se 
recolheu as percepções acerca das especificidades sócio-histórico-culturais do sertanejo 
piauiense que estão no ideal representativo e de representação do cidadão piauiense 
interiorano e de baixa renda. 
 Para a obtenção de dados acerca da integração de alimentos produzidos no 
município de Guaribas na merenda escolar, foi composto o segundo grupo de sujeitos desta 
pesquisa: a nutricionista e a coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar da Secretaria 
Estadual de Educação do Piauí (SEDUC/PI); Nutricionista responsável pela compra da 
merenda escolar no município de Guaribas; e seis pais de alunos das escolas públicas do 
município de Guaribas – PI, cuja principal renda é a agricultura familiar. Com a entrevista 
desses sujeitos visou-se evidenciar os usos e as possibilidades de integração de alimentos 
produzidos no município de Guaribas à merenda escolar. 
 As análises das informações obtidas deste grupo de sujeitos foram realizadas a 
partir de estudos acerca das políticas educacionais e suas articulações em redes locais e 
nacionais, formuladas por Martins (1994); Pereira (2001); e Pinto (2000); sobretudo 
enfocando aspectos das relações de poder, regulação social e controle democrático, 
financiamento da educação. 
 Sobre questões relacionadas às políticas de alimentação escolar e suas implicações 
junto aos hábitos alimentares locais (BEZERRA, 2002) e com as especificidades das 
comunidades piauienses, em especial àquelas relacionadas às áreas do sertão sudeste do Piauí, 
fez-se uso como norteadores da prática de pesquisa os estudos de Negreiros (2003). Destarte, 
quanto aos aspectos vinculados à preservação e valorização das formas e hábitos alimentares 
locais diante dos aspectos relacionados ao patrimônio cultural, como aduz MALUF (2003), 
sobretudo evidenciando as devidas ressalvas quanto à concepção de que nem todos os 
alimentos são saudáveis, ou seja, existem casos que o aprimoramento alimentar é 
indispensável. 
 Ainda com intuito de estabelecer articulações com uma perspectiva de Segurança 
Alimentar recorreu-se ao Art.4º da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional 
(LOSAN). Enquanto que ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, tem-se a Lei das 
Licitações e Contratos da Administração Pública (lei 8.666, de 21 de julho de 1993), 
complementada pela Medida provisória n°2.026, de 1° de julho de 2000; as cartilhas e 
16 
 
manuais de instruções sobre o Programa, elaborados e publicados pelo Fundo Nacional de 
Desenvolvimento da Educação (FUNDEF) e MDS. 
 Como sujeitos do terceiro grupo temos: Presidente do Sindicato dos 
Trabalhadores Rurais da cidade, o Secretario Municipal de Agricultura; dois Técnicos do 
Serviço de Aprendizagem Rural (SENAR) – agrônomo e médico veterinário; Presidente do 
Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA/PI). As informações provenientes destes 
sujeitos foram agregadas àquelas do segundo grupo acima. Da interlocução com estes sujeitos 
objetivou-se obter uma descrição sobre a utilização do PNAE como um potencial elemento de 
estímulo à agricultura familiar local. 
 Os dados empíricos provenientes dos participantes do momento da pesquisa 
citado acima foram discutidos e confrontados com as concepções de Direitos Humanos 
articulada por Bobbio (1992), que discute que a participação ativa e informada dos titulares de 
direitos pode ser descrita como um princípio básico dos direitos humanos, bem como a 
necessidade de inclusão dos marginalizados nas estratégias para a promoção da realização dos 
seus direitos humanos. 
 As concepções apresentadas acerca da produção agrícola familiar e circulação de 
alimentos advindas dos discursos dos referidos sujeitos foram defrontadas com estudos de 
Menasche (2007). Destarte, foi prioridade articular essa categoria de análise com aquelas 
apresentadas acerca das políticas educacionais e segurança alimentar relatadas anteriormente. 
 Entre os participantes da pesquisa a coleta dos dados foi realizada através de um 
roteiro temático (semi-estruturado) de entrevista (em anexo), utilizando-se como categorias: 
práticas alimentares; e, produção agrícola do município. Destarte, vale destacar que 
questionários, guias de observação e imagens farão parte dos instrumentos e procedimentos 
técnicos a serem utilizados. 
 Utilizou-se o roteiro de entrevistas para explorar a visão dos pais de alunos da 
rede escolar oficial acerca da importância do PNAE, conforme o objeto de estudo 
estabelecido. Este instrumento de coleta, segundo Minayo (1994) constitui um instrumento 
para orientar uma “conversa com finalidade” que é a entrevista, devendo ser o facilitador de 
abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação. Essa parte da elaboração do 
roteiro e suas qualidadesconsistem em enumerar de forma mais abrangente possível as 
questões que o pesquisador quer abordar no campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos, 
advindos, obviamente, da definição do aludido objeto de investigação (Minayo, 1995, p.121). 
O roteiro de entrevistas foi composto por perguntas norteadoras que tiveram o objetivo de 
17 
 
ajudar a desenvolver o diálogo a respeito dos hábitos alimentares, das estratégias adotadas 
para a convivência com as situações de escassez de alimentos, das técnicas de cultivo de 
alimento e outras formas de obtenção de alimentos. 
 Para a coleta de dados por meio das entrevistas usou-se como referência a técnica 
da História Oral, subsidiada, também, pela compreensão de Memória, segundo Lang et al 
(2001); Le Goff (1996); Bosi (2003); Ferreira e Amado (1996) que se caracteriza pelo registro 
da história de vida de indivíduos que, ao focalizar suas memórias pessoais, constroem, 
paralelamente, uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da 
trajetória do grupo social ao qual pertence. 
 Os sujeitos-participantes relataram livremente suas experiências acerca das 
temáticas sugeridas, sendo estes relatos registrados feitos em meio eletrônico de áudio, sendo, 
portanto, um instrumento fundamental para compreensão e reconstrução parcial de História de 
Vida dos referidos sujeitos. Com isso, seguiram-se então as postulações orientadoras de 
Thompson (1992) e Halbwachs (2004), que fazem referência às rediscussões sobre as fontes 
históricas, bem como quanto à construção e preservação da memória, respectivamente. 
 Utilizou-se os estudos de Certeau (1994; 1996) referenciando-se a partir de suas 
pesquisas os conceitos de práticas sociais, cotidianas, e a idéia de construção do cotidiano, 
reinvenção de hábitos/ estratégias de sobrevivência dentro de uma determinada realidade 
local, cultural. Articulando-se este autor com a perspectiva de Bourdieu (capital cultural, 
social e simbólico, habitus). 
 Para obtenção de informações junto aos integrantes dos Grupos II e III foram 
utilizadas entrevistas semi-estruturadas com perguntas direcionadas às respectivas 
competências dos participantes (em anexo). A elaboração destas entrevistas foi orientada 
pelos dados obtidos via documental (centros de pesquisa; fontes documentais; registros 
institucionais) e pelos relatos de história de vida dos participantes do grupo I. 
 
• Procedimento de análise dos dados 
 
 Nos participantes do Grupo I, foram selecionados aqueles com expressivo 
conhecimento acerca dos indivíduos a eles vinculados no ambiente familiar, o que facilitou, 
com isso, a aquisição e registro de informações 
 As sessões de coletas foram transcritos, mantendo no texto todas as informações 
constantes da gravação. Posteriormente foram fichadas por categorias de análise. 
18 
 
 Depois de colhidos, os dados foram transcritos, categorizados e examinados 
através da técnica da Hermenêutica de Profundidade (THOMPSON, 1998), que evidencia o 
objeto de análise como construção simbólica significativa, que necessita ser interpretado. 
Neste referencial, dá-se uma ênfase ao processo de interpretação, que possibilita a 
compreensão das formas simbólicas enquanto campo-objeto e também campo-sujeito. Diante 
disso são atentados, com rigor, categorias de estudo que primam pela construção e 
preservação da memória e história imóvel, ou seja, diz respeito às permanências de alguns 
aspectos sócio-históricos ao longo dos anos e das gerações (LE GOFF, 1996). 
 A partir dos princípios da Hermenêutica de Profundidade, interpretação da doxa, 
análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva, e re-interpretação, foram pautadas as 
análises das categorias que emergiram no decorrer do presente estudo. No capítulo II, as 
categorias, com o intento de contemplar os princípios de análise já expostos, organizou-se as 
categorias a partir de uma receita de bolo, em nosso caso, o bolo de milho, no qual as etapas 
de seu preparo constituíram nos procedimentos de preparo do referido prato. 
 O capítulo III seguiu uma lógica semelhante. As categorias, de forma 
analogamente organizadas de acordo a ilustração dos caracteres de um produto alimentício 
ofertado em um supermercado ou qualquer espaço onde a alimentação pode ser 
comercializada: data de fabricação; composição química; embalagem; preservar em local 
arejado; e prazo de validade. Estratégia utilizada, em especial para fomentar uma maior gama 
de análises e representações em torno das categorias emergidas. 
 No capítulo IV as categorias de análise dos dados emergiram das considerações 
efetuadas nos capítulos anteriores, impulsionando para uma apreciação mais concisa em torno 
do PNAE. 
 Destaca-se que os relatos dos sujeitos-participantes desta pesquisa tiveram seus 
nomes ocultados, assim foram preservados o seu anonimato. Com isso, fez-se uso de palavras 
de auto-denominação, no qual os entrevistados escolheram o prato/ comida que mais lhes 
proporciona prazer ao palato, com a finalidade de que este substituísse seus legítimos nomes. 
 Por fim os dados coletados foram articulados com o referencial teórico da 
Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu, assim como com os principais eixos teóricos 
citados anteriormente acerca das políticas educacionais; práticas alimentares; situação de 
fome; segurança alimentar; merenda escolar; agricultura familiar. 
 
 
19 
 
CAP. 1 – “COZER O PIAUÍ E DESCASCAR GUARIBAS” – O ESTADO 
E O MUNICÍPIO EM SUAS CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES 
 
“No Piauí nasceu 
Mãe de ‘mim’ e de vocês 
(Na serra da Capivara) 
‘Mim’ quem fala é índio 
A língua que falava os "Jês" 
Beija-flor (RJ) - Samba Enredo 1996. 
 
 
 Tendo em vista o propósito deste capítulo, discute-se inicialmente as relações 
subjetivas constituídas em meio às práticas alimentares que permeavam as primeiras ações 
educativas no estado do Piauí tendo como meta destacar e fomentar reflexões em torno dos 
comportamentos e costumes piauienses, historicamente construídos, apreendidos e 
reproduzidos conforme imposições estabelecidas segundo princípios que se respaldam no 
conceito de habitus, desenvolvido por Bourdieu. 
 
 
1.1 Comer, comer, comer... Terra à vista! – As práticas alimentares e os 
alimentos transportados pela armada de Pedro Álvares de Cabral 
 
 
 As cozinhas locais, regionais, nacionais e internacionais são produtos da 
miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. 
 
Hoje, os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as Ciências Humanas a 
partir da premissa de que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, 
pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria 
histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas 
alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são 
somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois 
constitui atitudes ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações. 
Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. A historicidade da 
sensibilidade gastronômica explica e é explicada pelas manifestações culturais e 
sociais como espelho de uma época e que marcaram uma época. Neste sentido, o 
que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come como se come 
e com quem se come. Enfim, este é o lugar da alimentação na História (Santos, 
2005, p. 2). 
 
 
 
20 
 
 Nessa lógica supracitada, compreender uma história de “inabilidades alimentares” 
(grifo do autor) vivenciadas no território brasileiro – mais especificamente naquele da região 
do Piauí – remete-se, logo em seguida a questionamentos sobre as mais antigas e pioneiras 
formas de alimentação que foram fomentadas junto ao Brasil. Assim, como esse se trata de 
um país que sofreu substancialmente momentos de dependência de Portugal durante seu 
período de colonização.A primeira vez que o território brasileiro foi explorado por outros povos, como os 
portugueses, data-se historicamente que foi efetuado por Pedro Álvares Cabral. Todavia, 
como aduz Serrão (1968) “é quase certo que a região já fora abordada por nautas portugueses, 
e que a viagem de Cabral não foi de ‘descobrimento’ mas de reconhecimento” (p. 102 – 103). 
 Essas nuances históricas soam, em especial, como indicativos de que a concepção 
vigente por alguns historiadores de que as “Caravelas do Descobrimento”, assim como foram 
chamadas, constituíram-se de agentes literalmente exploradores. Em meio que agiram de 
maneira a desprezar os valores, hábitos alimentares e manifestações culturais apresentados 
pelos nativos (índios). E assim, impondo como legítimas suas próprias aspirações e 
julgamentos sociais, plenamente convergentes com aqueles padrões sugeridos – ou impostos, 
como citou Bourdieu – pelas classes mais abastadas da alta corte portuguesa. Por conseguinte, 
assim sucedeu, e não era para menos, com as práticas alimentares. 
 A partir de análises da Carta de Pero Vaz de Caminha, articulação promovida por 
Paula (1992), constata-se a carta enquanto um documento ímpar da literatura de viagens. 
Descreve, verifica e explica uma página da História de Portugal, com um vigor e talento, 
acompanhados e simplicidade e enaltecendo as qualidades do povo português, quando em 
contato com culturas e etnias totalmente diversas. 
 A Carta registra as mais variadas informações da terra descoberta nos seguintes 
aspectos: morfologia, fauna, flora, humana, alimentação, crenças, habitação, religião e outras. 
 A importância em se analisar o estudo dos mantimentos trazidos a bordo de uma 
nau quinhentista, caracteriza-se como sendo de suma importância. Afinal, como afirmou 
Paula (1992), ocorria uma preocupação latente frente à quantidade de alimentos, seu potencial 
de conservação diante de longas viagens marítimas, sua tolerância a mudanças de temperatura 
entre continentes com climas tão diferenciados. Estas características podem ser contempladas 
nos alimentos citados, da própria Carta, a seguir: carnes, pescados secos e salgados, legumes, 
favas, manteiga, mel, açúcar, biscoito, trigo, vinho, azeite, sal. 
 Contudo, é perceptível a ausência das verduras e dos citrinos, logo faltam as 
21 
 
vitaminas B e C. Sabe-se muito bem que as vitaminas, quando não ingeridas durante algum 
tempo, levam ao aparecimento de doenças específicas graves, que acabam por matar se os 
nutrientes em causa não são de novo fornecidos ao organismo humano em tempo adequado. 
De acordo com Paula (1992), “a armada de Vera Cruz demorou 44 dias a pisar terras do Novo 
Mundo, sem enfermos” (p.36). Uma consequência disso seria a descrição por parte de Vaz de 
Caminha acerca da presença significativa de doentes com a chegada das caravelas no litoral 
brasileiro. 
 É importante destacar que as aludidas preocupações dos portugueses frente às 
comidas armazenadas e a forma de preparo e consumo de seus alimentos – o fogão era 
posicionado de forma estratégica no barco, que por vezes poderia, inclusive, mudar de local 
neste espaço – se constituíram como ações pioneiras no transporte e na locação logística dos 
alimentos para longas viagens além de escalas estratégicas. 
 As referidas práticas denotam uma perspectiva já discutida por Carneiro (2003), 
onde efetua uma revelação da cozinha como um microcosmo da sociedade, com todo o 
significado simbólico na construção de regras e sistemas alimentares, impregnada de cultura. 
No livro, o autor, dentre outros, sugere aos historiadores direções no campo da História da 
Alimentação, segundo as perspectivas das Ciências Humanas, que possam revelar a estrutura 
da vida cotidiana a partir do universo da comida. 
 Com essas discussões até aqui apresentadas, constatam-se alguns indicativos da 
reprodução da inferioridade social no Brasil desde os tempos mais remotos. Destarte, percebe-
se que aspectos de imposição, postulados ainda em períodos de Brasil Colônia, perduram, e 
ganham força. Com isso, o que acaba sendo mais preocupante é que algumas dessas 
atividades efetuadas ganham uma roupagem de ações educativas, ou de libertadores, de 
geradoras de autonomia quando são desenvolvidas através de espaços ou sujeitos respaldados 
com a dimensão da educação, enquanto um instrumento de ascensão social. 
 No Brasil, as relações entre as práticas de inculcação alimentar iniciaram-se da 
forma aludida acima durante o descobrimento. Como se sabe, o país hoje em dia é 
classificado como pertencente àquele grupo dos “Países em Desenvolvimento”, terminologia 
outrora utilizada como “subdesenvolvido”. Esta classificação deve-se, em especial aos 
números alarmantes de pessoas em situação de pobreza e fome que contam no Brasil, que de 
acordo com a Fundação Getúlio Vargas relata 55 milhões de pessoas passando fome no 
Brasil. 
 E esses números podem ainda ser visto de maneira mais significativa quando os 
22 
 
mesmos dados evidenciam o Piauí como o estado onde mais é presente a fome no país. Até 
que ponto essa condição se deve a que fatores, exclusivamente climáticos, ou estruturalmente 
políticos? 
 
 
 
1.2 Piauí: berço da humanidade ou o caldeirão do inferno? 
 
 
 Onde fica o Piauí mesmo? Sempre que alguém efetuar essa pergunta, responda 
prontamente: está localizado na região Nordeste do Brasil! Fato que necessariamente todo 
brasileiro que cursou a terceira série do Ensino Fundamental deveria saber, mas, volta e meia, 
um questionamento como este, surge em meio a um diálogo entre grupos de estudantes e/ ou é 
apresentado de maneira “divertida” e plenamente permeada de preconceito em espaços 
diversificados da mídia nacional. O discurso científico, enquanto questionador, precisa estar 
presente de uma perspicácia e de uma autonomia legítimos, e acima de tudo, não-ingênuos. 
Essa representação sobre o estado surgiu por quê? Reproduz-se por quê? Mantém-se por quê? 
 Afinal, o fato de o Piauí ser o estado mais pobre da nação, segundo indicativos do 
IBGE (2007) é motivo suficiente para enclausurá-lo no esquecimento em nosso discurso 
social, político e acadêmico? A resposta, sem sombra de dúvidas é: Não! Mas, faz-se 
indispensável serem promovidas reflexões sobre as potencialidades desta aludida localidade 
do território brasileiro, bem como avaliar criticamente estas potencialidades, e sobretudo, 
desvendar que fatos históricos permearam, construíram e, ainda hoje mantém esses status ao 
Piauí. 
 Com isso, verificar a luz da ótica educacional da cultura brasileira, perspectivas 
de gênese e manutenção de realidades que fizeram e fazem parte das preocupações do povo 
piauiense, constitui nossa intenção ao discutir a situação de fome e pobreza. 
 Vale ressaltar, que o estado apresenta inúmeras potencialidades, possui história e, 
por conseguinte, possui uma subjetividade própria. E por isso, existem duas, e não apenas 
uma concepção acerca do Piauí. De um lado o estado é concebido como um lugar inóspito e 
hostil, como um “caldeirão de quentura, um inferno de quente” (Costa, 2006) e /ou como uma 
analogia ao “fim do mundo” (Monsenhor Chaves); e uma outra, que o classifica como um 
lugar agradável, de acalento e legitimamente favorável ao crescimento e desenvolvimento 
humano, como é presente no discurso de Adrião Neto (2006) “o berço do homem americano”. 
23 
 
Como aborda Bock et al (1999), é justamente em meio às contradições humanas, da 
sociedade, que se encontram as explicações e pontos de transformação social. Ou seja, 
identificar esses paradoxos frente ao estado do Piauí, implica identificar determinações 
danosas para convertê-las. 
 
 
1.3 O fim do mundo, uma imensidão quase desconhecida, ou seja, o Piauí 
 
 
 Nos primeiros discursos descritivos aduzidos pelas cartas de navegantes que 
exploravam o território piauiense era comum que esses relatos tivessem pouca precisão 
quanto àssuas limitações (Costa, 2006). Uma variedade climática, em alguns períodos 
oscilava de maneira bastante paradoxal, o que representava uma tarefa bastante árdua aos 
desbravadores das terras, assim como àqueles que efetuaram as primeiras atividades 
pedagógicas, como serão apresentadas adiante. 
 O Piauí fica em um território com fronteiras naturais, tendo características 
próprias, o relevo, o clima e a bacia hidrográfica. Possui o território à imagem de um arco. Do 
lado oriental, diversas elevações formando o Arco da Fronteira, cadeia de serras que indicam 
os limites do Estado. 
 
Apresenta certa homogeneidade a região, ainda que a longa extensão produza suas 
particularidades, nos diversos aspectos examinados pela geografia. Tratava-se de 
região de acesso difícil, que só foi conhecida dos colonizadores, no século XVII, e 
colonizada apenas no século seguinte (COSTA, 2006, p. 91). 
 
 Quanto ao clima ocorrem duas estações, uma com chuvas, em geral de dezembro 
a maio, chamada erroneamente de “inverno”, e outra sem chuva, “verão”, de junho a 
novembro, meses que variam do Sul para o Norte do estado. A média anual de precipitação 
pluviométrica é de 600 mm, chegando a ser de 1.000 mm em várias partes, com a temperatura 
média de 30ºC. A seca caracteriza-se pela ausência de chuvas, não no período chuvoso, mas 
também pela quase total falta de precipitação pluviométrica no período normalmente sem 
chuvas. Esta acontece a cada dez anos, em média podendo durar um a três anos (COSTA 
2006, p. 95). 
 O Estado do Piauí está situado entre 2º44 e 10º52’ de latitude e entre 40º25’ e 
45º59’ de longitude Ocidental, abrangendo área de 251.529,186 Km². Corresponde a 16,16% 
24 
 
da região Nordeste e 2,95% da área do Brasil, não estão incluídos nessa contagem a área 
litigiosa a ser demarcada entre o Piauí e o Ceará. Pertencente ao segundo fuso horário 
brasileiro. É o terceiro maior Estado nordestino e o décimo primeiro Estado brasileiro em 
extensão territorial (Rodrigues, 2000). 
 O espaço educacional brasileiro foi construído pelos jesuítas, sobre isso não é 
travado nenhum questionamento. Entretanto, no que diz respeito aos efeitos que essa 
educação fomentou no Brasil e consequentemente no Piauí de hoje, proporcionando 
malefícios e/ou benefícios ao atual sistema educacional. 
 
Os jesuítas assentam, logo ao desembarcarem, os seus arraiais; fundam as suas 
residências ou conventos, a que chamavam “colégios”; instalam os seus centros de 
ação e abastecimentos ou se o quiserem, os seus quartéis, para a conquista e o 
domínio das almas, penetram as aldeias dos índios e, multiplicando ao longo da 
costa, os seus pontos principais de irradiação. (Azevedo, ano 1963 p. 502). 
 
 A eficácia da ação pedagógica jesuítica no Brasil deve-se ao cuidado rigoroso 
com o preparo dos mestres instrutores; e a uniformização desta ação. Os conteúdos que eram 
trabalhados pelos jesuítas estavam muito bem fundamentados de acordo com as regras 
codificadas no “Ratio Studiorum”, que constituía-se em: 
 
Studia Inferiora, esta reunia as disciplinas de letras humanas, de grau médio, com 
duração de três anos e constituído por gramática, humanidades e retórica, forma o 
alicerce de toda estrutura de ensino e se baseia exclusivamente na literatura clássica 
greco-latina. Filosofia e ciências (ou curso de artes), também com duração de três 
anos, tem por finalidade formar o filósofo e oferecer as disciplinas de lógica, 
metafísica e filosofia moral. O outro grupo de disciplinas que constituía o método 
jesuítico era nomeado de Studia Superiora, que baseva-se no estudo da teologia e 
ciências sagradas, com duração de quatro anos. A Studia superiora visava à 
formação de novos sacerdotes integrantes da Companhia de Jesus (ARANHA 1996, 
p.92). 
 
 De fato, a educação jesuítica, com seus fundamentos clássicos, alcançou outros 
tempos e conseguiu manter as suas bases praticamente intactas. Mas uma grande falha 
percebida neste método foi onde muitos buscaram apoio para lutarem contra. O fato de este 
ensino manter uma separação entre a escola e vida, na grande vontade de retornar aos 
clássicos, fez com que “os companheiros de Jesus” esquecessem as inovações de seu tempo. 
 No Piauí a ação jesuítica não ocorreu como em outros pontos do Brasil, dois fatos 
podem ser apontados para explicar a inexpressiva atuação dos jesuítas na Educação do Piauí: 
um primeiro diz respeito à tardia fixação da Ordem em território piauiense. Havendo chegado 
ao Brasil em 1549, só na segunda metade do século XVIII se estabelecem no Piauí, movidos 
25 
 
por interesses pecuniários: as fazendas de gado. É verdade que antes já haviam transitado pelo 
Piauí – corredor de passagem entre Pernambuco e o Maranhão – sem, entretanto aqui se 
fixarem. 
 Por outro lado, outro fato também significativo, que correspondeu à 
 
orientação da Ordem em relação às atividades desenvolvidas na colônia, 
notadamente, a partir da implantação do “Ratio Studiorum”. Sabe-se que os 
propósitos que animaram D. João III em 1549 a enviar os Jesuítas ao Brasil com o 
aval de Simão Rodrigues então superior da Ordem em Portugal, e que inspiraram o 
plano educacional de Nóbrega tinha duplo objetivo: o aliciamento do indígena para 
possibilitar a colonização; e o preparo de uma elite para exercer as funções públicas 
da colônia (BRITO 1996, p.14). 
 
 Os primeiros jesuítas em terras piauienses foram os Padres Francisco Pinto e Luís 
Figueira, em janeiro de 1607, chegaram de Pernambuco para evangelizar no Maranhão. O 
Padre Francisco Pinto foi morto pelos índios Tacarijus. Os jesuítas voltaram incursionar pelo 
território piauiense, em 1711, com a chegada do Padre Manoel Gonzaga e seu companheiro 
Manoel da Costa, que vieram tomar posse e administrar as fazendas que Domingos Mafrense 
deixou em testamento para a Companhia de Jesus. (Adrião Neto 2006, p.207). 
 Com a administração das fazendas absorvia por completo os jesuítas, não lhes 
restou tempo para exercer suas atividades educacionais e culturais. E somente vinte e sete 
anos depois de sua chegada, é que acontece o inicio de suas atividades. 
 De acordo com Brito (1996, p. 13) somente em 1733 ocorre substancialmente uma 
preocupação com a educação do povo com a conquista no referido ano do alvará de 
funcionamento de ensino que se denominaria “Externato Hospício da Companhia de Jesus”. O 
estabelecimento, entretanto não logrou funcionar em virtude das dificuldades encontradas 
para sua instalação decorrente dentre outras coisas da pobreza do meio, da dispersão 
demográfica dos núcleos populacionais, muitos distantes uns dos outros, e das precárias 
condições de comunicação e acesso entre as Capitanias. Frustrada a organização do 
“Externato Hospício”, fazem os inacianos outra tentativa, em 1749 e organizam no Distrito da 
Mocha, hoje cidade de Oeiras, o Seminário do Rio Parnaíba. (BRITO, 1996). 
 O autor supracitado ainda aduz que 
 
 A fixação dos jesuítas no Piauí ocorre no último período de sua atuação, quando a 
Ordem enfatiza a criação de Seminários. Daí a criação do Seminário do Rio 
Parnaíba, em lugar de uma escola de ler e escrever ou de um colégio e o fracasso da 
iniciativa em face das condições adversas do meio para a implantação daquela 
instituição. (p. 18) 
26 
 
 Como é discutido por Rodrigues (2000) e Brito (1996) a educação jesuítica no 
Piauí enfrentou alguns percalços, dentre eles o enfrentamento de realidades desfavoráveis, 
como a fome e a pobreza. Em muitos espaços educacionais, as práticas alimentares fazem-se 
presentes. Elas irão manifestar, mais uma vez, aspectos culturais de uma localidade, com isso, 
a situação de fome também pode ser característico de uma região, ao ponto de ser possível se 
constituir uma Geografia da Fome, em meio que se mapeiem áreas que mais sofram que esse 
fato tão funesto como apresentou Castro, (1961) em seus estudos sobre a fome no Brasil. 
 As práticas alimentares nesse período eram deuma homogeneidade peculiar nas 
principais localidades exploradas pelos historiadores, aonde os jesuítas conduziam suas 
atividades pedagógicas, sobretudo, concomitante às suas ações inculcadoras eles vivenciavam 
os hábitos locais de alimentação, ao mesmo tempo em que impunham outros de seus hábitos, 
advindos de suas vivências e cultura anteriores. 
 Como se sabe, o recorte do estado do Piauí deveu-se aos modos de produção local 
de agricultura e pecuária. Com isso, um personagem que surge é o do vaqueiro, típico da 
região até os dias atuais, no qual seus hábitos e estratégias alimentares foram parâmetros para 
muitos daqueles que pela região do estado passaram. Vale ainda destacar que o nome do 
referido estado tem origem nos piaus, peixes abundantes nos rios da localidade, que era 
utilizado como fonte de alimentação local, muitas vezes em meio aos espaços pedagógicos – 
de práticas jesuíticas – durante este recorte histórico em estudo. 
 Os vaqueiros piauienses tinham a responsabilidade de cuidar do gado, cabendo-
lhe uma cabeça para cada quatro que criassem (Costa, 2006). A alimentação básica era a carne 
de vaca assada em espeto, pois não havia sequer panelas para que cozinhassem, bem como os 
laticínios. Disse Matias Augusto de Oliveira Matos que 
 
sem dúvida, o forte da culinária piauiense tem por base o boi e a farinha (produto da 
rústica mandioca que sobrevive durante os períodos de chuva e de estiagem nas 
baixadas e nas chapadas). É a dobradinha para todas as regiões do estado, para todas 
as situações difíceis. (p. 230) 
 
 Da carne de gado surgiu a alimentação típica do Piauí, como a paçoca, resultado 
da carne seca batida no pilão com farinha de mandioca, e o arroz de maria isabel, com carne 
seca cortada e misturada com arroz. 
 Conseguiram os vaqueiros e as populações rurais do Piauí antigo, ainda, mel 
silvestre para a sua nutrição. Havia a coleta de frutos como cajá, caju, bacuri, crioli, buriti e 
27 
 
pequi, com as quais se começou a fazer doces e comidas típicas. Preparava-se também pratos 
com a caça local, como jacu, avoante, paca, cotia, capivara e veado, quando as tinham em 
quantidade. Nos rios menores pescava-se mandy, curimatá e piau, que depois inclusive deixou 
o seu nome no rio Piauí, que por sua vez denominou o novo território (Costa, 2006). 
 Uma região rica em belezas naturais, belas serras, belos rios, e que por mais que 
tenha recebido pouco dessa influência jesuítica quanto às imposições de modelos 
educacionais a partir da disposição de classes sociais como esclarece Romanelli (2006) 
 
A Educação dada pelos Jesuítas, transformadas em educação de classe, com 
características que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou 
todo o período colonial e imperial e atingiu o período republicano, sem ter sofrido, 
em suas bases, qualquer modificação estrutural, mesmo quando a demanda social de 
educação começou a aumentar, atingindo as camadas mais baixas da população e 
obrigando a sociedade a ampliar sua oferta escolar. (p.35) 
 
 Na atualidade as perspectivas de distribuição de renda, como apontam dados do 
IBGE (2006) ainda se configuram com um dos maiores problemas enfrentados pelo estado do 
Piauí. Em especial por se tratar de construtos que se repetem ao longo das décadas. 
 
 
1.4 Descansa a fome no Piauí em berço esplêndido, eternamente? 
 
 
 O Piauí tem tomado conta do cenário da imprensa nacional com frequência por 
apresentar números alarmantes quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que 
tem sido o mais baixo dentre os estados do país. 
 A situação de fome, miséria e pobreza perduram na região. Durante muitos anos a 
fome, segundo Cerri & Santos (2003) tem sido vista como fenômeno natural, ou efeito 
secundário de acidentes climáticos, nunca sendo aceito pelas elites como alvo de desigualdade 
social, o que vem a embasar mais ainda o que diz Leal (1998, p.03): “não mais recorrente, 
mais repetitivo, mais triste e mais drástico”, garantindo que o problema da seca do Nordeste 
ainda não foi resolvido pelo simples fato de que para os homens de decisão política da própria 
região interessa mais a sua permanência do que sua solução. 
 Para Negreiros et al (2003), a fome é um fenômeno amplo que incorpora 
dimensões relacionadas a diferentes necessidades históricas, culturais e psicológicas, que 
exercem influência direta e indireta no ambiente familiar. Para Castro (1961, p. 87) “as 
28 
 
crianças já nascem corroídas pela fome dos pais e se desenvolvem mal pelo uso de uma 
alimentação extremamente inadequada”. O autor relata ainda que a fome transmite não só 
uma herança de carência biológica, mas também uma funesta inferioridade social, que 
permanece ao longo das gerações de maneira latente. 
 A idéia ganha mais consistência quando é reforçada por Bourdieu & Passeron 
(1982) que fazem referência à reprodução cultural da desigualdade, apresentando que os 
indivíduos e as instituições que representam a forma dominante da cultura, buscam manter 
sua posição privilegiada, apresentando seus bens culturais como naturalmente ou 
objetivamente superiores aos demais. 
 Idéia bastante visível no modelo apresentado pelos jesuítas, como articula 
Azevedo (1963) ao discorrer que na primeira incursão na educação popular, fica explícito que 
esses religiosos não tinham a idéia de só catequizar, “... mas lançavam as bases da educação 
popular e, espalhando nas novas gerações a mesma fé, a mesma língua e os mesmos 
costumes, começavam a forjar unidade espiritual e política de uma nova pátria” (p. 507). 
 Ao seguir a mesma linha de pensamento, no período compreendido entre a 
chegada ao Brasil dos jesuítas (1549), até a sua expulsão (1759), em todas as unidades de 
ensino (litoral, planalto e posteriormente Sul e Norte) se verificou somente o interesse em 
formação humanística, havendo um total desinteresse na formação científica e técnica. O que 
possa ter ocorrido devido às imposições do reino de Portugal para a continuidade de tal 
omissão. 
 Não obstante, mais uma vez se torna evidente o caráter exploratório e legitimador 
da dominação pelas ações efetuadas no aludido período. As concepções de Bourdieu (2006) 
apontam que no conjunto da sociedade, tenderia a prevalecer, portanto, a imposição de um 
determinado arbitrário cultural como a única cultura legítima. Os indivíduos normalmente não 
perceberiam que os bens culturais tidos como superiores ou legítimos ocupam essa posição 
apenas por terem sidos impostos pelos grupos dominantes. 
 A situação de fome se perpetua, conforme argumentou Negreiros (2003), se não 
forem constituídas práticas educativas interventivas que contemplem tanto a instituição 
familiar como a escolar. O primeiro por ser o primeiro espaço socializador da criança, sugere 
um gama de repertórios comportamentais, por vezes disfuncionais; e a escola, enquanto 
prática de ensino institucionalizada trata de reproduzir o habitus constituído a partir das 
relações existentes entre as duas instâncias sociais. 
 A instituição familiar corresponde a um grupo de pessoas, que vive numa 
29 
 
estrutura hierarquizada com a proposta de uma ligação afetiva duradoura, incluindo uma 
relação de cuidado entre os seus constituidores – adultos, crianças e idosos – surgidos no 
contexto. A família tem que dar subsídios para que o indivíduo adquira valores morais, 
éticos, culturais etc., pois fornece a base para o desenvolvimento social, por ser o primeiro 
ambiente socializador vivido por parte das crianças em seus primeiros anos de vida (Carvalho, 
1997). 
 Essa idéia é reforçada por Bock et al, (1999), que alude sobre o papel primordial 
desempenhado pela família na reprodução de valores que constituem a cultura e das idéias 
dominantes em determinado momento histórico, no qual estabelece disputa com outros grupos 
sociais, prevalecendo e dando continuidade a um legado que transforma o homem e é 
transformadopor ele. Os autores ainda apresentam que para analisar o homem é preciso situá-
lo num contexto sócio-histórico-cultural, identificando e desvendando as determinações. 
 
 
1.5 O estado do Piauí: uma caracterização histórica 
 
 
 Patrocínio (2006) afirma que por quase dois séculos subsequentes ao 
“descobrimento”, o Piauí não foi colonizado, ao contrário do que acontecia com os atuais 
estados do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; para o autor, o “devassamento e 
o inicio da colonização” (p. 10) no Piauí estão intimamente relacionados às bandeiras, que 
seguiam atrás de ouro e pedras preciosas. Nunes (2001) afirma que 
 
se penetrações houve, não forma profundas; foram rápidas incursões em busca do 
ouro ou do índio, e jamais tentativas para colonizar. [...] A terra desconhecida teria 
que ser devassada e conquistada, e do seio fecundo dos sertões jorrariam novas 
fontes de enriquecimento (p. 26) 
 
 Entretanto, só foram encontrados no estado terras férteis e ótimas pastagens para 
criação de gado. Um outro agente para a colonização do estado está relacionado à necessidade 
de um percurso terrestre que ligasse a Bahia ao Maranhão. 
 A área correspondente hoje ao estado do Piauí, na época da sua colonização, era 
considerada grande em se considerando a quantidade de colonos que a ocupavam, com suas 
propriedades distando cerca de até vinte léguas umas das outras. Esta característica 
30 
 
determinou a tardia nomeação de um governador para a Capitania, criada em 1718 e tendo 
designado seu primeiro governante apenas 40 anos depois, em virtude do pouco contingente 
populacional e suas implicações, pois a realidade do Piauí à época – início do século XVIII, 
era uma população sem vínculo de organização social e isenta à organização política (Nunes, 
2001). 
 Muito embora o povoamento tenha sido acelerado, a densidade populacional era 
extremamente baixa, em virtude da grande área territorial tomada, que era efeito da pecuária, 
dispersar para crescer. Reflexo disso está no fato de apenas em 1972 ter início a fundação de 
vilas, o que tão insistentemente solicitava a Corte, mas a precariedade demográfica da 
Capitania não possuía um povoado digno de ser alçado à categoria de vila. Segundo Nunes 
(2001), no sertão piauiense, com esse adensamento populacional, a maior parte dos habitantes 
eram os “desocupados”, que eram apanhados pelos grandes fazendeiros e distribuídos pelos 
latifúndios, assim organizando suas “cabroeiras”, visto que a coesão dos donos das terras era 
manifesta pelo poderio que ele tinha de aglutinar ao que estavam no seu entorno, ou seja, “sua 
gente”. 
 Durante os primeiros decênios do século XIX, prosseguem as pesquisas em busca 
de novas fontes econômicas. O que se vê no cenário do Piauí desde o governo de D. João de 
Amorim – até a independência – foi a continuação da luta entre fazendeiros, chefes de tribo, e 
os representantes da coroa, a constituir a característica mais importante da história do Piauí, 
na segunda metade do século XVIII, até mesmo a Independência. Nas vésperas da 
independência, ainda não havia governo estabilizado. Vivia-se período retardatário de nossa 
evolução histórica, de nossa Idade Média. Para to do o Brasil este século marcou por toda 
parte a consolidação do poder público; por todo o litoral processava-se com facilidade a 
organização política, em virtude do comércio, da agricultura, da indústria açucareira, 
atividades que tendem a condensar populações, preparando o ambiente para a estabilização 
estatal. Enquanto isso, na região do pastoreio a que pertencia o Piauí, tudo conspirava contra a 
ordem: o deserto, a campina, o nomadismo e a tradição de longos anos de vida, dissoluta, 
onde o individualismo impunha a lei. 
 Proclamada a Independência não houve como consequência dessa ocorrência 
histórica, modificações profundas ou ainda modificação notável no cenário social do Piauí, 
que continuava governado por fazendeiros, encastelados em seu orgulho e prepotência. Não 
havia ensino de natureza alguma no Piauí. O que nos unia ao Brasil era incontestavelmente o 
comércio de gado, que foi poderoso fator de unidade brasileira. Acerca desse fato Araújo 
31 
 
(1997) expõe: 
No Piauí, o novo regime federativo, legitimado juridicamente pela Constituição 
Estadual de 1891, não trouxe mudanças profundas para o estado. Não obstante, foi 
um período marcado por lutas pela manutenção de sua autonomia, uma vez que 
existiam ameaças de o Piauí ser incorporado às unidades federativas limítrofes, em 
face da alegada insuficiência de recursos para sua auto-sustentação. Contudo, 
realizaram-se transformações de natureza político-administrativa, que buscavam a 
consolidação da autonomia do estado (p. 43) 
 
 Havia o caos econômico e financeiro por toda parte, e por toda parte periclitavam 
as instituições, e o cenário político não era diferente, pois 
 
“nem com o novo regime republicano os governantes piauienses modificaram seus 
atos, a bem dos setores públicos. Mesmo com o governo republicano, dava-se 
continuidade à política imperial de esquecimento dos estados pobres, como o Piauí” 
(Araújo, 1997, p. 72) 
 
 As atividades agrícolas e pastoris - fontes de grande riqueza do Piauí - estavam 
decrescendo em produção, de ano para ano, em virtude de diversos fatores, tais como a 
ausência da renovação e cruzamento com uma boa raça de gado, o absenteísmo, as 
dificuldades de transportes e estradas, a rotina do método de uso da terra, ainda dos tempos 
coloniais e, ainda, a seca, que implicava a falta de pastagens. No entanto, não se descartava a 
ausência de uma política econômica que favorecesse aquelas indústrias. 
 No período da monarquia, as atividades continuavam as mesmas, não havendo 
mudanças significativas na estrutura política-econômica-social do estado (Nunes, 2001). A 
promessa de expansão da indústria pastoril, por meio de processos modernos, não foi além 
dos planos, pois não alcançou resultado prático. Temerosos com a possibilidade da 
emergência de uma nova força na política local, os grandes latifundiários boicotavam 
iniciativas de modernização na atividade pastoril no Piauí (Araújo, 1997). 
 A navegação a vapor foi apenas amostra de modernização na economia política, 
mas não solucionou o problema piauiense. Outros vestígios de fomento econômico 
manifestam-se, como fruto da angústia financeira. O que vem, entretanto, em socorro do 
estado, é a borracha e, em seguida, a cera de carnaúba e o babaçu, produtos naturais da terra 
que surgem espontaneamente a impor-se como contribuintes maiores do orçamento, no ensaio 
de adaptação do Piauí ao regime federativo (Nunes, 2001). 
 Desde a colonização do Piauí, a sua atividade principal fora a pecuária, 
destacando-se como suporte básico até o início do século XX, quando a atividade econômica 
do extrativismo vegetal – a borracha de maniçoba, a cera de carnaúba e a amêndoa de babaçu 
32 
 
se incorporaram no quadro econômico de maior importância para o Estado. Tais produtos, 
mesmo inseridos na demanda do comércio internacional, não se consolidam como atividade 
dinâmica e duradoura capaz de influenciar nas transformações da estrutura socioeconômica do 
Estado (Araújo, 1997). 
 O regime federativo também não proporcionou mudanças para o Piauí, entretanto, 
houve lutas para que o estado mantivesse sua autonomia, visto que eram constantes as 
ameaças de que fosse incorporado aos outros estados com os quais fazia limite, para isso 
sendo alegada a falta de recursos para que a unidade federativa se auto-sustentasse. Ocorrem, 
então, mudanças para que se alcançasse uma maior receita, principalmente no aumento da 
fiscalização da requisição dos impostos, que recaiam sobre os principais produtos de 
exportação a época, os quais eram o gado e seus derivados (couros, solas, peles, chifres) 
(Araújo, 1995). Até essa medida ser tomada, tais artigos. 
 
“escoavam para as províncias limítrofes doPiauí, como Bahia, Ceará e Maranhão, 
quase sempre como contrabando, em tropas de animais, por áreas onde a 
fiscalização do Estado não era exercida, o que servia para engrossar a exportação 
dessas províncias” (Araújo, 1995, p. 68). 
 
 Essa dependência com os estados vizinhos, em especial com o Maranhão, 
proporcionava atraso econômico e social para o Piauí. 
 Na capital Teresina, a essa mesma época, ouvia-se da elite um discurso 
progressista revestido por um conjunto de mudanças aparentes. Essa aspiração progressista 
culminou em projetos políticos que pretendiam iluminação pública, telégrafos, saneamento, 
estradas de rodagem e de ferro, assim como projetos para a organização do espaço urbano. A 
economia era pautada quase que exclusivamente na atividade de subsistência, com baixo nível 
técnico e consequente ignóbil índice de produtividade, contando ainda com as “peculiaridades 
históricas e ambientais da região” (Araújo, 1995, p. 20). Mesmo com meios de produção 
rudimentares, a cultura do algodão foi de grande importância no comércio de exportação, 
inicialmente para a América do Norte e posteriormente para atender as necessidades – 
reduzidas – do mercado interno (Araújo, 1991; Araújo, 1995; Patrocínio, 2006; Mendes, 
2003). 
 Ao longo da historia do Piauí, a agricultura mercantil não foi a prática principal da 
sua economia, ao contrário das criações de gado, que até meados do século XIX eram 
prósperas e representavam a base da economia do estado (Araújo, 1991). Isso denota que o 
33 
 
potencial agrícola (terras férteis abundantes, rios, lençóis freáticos) do estado pouco foi 
utilizado até pouco tempo atrás, nos anos de 1990, com as grandes plantações de soja e arroz 
no sul do estado, mas o principal, em se tratando de agricultura, é a de subsistência, essencial 
para o sustento das populações rurais piauienses. 
 O interesse, conforme Mendes (2003), na criação de gado no Piauí começou com 
os habitantes dos estados vizinhos, devido à situação climática e de solo que propicia a tal 
atividade. Mendes ainda afiança que, de acordo com Censos Agropecuários, os recursos 
naturais ainda são subutilizados no Piauí, tanto os solos quanto as águas (de superfície e de 
solo). A importância da pecuária pode residir no fato de que foi esta atividade a responsável 
pela inserção do estado no contexto econômico brasileiro (Brandão, 1995). 
 Historicamente, a virada do século XIX para os primeiros anos do século XX, foi 
a passagem do período monárquico para a República e um momento agitado por crises 
políticas que transcorreram todo o país (Araújo, 1995). Pode-se inferir que no inicio do século 
XX, de acordo com o que coloca Araújo (1995), a situação político-social-econômica do Piauí 
não era diferente do século anterior, pois poucas mudanças haviam acontecido tanto na 
produção agrícola quanta na infra-estrutura do estado. Os grupos políticos ainda tentavam 
melhorias e aquisições para o Piauí, mas percebe-se que eles não tinham forca suficiente para 
alcançar os objetivos almejados. 
 A situação econômica do Piauí era muito distinta da situação do Centro-Sul, pois 
esta região desenvolvia-se de forma rápida – devido à produção do café -, enquanto que no 
Piauí e em todo o Nordeste a economia se orientava pela atividade de subsistência, imposta 
pelas particularidades históricas e ambientais inerentes à região, tendo ainda como agravante 
o nível técnico elementar que tornava baixo o índice de produtividade. A agricultura 
orientava-se para o consumo familiar, baseado na pequena produção, utilização de terras 
arrendadas de outrem e meios de produção elementares. (Araújo, 1997). 
 As finanças e a economia sustentaram-se na pecuária, que constituiu a riqueza 
básica do Piauí até a primeira metade do século XX. 
 Muito embora, como colocado anteriormente, a agricultura mercantil não tenha 
sido o forte da economia piauiense, a seca atinge incisivamente o povo piauiense, muito pelo 
fato da cultura de subsistência ser a principal fonte de alimentação e de pequenas e informais 
trocas dessas pessoas. Os produtores rurais ainda enfrentam, ao longo desses anos, da 
colonização até hoje, o fenômeno da seca, encarado por Neto & Borges (1987) como uma 
calamidade social e que “está ligada ao comportamento do clima, mas, de fato, contém uma 
34 
 
significação bem mais ampla e complexa que a simples ausência ou irregularidade de chuvas” 
(p. 15). 
 Segundo os autores, de 1877 até a época do estudo, as noticias em torno da seca e 
a consciência do povo acerca dela mudou muito pouco; ainda é mais cômodo acusar que a 
seca é apenas consequência do clima. Até mesmo “órgãos técnicos, políticos e a imprensa 
alimentam, sutil ou abertamente, a crença segundo a qual a catástrofe vem do alto” (p. 22). Os 
aspectos climáticos piauienses, como infere Brandão (1995), sempre chamaram atenção dos 
viajantes desde a época das Capitanias, mesmo com a boa qualidade dos solos para pecuária e 
plantio de culturas e pastos. 
 É mostrado que os estudos especializados que tentam desmistificar esse ensejo 
climático da seca ainda são de restrito acesso, porem, são taxativos em afirmar que a perda 
das plantações não é provocada pela ausência de chuvas. Relatórios da Empresa Brasileira de 
Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) de 1981 afiançam que no Nordeste 
brasileiro não falta água e que o semi-árido é região bastante propicia para a prática da 
pecuária e da agricultura; outros estudos mais antigos (Lisboa, 1913; SUDENE, 1973 apud 
Neto & Borges; 1987) já coligiam que o flagelo da seca não ocorre exatamente nos mesmos 
anos e que os índices de chuva estão abaixo do necessário para encher rios, lagos e açudes, e 
que o fenômeno social da seca acontece quando a frequência das chuvas é inconciliável com o 
período das culturas de subsistência; isso significa que a chuva por vezes vem, entretanto, na 
ocasião em que o produtor não estava preparado para recebê-la, ou depois que a produção já 
havia sido perdida ou a precipitação vem distribuída irregularmente. 
 Neto & Borges (1987) afirmam que há casos, no Piauí, de municípios onde 
agricultores produzem regularmente bem, enquanto que seus - à mesma época e com os 
mesmos cultivos – perdem suas plantações; tais casos, em sua maioria, 
 
“não se tornam conhecidos do publico externo ao município devido ao interesse dos 
agricultores e das lideranças políticas locais na obtenção dos benefícios dos 
programas de emergência. Neste sentido, prefere-se apresentar o município todo em 
estado de calamidade” (p. 24). 
 
 É imperioso afirmar que, ainda segundo os autores supracitados, não existe 
qualquer região no mundo que seja ou esteja imune a ocorrências climáticas irregulares 
semelhantes à do Piauí; não é a falta de água que assola o estado, isto é, “a natureza oferece os 
recursos hídricos”, é a organização da sociedade “que não permite aos agricultores tirar (dela) 
35 
 
proveito” (p. 29) para sua subsistência. 
 Falta, portanto, informação e conscientização para o produtor rural acerca da 
questão da seca, pois como coloca Araújo (1991), não faltam medidas para enfrentamento da 
seca, já que a primeira intervenção com relação a esse fenômeno data de 1853, pela criação da 
Comissão de Exploração, que levou a uma oficialização dos estudos acerca da falta de chuvas 
no sertão. 
 Nunes (2001) sucintamente explicita que 
 
“até meados do século passado, as modificações que se observaram na vida do Piauí 
tinham caráter mais social que político. Até mesmo a Independência não teve 
reflexos profundos em nossa história, a modificar sua fisionomia. A integração do 
Piauí no Brasil só teve seu início em 1845, e em nossos dias ainda está a se 
processar e a reclamar atenção de homens públicos. Ainda há pedaços do Piauí que 
pertencem ao Brasil arcaico, ronceiramente a marchar em rumo a seu destino, a 
evocar ainda a expansão dos currais, na época da conquista” (p. 34).

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