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O DESENVOLVIMENTO LOCAL EM UMA ESCALA DO CRESCIMENTO AO DECRESCIMENTO: ANÁLISE DE UM CAMINHO ALTERNATIVO À SOCIEDADE DE CONSUMO Ana Sofia Nuñez de Abreu Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador Ricardo Ferreira de Mello, D.Sc. Rio de Janeiro Abril de 2021 i ii O DESENVOLVIMENTO LOCAL EM UMA ESCALA DO CRESCIMENTO AO DECRESCIMENTO: ANÁLISE DE UM CAMINHO ALTERNATIVO À SOCIEDADE DE CONSUMO Ana Sofia Nuñez de Abreu PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO. Examinado por: ________________________________________________ Prof. Ricardo Ferreira de Mello, DSc. ________________________________________________ Prof. Felipe Addor, DSc. ________________________________________________ Prof. Vinícius Carvalho Cardoso, DSc. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL Abril de 2021 iii Agradecimentos É impossível chegar neste momento, um dos últimos ritos da graduação, sem reviver mentalmente toda trajetória até aqui. Lembrar a Ana Sofia, que em 2014 se matriculou na UFRJ convicta de que sairia formada em Nanotecnologia quatro anos depois, só me faz refletir o quanto esses anos universitários me ensinaram a lidar com a imprevisibilidade e com mudanças de rota ao longo do caminho. À Universidade Federal do Rio de Janeiro, meu muito obrigada por ser esse ecossistema inspirador que transborda conhecimento para além das salas de aula. Hoje, sou extremamente grata por ter persistido e escolhido duas vezes uma das melhores universidades do Brasil. À Universidad de Málaga, meu muchas gracias por ter sido minha casa durante nove meses e por todas as experiências e reflexões engrandecedoras que esse intercâmbio me proporcionou. Aos amigos que dividiram esse caminho universitário, obrigada por estarem presentes nas lembranças mais leves e divertidas que levarei comigo. Desde os encontros inesperados e repletos de abraços nos corredores do CT, até as aulas sem sinal de celular no subsolo do CCS. Em especial, Patrícia e Carolina, obrigada por estarem presentes em todos os momentos, das alegrias aos desabafos, dentro e fora da universidade e até mesmo com um oceano de distância. Ao Ricardo que abraçou desde o início o tema deste trabalho e tornou o percurso de fazer um TCC individual, em meio à pandemia, menos solitário. Muito obrigada por me apresentar novos horizontes desde a perspectiva econômica, pelo apoio e principalmente pela paciência, que em tempos pós-modernos pode ser reconhecida como a virtude rara de quem escuta áudios longos no whatsapp. Não posso deixar de agradecer também a todos os professores e professoras que marcaram essa jornada desde os anos de colégio até aqui por todos os ensinamentos compartilhados. Por fim, mas não menos importante, agradeço a minha família pelo incentivo, pela compreensão e por sempre me ensinarem a valorizar a educação em primeiro lugar. A minha mãe - e professora - Ana Luisa, sou grata pelas mensagens de “divirta-se” todos os dias pela manhã desde o colégio que sem dúvida alguma marcaram esse caminho acadêmico. Ao meu pai Luiz Paulo, gratidão pela confiança, a minha dinda Carmen gratidão pela cumplicidade e a minha avó Maria de la Paz, gratidão pelos abraços e sorrisos. iv Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de Produção. O DESENVOLVIMENTO LOCAL EM UMA ESCALA DO CRESCIMENTO AO DECRESCIMENTO: ANÁLISE DE UM CAMINHO ALTERNATIVO À SOCIEDADE DE CONSUMO Ana Sofia Nuñez de Abreu Abril/2021 Orientador: Ricardo Ferreira de Mello Curso: Engenharia de Produção Resumo: Sabe-se que os impactos socioambientais gerados pela sociedade de consumo inviabilizam sua manutenção no longo prazo. Entende-se que essa sociedade nada mais é que um reflexo do sistema econômico vigente, e portanto, busca-se inicialmente compreender os pilares de tal sistema em torno dos conceitos de desenvolvimento e crescimento. Em seguida, é apresentada a teoria do decrescimento econômico como um contraponto à sociedade de consumo rumo à uma sociedade que valorize mais o indivíduo humano e não o indivíduo consumidor. No entanto, sabe-se que a transição rumo a uma sociedade de decrescimento não é um processo trivial. Por isso, com o objetivo de avaliar sistematicamente se uma proposta alternativa à sociedade de consumo de fato se aproxima do caminho rumo à sociedade de decrescimento, foi criada uma matriz de avaliação numa escala do crescimento ao decrescimento. Tal avaliação foi aplicada ao conceito de desenvolvimento local devido a uma aproximação conceitual entre ele e alguns direcionadores do decrescimento. Assim, o objetivo geral deste trabalho é analisar se experiências pautadas na lógica do desenvolvimento local são um caminho viável para contrapor a lógica do sistema econômico da sociedade de consumo, aproximando-se da proposta de uma sociedade de decrescimento. Palavras-chave: Sociedade de Consumo, Decrescimento Econômico, Crescimento Econômico, Desenvolvimento Local, Desenvolvimento Econômico. v Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Industrial Engineer. LOCAL DEVELOPMENT ON A SCALE OF GROWTH TO DEGROWTH: ANALYSIS OF AN ALTERNATIVE PATH TO CONSUMER SOCIETY Ana Sofia Nuñez de Abreu April/2021 Advisor: Ricardo Ferreira de Mello Course: Industrial Engineering Abstract: It is a well-known fact that the socio-environmental impacts generated by the consumer society make its maintenance unfeasible in the long term. It is also understood that this society is nothing more than a reflection of the current economic system. Therefore, this work initially seeks to understand the bases of this system through the concepts of development and growth. Then, the theory of economic degrowth is presented as a counterpoint to the consumer society towards a society that values the human individual more than the consumer individual. However, the transition towards a degrowth society is not a trivial process. Therefore, in order to systematically evaluate if an alternative proposal to the consumer society does, in fact, builds the path towards the degrowth society, an evaluation matrix was created on a scale from growth to degrowth. Such assessment was applied to the concept of local development due to a conceptual approximation between it and some drivers of degrowth. Thus, the general objective of this work is to analyze whether experiences based on the logic of local development are a viable way to oppose the logic of the economic system of a consumer society, approaching the proposal of a society of degrowth. Keywords: Consumer Society, Economic Degrowth, Economic Growth, Local Development, Economic Development. vi LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS Figura 1: Diagrama do Fluxo Circular 24 Figura 2: Efeitos de um Aumento no Gasto sobre o Produto 29 Figura 3: Diagrama de Solow com Progresso Tecnológico 35 Figura 4: Efeitos da Redução da Produção sobre o Produto 44 Figura 5: Diagrama Conceitual de Causa e Efeito para o Decrescimento 64 Figura 6: Mapa Conceitual dos Direcionadores de Implementação da Sociedade do Decrescimento 67 Figura 7: Riscos do Processo de Construção do Desenvolvimento Local 81 Figura 8: Graus e Níveis de Participação dentro de um Coletivo 84 Figura 9: Percentual da Pontuação Total Obtido em cada Macro Grupo 96 QUADROS Quadro1: Escala Relativa de Importância de Saaty 14 Quadro 2: Índices Randômicos de Consistência Aleatória 15 Quadro 3: Os Cinco Estágios para o Desenvolvimento Econômico 22 Quadro 4: Critérios para Análise de Afinidade com a Proposta de uma Sociedade de Decrescimento 70 Quadro 5: Matriz de Hierarquia entre Critérios 76 Quadro 6: Critérios e Pesos de Avaliação da Afinidade com a Proposta de uma Sociedade de Decrescimento 77 Quadro 7: Matriz de Afinidade do Desenvolvimento Local com o Decrescimento 95 vii SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 8 1.1. Motivação 9 1.2. Objetivos 11 1.3. Metodologia 12 1.4. Limites do Trabalho 16 2. A ECONOMIA HEGEMÔNICA DO CRESCIMENTO 18 2.1. O Desenvolvimento Econômico 19 2.2. O Modelo do Fluxo Circular 24 2.3. O Crescimento Econômico 26 2.3.1. O crescimento no curto prazo: um olhar sobre produção, renda e demanda 27 2.3.2. O crescimento no longo prazo: a elaboração de teorias do crescimento 30 3. O CAMINHO DO DECRESCIMENTO COMO PERSPECTIVA ALTERNATIVA 37 3.1. Crítica Econômica do Decrescimento 39 3.1.1. Crítica aos Níveis de Consumo 40 3.1.2. Crítica aos Níveis de Produção 42 3.1.3. Crítica aos Níveis de Trabalho 45 3.2. Crítica Socioambiental do Decrescimento 49 3.2.1. Cultura do Consumo 49 3.2.2. Mantenedores da Sociedade de Consumo 53 3.2.2.1. A publicidade 53 3.2.2.2. O acesso ao crédito 56 3.2.2.3. A obsolescência programada 59 3.3. Direcionadores de Implementação 63 4. UMA ESCALA DO CRESCIMENTO AO DECRESCIMENTO 69 4.1. Definição dos Critérios de Intersecção 69 4.2. Hierarquização dos Critérios para Criação da Matriz de Avaliação 72 5. O DESENVOLVIMENTO LOCAL COMO ESTADO DE TRANSIÇÃO 79 5.1. Direcionadores para a Implementação do Desenvolvimento Local 81 5.2. O Papel dos Atores Envolvidos no Desenvolvimento Local 86 5.3. Um Olhar sobre Produção, Trabalho e Consumo 88 5.4. Avaliação de Afinidade com a Proposta da Sociedade de Decrescimento 91 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 98 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 100 1. INTRODUÇÃO Nos dias de hoje, o ato de consumir parece ser uma condição inerente à existência humana. Majoritariamente, o que define se um indivíduo está ou não à margem da sociedade é seu poder de compra, ou seja, aqueles que têm pouco ou nenhum poder de compra se tornam invisíveis perante os olhos dos poderes público e privado. Mais que isso, o consumo adquiriu um papel importante na construção da identidade. Todos os produtos, serviços e até mesmo as informações que se consomem hoje colaboram não só para a construção do perfil do indivíduo enquanto consumidor, mas principalmente para a construção de sua identidade enquanto ser humano. Observa-se hoje uma supervalorização dos bens de consumo, onde espera-se que eles cumpram não só suas funcionalidades básicas, mas que também sejam pensados para atender com exclusividade às necessidades humanas em todos os níveis, desde as fisiológicas até as realizações pessoais. Essa crença na satisfação de desejos a partir do consumo de produtos é falaciosa, uma vez que para essa promessa permanecer atraente e válida, desde a perspectiva dos consumidores, o desejo não pode ser satisfeito após a compra (BAUMAN, 2008). E é justamente por essa ser uma promessa inalcançável que o autor defende que a base para a expansão da economia na sociedade de consumo é o “ciclo do ‘compre, desfrute e jogue fora’.”. De maneira complementar, Campbell (2006) argumenta que o consumismo moderno, que sustenta a economia, é pautado no processo de querer e desejar, mais especificamente na habilidade dos indivíduos enquanto consumidores de exercitarem continuamente seu desejo por diferentes objetos de consumo. A partir de uma perspectiva socioambiental este é um modelo econômico insustentável no longo prazo. Do ponto de vista social, o poder de consumo por si só já é um fator gerador de desigualdade social. Segundo o relatório o Estado do Mundo (2010) publicado pelo World Watch Institute (WWI), os 7% mais ricos da população mundial na época eram responsáveis por 50% das emissões de carbono, sendo essa uma medida que reflete essencialmente seus hábitos de produção e consumo de bens e serviços. Além disso, observou-se nos últimos anos um 8 aumento acelerado no volume de consumo de informação e de tecnologia, juntamente com um aumento nos casos de ansiedade no mundo. Segundo relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2017, o Brasil lidera o ranking dos países com maior parcela da população que sofre de distúrbios de ansiedade, 9,3% da população brasileira. Em números absolutos, o país fica em 4º lugar, atrás apenas de Índia (1º), China (2º) e Estados Unidos (3º). Já do ponto de vista ambiental, o relatório “Os Limites do Crescimento” divulgado em 1972 por Donella Meadows e outros cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) utilizava modelos de simulação matemática para estimar que os recursos naturais do planeta se esgotariam em menos de 100 anos, caso a humanidade seguisse os padrões de consumo daquela época. Em 2020, a ONG internacional Global Footprint Network (GFN) calculou 22 de agosto do mesmo ano como o Dia de Sobrecarga da Terra, ou seja, a partir desse dia, inicia-se um déficit ambiental com o planeta, já que seriam consumidos mais recursos naturais do que o planeta é capaz de renovar em um ano. Diante disso, está dado um cenário no qual a base da expansão econômica da sociedade é o consumo. No entanto, segundo Cechin (2008), está claro que há uma limitação para a perpetuação desse ciclo de crescimento econômico “de um lado, limitado pela finitude de matérias-primas e energia e, de outro, pela capacidade restrita do planeta de processar os resíduos.”. Dessa forma, faz-se necessário um modelo de desenvolvimento econômico que inclua variáveis sociais e ambientais nas funções econômicas clássicas. Assim, a temática que este trabalho se propõe a analisar é a possibilidade de uma alternativa à sociedade de consumo com base no modelo econômico de desenvolvimento local, sob a luz das premissas da teoria do decrescimento econômico. 1.1. Motivação Este trabalho é reflexo principalmente de inúmeros questionamentos acumulados pela autora ao longo dos seus anos de formação em Engenharia de Produção. Como esse profissional se forma com diferentes competências de 9 otimização, de resolução de problemas, de observação de padrões e de criação de métodos, mas dificilmente discute o impacto de toda produtividade e de todo lucro conquistados no ecossistema social no qual os mercados estão inseridos? Mais ainda, como muitas vezes colocam a sociedade à serviço dos mercados e não o contrário? Durante as pesquisas de revisão bibliográfica iniciais para definição do tema do presente trabalho, observou-se que os artigos e teses que enxergavam um problema na manutenção da sociedade de consumo eram de autoria principalmente de cientistas sociais, de cientistas ambientais e, em menor escala, de economistas. Alguns poucos trabalhos encontrados de autoria de administradores ou de engenheiros de produção, tratavam o tema a partir da ótica da economia comportamental .1 Entretanto, acredita-se que uma mudança no comportamento de consumo do indivíduo não é suficiente para frear o ciclo insustentável da sociedade de consumo e mitigar suas consequências socioambientais. O discurso de que cabe ao indivíduo se redimir dos impactos ambientais gerados pelo seu consumo, a partir do consumo certo, dos produtos certos e das empresas certas, apenas corrobora para a construção social do conceito de “consumidor responsável” (FONTENELLE, 2017). Esse discurso do “consumidor responsável” é facilmente absorvido pela cultura de consumo e refletido em estratégias de marketing, uma vez que o problema segundo eles não está no quanto um indivíduo consome, mas sim no que ele consome. Por exemplo, em 2020, a agência de pesquisa de tendências de mercado Euromonitor International identificou um novo tipo de consumidor, o Empowered Activist em seu relatório de tendências anual.Esse tipo de consumidor, que já representa 12% dos consumidores no mundo, acredita que sua ação de consumo individual tem o poder de gerar uma mudança positiva no seu entorno. O que esse consumidor não percebe é que seu comportamento é apenas reflexo da cultura no qual está inserido e que esse “superpoder” de impactar a sociedade através da compra é uma exclusividade falaciosa de uma sociedade de consumo. 1 Segundo Mankiw (2015) a economia comportamental é um “novo campo de estudo, que introduz a psicologia na economia”, cujos estudiosos sugerem que “as decisões sobre consumo não são tomadas pelo Homo economicus ultra-racional, mas sim por seres humanos reais, cujo comportamento pode estar bem distante do racional.”. 10 A relevância deste trabalho reside para além do problema dado de manutenção dos padrões da sociedade de consumo. Estando principalmente atrelada à contribuição para a análise de alternativas de solução do problema a partir da ótica sistêmica e metodológica característica da formação em Engenharia de Produção. Enxergando que a cadeia de valor de qualquer organização produtiva não deveria encerrar na entrega de seu produto ou serviço ao consumidor, mas sim no impacto dos mesmos no tecido socioambiental no qual foram inseridos. 1.2. Objetivos O objetivo geral deste trabalho é analisar se experiências pautadas na lógica do desenvolvimento local são um caminho viável para contrapor a lógica do sistema econômico da sociedade de consumo, aproximando-se da proposta de uma sociedade de decrescimento. Para alcançar tal objetivo, alguns objetivos específicos se fizeram necessários. Inicialmente, foi preciso construir um alicerce teórico que embasasse tanto a construção de uma matriz avaliativa quanto a análise crítica final do trabalho. Enquanto o último critério visa contribuir para a avaliação de experiências pautadas no desenvolvimento local como caminho de transição entre uma sociedade de consumo e uma sociedade de decrescimento. São eles: ● Caracterizar o sistema econômico hegemônico, compreendendo seu fluxo circular de riqueza e seus pilares conceituais tais como crescimento, desenvolvimento, produção, consumo, trabalho, desemprego e renda; ● Apresentar o slogan do decrescimento econômico como oposição às2 premissas do sistema econômico hegemônico, compreendendo suas alternativas aos mesmos pilares citados anteriormente; ● Compreender as críticas do decrescimento econômico aos pilares de manutenção da sociedade de consumo: a publicidade, o acesso ao crédito e a obsolescência dos produtos; 2 O termo é utilizado por Latouche (2009) ao definir decrescimento como “slogan político com implicações teóricas.” 11 ● Eleger os critérios para análise de como determinada teoria ou experiência se encaixam num espectro entre a sociedade de consumo e a sociedade de decrescimento; ● Apresentar o conceito de desenvolvimento local como proposta prática de um modelo econômico intermediário entre os dois extremos teóricos analisados. 1.3. Metodologia Visando atingir os objetivos elucidados anteriormente, o presente trabalho é composto por uma pesquisa exploratória no que diz respeito aos conceitos-chaves do embasamento teórico. Tal pesquisa foi feita a partir da revisão bibliográfica de textos oriundos de diversas áreas do conhecimento, da economia à sociologia, buscando trazer uma visão o mais sistêmica possível do objeto de estudo. Num segundo momento, foram definidos critérios para analisar a teoria do desenvolvimento local com base nos principais pontos de divergência entre as teorias econômicas apresentadas. A escolha dos critérios decorreu da análise crítica da autora sobre os aspectos teóricos revisados, tomando como inspiração o arcabouço de critérios proposto por Cuvillier (2018) para análise de “comunidades locais que se propõem a viver de sua produção e com qualidade, inseridas no tecido econômico local, porém sem almejar um crescimento ilimitado e visando a se emancipar economicamente.”. Após a definição dos critérios notou-se a necessidade de estabelecer uma hierarquia de importância entre eles, uma vez que alguns por si só poderiam aproximar mais a experiência analisada de uma sociedade de decrescimento que outros. Além disso, o estabelecimento de uma mera ordenação dos critérios propostos não era suficiente, já que para compor a matriz avaliativa de afinidade entre determinada experiência e a sociedade de decrescimento era necessário atribuir pesos diferentes aos critérios mais importantes. Diante desse cenário, no qual era necessário fazer uma seleção comparativa e qualitativa dentre múltiplos critérios, notou-se uma similaridade entre o resultado esperado e a matriz intercritérios que compõe uma das etapas iniciais do método de 12 apoio à decisão multicritério Analytic Hierarchy Process (AHP). Tal método, criado na década de 70 por Saaty, e amplamente abordado na literatura de Gestão de Projetos, consiste na criação de um modelo que busca refletir o raciocínio humano diante de um problema complexo de tomada de decisão, tomando como base os julgamentos subjetivos dos decisores (SAATY, 1991 apud RIBEIRO et al., 2015). A aplicação do método AHP inicia-se com a definição de um objetivo e dos critérios de análise por parte do decisor. No caso do presente trabalho, o objetivo é “ser uma sociedade de decrescimento”. Uma vez definidos os critérios, monta-se uma matriz quadrada de ordem n, cujo valor é igual ao número de critérios elegidos, de modo que os critérios possam ser comparados pelos decisores, refletindo numericamente seus julgamentos e preferências, com base na escala de Saaty(1990) exposta no Quadro 1. A comparação é feita sempre avaliando a intensidade da importância do elemento i da linha com relação ao elemento j da coluna para alcançar o objetivo. Havendo duas regras básicas para o preenchimento numérico dessas avaliações: (1.1)𝑆𝑒 𝑖 = 𝑗, 𝑎 𝑖𝑗 = 1 (1.2)𝑆𝑒 𝑎 𝑖𝑗 = θ, 𝑎 𝑗𝑖 = 1θ Dessa forma, o resultado obtido será uma matriz recíproca com os elementos da diagonal principal iguais a 1. A seguir, calcula-se as médias geométricas dos elementos de cada linha i. Em seguida, normaliza-se os valores encontrados para a obtenção do autovetor final daquela matriz, dividindo a média geométrica de cada linha i pelo somatório das médias geométricas de todas as n linhas da matriz. Apesar de existirem na literatura diferentes cálculos matemáticos para a obtenção desse autovetor, Bajwa declara que a média geométrica mostrou-se o melhor deles (BAJWA et al., 2008 apud MORAIS, 2019) e Saaty complementa que para a utilização de tal cálculo ser válida é necessária apenas a normalização dos resultados obtidos (SAATY, 2008 apud MORAIS, 2019). 13 QUADRO 1 - ESCALA RELATIVA DE IMPORTÂNCIA DE SAATY Intensidade da Importância Definição Explicação 1 Mesma importância Os dois elementos comparados contribuemigualmente para o objetivo 3 Importância pequena deuma sobre a outra O elemento comparado é ligeiramente mais importante em relação ao outro. 5 Importância grande ouessencial A experiência e o julgamento favorecem fortemente o elemento em relação ao outro. 7 Importância muito grandeou demonstrada O elemento comparado é muito mais forte em relação ao outro e tal importância pode ser observada na prática. 9 Importância absoluta O elemento comparado possui o mais alto nível deevidência possível a seu favor. 2, 4, 6, 8 Valores intermediários entre os valores adjacentes Utilizados quando o decisor sentir dificuldade para escolher entre dois graus de importância adjacentes. Fonte: Adaptado de Saaty (1991 apud Ribeiro et al., 2015) Uma vez obtida a matriz de análise relativa intercritérios e calculado seu autovetor, é necessário calcular sua Razão de Consistência ( ). Tal parâmetro é𝑅𝐶 calculado para garantir que não houveram incongruências lógicas por parte do decisor na hora de atribuir seus valores de importância relativa. A Razão de Consistência é calculadaa partir da equação 1.3 através da razão entre o Índice de Consistência ( ) e o Índice Randômico de Saaty ( ), tendo que ser inferior a 10%𝐼𝐶 𝐼𝑅 para que a matriz seja considerada consistente. (1.3)𝑅𝐶 = 𝐼𝐶𝐼𝑅 O Índice de Consistência ( ), por sua vez, é calculado segundo a equação𝐼𝐶 1.4 a partir do autovalor máximo da matriz ( ) e da ordem da matriz. Em teoria oλ 𝑚á𝑥 𝑛 autovalor máximo de uma matriz de ordem seria igual a . No entanto, o que𝑛 𝑛 Saaty defende é que esse desvio entre o autovalor encontrado e a ordem da matriz serve como indicador para determinar a consistência dos julgamentos (SAATY, 1991 14 apud RIBEIRO et al., 2015). O cálculo do autovalor máximo ( ), por sua vez, éλ 𝑚á𝑥 dado pelo produto interno entre o autovetor de prioridades normalizado e o vetor com a soma total de cada coluna j da matriz. (1.4)𝐼𝐶 = λ 𝑚á𝑥 − 𝑛 𝑛 − 1 Já o Índice Randômico de Saaty ( ) é um valor pré-fixado segundo o Quadro𝐼𝑅 2 de acordo com a ordem da matriz intercritérios.𝑛 QUADRO 2 - ÍNDICES RANDÔMICOS DE CONSISTÊNCIA ALEATÓRIA n 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 IR 0.00 0.00 0.58 0.90 1.12 1.24 1.32 1.41 1.45 1.49 1.51 1.48 1.56 1.57 1.59 Fonte: Adaptado de Saaty (1991 apud Ribeiro et al., 2015) Assim, com essa primeira matriz intercritérios, o método AHP espera obter um autovetor que reflita o ranking dos critérios elegidos e seus respectivos pesos na tomada de decisão. Foi essa parte da metodologia AHP utilizada no presente trabalho. A metodologia completa ainda orienta uma segunda etapa na qual são definidas alternativas para atingir o objetivo, como por exemplo, projeto A, B e C. Uma vez definidas as alternativas, montam-se matrizes intra critérios nas quais o𝑛 número de linhas i e de colunas j são iguais ao número de alternativas a serem avaliadas. Assim como na primeira matriz, nessas matrizes intra critérios as alternativas devem ser comparadas segundo a escala de julgamento de Saaty, dando origem a uma matriz para avaliá-las individualmente em cada um dos critérios. Ao final, o método chega à resposta de qual alternativa é a melhor para atingir o objetivo, apoiando assim a tomada de decisão. No entanto, o presente trabalho almeja auxiliar na resposta de questões como o quanto determinada experiência se aproxima de um ideal da sociedade de decrescimento. E não propriamente numa escolha pela experiência que mais se aproxima do objetivo exposto, uma vez que a teoria do decrescimento defende que 15 cada experiência deve ter autonomia para determinar seu funcionamento. Dessa forma, a segunda parte do método AHP não tinha porquê ser utilizada. Por fim, pretende-se exemplificar como seria o uso dessa matriz na análise de afinidade entre a teoria do desenvolvimento local com a sociedade de decrescimento em si. Traçando, assim, uma análise do desenvolvimento local como alternativa viável à sociedade de consumo. 1.4. Limites do Trabalho Conforme dito inicialmente, o poder de consumo é por si só um fator gerador de desigualdade social, que colabora para a manutenção de relações de dominância não só entre países, como também dentro desses países. Assim, considerando que o plano de fundo base para o desenvolvimento deste trabalho é a sociedade de consumo, a primeira limitação clara da pesquisa é que referências a “consumidores” contemplam apenas parte da população que tem acesso ao consumo. Desde o ponto de vista sociológico, sabe-se que o conceito de sociedade abarca um conjunto de pessoas que compartilham o mesmo território, a mesma cultura e estão sob a gestão das mesmas instituições políticas e sociais (DE OLIVEIRA, 2010). Dessa forma, são consideradas sociedades de consumo todas aquelas sociedades que estão sob o regimento de um sistema hegemônico capitalista e compartilham de uma cultura globalizada do consumo. Por mais que as diferenças regionais, políticas e a cultura local sejam direcionadores específicos responsáveis por diferenciar as sociedades de consumo entre si, Lipovetsky (2009) define uma sociedade de consumo como sendo aquela centrada na expansão das necessidades dos seus indivíduos, ordenando sua produção e seu consumo em massa sob os pilares da obsolescência, da sedução e da diversificação de opções. Além disso, neste trabalho não se pretende exaurir as críticas à sociedade de consumo no âmbito teórico da sustentabilidade ambiental. Apesar de ser um tema de extrema importância e aparecer tangencialmente em algumas discussões ao longo do texto, não é um objetivo aprofundar tais conceitos. Este limite é reflexo principalmente de uma premissa exposta ao longo do trabalho de que esse é um 16 aspecto de maior consenso mesmo entre os defensores do crescimento econômico tradicional. 17 2. A ECONOMIA HEGEMÔNICA DO CRESCIMENTO A economia é um campo de estudo que se posiciona na fronteira entre as ciências sociais e as ciências exatas. Os economistas são aqueles que utilizam o método científico como ferramenta para o estudo da sociedade, mais especificamente, para o estudo de como a sociedade administra seus recursos escassos (MANKIW, 2016). No entanto, dada a dificuldade de se modelar quantitativamente os aspectos de sistemas complexos como as sociedades, a teoria econômica tradicional tende a classificar aspectos ambientais e sociais como externalidades negativas, ou seja, como meros efeitos colaterais de decisões tomadas no decorrer do fluxo contínuo de circulação de riquezas. Isso fica ainda mais evidente quando se estuda o sistema econômico capitalista, que historicamente se consolidou hegemônico na sociedade. Segundo Bresser-Pereira (2006), o capitalismo pode ser entendido como “um sistema econômico coordenado pelo mercado, no qual empresas e Estados-nação competem a nível mundial”, em que um dos objetivos dessa competição é o desenvolvimento econômico dos atores envolvidos. E um dos indicadores utilizados para acompanhar o desenvolvimento econômico de um país é a sua taxa de crescimento medida frequentemente através do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, é importante ressaltar que por mais que um crescimento econômico contribua para o desenvolvimento econômico da sociedade capitalista, nem todo cenário de desenvolvimento econômico impacta diretamente o desenvolvimento sociopolítico da região. Muitas vezes, a expansão da atividade econômica, apenas contribui para acentuar as desigualdades sociais através do aumento da concentração de renda do que para maximizar o bem-estar social. Logo, não se pode assumir a premissa de que o crescimento econômico sempre tem um efeito positivo sobre a qualidade de vida dos indivíduos. Ao longo da consolidação do sistema capitalista como hegemônico, os conceitos de crescimento econômico e de desenvolvimento econômico acabaram se misturando, e muitas vezes sendo utilizados como sinônimos pelo senso comum. Para Schumpeter (1997), o desenvolvimento econômico engloba apenas mudanças na vida econômica que tenham surgido pela própria iniciativa da esfera econômica. 18 Com isso, o autor exclui casos em que uma mudança nos indicadores econômicos está atrelada apenas a mudanças no entorno sociopolítico que acabaram por induzir uma adaptação econômica. O crescimento econômico, por sua vez, é entendido por Mankiw (2015) como uma melhora nos padrões de vida de determinada sociedade em termos materiais, devido a um aumento constante de renda individual que impulsiona um aumento nos índices de consumo. Frequentemente, termos como “qualidade de vida”, “padrões de vida”, “mudança de vida” e outras variações são encontrados em ambas definições. Em suma, ao desenvolvimento econômico cabe um aspecto mais qualitativo das mudanças na sociedade. Enquanto o crescimento econômico pode ser medido quantitativamente através de indicadores secundários como renda e consumo. Essa contextualização prévia é necessária para a compreensão da divisão conceitual adotada neste capítulo. Primeiramente, discute-se a busca pelo desenvolvimentoeconômico como um dos objetivos básicos da economia capitalista. Em seguida, busca-se compreender o funcionamento elementar dessa economia através do modelo tradicional do Fluxo Circular. E por fim, apresentam-se duas abordagens macroeconômicas para o crescimento econômico: uma de curto prazo com o cálculo do PIB e outra de longo prazo com a discussão sobre modelos de crescimento. 2.1. O Desenvolvimento Econômico Apesar do desenvolvimento ser o objetivo dos Estados-nação no sistema capitalista, é preciso pontuar que esse não é um objetivo que se finda uma vez alcançado. Os países já considerados desenvolvidos seguem em busca de fortalecer suas economias. Enquanto os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, por sua vez, buscam diferentes estratégias para atingir o padrão de vida e riqueza que os países desenvolvidos possuem hoje. Frequentemente, verifica-se uma categorização dos países de acordo com seu estágio nesse processo em: desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Segundo essa divisão, o que diferencia um estágio do outro são fatores como o grau de industrialização, valor do PIB e valor do Índice de 19 Desenvolvimento Humano (IDH) de cada país. Analisando tais fatores, percebe-se que eles são majoritariamente econômicos, inclusive o próprio IDH que é calculado em termos de PIB per capita, expectativa de vida (que em termos econômicos influencia em quanto tempo os indivíduos poderão vender sua força de trabalho) e acesso à educação (que em termos econômicos influencia na qualidade da mão de obra disponível). Como esse desenvolvimento almejado se baseia numa visão economicista, os aspectos social, ambiental e político são considerados secundários, ou seja, meros efeitos de uma melhora econômica. O princípio dessa visão já pode ser verificado desde a origem das teorias sobre desenvolvimento econômico. Por mais que algumas práticas embrionárias dessas teorias já pudessem ser observadas nas políticas mercantilistas dos países europeus até o século XVIII, é no período após a Segunda Guerra Mundial que o conceito ganha mais notoriedade. Isso porque o desenvolvimento econômico passa a ser entendido como um projeto político dos países industrializados (do Primeiro e do Segundo Mundo) para os países subdesenvolvidos do Terceiro Mundo (MARTINS, 2010). Assim, o conceito de desenvolvimento econômico para os países do Terceiro Mundo estava relacionado a um processo pautado no crescimento econômico, a partir do desenvolvimento industrial, que possibilitasse a incorporação dos padrões de vida dos países desenvolvidos. Entretanto, esse processo de desenvolvimento industrial acabou sendo um cenário de disputa entre os dois pólos econômicos da época, EUA e URSS, através de suas companhias transnacionais. Dessa forma, o projeto político por trás do desenvolvimento econômico beneficiava os países desenvolvidos que conseguiram baratear suas produções, transferindo a parte operacional do seu processo produtivo para países do Terceiro Mundo. No país de origem, eram mantidas apenas as matrizes das empresas que se ocupavam das decisões estratégicas e da idealização de inovações para o processo de produção. Com isso, a base do processo de desenvolvimento dos países desenvolvidos também era a partir do crescimento econômico que era obtido através da inclusão de inovações que poderiam ser de cunho tecnológico ou não nas suas atividades de produção. Schumpeter (1997) exemplifica cinco principais mudanças que podem ser consideradas exemplos de desenvolvimento econômico de um Estado-nação: a 20 introdução de um novo bem na economia, a abertura de um novo mercado, a introdução de um novo método de produção, a utilização de uma nova fonte de matérias-primas ou a reorganização de qualquer indústria existente (com criação de monopólios, por exemplo). Dessa forma, pode-se observar que as mudanças apresentadas como exemplos de desenvolvimento econômico pelo autor estão diretamente ligadas à capacidade produtiva e à capacidade de inovação das organizações, ou seja, elas surgem no âmbito da produção e não do consumo (NIEDERLE; RADOMSKY, 2016). Quando um novo bem é introduzido ou quando se abre um novo mercado, trata-se de exemplos da expansão da capacidade produtiva. Quando se introduz um novo método ou se utiliza uma nova fonte de matéria-prima, busca-se otimizar essa mesma capacidade. E, por fim, quando há a reorganização de uma indústria, em geral, busca-se definir quem serão os atores responsáveis por controlar a produção. Entretanto, como as teorias desenvolvimentistas foram estudadas à luz do cenário da Guerra Fria, pode-se observar que esse conceito de desenvolvimento pautado na inovação abrangia unicamente os países que já eram considerados “desenvolvidos” na época. Afinal, é um conceito que foca em melhorias nos processos produtivos já existentes com base na inovação tecnológica, ao passo que os demais países, em geral, ainda tinham a agricultura como atividade econômica majoritária ou estavam sediando as etapas menos desenvolvidas dos processos produtivos das transnacionais. Por isso, também era necessário uma teoria de desenvolvimento que pudesse ser aplicada aos países subdesenvolvidos. Na década de 60, Walt Whitman Rostow lançou nos EUA o livro Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não-comunista, no qual o autor propõe cinco estágios do desenvolvimento econômico, desde a sociedade baseada na economia agrícola até a sociedade baseada no consumo em massa. É interessante observar que o último estágio descrito por Rostow é exatamente a descrição da sociedade estadunidense naquela época, ou seja, uma sociedade na qual qualidade de vida se torna sinônimo de elevados níveis de consumo. 21 QUADRO 3 - OS CINCO ESTÁGIOS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Etapa 1 Sociedade Tradicional Etapa 2 Precondições para o Arranco Etapa 3 Arranco Etapa 4 Marcha para a Maturidade Etapa 5 Era do Consumo em Massa Funções de produção limitadas pela própria limitação científica e tecnológica da época. Mantém as características da sociedade tradicional, mas observa-se um dinamismo do comércio e a aplicação de novos métodos produtivos. As forças que contribuem para o progresso econômico se sobrepõem na sociedade e o desenvolvimento passa a ser condição normal. A economia demonstra aptidão técnica para produzir qualquer coisa que se decida. Os setores de consumo de bens duráveis e serviços passam a liderar a economia. Fonte: Elaboração própria com base em Rostow (1960, p.16-23) Os cinco estágios resumidos no Quadro 3, começam com a Sociedade Tradicional, que pode ser entendida como uma sociedade incapaz de produzir excedentes e, por sua vez, acumulação, tendo que viver com seus limites naturais sem perspectiva de ascensão econômica (NIEDERLE; RADOMSKY, 2016). O segundo estágio, das Precondições para o Arranco, é das fases mais importantes do processo, pois é ela que servirá como base para todas as demais. Nessa fase, observa-se um aumento da produtividade devido à divisão do trabalho e à incorporação do avanço tecnológico que contribui para alavancar o desenvolvimento econômico. Segundo Rostow (1960), é ainda nessa fase que a sociedade passa a acreditar na ideia do progresso econômico como algo possível e benéfico para diferentes fins como “dignidade nacional, o lucro privado, o bem-estar geral, ou uma vida melhor para os filhos”. Já o terceiro estágio é definido pelo Arranco, quando a sociedade ultrapassa barreiras tecnológicas, políticas, institucionais e passa a experimentar os primeiros indicadores de desenvolvimento, dentre os quais pode-se citar o processo de industrialização (NIEDERLE; RADOMSKY, 2016). Nesse estágio, há uma consolidação da “sociedade moderna” não só em termos econômicos, mas principalmente em termos sociais, devido a uma forte migração do setor rural para os centros urbanos. O quarto estágio é definido como a Marcha para a Maturidade que pode ser resumido como um estágio noqual a técnica disponível permite a produção de 22 qualquer bem. Rostow (1960) afirma que após a fase de Arranco, inicia-se um processo de busca pelo progresso contínuo à medida que há uma incorporação tecnológica na economia. Dessa forma, é possível observar uma evolução na habilidade econômica de produzir novos bens, antes importados, assim como de aumentar a variedade de produtos exportados. Por fim, o último estágio da Era do Consumo em Massa, é quando se verifica um aumento da renda real per capita, indicando que a sociedade de fato atingiu a maturidade. Com isso, os consumidores têm mais renda disponível para adquirir mais que apenas produtos que suprem suas necessidades básicas de alimentação, habitação e vestuário. Somado a isso, o aumento da produção e consequentemente dos trabalhadores nos centros urbanos, fez com que esse novo grupo também estivesse ávido por adquirir os benefícios provenientes do consumo possibilitados por uma economia amadurecida. O próprio Rostow (1960) ressalta que seu livro consiste em uma generalização em forma de um conjunto de etapas do desenvolvimento. Isto é, seu modelo de estágios pode explicar de forma genérica o processo histórico de desenvolvimento econômico das sociedades, mas sem se ater às especificidades de cada país. O principal ponto a ser destacado é que o autor parte da premissa de que todos os países que ainda não eram considerados desenvolvidos deveriam seguir o mesmo processo de desenvolvimento que foi observado no decorrer da história dos Estados Unidos. No entanto, ao final do quinto estágio, Rostow (1960) também afirma que é difícil fazer projeções acerca do futuro do desenvolvimento, uma vez que a sociedade norte-americana ainda não tinha um padrão distinto da fase anterior. Retomando o conceito de Bresser-Pereira (2006) de que os Estados-nação competiam entre si na sociedade capitalista visando os melhores índices de desenvolvimento, somado à proposta de caminho para o desenvolvimento de Rostow (1960), observa-se que essa competição já está praticamente perdida para os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Isto é, se todo o país em desenvolvimento tomar como base o processo pelo qual passaram as nações já desenvolvidas, eles estarão sempre considerando como “linha de chegada” um padrão de desenvolvimento naturalmente defasado. Uma vez que, deve-se 23 considerar que os países já desenvolvidos seguem inovando sua produção e desenvolvendo cada vez mais suas economias, enquanto os países subdesenvolvidos seguem pautando seu desenvolvimento no consumo e na réplica de inovações já obsoletas. 2.2. O Modelo do Fluxo Circular O diagrama do fluxo circular busca simplificar como a economia se organiza e como seus principais atores – empresas e famílias – interagem entre si, levando em conta atividades como produção, trabalho, venda e consumo. Para isso são considerados dois fluxos – um de insumos e mercadorias e outro de dinheiro – e também dois mercados nos quais ocorre essa interface entre empresas e famílias: os mercados de bens e serviços e os mercados de fatores de produção. FIGURA 1 - DIAGRAMA DO FLUXO CIRCULAR Fonte: Mankiw (2016, p. 24) Analisando o diagrama (Figura 1), observa-se primeiramente que as organizações familiares são as detentoras dos fatores de produção ao mesmo 24 tempo em que são consumidoras de bens e serviços. Dessa forma, o fluxo de insumos e mercadorias se inicia com famílias vendendo seus fatores de produção para as empresas no mercado de fatores de produção. As empresas, por sua vez, utilizam esses fatores de produção como insumos para produzir seus bens ou serviços, que serão vendidos às famílias no mercado de bens e serviços. Já o fluxo de dinheiro pode ser iniciado com as empresas que obtêm receita a partir da venda de seus bens ou serviços. Parte dessa receita é utilizada para pagar custos fixos tais como aluguéis e salários e a outra é equivalente ao lucro obtido. Dessa forma, tanto lucro, aluguel quanto salário são destinados a indivíduos que fazem parte de uma família e que irão gastar essa renda comprando novos bens ou consumindo novos serviços. Essa atividade dos indivíduos como consumidores gera receita para as empresas, fomentando assim a continuidade do ciclo. Esse é um fluxo simplificado que não contempla diretamente, por exemplo, relações comerciais entre empresas ou relações informais de troca entre famílias. No entanto, é o modelo que ainda serve como base para a medição do crescimento econômico e que melhor explica o fluxo majoritário de circulação de renda na sociedade. Ao longo dos anos, foram feitas releituras mais complexas desse modelo, conferindo maior destaque para o papel do governo e das instituições financeiras como agentes reguladores desse fluxo. É importante pontuar, no entanto, que independente da adição de novos atores, esse é um diagrama que se baseia numa visão limitada do ser humano, na qual o papel do indivíduo na economia se resume a: viver para trabalhar, trabalhar para comprar e comprar para sobreviver. Isso porque o fluxo toma como base a figura do Homo economicus, um protagonista idealizado que representa o papel dos seres humanos nas premissas econômicas. Esse indivíduo tem como característica fundamental agir de maneira sempre racional objetivando maximizar seus ganhos, seja como consumidor ou como empresário. Além disso, segundo a economista inglesa Kate Raworth defende no seu TEDx Why It’s Time for Doughnut Economics (Atenas, 2014), esse modelo tradicional contabiliza apenas o valor que a sociedade cria e que pode ser monetizado. Deixando de contabilizar todo o valor gerado em trocas colaborativas e 25 cooperativas entre indivíduos. Como exemplo, tem-se desde a troca de favores entre amigos até os códigos open source disponibilizados por programadores na internet. Em suma, apesar do modelo simplificar o fluxo de dinheiro, ele não considera a possibilidade de haver um fluxo de riqueza cujos valores não podem ser medidos em termos monetários. Assim, ele exclui não só a riqueza existente nos processos de cooperação e colaboração interpessoais, mas também o ganho que o indivíduo pode buscar fora desse mercado de bens e serviços, sem a necessidade de exercer seu papel de consumidor. Por mais que os exemplos variem de indivíduo para indivíduo e algumas empresas aleguem proporcionar tais ganhos, pode-se citar exemplos como autoconhecimento, desenvolvimento pessoal, estabilidade emocional, equilíbrio mental, criatividade, entre outros conceitos um pouco mais abstratos. Além disso, parece óbvio notar que esse não é um fluxo que está flutuando na sociedade, tal como os manuais de economia clássicos fazem parecer, mas sim que está completamente interligado com o ecossistema terrestre (RAWORTH, 2014). E ainda assim, é um fluxo que ignora completamente a origem e a finitude dos recursos naturais que sustentam seus processos produtivos, bem como o impacto dos subprodutos gerados, tais como poluição e dejetos, no entorno ambiental. O esforço recente por parte das empresas em desenvolver formas mais eficientes de explorar os recursos naturais ou de pensar na logística reversa para o reaproveitamento de embalagens que seriam descartadas, por exemplo, ainda não é suficiente para sustentar a coexistência desse fluxo econômico com o meio ambiente no longo prazo. 2.3. O Crescimento Econômico As perspectivas para abordagem macroeconômica do crescimento são muitas. Enquanto no curto prazo, os economistas tendem a se ater a uma fotografia do mercado de bens e serviços, analisando os indicadores do PIB para avaliar o crescimento, no longo prazo, são necessárias análises mais dinâmicas que descrevam como e quais mudanças ao longo do tempo são capazes de afetar o crescimento econômico de um país frente a outro. Afinal, as taxas de crescimento 26 fotografadas pelo PIB não são necessariamente constantes, e apesar de suas flutuações, o país pode se encaminhar para um estadode crescimento no longo prazo (JONES, 2000). Nesse contexto, os economistas passaram a se debruçar também sobre o estudo de teorias do crescimento econômico a partir do desenvolvimento de modelos mais complexos que visam explicar os fatores que contribuem para diferenças tão acentuadas de crescimento econômico entre diferentes países. 2.3.1. O crescimento no curto prazo: um olhar sobre produção, renda e demanda Quando se estuda o crescimento econômico no curto prazo, que para economia abrange um período em torno de um ano, busca-se entender as relações entre produção, renda e demanda. Pelo modelo do fluxo circular, pode-se inferir que dado um aumento na produção, em geral, são necessárias mais pessoas para produzir, maior investimento com o pagamento de salários e com isso há um aumento do volume de renda em circulação. Com o aumento da renda, espera-se que haja também um aumento na demanda por bens, uma vez que os indivíduos dispõem de mais dinheiro para gastar, o que estimula, por sua vez, um novo aumento na produção. Os economistas do século XIX que quisessem estudar todo esse fluxo, precisavam compilar informações dispersas de diferentes setores para entender o que acontecia na economia como um todo (BLANCHARD, 2011). Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que as contas de renda e produção nacional foram agregadas em termos de produto agregado e passaram a ser medidos através do PIB. Inúmeras definições desse indicador são encontradas na literatura econômica, mas de modo geral elas partem de uma ótica da produção para isso. Blanchard (2001), define PIB como a “soma dos valores adicionados na economia em um dado período”, entendendo que o valor adicionado por uma empresa é “o valor de sua produção menos o valor dos bens intermediários que ela utiliza na produção”. 27 Em termos matemáticos o PIB é calculado através da soma de consumo(𝑌) , investimento , gastos do governo e da diferença entre exportações e(𝐶) (𝐼) (𝐺) (𝑋) importações em dado período, segundo a equação 2.1.(𝐼𝑀) (2.1)𝑌 = 𝐶 + 𝐼 + 𝐺 + 𝑋 − 𝐼𝑀 Na variável de consumo são contabilizados o volume total de bens e serviços finais adquiridos pelos consumidores. O valor dessa variável é de longe o principal componente do valor final de , estima-se que no Brasil ele represente 65% do valor𝑌 total do PIB nacional . Na variável de investimento são consideradas todas aquelas3 compras feitas por empresas ou por consumidores que envolvam os serviços que esses bens irão possibilitar no futuro. São exemplos de investimento: a compra de fatores de produção como máquinas e instalações ou a compra de uma moradia. Na variável de gastos do governo são contabilizados todos os bens e serviços adquiridos por todas as instâncias governamentais, que geralmente passam a ser oferecidos à população de forma gratuita. Por fim, a diferença entre exportações e importações representa a balança comercial do país e contribui para o aumento do PIB à medida que o volume de produção exportado é maior que o volume de bens e serviços que não se pode produzir internamente. Dada a preponderância da variável de consumo para a medição do principal indicador de crescimento econômico, vale aprofundar a definição da função de consumo em si, que pode ser expressa em como uma função linear da renda(𝐶) disponível como destacado na equação 2.2:(𝑌 𝐷 ) (2.2)𝐶 = 𝐶 (𝑌 𝐷 ) = 𝑐 0 + 𝑐 1 (𝑌 𝐷 ) = 𝑐 0 + 𝑐 1 (𝑌 − 𝑇) A interpretação dessa função revela que todo indivíduo consome pelo menos um valor para suprir suas necessidades básicas, ainda que sua renda disponível 𝑐 0 seja nula. A partir do momento que esse indivíduo possui uma renda , a renda(𝑌) 3 Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/01/consumo-das- familias-brasileiras-tem-queda-historica-de-125-no-2-tri.htm&sa=D&ust=1605365040757000&usg=AO vVaw3NVqIdedxzifREuIXB5Vkh. Acesso em 7 nov. 2020. 28 disponível pode ser entendida como a renda menos os gastos com pagamento(𝑌 𝐷 ) de impostos ao governo . Além disso, a renda que determinado indivíduo dispõe(𝑇) irá se subdividir entre consumo e poupança. Assim, o parâmetro é definido pela𝑐 1 propensão a consumir de um indivíduo, ou seja, qual o percentual da renda disponível será utilizado para consumo. Analogamente, é definido como o(1 − 𝑐 1 ) percentual da renda destinado à poupança. Dessa forma, quanto maior a renda disponível, maior o nível de consumo de uma sociedade. Analisando a equação do PIB, por sua vez, observa-se que por mais que o indicador busque medir os níveis de produção e oferta de bens e serviços, a medição é feita sob a ótica da demanda considerando o consumo de indivíduos, empresas e governo. Isso reflete uma das premissas econômicas utilizadas neste modelo de que numa economia fechada em equilíbrio a produção é igual à4 (𝑌) demanda . Além disso, há uma segunda premissa de que produção e renda são(𝑍) idênticos, tanto que são expressos pela mesma variável (BLANCHARD, 2011).𝑌 Dessa forma, o crescimento econômico expresso pelo aumento do PIB, pode ser entendido como a passagem de um estado de equilíbrio entre produção e demanda (A, com renda Y) para um novo estado de equilíbrio A’ (com renda Y’’ > Y), como mostra a Figura 2. FIGURA 2 - EFEITOS DE UM AUMENTO NO GASTO SOBRE O PRODUTO Fonte: Blanchard (2001, p.46) 4 Economia fechada é uma simplificação do modelo que considera que uma economia não realiza trocas comerciais com outros países do mundo. Logo, a função do PIB assume X = IM = 0. 29 Essa passagem de um ponto de equilíbrio para outro inicia-se, segundo o exemplo de Blanchard (2001), pelo aumento do consumo em 1 bilhão u.m. sem que haja um aumento de renda, ou seja, através de um aumento de . Com isso, há um 𝑐 0 deslocamento da curva de demanda, passando do ponto A para o B. Dado esse aumento da demanda, a indústria precisa aumentar sua produção para suprir essa necessidade (ponto C). Com o aumento da produção, também verifica-se um aumento de renda, e logo um aumento incremental da demanda devido ao componente que desloca a economia para o ponto D. Esse ciclo de aumento𝑐 1 (𝑌 𝐷 ) de demanda, produção e renda segue, até que o novo ponto de equilíbrio A’’ é atingido. Por mais que as três variáveis apresentem uma dependência circular entre si, como será discutido com maior profundidade no próximo capítulo, historicamente verificou-se que foi o aumento de produção que justificou um estímulo na demanda. Isso porque a inserção de capacidade tecnológica nos processos produtivos possibilitou um incremento produtivo ainda maior que a demanda disponível. Com isso, houve um esforço para estimular essa demanda, seja através do estímulo publicitário, seja através do aumento da renda a partir do acesso ao crédito. 2.3.2. O crescimento no longo prazo: a elaboração de teorias do crescimento A visão estática do crescimento econômico a partir do aumento de renda, produção e demanda demonstrado pelo PIB não é suficiente para entender as diferentes jornadas de crescimento da economia de diferentes países. Além disso, sabe-se que os valores do PIB passam por diversas flutuações, nas quais um aumento gera um otimismo e expansão da economia, enquanto quedas no PIB geram um sentimento de pessimismo e recessão econômica. No entanto, quando avaliamos no longo prazo, diferentes décadas, essas flutuações são amenizadas e só se pode verificar uma tendência de crescimento única. Enquanto a perspectiva no curto prazo foca em como criar a demanda necessária para suportar o aumento da capacidade, o cerne das teorias de 30 crescimento é como estimular a oferta. Partindo da premissa da existência de uma demanda estável que consiga absorver toda produção de uma economia, a questão posta pelos teóricos do crescimento é justamente como aumentar a capacidade de produção no longo prazo (SIMONSEN, 2009). Um dos primeiros modelos criados foi o modelo independente de inspiração keynesiana de Harrod(1939) e Domar (1946). Tal modelo, que focava na compreensão dos ciclos econômicos de crescimento, também serviu como base para o surgimento do primeiro modelo de inspiração neoclássica, o modelo de Solow (1957) que tinha como foco entender a diferença de crescimento entre os países. O modelo de Harrod-Domar parte da função de produção ( ) mostrada na𝑌 equação 2.3, na qual , , são constantes positivas, representa a taxa de𝑣 𝑎 𝑚 𝑔 crescimento populacional, representa o estoque de capital, representa a força𝐾 𝑁 de trabalho e, representa o tempo.𝑡 (2.3)𝑌 = 𝑚𝑖𝑛 {𝑣−1𝐾; 𝑎𝑁𝑒(𝑔 +𝑚)𝑡} Essa função indica que a capacidade produtiva ou é limitada pelo estoque de capital disponível, ou pela quantidade de mão de obra disponível. O modelo assume uma premissa que em há um cenário de desemprego, ou seja, .𝑡 0 𝑎𝑁𝑒(𝑔 +𝑚)𝑡 > 𝑣−1𝐾 Logo, a função de produção será dada exclusivamente em termos de estoque de capital disponível. Assim, um aumento incremental nos níveis de produção, neste cenário, acarreta um aumento incremental nos estoques de capital: (2.4)∂𝑌∂𝑡 = 1 𝑣 · ∂𝐾 ∂𝑡 O modelo assume ainda uma simplificação de que todo estoque de capital não se deprecia, assim, todo o investimento ( ) realizado em uma economia gera(𝐾) 𝐼 um aumento incremental de . Sabendo que de toda renda disponível numa𝐾 sociedade, parte é direcionada para consumo e parte é direcionada para a poupança, a variável de investimento pode ser definida pela taxa de poupança de determinada sociedade ( ), através da equação:𝑠 31 (2.5)𝐼 = 𝑠𝑌 Ao substituirmos 2.5 em 2.4, a fórmula clássica de crescimento econômico do modelo de Harrod-Domar é obtida. Nela, a taxa de crescimento ( ) é expressa∂𝑌∂𝑡 · 1 𝑌 em termos da taxa de poupança de determinada sociedade e do custo de capital-produto incremental ( ), ou seja, o capital necessário para gerar um aumento𝑣 de 1 unidade de produto incremental. (2.6)∂𝑌∂𝑡 · 1 𝑌 = 𝑠 𝑣 A partir da equação do modelo, entende-se que o crescimento é tanto maior quanto maior for a taxa de poupança ou quanto menor for o custo de capital-produto incremental em determinado país. Dessa forma, todos os esforços da engenharia para o aumento da produtividade e concomitante redução dos custos, contribuem para o crescimento econômico ao reduzir o custo de capital-produto incremental. Assim como o aumento na taxa de poupança, seja do governo, das empresas ou da sociedade em geral também contribuem para o crescimento. No entanto, sob a ótica keynesiana, uma vez determinada a equação da taxa de crescimento real (2.6), Harrod observou que para uma economia crescer à pleno emprego era necessário que os fatores disponíveis de mão de obra e de estoque de capital fossem equivalentes ( ). Para tanto, existe apenas uma taxa𝑎𝑁𝑒(𝑔 +𝑚)𝑡 = 𝑣−1𝐾 de crescimento que assegura que ambas parcelas sejam iguais, fato que o próprio Harrod considerou uma coincidência altamente improvável (SIMONSEN, 2009). Supondo que em os tomadores de decisão resolvessem investir o𝑡 −1 suficiente para gerar um crescimento em , mas a economia na verdade cresceu𝐺 𝑊 𝑡 0 à uma taxa . Se , os tomadores de decisão são induzidos a reduzir os𝐺 𝐴 𝐺 𝐴 < 𝐺 𝑊 investimentos no período seguinte , provocando uma taxa de crescimento real𝑡 1 (𝐺 𝐴 ) ainda menor. Caso contrário, se , há um sentimento geral de otimismo por𝐺 𝐴 > 𝐺 𝑊 parte dos investidores que decidem investir mais no período seguinte, contribuindo 32 para taxas reais de crescimento maiores. Essas oscilações constituem o que é conhecido como “fio de navalha” de Harrod, no qual a economia capitalista alterna sempre em ciclos econômicos de recessão e expansão, não havendo nenhum mecanismo que garanta , e portanto, um cenário de crescimento à pleno𝐺 𝐴 = 𝐺 𝑊 emprego. Apesar de correntes econômicas distintas, o modelo de Harrod-Domar serviu como base para os modelos neoclássicos de crescimento econômico de Solow (1956 e 1957). A diferença entre os dois modelos é que em 1957, Solow incluiu o progresso tecnológico na função de produção, como coeficiente amplificador da(𝐴) capacidade da força de trabalho. Como o segundo modelo é mais completo e o primeiro modelo acaba sendo um caso específico dele quando , optou-se por𝐴 = 1 descrever a seguir o modelo de crescimento de Solow com tecnologia. No contexto pós Segunda Guerra Mundial, o modelo de Solow buscava entender não só as diferentes taxas de crescimento entre países, mas principalmente sustentar a ideia de que era possível um crescimento permanente e estável no longo prazo, sem que houvesse a necessidade de uma intervenção estatal na economia (SILVA, 2020). Assim, a função de produção de Solow é(𝑌) uma função do tipo Cobb-Douglas que permite a substituição de capital pela(𝐾) força de trabalho . Além disso, tal função também produz retornos constantes de(𝐿) escala, isto é, com o aumento de qualquer um dos fatores , há um aumento(𝐾, 𝐴, 𝐿) proporcional na produção, uma vez que é uma constante entre 0 e 1.𝑎 (2.7)𝑌 = 𝐾𝑎 (𝐴𝐿) 1−𝑎 O pressuposto de retornos constantes de escala implica que o tamanho da economia (tendo como base o tamanho da força de trabalho) não afeta a relação entre produção por trabalhador efetivo e capital por trabalhador efetivo(𝑦) (𝑘) (MANKIW, 2015). Dessa forma, o modelo será desenvolvido a partir da função de produto por trabalhador (Equação 2.8), obtida através da divisão da equação 2.7 pela unidade eficiente de trabalho .(𝐴𝐿) 33 (2.8)𝑦 = 𝑓(𝑘) = 𝑘𝑎 Além disso, no modelo de Solow, o capital incremental por trabalhador efetivo leva em conta também a depreciação desse estoque de capital , a taxa de(∆𝑘) (𝑑) crescimento da força de trabalho e a taxa de crescimento da tecnologia .(𝑛) (𝑔) Tanto a depreciação dos equipamentos e ferramentas produtivas, quanto o aumento da força de trabalho e da tecnologia acabam contribuindo para diminuir o estoque de capital por trabalhador efetivo. (2.9)∆𝑘 = 𝑠. ∆𝑦 − (𝑛 + 𝑔 + 𝑑)𝑘 A compreensão do modelo de Solow é facilitada pelo diagrama que isola essas duas funções contidas na fórmula do capital incremental por trabalhador efetivo . Nele, o autor defende, que toda economia tende a um estado(∆𝑘) estacionário , que propicia uma taxa de crescimento estável. Assim, uma(∆𝑘 = 0) economia que apresenta a curva de investimento maior que a curva de(𝑠. ∆𝑦) depreciação , se encontra num processo de acumulação de capital( (𝑛 + 𝑔 + 𝑑)𝑘 ) por trabalhador efetivo que tende ao estado estacionário . Por outro lado, quando(𝑘*) a curva de depreciação é maior que a curva de investimento quer dizer que não há investimento suficiente para manter o estoque de capital já existente, logo a curva de depreciação tende a retomar ao estado estacionário .(𝑘*) 34 FIGURA 3 - DIAGRAMA DE SOLOW COM PROGRESSO TECNOLÓGICO Fonte: Jones (2000) A partir do modelo da Figura 3, também podemos ampliar a análise para entender as macro variáveis que não são dadas diretamente pela razão por trabalhador efetivo. Por exemplo, a função de produção total da economia equivalente a . Sabe-se que no estado estacionário, a quantidade𝑌 = 𝐾𝑎 (𝐴𝐿) 1−𝑎 de capital disponível não se altera. Logo, o crescimento econômico no estado estacionário aumenta apenas conforme a taxa de progresso tecnológico ( que𝑔 influencia o valor de ) e a taxa de crescimento populacional ( que influencia o𝐴 𝑛 valor de ). Como existe um claro limitante no crescimento infinito da força de𝐿 trabalho, Mankiw (2008) conclui que no modelo de Solow, apenas o progresso tecnológico consegue explicar o crescimento sustentável de dada economia no longo prazo. Dessa forma, o modelo de Solow é capaz de explicar por exemplo a diferença de renda entre países ricos e pobres. De acordo com o modelo, países mais ricos investem mais em tecnologia e tendem a ter menores taxas de crescimento populacional, o que faz com que eles apresentem maiores níveis de capitalpor trabalhador eficiente, logo seu estado estacionário atinge um nível de renda(𝑘*) mais alto. Além disso, o modelo mostra que os países que apresentam altas taxas de crescimento no longo prazo é porque investiram em avanço tecnológico e qualificação da força de trabalho para sustentar tal crescimento (JONES, 2000). Observando ambos modelos, o primeiro de Harrod-Domar consegue captar que o crescimento econômico estável no longo prazo não consegue manter toda força de trabalho ocupada no fluxo produtivo. De acordo com ele, o crescimento 35 econômico não só alterna ciclos de expansão e recessão econômica, como tende a manter sempre uma parcela da população desempregada. Além disso, o modelo é focado principalmente nas taxas de poupança, que geralmente é menor nos países em desenvolvimento (seja pelas dívidas do governo ou por hábito da população). Já o modelo de Solow, cumpre seu papel no contexto socioeconômico no qual estava inserido de demonstrar que o crescimento econômico não só deveria como poderia ser sustentado no longo prazo. Para isso, é necessário um investimento em tecnologia que contribua para o aumento da eficiência da força de trabalho e um maior crescimento da produção. Novamente, assim como discutido sobre as teorias de desenvolvimento, um modelo de crescimento pautado na tecnologia e na inovação é praticamente um modelo perdido para os países subdesenvolvidos. Primeiro porque esses países tendem a importar tecnologias já consolidadas e eventualmente obsoletas dos países desenvolvidos. Além disso, nem sempre encontra-se mão de obra suficientemente qualificada para trabalhar com elas, o que acaba sendo ineficiente no sentido de amplificar a produtividade da força de trabalho. Somado às questões de qualificação da mão de obra, os países em desenvolvimento estão em um estágio de transição demográfica no qual o crescimento populacional ainda é acelerado, o que dificulta a acumulação de um maior capital por trabalhador eficiente. Fazendo com que suas economias tendam a um estágio estacionário de menor renda.(𝑘*) 36 3. O CAMINHO DO DECRESCIMENTO COMO PERSPECTIVA ALTERNATIVA A ideia de decrescimento teve seu início na França por volta de 1972 quando a palavra décroissance foi utilizada por André Gorz ao questionar o relatório “Os Limites do Crescimento”, duvidando que a manutenção do equilíbrio do planeta era compatível com o sistema capitalista. Esse início das ideias sobre decrescimento coincide com o período da crise do petróleo e com o período de recessão econômica dos países europeus, que logo encontraram saída nas propostas neoliberais (KALLIS; DEMARIA; D'ALISA, 2015). A partir do final dos anos 1990, o decrescimento rompe as fronteiras francesas e passa a ganhar força também na Itália e na Espanha. Surge uma nova onda de discussões sobre o tema, agora movidas principalmente por uma crítica à noção dominante de “desenvolvimento sustentável” (KALLIS; DEMARIA; D'ALISA, 2015). Isso porque o desenvolvimento sustentável tal como defendido na atualidade é um mito, já que tem a pretensão de ser ecológico, mas segue tendo como base a premissa de desenvolvimento a partir de um forte crescimento econômico (LATOUCHE, 2010). O contexto das propostas do decrescimento está intimamente ligado a uma percepção da insustentabilidade ambiental do desenvolvimento econômico catalisado pelo crescimento econômico devido à finitude dos recursos naturais do planeta. Somado a isso, há uma crítica cultural de que a sociedade de crescimento provoca uma “destrucción antropológica de los seres humanos transformados en animales productores y consumidores” (CASTORIADIS, 2005 apud LATOUCHE, 2010). Essa crítica reforça o papel do ser humano na sociedade de consumo que é movimentar a economia através do exercício da sua função de consumidor. Dessa forma, para os teóricos do decrescimento, a causa dessas questões socioambientais reside nas próprias premissas que baseiam a economia capitalista. Assim, Latouche (2009) apresenta o decrescimento como um slogan político, cujo principal objetivo é enfatizar o abandono do crescimento pelo crescimento, que na realidade tem como único motor a busca pelo lucro daqueles que já detêm capital. O autor ainda ratifica que seu objetivo não é preconizar o decrescimento pelo decrescimento, nem tampouco defender decrescimento como sinônimo de 37 crescimento negativo. Afinal, isso provocaria um caos numa sociedade orientada ao crescimento, por meio do aumento das incertezas, das taxas de desemprego e de uma piora na qualidade de vida. É preciso salientar que o decrescimento é um caminho alternativo pensado e escolhido em prol de uma sociedade centrada na pessoa humana. Obviamente, essa mudança acarretará uma retração do valor do PIB, mas isso já não é de suma relevância uma vez que esse indicador de crescimento não é mais um objetivo a ser perseguido, e sim objetivos como bem-estar, sustentabilidade ambiental e justiça social (CUVILLIER, 2018). Ao romper com a sociedade de crescimento, Latouche (2010) reafirma que isso não é buscar um crescimento alternativo ou uma economia alternativa, mas sim sair da economia e de seus fetiches conceituais de progresso, crescimento e desenvolvimento. Isso implica romper também com esses conceitos no imaginário coletivo, sair da crença no Homo economicus e pensar os seres humanos como algo mais que apenas um ser racional e calculista (LATOUCHE, 2010). É preciso acreditar que a construção de um novo mundo é possível, no qual existam outras razões para a vida humana além de exercer seu personagem de consumidor e contribuir para a mera expansão da produção e do consumo (LATOUCHE, 2011 apud CUVILLIER, 2018). No entanto, é difícil imaginar a viabilidade desse discurso numa sociedade de crescimento. Por isso, para a aplicação do slogan do decrescimento é necessário conceber também uma sociedade de decrescimento que tenha como base outras premissas não economicistas. A seguir, a crítica do decrescimento é segmentada entre uma crítica à economia de crescimento hegemônica e uma crítica aos padrões socioambientais da sociedade de consumo. Para isso, serão abordados conceitos-chave como produtivismo, consumismo e níveis de trabalho. Além da própria sociedade de consumo e seus propulsores: a publicidade, o crédito e a obsolescência programada. Por fim, busca-se apresentar os caminhos teóricos propostos para a construção dessa nova sociedade de decrescimento. 38 3.1. Crítica Econômica do Decrescimento A crítica econômica do decrescimento concentra o principal ponto de discordância no foco do crescimento ilimitado. Entretanto, o aspecto econômico é prontamente apontado como causa da insatisfação socioambiental e rechaçado enquanto alternativa, uma vez que a proposta é de uma saída da economia. Dessa forma, observa-se em Latouche (2009, 2010) que não há tanto esforço em esgotar uma crítica econômica, mas sim em reafirmar as insatisfações socioambientais. Visando embasar tal relação de causa e consequência entre as insatisfações socioambientais e a economia, Rist (2012) apresenta cinco argumentos fundamentais. O primeiro diz respeito à crença de que a economia inclui absolutamente tudo, quando na verdade a lista de excluídos contempla tudo aquilo que é gratuito, todas as trocas baseadas em vínculos sociais, a destruição da camada de ozônio, perda da biodiversidade e inclusive exclusão social. Se considerarmos o cálculo do PIB, é interessante observar que a poluição ambiental contribui duas vezes para o crescimento do indicador: tanto pelo faturamento de empresas que negligenciam as leis ambientais, como pelo faturamento daquelas cuja atividade fim é amenizar o dano ambiental causado pela primeira (BREGMAN, 2018). Em contrapartida, uma floresta com séculos de existência só é contabilizada a partir do momento em que é vendida como madeira e lenha, por exemplo (COBB; HALSTEAD; ROWE, 1995 apud BREGMAN, 2018). O segundo diz respeito à visão reducionistado Homo Economicus, que não apresenta diferenças socioculturais e que pode adotar atitudes egoístas a fim de maximizar constantemente seu próprio bem-estar. Frente ao caos socioambiental da sociedade de crescimento, esse argumento mais que criticar a tradicional indiferença a tais questões pela economia tradicional, ele reforça a ideia de que o ser humano tem potencial para agir de uma maneira distinta, mais generosa, empática e emocional. O terceiro mostra como a teoria neoclássica inverteu totalmente a noção de “utilidade” que os indivíduos buscam maximizar na visão economicista. Outrora “útil” era tido como antônimo daquilo que é fútil ou supérfluo. Agora, “útil” é tudo aquilo que pode ser desejável e que alguma pessoa está disposta a pagar pelo seu preço. 39 Logo, o que o Homo Economicus busca maximizar não é de fato sua função de utilidade, mas sim seu poder de compra. O quarto critica o fato da economia funcionar como um sistema fechado, como visto anteriormente no diagrama do fluxo circular. Dessa forma, esse sistema ignora o recebimento de recursos naturais como insumos a serem degradados no processo produtivo, da mesma forma que ignora os resíduos gerados em forma de lixo e poluição por esse fluxo produtivo. Por fim, o quinto argumento critica o fato da economia reduzir todos os bens a um equivalente monetário, colocando num mesmo patamar tanto bens renováveis quanto não renováveis. Além desses pontos, outro aspecto que frequentemente aparece nas críticas econômicas é uma crítica ao modelo de desenvolvimento econômico, pautada principalmente no fracasso que esse projeto teve nos países do Terceiro Mundo. Segundo Cuvillier (2018), nos países em desenvolvimento, “‘crescer tem um sentido mítico civilizatório’ e é difícil propor outro caminho a não ser o do crescimento para visar a evolução”. Observando o caso do Brasil, por exemplo, independente das orientações políticas dos governantes, foram defendidas sempre políticas desenvolvimentistas pautadas no crescimento e amparadas pelo lema positivista nacional de Ordem e Progresso (CUVILLIER, 2018). No entanto, por mais incorporado que esse conceito esteja nas sociedades dos países em desenvolvimento, ele não é posto como um entrave eterno que inviabilize a aplicabilidade das pautas do decrescimento nesses países. Isso porque o decrescimento, conforme aponta Latouche (2010), não é uma alternativa em si, mas sim um leque de alternativas uma vez que essas devem ser condizentes com a realidade social, política, cultural e ambiental, respeitando a autonomia de cada país. 3.1.1. Crítica aos Níveis de Consumo A crítica do decrescimento ao consumismo é preponderantemente socioambiental. No âmbito econômico, a principal crítica reside no fato da economia hegemônica se sustentar a partir de um ciclo de consumo e descarte cada vez mais acelerado, justificado sob os ideais de crescimento econômico em prol de um bem-estar social que nem sempre é observado na prática. Com isso, a crítica aos 40 níveis de consumo figura como uma alternativa para frear esse avanço econômico e iniciar um processo de saída da economia rumo à construção de uma nova sociedade. À medida que a economia cresce, o volume de circulação de riquezas aumenta, a sociedade se torna mais rica, podendo haver um aumento dos níveis de consumo. Desde o ponto de vista do indivíduo, a cultura de consumo faz com que a satisfação de desejos não seja plenamente atendida no momento da compra, mantendo assim o ciclo de consumo em pleno funcionamento e uma sociedade permanentemente insatisfeita e frustrada. Dessa forma, o crescimento da economia pode até contribuir para um aumento na qualidade de vida no curto prazo, mas não sustenta um aumento do bem-estar dos indivíduos no longo prazo. Frequentemente, o que se observa é a expansão econômica mercantilizando cada vez mais espaços da vida privada, degradando as relações interpessoais e acarretando em consequências negativas para o bem-estar dos indivíduos enquanto seres sociais (D’ALISA; DERIU; DEMARIA, 2018). Assim, os impactos econômicos dessa proposta de redução do consumo no curto prazo implicam numa diminuição do PIB, o que para uma sociedade de consumo é sinônimo de períodos de pessimismo por parte dos investidores, de recessão econômica, aumento do desemprego e diminuição da renda média social. Tal efeito primário, sob a perspectiva do decrescimento não é tão grave, uma vez que o decrescimento pressupõe uma sociedade na qual o crescimento econômico não é um objetivo a ser perseguido. Além disso, o excesso de renda por parte da população também é considerado como algo negativo, pois atua como um reforço positivo dos ciclos de consumo, já que assumindo uma taxa de poupança constante, com mais renda disponível, as pessoas compram mais. Já no longo prazo, analisando apenas a consistência da proposta sob a ótica dos modelos de crescimento, caso a renda disponível e tudo mais se mantivesse constante, uma redução do consumo significaria um aumento das taxas de poupança e consequentemente das taxas de crescimento. Entretanto, como discutido acima, uma redução nos níveis de consumo não apresenta efeitos isolados, logo o mais provável é que ocorra uma redução da renda média de imediato. Dessa forma, entende-se que uma redução inicial nos níveis de consumo, 41 reduziria a riqueza disponível na sociedade, configurando assim um reforço negativo para o início de novos ciclos de consumo e descarte, conforme o objetivo do decrescimento. 3.1.2. Crítica aos Níveis de Produção Numa sociedade na qual o lucro está acima de qualquer coisa, é frequente ouvir a máxima de que “tempo é dinheiro”. Quando levada ao contexto empresarial, isso implica numa busca incessante pela produtividade não só dos funcionários, mas também dos processos como um todo. Tal pensamento, sob a perspectiva da gestão empresarial, remonta principalmente aos estudos da Administração Científica de Taylor, na década de 1910. Neles, Taylor (1995) buscava encontrar o melhor método para realizar determinada tarefa através da aplicação de método científico. O funcionário mais eficiente era selecionado, e posteriormente treinado para realizar a tarefa no menor tempo possível, com a menor taxa de erro. Com isso, Taylor (1995) acreditava ser possível reduzir as ineficiências do processo produtivo e obter mais resultados que o sistema tradicional de iniciativa e incentivos individuais. Atualmente, ainda se observa nas práticas de gestão dos mais diferentes tipos de empresas a busca constante pelo aumento da produtividade, ou seja, produzir mais utilizando os mesmos recursos. Tal busca por ser o funcionário mais produtivo pode fomentar um clima competitivo dentro das organizações, que é um valor conflitante com a proposta colaborativa do decrescimento. Mais que isso, numa perspectiva individual, essa perseguição pela produtividade acaba sendo extrapolada para a vida pessoal, na qual a pessoa quer ser produtiva durante todo o seu tempo. Com isso, é possível observar cada vez mais o aumento dos mercados fast: fast fashion, fast food e fast furniture, etc. totalmente compatíveis com o estilo de vida produtivista do mundo moderno, mas ambientalmente incompatíveis com uma sociedade de decrescimento e com a capacidade do planeta. Já numa perspectiva social, a perseguição produtivista sob uma lógica de maximização do lucro contribui também para: longas jornadas de trabalho não remuneradas, más condições de trabalho e inclusive um desgaste psicológico dos 42 trabalhadores que são cobrados para atingir metas inalcançáveis. Isso sem mencionar que ainda hoje muitas pessoas ainda são remuneradas segundo uma lógica baseada na produtividade, fomentando ainda mais a competição entre funcionários e contribuindo para um desgaste psicológico de cada um. Sob a lógica da economia capitalista, pensar numa redução do volume de produção seria o equivalente a pensar numa redução também de receita e demissões emmassa, para que as empresas conseguissem manter financeiramente suas margens. Com mais pessoas desempregadas, a renda média disponível na sociedade também diminuiria. Por outro lado, é importante destacar que mesmo no contexto capitalista, a busca contínua por produtividade contribui também para uma prática recorrente de incorporação de tecnologia nos processos produtivos. Por mais que o modelo de crescimento de Solow aponte a tecnologia como fator que sustenta o crescimento no longo prazo, muitas vezes o que se observa, no curto prazo, é que o ganho produtivo decorrente da incorporação tecnológica é tanto que acaba por substituir alguns postos de trabalho, aumentando as taxas de desemprego estrutural. No entanto, a crítica do decrescimento não se estende de maneira irrestrita a todo tipo de tecnologia como fonte de produtividade. Seu enfoque é maior no monopólio tecnológico dos países desenvolvidos, que exportam suas tecnologias como produtos sem adaptá-las às realidades regionais, e também na retroalimentação do sistema tecnológico, cujos avanços têm como propósito seu próprio benefício (D’ALISA; KALLIS, 2018). Como exemplo do segundo ponto pode-se citar o avanço tecnológico entre dois modelos de celulares consecutivos, em geral, não tem como objetivo primário melhorar a experiência do usuário, mas sim justificar um aumento no preço para maximizar a receita da empresa. Além disso, os teóricos do decrescimento ao tecer críticas sobre as tecnologias fazem uma nítida distinção entre aquelas baseadas em matrizes renováveis versus aquelas baseadas em matrizes fósseis que são as mais criticadas por todo impacto nocivo ao meio ambiente. Observando a proposta de redução da produção no curto prazo, é possível analisar, a partir do gráfico da Figura 4, os impactos sob a ótica da economia tradicional. Uma redução da produção graficamente seria uma migração ao longo da 43 reta Y no sentido de um estado A’ (maior renda) para um estado A (menor renda). A economia tradicional assumiria como premissa que a demanda se mantém constante ao longo da reta ZZ’. Logo, essa escassez de oferta no estado de menor renda poderia tanto justificar um novo aumento de produção ou até a entrada de novos competidores no segmento de mercado para suprir essa demanda ociosa. No entanto, como o decrescimento pressupõe também uma redução da curva de demanda, a partir da redução do consumo, é provável que a economia tenda a se manter estável no ponto A. FIGURA 4 - EFEITOS DA REDUÇÃO DA PRODUÇÃO SOBRE O PRODUTO Fonte: Elaboração própria Como discutido na seção 3.1.1, essa redução de renda, do ponto de vista da sociedade de decrescimento, não é tida como algo ruim. Primeiro, porque o decrescimento enxerga o excesso de renda como algo negativo, já que incentiva novos ciclos de consumo. Não só isso, como a má distribuição de renda também é vista como um fator que contribui para a desigualdade social. Por isso, para o decrescimento é preferível uma sociedade com menor renda, porém melhor distribuída, a uma sociedade com uma alta renda limitada apenas a um grupo. Além disso, sabe-se que o dinheiro até certo ponto é capaz de trazer felicidade para o indivíduo, mas depois da renda necessária para satisfazer as necessidades materiais básicas, uma renda extra não contribui para a melhoria no bem-estar (KALLIS; DEMARIA; D'ALISA, 2018). Para alguns autores, no entanto, é 44 responsabilidade governamental garantir que toda pessoa tenha acesso ao que eles chamam de renda básica. Tal proposta de projeto será melhor abordada na seção 3.1.3 quando os efeitos decorrentes do desemprego forem explorados. Dessa forma, a crítica do decrescimento ao produtivismo não é apenas uma crítica ao seu efeito primário de aumento da produção como desencadeador dos ciclos de consumo, mas principalmente à incompatibilidade socioambiental desse estilo de vida numa sociedade de decrescimento. Nela, espera-se uma escala de produção que seja primordialmente local, suprindo as demandas num escopo reduzido, e que a busca por produtividade seja uma busca por melhorar as condições de trabalho e por construir uma lógica de produção ambientalmente sustentável. 3.1.3. Crítica aos Níveis de Trabalho A venda da força de trabalho dos indivíduos para as empresas ainda é a principal fonte de obtenção de riqueza por parte desses indivíduos. Tal riqueza é o que permite um trabalhador exercer seu papel de consumidor na sociedade de consumo. Esse fluxo de circulação de riqueza é bem descrito a partir do ponto de vista do indivíduo por Cacciari (2006 apud LATOUCHE, 2009) quando ele afirma que “A vida do trabalhador geralmente se reduz à vida de um “biodigestor que metaboliza o salário com as mercadorias, transitando da fábrica para o hipermercado e do hipermercado para a fábrica”. Nitidamente, o cenário da fábrica pode ser substituído por todo tipo de escritório ou serviço e o hipermercado pode ser substituído pelos shoppings centers e até mesmo pelos e-commerces. De toda forma, independente do cenário, como todo o entorno cultural da sociedade de consumo defende que o indivíduo deve exercer seu papel de consumidor, este por sua vez passa a buscar a maximização de seus insumos. Assim, é recorrente encontrar indivíduos que trabalhem mais do que as horas contratadas em busca de aumentar seus salários através da remuneração variável de horas extras, ou ainda para demonstrar aptidão para pleitear um aumento definitivo de salário. 45 Analisando a proposta do decrescimento de redução dos níveis de produção e consumo sob a ótica do fluxo circular da economia, percebe-se que também será necessária uma redução do trabalho. Para Latouche (2009), essa redução deve ser feita em termos de jornada de trabalho com a adoção de pisos salariais mínimos. Por exemplo, uma fábrica que necessitava de 1.000 horas de trabalho semanais para atender a um nível de produção consumista, agora necessita apenas de 500 horas. Nesse caso, o defendido por Latouche (2009) é que haja também uma redução de 50% na jornada de trabalho e que o salário se mantenha ou diminua sem que atinja um valor abaixo de um mínimo digno para sobrevivência na sociedade. Os defensores do decrescimento também tendem a apoiar essa redução da jornada de trabalho pelos seus benefícios socioambientais. Países que possuem jornadas de trabalho mais curtas, têm menor pegada ecológica e menores níveis de emissão de carbono (SCHOR, 2018). Além disso, com mais tempo livre, os indivíduos podem optar por estilos de vida mais sustentáveis, o que geralmente abrange atividades que demandam mais tempo. Tomando como exemplo o caso dos meios de transporte, quanto mais rápido se vai de um lugar a outro, maior é o consumo de carbono. Dessa forma, os defensores do decrescimento também acreditam que tais mudanças no estilo de vida serão capazes de retroalimentar o sistema econômico com novas formas de consumo mais sustentáveis e novos modelos de produção. É comum que pelo menos dois obstáculos se apresentem a tal proposta. O primeiro é a disposição dos empresários em minimizar seus lucros uma vez que se venderá o mesmo, se produzirá menos e os custos fixos com salários serão mantidos. Decorrente disso, espera-se que haja um aumento no desemprego, fora uma dificuldade de absorção da mão de obra que já está desempregada, devido a uma menor disponibilidade de postos de trabalho e à baixa probabilidade de surgirem novos postos. Quanto à boa vontade dos empresários em diminuir suas margens, o decrescimento se apoia no seu próprio pressuposto de descolonizar o imaginário social. Assim, espera-se que o decrescimento se desenvolva numa sociedade anti-utilitarista, cujos benefícios são calculados no longo prazo e não consideram 46 apenas aspectos monetários (KALLIS; DEMARIA; D'ALISA, 2018). Nessa sociedade, o objetivo de toda corporação não seria a maximização do lucro de um grupo de pessoas, mas sim cumprir uma função social através da oferta de seusprodutos ou serviços. Quanto ao aumento do desemprego, defende-se antes de mais nada que a transição até o decrescimento acontecerá de maneira planejada e poderá contar com apoio estatal durante esse período. Tal apoio poderia se concretizar através de um projeto de garantia de empregos ou através de um projeto de renda básica e renda máxima (KALLIS; DEMARIA; D'ALISA, 2018). O projeto de garantia de empregos é uma ideia conhecida desde a década de 30, que defende o papel do governo de assegurar um posto de trabalho para toda pessoa que esteja buscando emprego (UNTI, 2018). Diferente do discurso capitalista tradicional, aqui os empregos não dependeriam da demanda, uma vez que o foco dos empregos seria em setores que servem à população como educação, saúde preventiva ou proteção ambiental, por exemplo. Além disso, acredita-se que uma política de garantia de empregos poderia melhorar também as condições laborais dos postos de trabalho privados. Considerando que os trabalhadores da rede privada terão a sempre a possibilidade de escolher entrar para um programa de garantia de empregos do governo, os empresários seriam obrigados a oferecer condições de trabalho e salário iguais ou melhores que as do programa (WRAT, 2012 apud UNTI, 2018). O projeto de rendas básica e máxima, por sua vez, consiste na garantia de que o Estado daria permanentemente uma renda básica a todos os indivíduos para que vivam de maneira digna e com segurança econômica. Dessa forma, as pessoas não precisariam submeter-se a postos de trabalho degradantes apenas para adquirir um salário de sobrevivência. Uma vez satisfeitas as necessidades básicas do indivíduo, sabe-se que qualquer renda extra não contribui para o aumento do bem-estar e da felicidade, mas sim para o aumento do consumo e do desperdício (ALEXANDER, 2018). Dessa forma, os indivíduos que tivessem renda superior ao teto de renda máxima, deveriam pagar integralmente a diferença em forma de impostos, que poderiam auxiliar no financiamento dos pagamentos da renda básica pelo Estado. Os defensores do decrescimento levantam a questão de se o Estado 47 conseguiria bancar financeiramente toda essa operação, mas Alexander (2018) defende primeiro que qualquer outro benefício social deveria ser interrompido e também que este seria um propósito útil e necessário pelo qual o Estado deveria emitir mais dinheiro. Em suma, apesar do decrescimento apontar um caminho de olhar a economia e a sociedade como um todo em escala local, como será melhor descrito na seção 3.3, os teóricos reconhecem que num estágio de transição, é necessário um maior apoio estatal. Apesar desse apoio ser tão melhor quanto mais local seja sua esfera política com poder de decisão, é necessário que haja uma regulação macro. Por exemplo, no caso de uma proposta de renda básica, se uma comunidade tiver uma renda básica diferente da outra, pode haver uma migração para as regiões de maior renda. Provavelmente, um decrescentista criticaria tal afirmação alegando que na sociedade de decrescimento, a busca pelo dinheiro não seria um valor prioritário, mas sim o reforço dos laços sociais comunitários. No entanto, não se imagina que tal recolonização do imaginário coletivo ocorrerá de maneira tão rápida, o que requer que premissas como essa do Homo Economicus que vai buscar maximizar seus insumos sigam sendo consideradas durante o período de transição. Por fim, há de se ressaltar ainda o efeito socioeconômico desse tempo livre decorrente da redução da jornada de trabalho sobre a sociedade. Segundo Mothé (1997 apud LATOUCHE, 2009), numa economia capitalista, tradicionalmente, o tempo pode ser livre para o trabalhador assalariado, mas pode não estar livre da economia, sendo assim empregado em outra atividade mercantil. Numa sociedade de decrescimento é preciso que esse tempo seja um “tempo qualitativo, [...] que cultiva a lentidão e a contemplação” (LATOUCHE, 2009) no qual atividades de ócio, lazer, pensamento e trocas sociais sejam valorizadas. Economicamente, esse tempo livre trará mais espaço para atividades econômicas autogeridas, colaborativas, de ajuda mútua e inclusive de produção para uso do próprio indivíduo (GORZ, 1991 apud LATOUCHE, 2009). Essa mudança, numa sociedade de decrescimento na qual a medida de riqueza não deve ser monetária, acaba por complementar o fluxo de riqueza da economia tradicional. 48 3.2. Crítica Socioambiental do Decrescimento Como discutido anteriormente, por mais que o próprio termo “decrescimento” ressalte a contraposição com o modelo de crescimento econômico que sustenta o sistema capitalista, sua teoria se origina da premissa de que manter os padrões de vida da sociedade de consumo característica desse sistema é inviável não só em termos ambientais como também em termos sociais. Latouche (2010) é enfático ao afirmar que “o final previsível da sociedade de consumo é o final da história e da aventura humana”, ressaltando também que a sobrevivência dessa sociedade é limitada pela finitude dos recursos naturais do planeta. A seguir serão apresentados o conceito e o processo de formação da cultura do consumo, bem como os três pilares apresentados pelos teóricos do decrescimento como mantenedores do ciclo econômico da sociedade de consumo funcionando. No entanto, vale ressaltar que apesar da separação conceitual didática para fins deste trabalho, tanto a publicidade, quanto o acesso ao crédito e a obsolescência programada também são componentes importantes que contribuíram e contribuem para a consolidação da cultura do consumo nessas sociedades. 3.2.1. Cultura do Consumo A cultura do consumo ao longo da história se confunde com a própria cultura capitalista. Ela surge com o objetivo de fomentar na sociedade um estilo de vida que consiga absorver os crescentes excedentes produtivos do setor industrial. Para isso, ela se baseia em dois objetivos-chave: criar no inconsciente coletivo o conceito do indivíduo consumidor, bem como supervalorizar a utilidade dos objetos de modo a atender aos interesses do mercado. Segundo Fontenelle (2017), o processo de formação desse modo de vida tem suas raízes em dois marcos históricos do século XVIII: a 1ª Revolução Industrial e a Revolução Francesa. A 1ª Revolução Industrial foi a responsável por uma substantiva mudança nos modos de produção da sociedade inglesa da época. A manufatura deu lugar a um modelo de produção que inseriu as máquinas nos processos produtivos, especialmente da indústria têxtil, propiciando um aumento significativo na 49 capacidade produtiva da época. Por outro lado, a Revolução Francesa foi uma das principais revoluções sociopolíticas da modernidade, que se caracterizou pelos seus ideais liberais e pela consolidação da burguesia como classe dominante ao final do processo. Num primeiro momento, pós-Revolução Industrial, esse incremento na capacidade produtiva das fábricas excedia a demanda da sociedade por produtos ordinários. Logo, era necessário uma sociedade com padrões de consumo acima da média, que na época seria equivalente aos padrões da própria classe burguesa. Isso não significa, no entanto, que o intuito era apenas vender para a classe média, mas sim criar um imaginário coletivo de que aquele era o estilo de vida correto a ser seguido por todas as pessoas. Ainda nesse período de antecedentes da cultura do consumo, em 1852, surge em Paris a primeira loja de departamento do mundo, a Bon Marchè. Esse modelo de loja se caracteriza pela oferta de distintas categorias de produtos em um mesmo espaço, a um preço competitivo, lucrando principalmente através do volume de produtos vendidos. Dessa forma, o objetivo dessas lojas é ter um giro rápido de estoque para escoar o excedente produtivo das fábricas, além de estimular o consumo em massa, principalmente de classes mais baixas. Já nesta época, as lojas adotavam uma técnica de expor os produtos nas vitrines, de modo que os objetos sempre apareciam associados a um estilo devida da classe burguesa. Colaborando, assim, para desenvolver no imaginário popular de que o estilo de vida burguês poderia ser acessível a todos. Apesar da dificuldade de traçar limites temporais para processos de profunda transformação cultural, Fontenelle (2017) propõe duas fases para se entender a formação dessa cultura do consumo: a Fase Inicial — entre as últimas duas décadas do século XIX e quase a metade do século XX — e a Fase de Consolidação — a partir da Segunda Guerra Mundial até a década de 90. A Fase Inicial coincide com o período histórico da 2ª Revolução Industrial, no qual o avanço tecnológico foi simbolizado principalmente pela inserção das máquinas movidas à combustão em diferentes processos produtivos. Isso permitiu não só um ganho de escala produtiva frente à 1ª Revolução Industrial, como também o desenvolvimento de setores variados da indústria, desde a petroquímica até a 50 automobilística. Além do avanço tecnológico, essa fase ainda é marcada pela consolidação dos mercados nacionais substituindo os pequenos mercados, pelo surgimento do marketing como disciplina no campo acadêmico e pela criação do “crédito ao consumidor”, presenciado pela primeira vez na sociedade estadunidense (FONTENELLE, 2017). Esses fatores, segundo Lipovetsky (2007), contribuíram para consolidar o processo de “democratização do acesso aos bens mercantis” para as grandes massas. Durante esse período, os Estados Unidos conquistaram um grande avanço tecnológico e aumento de capacidade produtiva não só das suas fábricas como também do setor agrícola. Com isso, no período após a Primeira Guerra Mundial, eles foram o principal fornecedor de mercadorias para a Europa, consolidando-se como uma grande potência da época. Mais que as mercadorias, os Estados Unidos também exportaram seu estilo de vida característico, o American Way of Life, no qual o consumo era sinônimo de felicidade e prosperidade. É importante frisar, no entanto, que por essa cultura do consumo ainda não estar consolidada na sociedade, os níveis de consumo não foram suficientes para suprir a superprodução industrial, culminando na primeira grande crise do capitalismo, em 1929. Já a Fase de Consolidação coincide em parte com o período da Era de Ouro do capitalismo, caracterizado principalmente pela produção em massa, elevação dos níveis de consumo e das taxas de emprego, além de maior intervenção estatal na economia. Ela consolida os objetivos iniciais da cultura do consumo que são a construção do conceito do consumidor moderno e a subjetivação dos objetos que devem atender aos anseios do mercado consumidor. Mais que isso, é nesta fase que o acesso ao crédito é difundido em grande escala e que o marketing se consolida não só em termos de propaganda, mas de pesquisas de mercado baseadas em conceitos comportamentais e também de agências de tendência de consumo. É também nesta fase que, segundo Lipovetsky (2007), “começam a vir à luz políticas de diversificação dos produtos bem como processos visando reduzir o tempo de vida das mercadorias”, isto é, o conceito de obsolescência. Nessa época, observou-se pelo lado da produção um aumento expressivo da oferta de produtos similares. Além disso, em sociedades de consumo mais consolidadas como a dos Estados Unidos, a maior parte dos consumidores já tinha 51 suas necessidades de status e padrão de vida atendidas. Dessa forma, os produtores precisavam se diferenciar frente seus concorrentes, bem como criar novas necessidades nos consumidores já “satisfeitos”. Assim, essa fase se caracterizou não só pelos padrões de consumo e pela produtividade, mas principalmente pelo desenvolvimento das identidades das marcas através do branding, assim como pelo avanço dos anúncios publicitários em termos de compreensão da psique humana. Com isso, essa segunda fase pode ser caracterizada como a era das imagens tanto para o consumo em si, quanto para incentivar o consumo de outras mercadorias (FONTENELLE, 2017). Um dos reflexos disso está na pop art, movimento artístico que atingiu seu ápice nos Estados Unidos na década de 60, transformando mercadorias comuns em obras de arte. Nas obras de Andy Warhol, o principal nome no movimento, podem ser observados padrões de repetição de diferentes mercadorias, fazendo uma referência aos fluxos de produção em série e ao consumo de massa. Ao longo desse processo de formação e consolidação, o foco primordial da cultura do consumo foi criar uma atmosfera na qual os indivíduos seriam os responsáveis por absorver o excedente da produção industrial. Se isso, num primeiro momento, foi feito atendendo às necessidades individuais, em um momento posterior, foi necessário despertar os desejos e aspirações desses indivíduos, além de instigá-los a querer repetir tais sensações de maneira frequente. Para Campbell (2006), o consumo já não é apenas sobre a satisfação de necessidades e desejos, mas sim um processo no qual a atividade de compra tornou-se um meio para que as pessoas descubram quem elas são, fornecendo a elas uma espécie de comprovação da sua própria existência. O papel social desse indivíduo não é reforçado apenas pelo ato de comprar em si, mas também pelo que esse indivíduo consome, caracterizando a supervalorização dos produtos nessa sociedade de consumo. 52 3.2.2. Mantenedores da Sociedade de Consumo Sabe-se que a sociedade de consumo segue uma lógica de estimular a demanda para que essa se iguale ao aumento da oferta decorrente dos avanços em termos de produtividade. Segundo Latouche (2012), são três os pilares de manutenção dessa sociedade: a publicidade, o acesso ao crédito e a obsolescência dos produtos. A seguir, será apresentado como cada um atua de maneira a reforçar positivamente um ponto estrutural da cultura dessa sociedade. A publicidade se baseia na compreensão da mente humana para fomentar os desejos, desencadeando novos ciclos de compra. O crédito, por sua vez, é uma forma de diminuir a energia de ativação dos ciclos de compra, já que a satisfação de necessidades propiciada pela compra não precisa mais ser adiada. E a obsolescência, muitas vezes já propositalmente programada, atua como catalisadora no ciclo de “compre, desfrute e jogue fora”, uma vez que prolongar a vida útil de determinado produto é mais custoso que comprar um novo. 3.2.2.1. A publicidade Televisão, rádio, outdoor, panfleto, internet. É difícil imaginar um mundo atualmente sem a influência da publicidade em suas mais variadas formas. Para Kotler (2012), a publicidade pode ser entendida como uma maneira efetiva de transmitir mensagens com o objetivo de criar uma predileção nos consumidores por determinada marca. Além disso, é preciso salientar que a publicidade é apenas uma das diversas ferramentas que viabilizam uma estratégia de marketing, que foi definido de maneira mais ampla pela Associação de Marketing Americana (2017) como uma função organizacional cujos processos têm como objetivo criar, comunicar, entregar e trocar ofertas que gerem valor para clientes, parceiros e a sociedade em geral. Apesar de já existirem registros de técnicas de marketing desde o final do século XIX, esse ramo de estudo se consolida como disciplina acadêmica independente na primeira década do século XX, absorvendo influências tanto da economia quanto da psicologia (FONTENELLE, 2017). Naquela época, era 53 necessário explorar estratégias que estimulassem a demanda, fator imprescindível para dar vazão ao aumento de produtividade industrial. Tais estratégias objetivam elevar o valor de uma mercadoria para além do seu valor de uso, de modo que ao adquiri-la o consumidor pode também expressar sua identidade ou suprir necessidades emocionais, por exemplo. A máxima popular de que “dinheiro não traz felicidade, mas pode comprá-la”, é um campo muito fértil para o desenvolvimento publicitário. Um estudo da Universidade de Michigan (2014) estima que comprar pode deixar as pessoas até três vezes mais felizes, oque pode ser considerado um reflexo da cultura de consumo nos Estados Unidos. Dessa forma, tanto uma bebida gelada em um dia quente, quanto uma nova peça de roupa podem contribuir para incrementar a felicidade do indivíduo. Nesse contexto, o papel publicitário é despertar a conexão subconsciente entre essa busca por felicidade e as marcas. Assim, tem-se o desafio de fazer com que aquele consumidor que sente sede em um dia quente, busque por uma marca específica, tornando-se seu cliente. Não só sentimento de felicidade, mas muitas mercadorias também acabam adquirindo um simbolismo intrínseco. Por exemplo, entre junho de 2019 e maio de 2020, em torno de 2,5 milhões de usuários em toda a América Latina (sendo 56% apenas no Brasil) consumiram produtos sustentáveis vendidos pelo Mercado Livre .5 Dentre esses produtos, os mais vendidos foram escovas de bambu e canudos reutilizáveis. Ao consumir tais produtos, mais do que a funcionalidade de limpar os dentes ou beber algo, os consumidores buscam de maneira consciente ou não reforçar sua identidade de indivíduos preocupados com o meio ambiente. A publicidade também tem o poder de atribuir um significado positivo ou negativo a determinado produto dependendo do contexto sociocultural no qual ele está inserido. Em 1929, por exemplo, Edward Bernays foi o idealizador da peça publicitária nos EUA que vendia o cigarro como símbolo da emancipação feminina, na qual o produto adquiriu o status de “tochas da liberdade” (DAFOUR, 2013 apud 5 Pesquisa realizada pelo próprio Mercado Livre através dos dados de sua base de consumidores e vendedores. Discussão dos resultados disponível em: https://www.consumidormoderno.com.br/2020/07/27/consumo-consciente-mais-produtos-sustentaveis -nas-sacolas/. Acesso em: 05 nov. 2020. 54 FONTENELLE, 2017). Já em 2002 , no Brasil, imagens publicitárias aversivas foram6 estampadas nos maços de cigarro para associar o produto aos malefícios que ele causa à saúde. O exemplo da publicidade de cigarros desenvolvida por Edward Bernays ilustra bem o papel da publicidade numa sociedade de consumo: o de vender não o produto em si, mas o de vender algo que atenda à uma demanda subjetiva - muitas vezes inconsciente - do indivíduo (DAFOUR, 2013 apud FONTENELLE, 2017). Inspirado pela teoria da psicanálise desenvolvida por seu tio, Sigmund Freud, Bernays acreditava que o poder ilimitado do desejo humano permite despertar necessidades que não passam pelo crivo da racionalidade nos indivíduos. Com isso, é possível estimular a demanda por diferentes produtos e serviços, contribuindo assim para dar vazão à produtividade industrial. Em contrapartida, há quem defenda que as necessidades por todo tipo de produto e serviço sempre estiveram latentes no tecido social, e que o papel dos produtores é apenas captar tais necessidades e resolvê-las com suas mercadorias. Acredita-se que esse fluxo pode até existir em alguma proporção. No entanto, o fluxo majoritário começa com o produtor, enquanto agente do desenvolvimento econômico, criando novas mercadorias e se perpetua com os consumidores sendo “ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar” (SCHUMPETER, 1997). Tal processo de “ensino” compreende o papel central da publicidade e é o aspecto sob o qual recai a crítica de Latouche (2009) ao apontá-la como um dos pilares mantenedores da sociedade do consumo. Além disso, é válido mencionar o protagonismo que a publicidade ganhou na última década através dos negócios digitais. O investimento em propaganda paga é o principal modelo de monetização de redes sociais como Google, Youtube, Facebook, Instagram e Twitter. No segundo trimestre de 2020, a receita com anúncios no Facebook e no Instagram atingiu US$ 18,32 bi , valor 10% maior que no7 7 Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/07/30/facebook-tem-aumento-de- receita-com-anuncios-apesar-de-boicotes. Acesso em 05 nov. 2020. 6 Registro segundo Souza & Campos (2011). Disponível em: https://www.researchgate.net/ publication/313789553_Imagens_aversivas_veiculadas_nos_macos_de_cigarros_Significados_atribui dos_por_universitarios_da_area_da_saude_de_uma_universidade_publica_estatal. Acesso em: 05 nov. 2020. 55 mesmo período de 2019, e a publicidade no Youtube aumentou 6%, atingindo uma receita de US$ 3,8 bi .8 Para além dos indicadores, é importante salientar também que as redes sociais adquiriram esse papel de destaque como canal publicitário principalmente pela sua assertividade na hora de mostrar a mercadoria correta para o público correto. Isso porque através do acúmulo de dados dos usuários elas conseguem traduzir um perfil bem acurado do usuário incluindo informações como gênero, idade, localização e até interesses pessoais. No Facebook, em 2020, estão disponíveis algumas classificações que limitam a veiculação da propaganda só para usuários que tenham interesse em amor próprio, autoconfiança, body positive e até9 pessoas que prefiram produtos de alto valor no Brasil. Demonstrando, assim, uma habilidade inata de acessar desejos, pensamentos e necessidades subconscientes que muitas vezes nem os indivíduos sabem expressar. 3.2.2.2. O acesso ao crédito A palavra crédito significa confiar, logo a concessão de crédito se baseia no fornecimento de recursos financeiros no presente confiando que o tomador de crédito ressarcirá em um momento posterior. No contexto da sociedade de consumo, isso significa que o consumidor adquire um incremento em seu poder de consumo atual, sem precisar adiar suas necessidades. É importante ressaltar, no entanto, que a concessão de crédito estimula não só o consumo como também a produção. Quando o tomador de crédito é uma pessoa jurídica, o propósito desse aumento do poder de compra no presente pode ser justamente investir na capacidade produtiva da empresa. Esse tipo de empréstimo também aumenta muito em cenários de crise econômica, visando manter a continuidade do negócio. O primeiro registro do uso de crédito através de instituições especializadas foi em 1878 em Chicago (BECKMAN; FOSTER, 1969 apud MOREIRA, 2011). 9 Body positive é um movimento no qual as pessoas passam a enxergar aspectos do seu corpo que por muito tempo foram considerados fora do padrão como algo positivo. 8 Disponível em https://www.telesintese.com.br/google-reporta-queda-de-8-nas-receitas-com- publicidade-no-trimestre. Acesso em 05 nov. 2020. 56 Entretanto, apenas no início do século XX, que a concessão de crédito perde o estigma de ser utilizado apenas por aqueles em condições de pobreza e adquire escala na sociedade estadunidense. Apenas na década de 80, o acesso ao crédito difundiu-se pela Europa após a regulação de acesso ao crédito pelos países europeus, permitindo que os consumidores decidissem quando, como e quanto se endividar (MOREIRA, 2011). Tal fato representou uma mudança não só econômica de incentivo ao consumo, como também uma quebra nos paradigmas sociais uma vez que pedir dinheiro emprestado passa a ser algo socialmente aceito e não associado ao estigma da pobreza, mas sim ao da liberdade de escolha. No Brasil, a concessão de crédito com propósito de consumo passou a ser difundida na década de 90, após a adoção do Plano Real. Segundo Conca (2010), o aumento expressivo no volume de concessões de crédito foi reflexo da necessidade dos bancos de compensarem a perda inflacionária que tinham decorrente da estabilização econômica. Por isso, neste período observou-se que as concessões não passavam pela análise devida. Hoje, segundo Rodrigues (2017), são empregados critérios tanto subjetivos quanto objetivos para análise de crédito, que buscam classificar o consumidor com base em seu comportamento histórico, concedendo o empréstimo apenas para aqueles que serão de fato bons pagadores. Um ponto marcante para a política de créditos brasileira foi a instituição, em 1999, pelo Banco Central do regime de metas da inflação. Assim,a partir dos anos 2000, com maior controle sobre a inflação, foi possível a adoção de uma política monetária que possibilitou a redução das taxas de juros, possibilitando a expansão do volume de crédito concedido no país. No Brasil, assim como no restante do mundo, o crédito também já se consolidou como um produto (que estimula a aquisição de novos produtos), sendo comercializado em pelo menos 5 tipos: cartão de crédito, crediário, cheque especial, crédito consignado e crédito pessoal. O cheque especial é um valor de crédito já pré-aprovado que fica disponível na conta corrente para ser utilizado quando o saldo for insuficiente. Já o crédito consignado consiste no pagamento do montante da dívida em parcelas que são descontadas diretamente do salário ou do benefício previdenciário. O crédito pessoal, por sua vez, compreende os empréstimos e financiamentos para a aquisição de bens específicos como um veículo ou habitação própria. 57 Já o cartão de crédito e o crediário são as principais modalidades que viabilizam o consumo excessivo na sociedade de consumo e que, portanto, atuam como mecanismos de manutenção da mesma. O cartão de crédito se traduz na concessão de um limite de crédito máximo mensal para o usuário que pagará apenas o equivalente ao seu uso. Uma característica do uso do cartão de crédito, no Brasil, é a possibilidade de parcelamento das compras sem o pagamento de juros. Esse é um dos mecanismos que mais estimula o consumo, uma vez que a pessoa vê como um benefício não precisar dispor de todo o montante do valor do produto no momento da compra, assim como pagar esse mesmo valor sem juros no longo prazo. Para obter um cartão de crédito, no entanto, não há necessidade de possuir vínculo com instituição financeira já que muitas lojas, principalmente do varejo, podem emitir cartões para serem utilizados naquela loja e em sua rede credenciada. A oferta desse tipo de cartão private label por parte das empresas favorece a fidelização dos clientes. Segundo dados de 2019 , mais de 70% dos consumidores10 que possuem esse tipo de cartão dizem priorizar as compras nos respectivos estabelecimentos que emitiram os cartões do que em outros que não aceitam. Nesse aspecto, o cartão private label se aproxima do modelo do crediário, uma vez que ambos estão vinculados a um estabelecimento de compra e não a uma organização financeira propriamente. O crediário, ou carnê como ficou popularmente conhecido, é uma modalidade de crédito que também funciona para compras parceladas. Ao comprar um produto parcelado, o consumidor já recebe uma espécie de caderneta com os boletos de todas as parcelas mensais daquela compra. Segundo dados de pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em agosto de 2019, 49% dos brasileiros fizeram uso de algum tipo de crédito para realizar suas compras. De acordo com o levantamento, 47% dos consumidores têm acesso a pelo menos um cartão de crédito, 30% têm algum tipo de crédito pessoal em andamento, 19% têm limite de cheque especial aprovado e 18% conta com algum tipo de crediário no momento. Dentre os índices, o estudo destaca que o 10 Disponível em clientesa.com.br/estatisticas/69767/cartoes-de-loja-impulsionam-fidelidade. Acesso em 19 dez. 2020. 58 crediário vem perdendo cada vez mais espaço, tendo reduzido 10 p.p. entre janeiro e agosto de 2019. 3.2.2.3. A obsolescência programada O conceito de obsolescência por si só indica o processo pelo qual algo perde sua função de uso. Tal conceito pode ser transposto para a esfera da sociedade de consumo, a partir do momento em que a obsolescência é utilizada como estratégia de estímulo ao consumo pelas empresas. Segundo Bauman (2008), a principal forma que um consumidor tem de enfrentar sua insatisfação é descartando aqueles objetos que a causam. Para o autor, “a sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando ‘velho’ a ‘defasado’, impróprio para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo.”. Para Leonard (2011), a obsolescência surge como mecanismo de fomento ao consumo por uma incapacidade da manutenção de uma “regra” vendida anteriormente aos consumidores. A regra inicial era que o consumidor necessitava de apenas uma unidade de cada produto. Com o aumento da produção, passou-se a transmitir aos consumidores a noção de que o ideal seria possuir mais de uma unidade de cada produto (LEONARD, 2011). No entanto, em algum momento todos teriam alcançado um limite de saturação do número de carros, roupas, televisores e de produtos acumulados no geral de modo que já não faria mais sentido comprar uma enésima unidade de cada um deles. Assim, surge a estratégia da obsolescência como mecanismo de perpetuar esse ciclo de compra, não mais para se estocar mais uma unidade de determinado produto, mas para substituir uma unidade “obsoleta” por uma nova. Em termos teóricos, pode-se fazer uma distinção entre três tipos de obsolescência: tecnológica, percebida e programada (LEONARD, 2011). Sendo o último deles, o motor mais cruel de reforço aos ciclos de consumo, ao qual Latouche (2012) também faz referência. A obsolescência tecnológica contempla um processo de substituição raro derivado de um avanço tecnológico que torna de fato a versão anterior ultrapassada, colocando-a em desuso. A substituição do telégrafo pelo telefone talvez seja o exemplo mais concreto disso, mas também pode-se mencionar 59 a substituição expressiva das máquinas de escrever pelos computadores e também dos aparelhos de fax por uma combinação de impressoras multifuncionais e de e-mails como canais de envio dos documentos. A obsolescência percebida, por sua vez, é resultado de percepções, gostos e desejos pessoais dos indivíduos consumidores. Combinada com as estratégias publicitárias, ela torna um produto obsoleto devido unicamente à existência de um mesmo produto mais recente e com variações sutis de forma, de tamanho, de aparência, entre outras características. Essa estratégia também é utilizada em produtos tecnológicos, quando os televisores de tela plana foram lançados, por exemplo, representavam uma mudança mais radical em termos de design do que de tecnologia quando comparados aos televisores de tubo. O setor onde essa estratégia está mais consolidada é o de moda, com a lógica das grandes marcas fast-fashion. Tal lógica de produção e distribuição é caracterizada pela rápida rotação de coleções de roupas nas lojas físicas dessas varejistas. Tomando como exemplo o caso apresentado por Leonard (2011) da H&M, expoente sueca do setor, cujo ciclo de produção desde a concepção dos modelos até sua disponibilização nas lojas durava menos de 20 dias em 2008. O foco desse modelo são produtos que estejam cada vez mais alinhados aos gostos dos consumidores e às novas tendências. Assim, pequenas variações de modelos e estampas são suficientes para tornar a coleção anterior obsoleta e sugerir a necessidade da aquisição dos novos produtos. O último tipo, a obsolescência programada, expõem o fato de no próprio projeto do produto existir uma tomada de decisão racional que prioriza outros fatores como custo e design em detrimento da durabilidade. A partir do momento em que os produtos já são concebidos sabendo que eles possuem um prazo para se tornarem obsoletos, caracteriza-se um processo intencional de realimentação do ciclo de consumo, no qual a empresa produtora detém um controle sobre a recorrência das compras de seus clientes. Um primeiro exemplo são aqueles produtos que foram projetados para ter uma vida útil tão curta que pode ser medida em horas ou até minutos, como os produtos de embalagens e utensílios descartáveis. Numa sorveteria, quando um cliente pede um sorvete de copo, tanto o copo quanto a espátula utilizada para 60 comer terão vida útil igual ao tempo que o cliente leva para comer o sorvete. Neste caso, tem-se um tipo específico de obsolescência programada,que é a obsolescência instantânea. No entanto, o principal exemplo de setor que utiliza a obsolescência programada é o de eletrônicos. Os smartphones, por exemplo, após alguns anos de uso começam a apresentar problemas como a bateria já não dura o quanto deveria, a tela pode estar rachada ou com o sistema touch screen funcionando parcialmente, além de problemas com a saída de áudio ou com a saída para conectar o carregador, entre muitos outros. Nesses casos, o consumidor estaria diante de duas possibilidades: buscar uma assistência técnica e prolongar a vida útil do aparelho ou simplesmente tratá-lo como obsoleto, descartá-lo e comprar um novo aparelho de celular. Assim, algumas estratégias podem ser utilizadas pelas empresas para favorecer a tomada de decisão pela segunda opção, como: reduzir os prazos de assistência técnica gratuita, não disponibilizar peças de reposição de modelos antigos no mercado ou disponibilizá-las com preço elevado. Dessa forma, na percepção imediatista do consumidor, acaba sendo mais caro prolongar a vida útil do aparelho que comprar um novo. No caso das empresas de celulares, elas também podem programar a obsolescência dos modelos também a partir da sua conectividade com novos aplicativos ou novas atualizações do sistema. É possível, por exemplo, que celulares já tidos como fora de linha não sejam mais compatíveis com novos aplicativos disponíveis em suas lojas virtuais. Há ainda alguns exemplos mais graves como o caso da Apple e da Samsung que foram multadas pelo governo italiano em 2018 por infringirem o código do consumidor italiano ao forçarem os usuários do Iphone 6 e do Galaxy Note 4 a realizarem atualizações de software que reduziam a vida útil desses modelos.11 O documentário espanhol, “Comprar, tirar, comprar – La historia secreta de la obsolescencia programada”, dirigido por Cosima Dannoritzer em 2010, revela que tal estratégia já era adotada desde 1920 por algumas empresas. No caso do cartel 11 Reportagem publicada em 24/10/2018 pelo site da revista Época Negócios. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2018/10/apple-e-samsung-sao-multadas-por-obsole scencia-programada.html Acesso em 23 abr. 2020. 61 Phoebus, primeiro cartel mundial fundado em 1924, que reunia todos os principais fabricantes de lâmpadas em todo o mundo, observou-se a orientação de que só poderiam ser comercializadas lâmpadas que tivessem um limite de 1.000 horas de duração. Assim, os fabricantes passaram a ajustar seus projetos originais que chegavam a durar até 2.500 horas, de modo a produzir lâmpadas mais frágeis para cumprir com a nova norma. O documentário mostra, inclusive, que aqueles fabricantes que seguissem comercializando lâmpadas com vida útil maior que mil horas seriam multados. Apesar do cartel ter terminado em 1939, estima-se que a vida útil das lâmpadas incandescentes até hoje seja de 1.000 horas. O documentário também mostra os registros da primeira vez em que o termo “obsolescência programada” foi utilizado. Dado o cenário de crise econômica após 1929, muitas pessoas não acreditavam que o plano de intervenção do Estado na economia proposto por Franklin Roosevelt, o New Deal, conseguisse por si só retomar o crescimento econômico a partir da geração de empregos através do investimento em obras públicas, dentre outras medidas. Nesse contexto, o corretor de imóveis Bernard London chegou a divulgar, sem sucesso, através de panfletos com o título “Acabando com a Depressão através da Obsolescência Planejada”. A ideia de London era a criação de uma agência governamental encarregada de definir as datas de validade de alguns produtos. Quando chegada a data, os consumidores entregariam esses produtos à agência do governo que se encarregaria de destruição dos mesmos. Apesar deste conceito ser mais compreensível quando aplicado a produtos, também há exemplos de obsolescência programada no setor de serviços. Para Monteiro (2016), um serviço torna-se obsoleto a partir do momento em que “perde sua eficácia, seja porque as variáveis e componentes que compõem o serviço já não surtem mais efeito, ou seja porque já está desgastado na percepção do cliente”. O autor exemplifica a contratação de um serviço de controle de pragas, no qual é possível que a técnica utilizada pela empresa tenha uma eficácia curta, logo as pragas ressurgem e o cliente precisa contratar novamente o serviço. Muitas vezes, a prestadora de serviço utiliza dessa assimetria de informação no momento da venda, como por exemplo, oferecendo uma garantia do serviço inferior ao tempo de eficácia 62 realmente comprovada para não precisar arcar com um novo serviço de maneira gratuita. No caso das prestadoras de serviços de telefonia, por exemplo, como estão sempre disputando novos clientes, elas frequentemente lançam planos mais baratos abrangendo mais serviços. No entanto, ao descontinuar os planos antigos, elas acabam não comunicando àqueles usuários que já são seus clientes. Assim, o que acontece é que um usuário antigo passa a pagar caro por um plano que não existe mais, enquanto os usuários novos têm mais vantagens. Quando esse usuário antigo percebe essa diferença e busca contratar um novo plano, ele pode estar sujeito a um período de permanência de até 12 meses, no caso das operadoras brasileiras. Assim, essas empresas utilizam a obsolescência de seus serviços como forma de fidelização de seus clientes. 3.3. Direcionadores de Implementação Como toda utopia não concretizada, esboçar uma definição do que seria a sociedade de decrescimento por si só, sem fazer uma mera oposição ao desejo de não ser uma sociedade de consumo não é tarefa fácil. Latouche (2010) inclusive se afasta ainda mais de propor uma definição quando reafirma que existe uma matriz de alternativas de sociedade, já que elas devem respeitar as especificidades de cada local. De todo modo, uma sociedade de decrescimento seria uma sociedade em que o indivíduo é algo mais que um consumidor, as relações interpessoais se baseiam na colaboração e o ambiente deixa de ser um mero cenário e passa a estar integrado de maneira harmoniosa com o estilo de vida local. Diante de tantos “não-ser” encontrados na literatura sobre a sociedade de decrescimento, Cuvillier (2018) realiza um excelente trabalho de compilação de conceitos sobre o que é a sociedade de decrescimento e os apresenta através de um Diagrama de Causa e Efeito. Dessa forma, a autora entende que para atingir o decrescimento, é necessária uma sociedade autônoma, pautada na simplicidade, na convivialidade e na justiça social, que respeite o meio ambiente e que preze pela qualidade de vida e pela qualidade dos postos de trabalho disponíveis. 63 FIGURA 5 - DIAGRAMA CONCEITUAL DE CAUSA E EFEITO PARA O DECRESCIMENTO Fonte: Cuvillier (2018, p.44) É interessante observar que no diagrama a autora posiciona o consumo em duas frentes: primeiro como ação que impacta diretamente num estilo de vida mais simples e depois como ação capaz de expressar um respeito ao meio ambiente. Tal preocupação ambiental para o decrescimento não tem o foco do consumo sustentável como discutido anteriormente, mas sim o de romper com padrões materialistas e de supervalorização dos objetos para além de suas funcionalidades intrínsecas. Outro ponto de destaque é que produtividade é apresentada como um conceito que fica unicamente relacionado à qualidade do trabalho. Nesse sentido, da mesma forma que a busca excessiva pela produtividade pode piorar o desgaste psicológico do indivíduo no trabalho, o decrescimento também defende que a incorporação de ganhos produtivos deve beneficiar principalmente as condições de trabalho do indivíduo. Já em termos econômicos, a principal crítica do diagrama aparece na crítica aos modelos prontos desenvolvimentistas como limitadores de uma sociedade autônoma. Até hoje, foram observadas algumas iniciativas que se aproximam do discurso decrescentista tais como ecovilas, Associaçõespara Manutenção da Agricultura 64 Camponesa (AMAP) na França e adeptos da simplicidade voluntária12 13 (LATOUCHE, 2009). No Brasil, Boccato-Franco e Nascimento (2013) também apontam uma aproximação entre o decrescimento e a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, principalmente por essas experiências colocarem a solidariedade como objetivo primário do processo de produção, ao invés do lucro. De forma geral, apesar de não apontar uma experiência como modelo correto a ser seguido, Latouche (2009, 2010) descreve um conjunto de direcionadores capazes de contribuir para um círculo virtuoso rumo à sociedade do decrescimento. Devido à semelhança na escrita, tais direcionadores ficaram conhecidos como os 8 R’s, são eles: reavaliar, reconceituar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar e reciclar. Reavaliar está alinhado com a ideia de desconstruir o imaginário social sobre quais valores são mais importantes numa sociedade. O autor defende que os valores mercantis da sociedade de consumo, tais como o individualismo, o ter para ser, e a relação de exploração irresponsável do meio ambiente, devem ser substituídos por valores como altruísmo, reciprocidade e respeito pelo entorno. Uma vez que os valores prioritários na sociedade de decrescimento foram reavaliados, é preciso reconceituar outros pares estruturais como riqueza e pobreza, ou escassez e abundância. Para a sociedade de consumo, riqueza é sinônimo de acumulação capital e de bens materiais, que muitas vezes são adquiridos pelo gatilho da escassez utilizado nas estratégias publicitárias. Latouche (2009, 2010)14 afirma que o conceito de riqueza deve ser medido em termos de bem relacionais baseados em reciprocidade, compartilhamento, conhecimento, amor e amizade. E o conceito de pobreza, inversamente, deve ser determinado por aquelas pessoas que ainda sobrevivem em meio à “multidão solitária” capitalista ao invés de viver numa 14 Consiste em despertar nos indivíduos uma sensação de perda. Dessa forma, com medo de ficar sem um produto ou serviço, a pessoa efetiva a compra. 13 Termo conceituado por Elgin (1977) faz referência a um estilo de vida onde haja uma busca por viver de maneira exteriormente simples, reduzindo os níveis de consumo, mas interiormente rica, com um propósito de buscar autoconhecimento e espiritualidade em comunidade. 12Grupo que atua há mais de 18 anos na França promovendo a compra de alimentos diretamente dos produtores rurais, mediante ao pagamento adiantado que confere segurança para o produtor e para o comprador que tem mais confiança sobre a procedência dos produtos (CHIAPPE, 2019) 65 “comunidade solidária”. Sobre o par escassez e abundância, o autor salienta que esse par deve embasar a ideia de uma vida em harmonia com o meio ambiente, respeitando os recursos escassos, ao passo que se dispõem de uma abundante variedade de recursos naturais. A direção de reestruturar diz respeito a uma desmercantilização do aparelho produtivo. Numa sociedade do decrescimento, a produção deve adequar-se às novas necessidades da comunidade e não aos interesses do capital sobre qual produto é mais lucrativo. Se para determinada comunidade o transporte por automóveis não é uma necessidade, as fábricas automobilísticas atuais poderiam ser substituídas por fábricas de geradores de energia, por exemplo (LATOUCHE, 2009). O quarto direcionador, redistribuir, compreende a distribuição de riqueza e acesso aos recursos naturais de maneira igualitária tanto entre os países, quanto dentro de cada sociedade, de suas gerações e de seus indivíduos (LATOUCHE, 2009). A distribuição de riqueza a partir da reestruturação das relações sociais contribui para reduzir o nível de consumo por desejo e status, no qual aquelas pessoas que detêm menor poder de compra, desejam consumir itens básicos para um outro grupo de pessoas que detém mais poder de compra. Além disso, a reconceituação de riqueza, contribui para reduzir o poder daqueles que apenas acumulavam bens e dinheiro. Latouche (2009) também sugere que uma medida para regulamentar o acesso aos recursos naturais seria a partir da pegada ecológica. Assim, a população de cada território deveria adotar níveis de consumo compatíveis com a capacidade ecológica do mesmo. O quinto direcionador, relocalizar, diz respeito a pensar a economia, a cultura e a política numa escala local. Logo, defende-se que a produção e o consumo dos bens essenciais sejam feitos localmente, e financiados por uma poupança coletada localmente (LATOUCHE, 2009). Além disso, é importante que as comunidades locais tenham autonomia para definir seus rumos, se opondo claramente a um molde desenvolvimentista capitalista que é vendido como algo facilmente replicável em qualquer cenário. Naturalmente, esse recorte do território local colabora para o desenvolvimento de relações sociais colaborativas entre indivíduos que 66 compartilham de uma mesma cultura e para reforçar positivamente os direcionadores anteriores. Os três últimos direcionadores — reduzir, reutilizar e reciclar — são também conhecidos na literatura como os 3 R’s da ecologia, atuando diretamente no ciclo econômico do “compre, desfrute e jogue fora”. Logo, numa sociedade de decrescimento, é necessário reduzir o consumo para minimizar o início desses ciclos, e aumentar a reutilização e a reciclagem dos produtos para maximizar sua vida útil, reduzindo o descarte. No caso do decrescimento, o reduzir ganha maior destaque pois além da redução do consumo, tem-se também a redução dos níveis de produção e a redução dos níveis de trabalho. Apesar de todos os direcionadores terem sua importância, entende-se que alguns deles são mais estratégicos por terem uma correlação com os demais (LATOUCHE, 2009). Por isso, apesar de frequentemente tais direcionadores serem apresentados em forma de círculo, com setas de causa e efeito diretas de acordo com a ordem de exposição feita anteriormente, optou-se por organizá-los a partir de um mapa conceitual, no qual observa-se claramente o papel estratégico atrelado a reavaliar, reduzir e relocalizar (Figura 6). FIGURA 6 - MAPA CONCEITUAL DOS DIRECIONADORES DE IMPLEMENTAÇÃO DA SOCIEDADE DO DECRESCIMENTO Fonte: Elaboração própria com base em Latouche (2009, p.58) Reavaliar é a base de todos os conceitos. Não é possível pensar em uma nova sociedade, se os mesmos valores e objetivos individualistas, competitivos e exploratórios da sociedade de consumo forem mantidos. Assim, uma vez 67 reavaliados os valores prioritários, faz-se necessário também reconceituar alguns outros valores complementares, para que haja de fato uma quebra do imaginário coletivo dominante. Reavaliar também serve como base para reduzir que condensa todos os pilares práticos de discurso do decrescimento, e como base para relocalizar que torna a gestão dessa mudança mais factível e coerente com o discurso de respeito às singularidades de cada região. Uma vez que relocalizar confere protagonismo ao território comunitário, torna-se mais fácil pensar numa redistribuição de riqueza e numa reestruturação da produção com foco nas necessidades locais. Por outro lado, o direcionador de reduzir atua diretamente para frear o ciclo de consumo assim como os direcionadores de reutilizar e reciclar. Dessa forma, uma concepção alternativa de sociedade não pode ser baseada apenas em práticas de reciclagem e uma distribuição de renda mais igualitária, por exemplo, mas sim no tripé conceitual que representa uma maior ruptura com o modelo hegemônico atualmente. 68 4. UMA ESCALA DO CRESCIMENTO AO DECRESCIMENTO Nos capítulos 2 e 3, foram expostos diversos pontos de contrastes entre a teoria econômica hegemônica responsável por moldar uma sociedade de consumo e a teoria alternativa do decrescimento responsável por preconizar a utopia da sociedade de decrescimento. Com o objetivo de avaliar sistematicamente se uma proposta alternativa à sociedade de consumo de fato se aproxima do caminhorumo à sociedade de decrescimento, foi montada uma escala de avaliação a partir de critérios qualitativos com base na escala de julgamento de Saaty. Para isso, os critérios de avaliação serão inicialmente definidos e caracterizados. Posteriormente, eles serão hierarquizados e terão diferentes pesos atribuídos de acordo com sua importância. Assim, espera-se obter ao final da avaliação um valor numérico numa escala cuja pontuação mínima seja o equivalente à sociedade de consumo e a pontuação máxima seja o equivalente à sociedade do decrescimento. Dessa forma, será possível discutir se certa alternativa é de fato um caminho viável rumo ao decrescimento e quais são seus principais pontos de interseção com cada um dos extremos, entendendo as forças e os desafios dessa proposta. 4.1. Definição dos Critérios de Intersecção A partir de toda base teórica apresentada, foram elaborados critérios que abrangem tanto o que a sociedade de decrescimento pretende ser — com base nos seus direcionadores de implementação — quanto o que a sociedade de decrescimento não quer ser — a partir das suas críticas e oposições à sociedade de consumo. Dessa forma, optou-se por segmentar os critérios em quatro macro grupos: Reavaliação de Premissas da Economia Hegemônica, Redução dos Ciclos de Consumo, Redução dos Níveis de Produção e Redução dos Níveis de Trabalho. Com isso, foram listados ao todo doze critérios, conforme apresentados no Quadro 4. 69 QUADRO 4 - CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DE AFINIDADE COM A PROPOSTA DE UMA SOCIEDADE DE DECRESCIMENTO CRITÉRIO GRUPO DE CRITÉRIOS 1 Abandono da perseguição pelo Crescimento Econômico Reavaliação de Premissas da Economia Hegemônica 2 Visão Holística e Autônoma de Desenvolvimento 3 Valorização das Riquezas Não-monetárias 4 Incorporação Autônoma de Inovações Tecnológicas 5 Indiferença aos efeitos da Publicidade Redução dos Ciclos de Consumo 6 Redução do Crédito como Estímulo ao Consumo Individual 7 Preferência por Produtos mais Duráveis 8 Práticas de Reutilização e Reciclagem 9 Produção em Escala Local Redução dos Níveis de Produção10 Produção Ambientalmente Sustentável 11 Tempo Livre Disponível Redução dos Níveis de Trabalho12 Qualidade dos Postos de Trabalho Fonte: Elaboração própria No grupo de Reavaliação de Premissas da Economia Hegemônica, o primeiro critério escolhido para ser uma sociedade de decrescimento é a necessidade de abandonar a perseguição pelo crescimento econômico (1), o principal contraponto da crítica econômica dessa teoria. Além disso, é necessário uma recolonização do imaginário social, valorizando riquezas não-monetárias (3), como a cooperação, e o ser como mais importante que o ter. Esse critério também contribui para uma visão menos economicista, auxiliando na concepção de um desenvolvimento que não seja primordialmente econômico (2), nem que seja imposto, ou seja, cada região deve ter autonomia suficiente para elaborar e perseguir seu próprio modelo de desenvolvimento. De maneira análoga, cada região também deve ter autonomia para incorporar inovações tecnológicas (4) na otimização de seus processos produtivos sem que 70 isso seja uma mera réplica de modelos tecnológicos já prontos e naturalmente atrasados. Além de reavaliar e reconceituar alguns aspectos-chave da economia do crescimento, é preciso também avaliar os pilares de redução dos níveis de consumo, produção e trabalho que irão viabilizar uma sociedade de decrescimento compatível com os recursos naturais e o bem-estar social. Assim, no grupo de Redução dos Ciclos de Consumo, os critérios escolhidos visam contribuir para frear os três catalisadores desses ciclos de consumo e descarte. Para isso, é preciso que se diminua o protagonismo da publicidade na sociedade (5), contribuindo para que novas compras não sejam pautadas em desejos inconscientes. Também é necessário dificultar o acesso ao crédito para fomentar o consumo individual em suas diferentes formas (6). Em contrapartida, não se exclui a possibilidade de que comunidades ao nível local estabeleçam uma relação colaborativa para a construção de um sistema de crédito em prol do desenvolvimento da região, por exemplo. Por fim, era necessário ao menos um critério que contribuísse para frear a obsolescência programada. No entanto, apenas os redirecionadores de reutilização e reciclagem (8) a fim de prolongar a vida útil dos produtos não pareciam suficientes. Isso porque a obsolescência programada parte muito do desenho dos produtos por parte das produtoras. Dessa forma, é preciso que uma sociedade de decrescimento opte pelo consumo de produtos intrinsecamente mais duráveis (7) sejam esses produzidos localmente ou não. Por fim, nos grupos de Redução dos Níveis de Produção e dos Níveis de Trabalho, é preciso inicialmente reestruturar a produção para que ela tenha uma escala local (9) com o objetivo de atender as necessidades da região (tanto em termos de produtos e serviços, como também de empregos). Com isso, por mais que naturalmente haja uma redução no volume produzido em si quanto comparado ao de grandes corporações multinacionais, por exemplo, os ganhos de produtividade seguem sendo perseguidos, não mais em prol do lucro, mas em prol de uma melhor qualidade nos postos de trabalho (12) e da utilização não-exploratória dos recursos naturais disponíveis (10). Decorrente da redução da produção e dos níveis de trabalho, é esperado que haja um aumento do tempo livre, que numa sociedade de decrescimento deve ser utilizado para atividades não-monetárias (11). É esperado 71 que esse tempo dê espaço a atividades ambientalmente sustentáveis que em geral requerem mais tempo e também a uma maior participação dos indivíduos na vida em comunidade. Por fim, é válido ressaltar um desafio adicional que é almejar uma utopia na qual o único referencial existente está no campo teórico. Por isso, diferentemente do arcabouço de critérios proposto por Cuvillier (2018), buscou-se definir critérios amplos, que não precisem variar de acordo com cada experiência analisada. Enquanto Cuvillier (2018) defende que os critérios e subcritérios podem ser validados e redefinidos de acordo com o grupo estudado para que sejam resultado de uma construção coletiva dos integrantes da experiência analisada. Os critérios aqui elencados buscam trazer o que cada experiência deveria perseguir para se tornar uma sociedade de decrescimento. Entretanto, como cada uma delas fará para alcançar esses objetivos pode variar muito. Por isso, essas peculiaridades de como cada comunidade irá alcançar o decrescimento não devem influenciar nos parâmetros de análise. 4.2. Hierarquização dos Critérios para Criação da Matriz de Avaliação Uma vez definidos e apresentados os critérios, foi observada a necessidade de estabelecer uma hierarquia entre eles. Por mais que todos contribuam para compor uma sociedade de decrescimento, a contribuição isolada de cada critério é diferente. Até porque alguns deles de maneira isolada podem ser facilmente absorvidos pela sociedade de consumo, se afastando ainda mais do objetivo de haver uma intersecção com a sociedade de decrescimento. Práticas de reciclagem e reutilização de embalagens, por exemplo, já são utilizadas por diversas empresas que oferecem espaços em suas lojas para que os consumidores retornem as embalagens após o uso. Para citar um exemplo, no Brasil, desde 2006 o Boticário desenvolve o programa de logística reversa “Boti15 Recicla”, que recolhe embalagens de cosméticos de diferentes fabricantes para 15 Disponível em https://www.boticario.com.br/boti-recicla/. Acesso em 30 dez. 2020. 72 reaproveitá-las em itens de decoração de suas lojas físicas. Em 2020 , a empresa16 incorporou o projeto em sua estratégia publicitária, reforçando o posicionamento socioambiental da marca. Obviamente, tal prática pode até contribuir para gerar uma maior conscientização social em prol do meio ambiente, mas está longe de promover de maneira isolada uma rupturaem prol de uma sociedade de decrescimento. Já em termos de qualidade dos postos de trabalho, por exemplo, desde a década de 80 a Great Place to Work® atua na certificação de empresas como bons lugares para se trabalhar. Tal processo toma como base uma extensa pesquisa de clima organizacional respondida pelos funcionários baseada em mais de 50 perguntas para compor o que eles chamam de Trust Model©. Nessa pesquisa são avaliadas 5 macro categorias que contemplam desde a credibilidade e respeito dos17 gestores, percepção de práticas justas dentro do ambiente de trabalho até o sentimento de orgulho de trabalhar em determinada empresa e o sentimento de comunidade existente entre os funcionários. É interessante observar que dentre as afirmações abordadas nessa pesquisa de clima surgem algumas com bastante afinidade com a proposta do decrescimento como “Posso ser eu mesmo no meu ambiente de trabalho”, “Sinto-me bem pela forma como contribuímos para a comunidade”, “Este é um lugar psicologicamente e emocionalmente saudável para se trabalhar”, “Os chefes confiam que fazemos um bom trabalho sem necessidade de supervisioná-lo constantemente” ou ainda “Posso tirar um tempo livre para resolver assuntos pessoais quando necessário”. No entanto, analisando as empresas melhores colocadas no Ranking Nacional de Grandes Empresas em 2020 , observa-se algumas como Magazine Luiza (2º lugar), Mercado Livre (10º) e Itaú18 Unibanco (13º) que claramente contribuem para a manutenção da sociedade de consumo a partir das suas atividades fins. Todos esses aspectos subjetivos de análise levantados acima, foram contemplados na hora de avaliar a importância relativa entre os doze critérios 18 Disponível em https://gptw.com.br/ranking/melhores-empresas/?ano=2020&tipo=brLatam& ranking=nacional&corte=Grandes. Acesso em 20 jan. 2021. 17 Disponível em https://www.greatplacetowork.com/trust-model. Acesso em 20 jan. 2021. 16 Disponível em https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2020/11/25/o-boticario -sobe-o-tom-na-pauta-socioambiental.html. Acesso em 30 dez. 2020. 73 propostos para a elaboração da matriz intercritérios. Para determinar os indicadores hierárquicos de cada par, foram adotadas as seguintes premissas: ● Critérios dentro de um mesmo macro grupo são igualmente importantes. Com exceção dos critérios Práticas de Reutilização e Reciclagem (8) e Qualidade dos Postos de Trabalho (12), por poderem facilmente ser absorvidos pela sociedade de consumo como descrito anteriormente. ● Os critérios do macro grupo de Reavaliação de Premissas da Economia Hegemônica são sempre mais importantes que os demais, por ser o principal contraponto da teoria do decrescimento. ● Os critérios do macro grupo de Redução dos Níveis de Produção são mais importantes que os demais por contemplarem os indicadores de “Reduzir” e “Relocalizar” que já se mostraram essenciais para a construção de uma sociedade de decrescimento. ● Os critérios do macro grupo de Redução dos Ciclos de Consumo são ligeiramente mais importantes que os critérios de Redução dos Níveis de Trabalho por se afastarem mais de uma sociedade de consumo. Com exceção da comparação entre os dois critérios referentes à obsolescência (Preferência por produtos mais duráveis (7) e Práticas de Reutilização e Reciclagem (8)) e a Qualidade dos Postos de Trabalho (12). Considera-se que esses critérios são de igual importância pois todos de maneira individual, não são capazes de configurar uma sociedade de decrescimento. ● Quanto maior a afinidade percebida entre dois critérios, menor é a importância relativa de um sobre o outro. Por exemplo, Práticas de Reutilização e Reciclagem (8) e Produção Ambientalmente Sustentável (10) apesar de estarem em grupos hierarquicamente distintos, estão intimamente ligados numa sociedade de decrescimento. Assim como a Incorporação Autônoma de Inovações Tecnológicas (4) e a Produção em Escala Local (9). Apesar de estarem em grupos diferentes, ter uma produção em escala local contribui na construção desse movimento de autonomia. 74 Com isso, foi elaborada uma matriz de hierarquia entre critérios apresentada no Quadro 5, cuja razão de consistência calculada foi de 4,763%, valor dentro do intervalo necessário para considerar consistente a hierarquia proposta (<10%). Já no Quadro 6 é apresentada a matriz final para análise de determinada iniciativa como próxima ou não de uma sociedade de decrescimento. Nela é apresentada a hierarquia final entre os critérios e seus respectivos pesos obtidos através do vetor já normalizado numa escala de 0 a 1. Além disso, o Quadro 6 também já apresenta um espaço de avaliação para essa matriz de critérios com base numa pontuação de 0 a 3. Na qual 0 indica Totalmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento e 3 indica Totalmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento. Os valores intermediários indicam Parcialmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento (1) e Parcialmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento (2). Obtendo assim uma pontuação que pode ir de 0 a 3 pontos, onde 0 é o mais próximo de uma sociedade de consumo e 3 por sua vez é o idealizado pela sociedade de decrescimento. 75 QUADRO 5 - MATRIZ DE HIERARQUIA ENTRE CRITÉRIOS Fonte: Elaboração própria 76 QUADRO 6 - CRITÉRIOS E PESOS DE AVALIAÇÃO DA AFINIDADE COM A PROPOSTA DE UMA SOCIEDADE DE DECRESCIMENTO Fonte: Elaboração própria Analisando o resultado obtido, observa-se que a matriz reflete bem as premissas de superioridade de um macro grupo sobre o outro. Além disso, vale ressaltar a preponderância dos critérios do grupo econômico: o quarto colocado tem quase três vezes o peso do quinto colocado (0,173 vs. 0,059). Já em termos de preocupação ambiental, que é um fator bastante defendido pelo decrescimento, acredita-se que a Produção Ambientalmente Sustentável reflete uma proximidade da sociedade de decrescimento por refletir um comportamento mais estrutural que simples práticas individuais ou isoladas de Reutilização e Reciclagem. Quanto aos critérios relacionados aos mantenedores da sociedade de consumo, observa-se uma leve preferência por aqueles que atuam no início de novos ciclos de consumo: publicidade e o acesso ao crédito. Também pode-se verificar uma proximidade dos pesos atribuídos aos três últimos colocados. Como os critérios 8 e 12 já foram amplamente discutidos, vale ressaltar apenas o critério 11 que aparece em último lugar uma vez que se entende que possuir tempo livre de 77 atividades monetárias serve como base para a construção de postos de trabalho com mais qualidade, para a adoção de práticas de estilo de vida mais sustentáveis, etc. Logo, ele facilita alguns critérios melhor posicionados, no entanto por si só não configura uma sociedade de decrescimento. Quanto à aplicação dessa matriz avaliativa um dos grandes desafios diz respeito ao fato que a sociedade de decrescimento tal como descrita por Latouche proporciona uma multiplicidade de alternativas e caminhos, uma vez que preza-se totalmente pela autonomia local. Assim, espera-se que a matriz de avaliação proposta seja utilizada para responder questões como “o quanto determinada experiência / teoria tem afinidade com a proposta do decrescimento". Pode-se até utilizá-la para entender questões como "qual é a melhor forma de se atingir o objetivo do critério X?”, certamente uma experiência A que obteve uma avaliação 3 em tal critério será melhor que uma experiência B que obteve uma avaliação 1. No entanto, entre a experiência A e uma experiência C que também obteve um 3, não se pode afirmar com essa matriz que o método utilizado por A é melhor ou pior que o método utilizado por C. Em resumo, cabe à pessoa que está conduzindo a avaliação atribuir a pontuação de acordo com o referencial teórico do decrescimento e não partir de uma comparação entre alternativas. Dessa forma, busca-se dar espaço às infinitas possibilidades já conhecidas e ainda inimagináveis de se atingiro decrescimento. 78 5. O DESENVOLVIMENTO LOCAL COMO ESTADO DE TRANSIÇÃO Sabendo que o decrescimento se apresenta como uma teoria de extremo rechaço à economia hegemônica na sociedade atualmente, é ilusório acreditar que a implementação de uma sociedade de decrescimento seria viável no curto prazo. Assim como a própria cultura do consumo levou décadas para moldar o imaginário coletivo, a descolonização de tais valores também não será um processo rápido. Além disso, acredita-se que uma sociedade alternativa à sociedade de consumo é mais do que algo necessário, é algo possível. Por isso, devido a uma aproximação conceitual entre alguns direcionadores apresentados para uma sociedade de decrescimento e o conceito de desenvolvimento local, defende-se que este se apresenta como um modelo viável para orientar esse caminho de transição. O conceito de desenvolvimento local passa a ganhar força a partir da década de 80, reunindo perspectivas de diferentes campos de conhecimento, como a economia, a geografia e a sociologia, para pensar em um modelo alternativo de desenvolvimento que contemple as especificidades de cada cenário. O conceito ganhou mais impulso na década de 90, junto com outras iniciativas que abordavam a temática da sustentabilidade ambiental, tal como a Agenda 21 Local , que19 compreende um processo de planejamento participativo em prol da construção de um Plano Local de Desenvolvimento Sustentável. Tais processos, tinham a preocupação de se afastar de qualquer centralidade economicista e acabaram embasando projetos de desenvolvimento local nas décadas subsequentes, que em sua grande maioria também passaram a desvincular-se dessa visão. Essa necessidade de se opor ao molde pronto de desenvolvimento da economia hegemônica deve-se principalmente à falência desse modelo quando aplicado aos países subdesenvolvidos e de forma geral à indiferença desse modelo frente às desigualdades sociais geradas. Nesse sentido, o desenvolvimento local busca desvincular-se da visão economicista de desenvolvimento, atribuindo um caráter mais humano a este 19 A Agenda 21 Local foi um desdobramento da Agenda 21, plano de ação global elaborado pela ONU em prol do desenvolvimento sustentável, que foi adotado a partir da Conferência Mundial do Meio Ambiente no Rio de Janeiro em 1992. Disponível em https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21.html Acesso em: 16 mai. 2021. 79 conceito, ao considerar que o indivíduo deve atuar simultaneamente como beneficiário e sujeito do processo de desenvolvimento do seu entorno (MARTINS, 2002). Ao mesmo tempo, a natureza local desse desenvolvimento que irá abranger20 aspectos socioeconômicos, faz referência não somente à escala na qual as decisões norteadoras desse processo serão tomadas, mas principalmente a uma afinidade cultural entre os indivíduos participantes. Em suma, González (1998) define o desenvolvimento local como um ”movimiento fundamentalmente endógeno, que surge de la iniciativa de la sociedad civil, vinculada a un territorio y a una historia concreta, fundamentada en la valorización y utilización de los recursos locales con los que cuenta”. Essa definição de desenvolvimento local aproxima-se de uma perspectiva “empreendedora” deste conceito, na qual busca-se potencializar as competências locais para aproveitar as oportunidades proporcionadas pelos mercados externos (MELLO, 2014). Sob tal perspectiva, ao mesmo tempo em que a comunidade critica a réplica dos modelos de desenvolvimento já estabelecidos, ela também consegue coexistir e compor o tecido socioeconômico capitalista do seu entorno. Por isso, essa foi a abordagem escolhida para embasar as reflexões acerca do tema neste trabalho, por entender que ela se aproxima mais da economia capitalista e que portanto, poderia atuar como primeira etapa nesse caminho de transição. A seguir, neste capítulo será discutido como se dá esse processo de formação de uma comunidade orientada para o desenvolvimento local, bem como os riscos atrelados e o papel dos atores envolvidos. Em seguida, serão apresentadas algumas discussões sobre como o desenvolvimento local aborda questões como produção, trabalho e consumo. Ajudando a embasar, assim, a avaliação de quais aspectos o desenvolvimento local se aproxima de uma sociedade de consumo e em quais outros se aproxima de uma sociedade de decrescimento. Dessa forma será 20 Segundo Pecqueur (2005), o termo mais adequado seria “desenvolvimento territorial” ao invés de “desenvolvimento local”, uma vez que esse desenvolvimento não deve ser vinculado à uma dimensão de algo “pequeno”, mas sim à localização do território. Neste trabalho, no entanto, os dois termos serão considerados como sinônimos. Além disso, vale ressaltar que não há uma regra quanto à escala do território para que seja considerado um desenvolvimento local. De modo geral, verifica-se uma comunidade, um bairro ou até mesmo uma região, desde que as premissas de identificação com o território sejam satisfeitas. 80 possível discutir a viabilidade dessa alternativa como um caminho de transição de fato. 5.1. Direcionadores para a Implementação do Desenvolvimento Local Apesar do desenvolvimento local também seguir a premissa de que sua implementação deve se adaptar às especificidades de cada território, evitando reproduzir o erro de preconizar um desenvolvimento único para todas as regiões, notou-se que para tal algumas pré-condições deveriam ser satisfeitas. Primeiro, é necessário que o coletivo de indivíduos tenha uma identificação com o território. A partir dessa identidade territorial, é possível observar o surgimento de um sentimento de cooperação e solidariedade social em prol da manutenção daquele território comum. Esse sentimento de pertencimento a um grupo social é o que corrobora para um aumento da participação coletiva nos processos de tomada de decisão que concernem tal território, desencadeando na construção coletiva de um processo de desenvolvimento local (ARAÚJO et al., 2017). Para que esse encadeamento de fatos ocorra, é fundamental que haja uma reavaliação e reconceituação dos valores daquela comunidade, assim como é necessário para a construção de uma sociedade de decrescimento. No entanto, sabendo que o ponto de partida desse processo de construção do desenvolvimento local é a sociedade de consumo, é importante ressaltar alguns desafios a serem superados em cada etapa (Figura 7). FIGURA 7 - RISCOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL Fonte: Elaboração própria 81 Por exemplo, uma identificação com o território sob a mentalidade individualista de maximização dos benefícios do Homo economicus é incapaz de construir um sentimento de solidariedade social. Além disso, pensando sob uma mentalidade mercantilista, aqueles territórios que possuem recursos escassos podem sofrer com a emigração de seus habitantes em busca de outros locais mais propícios para atingir seus objetivos individuais. Tal risco, além de impedir a construção de laços de solidariedade social, demonstra que a identificação com o território sob a ótica de preservá-lo não conseguiu ser construída, impossibilitando um processo de desenvolvimento local desde seu primeiro requisito. Na etapa seguinte, pode ser que a identificação com o território tenha se dado sob uma lógica de preocupação e preservação ambiental, no entanto não tenha sido suficiente para recolonizar o imaginário social, fazendo com que alguns indivíduos sigam interagindo com o restante da comunidade orientados por uma busca constante por status e poder. Nesse sentido, haveria uma competição no nível individual na qual os “vencedores” teriam mais direito a usufruir dos recursos comuns, por exemplo. Há também a possibilidade de haver uma disputa simbólica em torno dos pressupostos normativos que deveriam pautar o processo de desenvolvimento (FLORIT, 2016). Nesse caso, caberia aos “vencedores” definir qual modelo de desenvolvimento seria aplicado àqueleterritório. Para minimizar tal risco, seria desejável que a comunidade inserida no território tivesse uma mínima coesão quanto à concepção holística de desenvolvimento que deseja construir para si. Uma vez que, em níveis extremos, a competição nesta etapa pode gerar um conflito de disputa pelo próprio território. Assim, os riscos atrelados a essas duas primeiras etapas mostram a importância de reavaliar as premissas comunitárias antes de mais nada, de modo que o subconsciente coletivo esteja orientado a maximizar o bem-estar social e a manutenção dos recursos naturais. Antes de discutir os desafios inerentes à etapa de participação coletiva, é importante trazer o conceito de participação em si. Para Bordenave (1985), a participação é não só um instrumento para a resolução de problemas, mas primariamente um processo inerente à natureza humana enquanto seres sociais que 82 buscam prazer ao satisfazer suas necessidades afiliativas, sentir-se parte da criação de algo maior e também ser valorizados pelos demais. Dessa forma, no processo de busca por um desenvolvimento centrado no ser humano, a pré-condição de participação torna-se uma das chaves para que este ser atinja seu pleno potencial na sociedade. Nesta etapa, um dos riscos é que haja uma hierarquia de opiniões e ideias, em que algumas pessoas julguem ser mais capacitadas para tomar decisões em prol do grupo, e o fazem de maneira unilateral considerando apenas suas impressões pessoais. Isso acontece quando a participação se dá apenas segundo uma lógica instrumental na qual o indivíduo escolhe fazer as coisas com os demais por julgar ser mais eficiente ou adquirir algum benefício do coletivo em prol individual, e não segundo uma lógica afetiva de quem sente prazer em fazer as coisas em conjunto (BORDENAVE, 1985). Esse é um dos principais riscos dessa etapa uma vez que se a comunidade não adotar uma postura ativa de ser gestora do seu próprio desenvolvimento, participando dessa construção, ela pode acabar apenas reproduzindo em menor escala a lógica de seguir modelos de desenvolvimento pensados de cima para baixo. Evidente que dependendo da decisão, das pessoas afetadas e da natureza de cada comunidade, essa participação coletiva pode se dar em diferentes níveis. Para um processo de desenvolvimento local, a participação coletiva será tão melhor quanto maior for o grau de participação dos indivíduos e se diferenciará mais das estruturas hierárquicas top-down quanto menor for o grau de controle por parte de alguns membros (Figura 8). Dessa forma, o formato de máxima participação coletiva é o da autogestão na qual a comunidade será a responsável por definir seus objetivos, como atingi-los e quais os controles necessários para avaliar o progresso, sem referência a uma autoridade ou a um modelo externo. (BORDENAVE, 1985). 83 FIGURA 8 - GRAUS E NÍVEIS DE PARTICIPAÇÃO DENTRO DE UM COLETIVO Fonte: Elaboração própria com base em Bordenave (1985, p.31) No entanto, a principal dificuldade imposta por esses graus de participação é que geralmente o processo de desenvolvimento local ocorre naquelas comunidades que já sofrem com as desigualdades provocadas pelo modelo de desenvolvimento hegemônico. Essas pessoas, em geral, já são negligenciadas de espaços participativos de tomada de decisão, desde esferas familiares até esferas política e cidadã. Os graus de participação aos quais elas estão acostumadas são geralmente os graus inferiores, recebendo apenas informação sobre decisões já tomadas ou participando obrigatoriamente de espaços de decisão (como o voto eleitoral no Brasil, por exemplo). Dessa forma, faz-se necessário a criação de espaços acolhedores nos quais esses grupos tenham confiança e liberdade para elaborar suas ideias e também tenham voz para tomar decisões sobre assuntos relevantes. Assim, espera-se que elas desenvolvam a habilidade de atuar como protagonistas frente ao futuro do seu próprio território. Outro risco desta etapa é que as decisões tomadas pelo coletivo se sobreponham às vontades individuais. Por exemplo, se alguém tiver habilidades para desenvolver certa atividade produtiva, mas ela não for a atividade escolhida para pautar o desenvolvimento do território, é possível que a pessoa acabe por abdicar de suas próprias escolhas. Ou ainda, pode ser que ela seja impedida pelo 84 coletivo de seguir um caminho distinto. Apesar de não ser um risco direto à construção de uma experiência de desenvolvimento local, é um risco do indivíduo ser protagonista do desenvolvimento do território, mas acabar coadjuvante frente à própria trajetória. Uma vez que as pré-condições para um processo de desenvolvimento local estejam satisfeitas, é necessário que cada comunidade explore o potencial do território, seus recursos disponíveis (tanto naturais quanto humanos) e suas habilidades empreendedoras em prol de melhorar a qualidade de vida local (GONZÁLEZ, 1998). A combinação eficiente desses três fatores irá potencializar o processo de desenvolvimento. O território, neste caso, pode atuar tanto como ponto de alavanca desse processo, quanto como um ponto de estrangulamento dependendo de aspectos como a acessibilidade de sua localização, seus recursos naturais disponíveis, as competências contidas nos seus saberes locais e sua infraestrutura disponível. É importante salientar, no entanto, que independente do empreendimento escolhido, ele estará sujeito às forças de mercado externas. Por mais que elas não devam ser determinantes nessa escolha, é fundamental levá-las em consideração para que a atividade escolhida seja capaz de alavancar as competências inerentes ao território, conferindo uma vantagem competitiva no longo prazo para a comunidade. Supondo que uma determinada comunidade ABC tenha escolhido a agricultura orgânica como atividade produtiva em potencial. Seus produtos atendem às necessidades locais em primeira instância e a parte do excedente produtivo é comercializada fora do território, cuja renda obtida é essencial para a complementar o estilo de vida da comunidade. O que fazer se em dado momento o mercado não for mais capaz de absorver a oferta de alimentos orgânicos, preferindo consumir alimentos ofertados por uma famosa marca do segmento por um custo mais baixo, por exemplo? Nesse cenário, a comunidade deve tomar a decisão pautando não só as demandas do mercado, mas primordialmente o seu bem-estar. Caso contrário, se a decisão for tomada levando apenas em consideração o que o mercado “quer”, considerando mudar completamente o tipo de empreendimento, por exemplo, há um 85 risco inerente que os atores locais percam o protagonismo do seu próprio desenvolvimento. 5.2. O Papel dos Atores Envolvidos no Desenvolvimento Local Mais que empresas ou instituições governamentais, o protagonismo num cenário de desenvolvimento local é dado aos próprios indivíduos que compõem o território. Não quer dizer, no entanto, que outras instâncias não tenham sua importância e seu papel em facilitar esse processo de desenvolvimento, mas sim que elas não devem ser as responsáveis pelo processo de tomada de decisão, que deve ocorrer de maneira coletiva de baixo para cima. Como dito anteriormente, isso é feito através da identificação dos recursos disponíveis com maior potencial para gerar desenvolvimento, sejam eles econômicos, humanos, culturais ou ambientais. Em geral, essas comunidades valorizam primordialmente os recursos humanos, seus conhecimentos não-transferíveis, seus saber-fazer particulares que são capazes de produzir novos conhecimentos e práticas coletivas que podem lhe conferir fatores de diferenciação frente ao que já está disponível na sociedade (PECQUEUR, 2005). Por fim, é necessário que os indivíduos estejam de fato dispostos a assumir o protagonismo do seu próprio processo de desenvolvimento socioeconômico, dispondo de um espírito empreendedor que seja capaz de reunir o melhor desses recursos ao desenvolver soluções e projetos para beneficiara comunidade (GONZÁLEZ, 1998). Apesar do protagonismo ser dos indivíduos membros da comunidade, as instituições governamentais também assumem um papel relevante no cenário de desenvolvimento local. Segundo Pecqueur (2005), ao Estado cabem pelo menos três funções primordiais: redistribuir riqueza entre os territórios para minimizar desigualdades espaciais, mediar os interesses das instâncias locais, nacionais e internacionais, e também assegurar que a coordenação das comunidades locais se dê ora de maneira vertical (no que diz respeito à hierarquia de poderes governamental) e ora de maneira horizontal (no que diz respeito à relação entre projetos governamentais e os atores locais). 86 O papel das instituições públicas também contempla o incentivo a empreendimentos de produtos ou serviços não necessariamente voltados para o mercado, estimulando a produção local de uma oferta mais diversificada de bens (PECQUEUR, 2005). Dessa forma, o Estado fomenta que os territórios não sejam obrigados a se submeter a uma lógica de produzir apenas aquilo que tem valor no mercado, conferindo certo grau de autonomia para que as comunidades tomem suas decisões quanto aos melhores empreendimentos em prol do bem-estar comum. Assim, a produção em escala local busca atender primeiramente às necessidades da comunidade e, depois sim, escoar parte dela para atender a demandas do mercado externo. Com isso, o papel das empresas ou cooperativas locais está atrelado primeiramente a atender as necessidades locais, tanto em termos de produção, como em termos de geração de emprego. Além disso, elas não podem perder de vista o mercado externo, já que a comunidade local deve ser capaz de coexistir em harmonia com o entorno globalizado, por isso é necessário orquestrar os recursos disponíveis de maneira tal que seja possível ter uma escala produtiva competitiva com o mercado do entorno (GONZÁLEZ, 1998). Há que se ressaltar, no entanto, que o papel das instituições públicas nem sempre será de incentivo. Dependendo do quão alinhado o plano do governo vigente estiver com as premissas do desenvolvimento local, o Estado pode assumir um papel no qual suas políticas dificultem a produção local. Além disso, dependendo da infraestrutura e dos recursos naturais disponíveis no território em questão, pode ser de interesse do próprio Estado ter controle sobre o mesmo, dificultando que práticas de participação coletiva se estabeleçam. Não só isso, como também grandes empreendimentos tradicionais pautados pela lógica de crescimento da sociedade de consumo, também podem querer disputar pelo uso de determinado território para suas atividades produtivas. Esse risco é observado principalmente em comunidades localizadas na fronteira de regiões de expansão de atividades econômicas. São elas as que mais sofrem pressões constantes pelo deslocamento compulsório do território ou ainda pela descontinuidade de suas atividades produtivas locais (DIAS et al., 2013). 87 Nesses casos, um Estado pautado nas premissas economicistas de desenvolvimento pode apoiar a instalação dessas grandes corporações em detrimento de empreendimentos locais, utilizando como base o discurso de que elas são a melhor forma de garantir emprego, renda e progresso para sua região. Esse tipo de lógica, pode culminar no fenômeno que Acselrad (2004 apud DIAS et al., 2013) denomina de chantagem da localização, no qual são estimuladas guerras fiscais entre diferentes estados e unidades administrativas em prol de garantir o crescimento econômico para sua região. Quando tal disputa envolve territórios ricos em recursos naturais, ela não se dá apenas no nível de impostos, visando baratear os custos de produção, mas também na flexibilização da legislação ambiental com o objetivo de acelerar o processo de instalação industrial. Dessa forma, as grandes empresas conseguem exercer suas atividades produtivas sob uma lógica contrária à do desenvolvimento local que defende a coexistência harmônica com o entorno ambiental. Devido a uma mudança recorrente nas diretrizes econômicas das diferentes instâncias estatais, o papel dos órgãos públicos frente às corporações privadas e às comunidades locais, pode emergir em conflitos socioambientais. Tais conflitos também são orientados pela noção de injustiça ambiental, premissa básica de sociedades pautadas no modelo econômico hegemônico no qual os órgãos políticos acreditam que a maior carga de danos ambientais pode ser destinada a comunidades marginalizadas pelo capital (ACSELRAD, 2004 apud DIAS et al., 2013). Assim, tanto instâncias públicas quanto privadas podem assumir um papel de frear o processo de desenvolvimento local, tirando o protagonismo da comunidade em determinar seu próprio processo de desenvolvimento. 5.3. Um Olhar sobre Produção, Trabalho e Consumo As experiências de desenvolvimento local também apresentam um leque de possibilidades no que diz respeito ao modo como encaram consumo, produção e trabalho. Em linhas gerais, como dito anteriormente, a produção segue um viés empreendedor de fortalecer os saberes locais e pensar primeiramente na satisfação das necessidades locais antes de atender ao mercado externo. Dessa forma, a 88 produção local é responsável não só por suprir parcela significativa da demanda local, como também pela geração de postos de trabalho e distribuição de renda na comunidade. Além disso, como o desenvolvimento local se caracteriza justamente por não reproduzir lógicas pré-moldadas recebidas num processo de cima para baixo, as tecnologias utilizadas para aprimorar nos processos produtivos, em geral, são tecnologias sociais . Essas melhorias nos processos produtivos prezam21 primariamente pela melhora na qualidade de trabalho para os indivíduos e também pela maior preservação do meio ambiente. Assim como observado na literatura do decrescimento, o desenvolvimento local também enxerga uma hierarquia entre tecnologias de matrizes sustentáveis sendo superiores a tecnologias que utilizam recursos não-renováveis, justamente por esse apelo comum à preservação ambiental. Quanto ao trabalho, é curioso observar que em geral o desenvolvimento local promove uma redução do desemprego na sociedade capitalista, uma vez que consegue absorver essa mão de obra ociosa através da sua produção local. A organização do trabalho frequentemente se dá através de associações ou cooperativas, nas quais os integrantes possuem alto grau de participação. Entretanto, mesmo tendo influência sobre seus postos de trabalho, nem sempre isso implica em qualidade e segurança dos postos de trabalho, nem em uma maior quantidade de tempo livre de atividade produtiva. Por vezes, a construção dessa organização de trabalho pode estar sujeita aos mesmos padrões da sociedade capitalista como longas jornadas para atingir um excedente produtivo. Supondo como exemplo determinada comunidade cuja atividade produtiva principal seja a agricultura. Naturalmente, essa é uma atividade produtiva que exige elevado grau de esforço físico, que em geral seria associado com uma menor qualidade no posto de trabalho. Pela perspectiva do desenvolvimento local, o fato desse posto de trabalho conferir maior ou menor qualidade de vida para o 21 Tecnologias Sociais são orientadas para o uso sustentável dos recursos disponíveis localmente, para a gestão e concepção coletiva, e para abarcar as particularidades regionais (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004 apud HENRIQUES; NEPOMUCENO; ALVEAR, 2015), opondo-se claramente à tecnologia convencional transposta de maneira top-down pelo mercado para as comunidades locais. 89 trabalhador que o executa não é capaz de interferir na classificação da experiência como um exemplo de desenvolvimento local. Já no âmbito do escoamento da produção, Mance (2004) destaca a possibilidade de criação de Feiras Solidárias que englobem diferentes produtores locais e facilitem o acesso dos produtos ao mercado externo. Há também a possibilidade de criação de Cooperativasde Consumo e Grupos de Aquisição Solidária, facilitando a conexão entre produtores, comerciantes intermediários e consumidores finais, buscando fortalecer o arranjo sócio-produtivo local (MANCE, 2004). Essas iniciativas contribuem com um ganho de escala, fortalecendo as produtoras locais frente a marcas já estabelecidas no mercado capitalista, e exemplificando pilares de cooperação e solidariedade entre localidades que em um mercado tradicional seriam concorrentes. Mais do que isso, as associações entre diferentes produtores locais também são uma forma de escoar a produção para um mercado dentro dessa rede. Dessa forma, moradores de determinado local, podem buscar consumir de outras experiências locais aqueles produtos que não produzem internamente, fortalecendo ainda mais essa rede e se opondo ao mercado oriundo da economia hegemônica. Outra prática comum no contexto de experiências de desenvolvimento local é a criação de Bancos Comunitários. Segundo o Instituto Banco Palmas, primeiro Banco Comunitário do país, esse tipo de instituição “é um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico responsável pela execução dos serviços financeiros da comunidade”. Nesses bancos é comum que sejam utilizadas moedas específicas, conhecidas como moedas sociais . Estima-se que hoje no Brasil circulem mais de22 100 tipos de moedas sociais gerenciadas por Bancos Comunitários. Esses bancos se caracterizam por serem geridos pela comunidade civil e criados em prol do desenvolvimento da comunidade. Em geral são oferecidos serviços como linha de crédito produtivo para negócios locais e também para o consumo individual. As linhas orientadas para o consumo individual são ofertadas a 22 São moedas que valem apenas para o comércio local, obrigando que a riqueza gerada pela comunidade seja reinvestida nela mesma. Vale ressaltar que as moedas sociais são lastreadas junto ao Real, e que não substituem a moeda oficial do país. Disponível em https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/08/moedas-sociais-saiba-como-funciona-econ omia-alternativa-no-brasil.html Acesso em: 17 fev. 2021. 90 partir da moeda social local, contribuindo para incrementar a dinâmica econômica do entorno. Vale ressaltar que há uma premissa básica nesse modelo de desenvolvimento de que o comércio local já foi idealizado para atender às necessidades primárias da comunidade. Dessa forma, as moedas sociais visam garantir que esse consumo fique retido no entorno local. Assim, o consumo incentivado com esse crédito é diferente daquele fruto de falsas necessidades despertadas pela sociedade de consumo capitalista. No caso do Banco Palmas, é importante pontuar que também é ofertado um serviço de fundo solidário para compras conjuntas, no qual um grupo de pessoas ligadas à mesma atividade produtiva fazem uma lista de compras de insumos e o próprio banco negocia com os fornecedores. Esses produtores também têm a possibilidade de parcelar o valor total da compra com o banco em até seis vezes, além de conseguir descontos decorrentes da compra em maior escala. Esse tipo de experiência reforça os valores solidários aparecendo inclusive nas relações de negócio, mostrando que na comunidade passou por um processo de reconceituar seus valores prioritários. 5.4. Avaliação de Afinidade com a Proposta da Sociedade de Decrescimento Uma vez abordados os fundamentos teóricos do desenvolvimento local, pretende-se avaliá-lo de acordo com a matriz de afinidade proposta no capítulo 4 a fim de discutir se experiências desse tipo de fato são um caminho de transição rumo à sociedade de decrescimento. Como essa afinidade será medida no campo teórico, e o desenvolvimento local dá certa autonomia a cada experiência local de definir suas práticas locais, é possível que experiências específicas se aproximem um pouco mais ou menos da proposta do decrescimento. A seguir, serão detalhadas as notas dadas a cada um dos critérios: 91 1. Abandono da perseguição pelo Crescimento Econômico Nota: 0 - Totalmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: As experiências sob a ótica do desenvolvimento local não buscam uma saída da economia capitalista ou deixam de almejar o crescimento econômico. Assim como na economia hegemônica, o crescimento econômico é tido como um meio de melhora no bem-estar da comunidade. 2. Visão Holística e Autônoma de Desenvolvimento Nota: 3 - Totalmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: O desenvolvimento local surge como uma crítica ao modelo hegemônico de desenvolvimento, buscando desvincular-se da visão economicista, atribuindo um papel de protagonista aos indivíduos locais e tendo a identificação com o território como um requisito. 3. Valorização das Riquezas Não-monetárias Nota: 2 - Parcialmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: O estabelecimento de relações pautadas na cooperação e na solidariedade podem ser observadas não só entre os membros locais, mas também entre eles e o meio ambiente. De toda forma, considera-se que esse não é um fator determinante na classificação de uma experiência de desenvolvimento local. Assim, há uma mínima afinidade neste aspecto com a sociedade de decrescimento, mas que dependendo do contexto prático pode seguir havendo uma supervalorização de itens materiais. 4. Incorporação Autônoma de Inovações Tecnológicas Nota: 2 - Parcialmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Assim como na teoria do decrescimento, o desenvolvimento local aposta por tecnologias sustentáveis e autônomas, evitando replicar modelos externos. Entretanto, por não ser um fator determinante para a classificação de determinada experiência como desenvolvimento local, foi atribuída a pontuação de afinidade mínima. 92 5. Indiferença aos efeitos da Publicidade Nota: 0 - Totalmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Não há na teoria do desenvolvimento local qualquer aspecto que faça uma oposição clara aos efeitos da publicidade no tecido social. 6. Redução do Crédito como Estímulo ao Consumo Individual Nota: 1 - Parcialmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Em termos teóricos, não há nenhuma restrição de acesso ao crédito seja por meio de bancos tradicionais ou comunitários. Entretanto, há um esforço em produzir internamente os bens necessários, minimizando a necessidade de busca por crédito individual para consumo externo. Além disso, em algumas experiências como no caso dos bancos comunitários, a oferta de crédito com base nas moedas sociais atua como forma de reforçar o consumo em escala local e contribuir para o desenvolvimento econômico da região. 7. Preferência por produtos mais duráveis Nota: 2 - Parcialmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Devido à premissa de identificação territorial nas experiências de desenvolvimento local, existe uma tendência pelo consumo de produtos mais duradouros como forma de mitigar o impacto ambiental. Entretanto, não é um requisito para a classificação de alguma experiência segundo o desenvolvimento local. 8. Práticas de Reutilização e Reciclagem Nota: 2 - Parcialmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: A mesma justificativa do critério anterior, existe uma tendência à prática de reciclagem e reutilização dos materiais, porém não é um requisito para classificar uma experiência segundo o desenvolvimento local. 93 9. Produção em Escala Local Nota: 3 - Totalmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Condição primária para classificar determinada experiência segundo o desenvolvimento local, assim como um dos direcionadores de implementação da sociedade de decrescimento. 10.Produção Ambientalmente Sustentável Nota: 3 - Totalmente Verificado como o Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: As experiências de desenvolvimento local pressupõem algum tipo de atividade produtiva, somadaao fator de identificação e preservação do território. Dessa forma, ter uma produção ambientalmente sustentável é como um pré-requisito assim como na sociedade de decrescimento. 11. Tempo Livre Disponível Nota: 1 - Parcialmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Acredita-se que a nota deste critério pode variar amplamente de acordo com a experiência analisada. Em termos teóricos, observa-se uma tendência a ter maior tempo livre disponível, uma vez que estaria diretamente ligado ao bem-estar e às práticas sustentáveis. Por outro lado, não é garantido que este tempo livre esteja apartado de atividades produtivas sejam elas remuneradas, sejam elas em prol do desenvolvimento comunitário. 12.Qualidade dos Postos de Trabalho Nota: 1 - Parcialmente Oposto ao Idealizado pelo Decrescimento Justificativa: Acredita-se que a nota deste critério pode variar amplamente de acordo com a experiência analisada. No campo teórico, há uma tendência à concepção de postos de trabalho com maior qualidade para os ocupantes, devido à preocupação com o bem-estar social. Entretanto, na prática, não é garantido que todos os postos de trabalho sejam assim, podendo variar de acordo com a disponibilidade de mão de obra e até com a infraestrutura disponível no local. 94 QUADRO 7 - MATRIZ DE AFINIDADE DO DESENVOLVIMENTO LOCAL COM O DECRESCIMENTO Fonte: Elaboração própria Com base nas notas determinadas, o desenvolvimento local aparece com uma pontuação de 1,756 numa escala de afinidade de 0 a 3 com a teoria de decrescimento econômico. Apesar do número absoluto indicar que em termos teóricos o desenvolvimento local se aproxima mais de uma sociedade de decrescimento do que de uma sociedade de consumo, é válido ressaltar novamente que em termos práticos, dependendo da experiência de desenvolvimento local analisada essa afinidade pode variar tanto para mais quanto para menos. Além disso, aprofundando a análise no resultado de cada um dos macro critérios, vemos que a principal afinidade reside no campo da produção, uma vez que as duas teorias enxergam o fator local como preponderante para se opor ao modelo hegemônico. Já em termos econômicos, a principal afinidade está no fato do desenvolvimento local se opor à visão economicista do desenvolvimento, pautando sua alternativa na autonomia que cada território possui de definir como alcançar esse desenvolvimento mais holístico. No entanto, é difícil que a pontuação deste último macro-critério seja máxima, uma vez que visando coexistir com a sociedade 95 de consumo, o desenvolvimento local não se opõe à busca pelo crescimento econômico que é a principal crítica do decrescimento neste aspecto. FIGURA 9 - PERCENTUAL DA PONTUAÇÃO TOTAL OBTIDO EM CADA MACRO GRUPO Fonte: Elaboração própria Na Figura 9, é possível observar qual percentual da pontuação máxima foi obtido em cada um dos macro grupos. Conforme discutido, a tendência é que nos critérios do grupo Redução dos Níveis de Produção a pontuação seja sempre máxima, por conta dos pré-requisitos teóricos do desenvolvimento local. No grupo de Reavaliação de Premissas da Economia Hegemônica, pode haver uma variação dependendo de experiências específicas, mas não é esperado que atinja o 100% por conta da valorização do crescimento econômico. Por outro lado, os critérios referentes à Redução dos Ciclos de Consumo e Redução dos Níveis de Trabalho são aqueles que apresentam maior risco de uma experiência de desenvolvimento local se aproximar de uma mera reprodução da sociedade de consumo em menor escala. Em termos de níveis de trabalho, há um risco de reproduzir a lógica produtivista ainda que seja em prol da comunidade local. Já do ponto de vista do consumo, há o risco de manter níveis consideráveis de compra sob a lógica de comprar “o produto certo, do fornecedor certo” que se aproxima do discurso sustentável capitalista e que é uma das críticas do decrescimento. Dessa forma, espera-se uma maior volatilidade nas pontuações aqui obtidas de acordo com a experiência analisada. 96 Isso acontece justamente por não haver uma fórmula pronta sobre o que uma comunidade sob a lógica do desenvolvimento local deve ou não seguir, algumas experiências práticas podem ter maiores graus de oposição à sociedade de consumo e, consequentemente, mais afinidade com a proposta do decrescimento. Assim como numa sociedade de decrescimento, o desenvolvimento local defende a autonomia de cada região enquanto tomadora de decisão do seu processo de desenvolvimento, permitindo um leque de possibilidades sobre as práticas aplicadas. 97 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente projeto de graduação surgiu do intuito de apresentar um contraponto à sociedade de consumo: a teoria do decrescimento econômico. Entretanto, sabe-se que os valores da economia hegemônica hoje estão tão intrínsecos no tecido social que a implementação de uma sociedade de decrescimento seria extremamente lenta e difícil. Por defender que mesmo assim, uma sociedade de decrescimento deveria ser o cenário de sociedade ideal, buscou-se estudar os principais norteadores desse caminho de transição do consumo ao decrescimento. Acredita-se que uma das contribuições centrais deste trabalho esteja justamente na construção de uma ferramenta de análise que permitiu entender os principais pontos de intersecção entre a utopia da sociedade de decrescimento e determinada teoria ou experiência. Uma vez que no contexto econômico atual, é muito comum que até mesmo as insatisfações socioambientais individuais sejam incorporadas pelo capitalismo, torna-se essencial saber quais são esses norteadores rumo à uma sociedade de decrescimento. Dessa forma, espera-se evitar que experiências camufladas num discurso raso de preocupação socioambiental sejam tidas como alternativas à sociedade de consumo. Assim, buscou-se aplicar a matriz de afinidade elaborada à teoria do desenvolvimento local visando alcançar o objetivo do presente trabalho de analisar se essa teoria era capaz de nortear experiências nesse caminho de transição rumo ao decrescimento ou não. Como existem diversas experiências orientadas pelo desenvolvimento local mapeadas na literatura, obviamente não era esperado que houvesse uma afinidade plena entre essa teoria e o decrescimento. Caso contrário, a sociedade do decrescimento não precisa mais ser considerada uma utopia, mas sim uma realidade. A partir da pontuação obtida (1,756), pode-se concluir que a teoria do desenvolvimento local apresenta 58% de afinidade com a teoria que embasa a sociedade de decrescimento. Sendo que o principal ponto de afinidade reside no fato de ambas partilharem da premissa de que uma produção a nível local é determinante para garantir melhores condições de desenvolvimento. Além disso, as 98 duas teorias acreditam num desenvolvimento autônomo e holístico, que contemple também aspectos socioambientais além do mero dinamismo econômico. Por outro lado, o desenvolvimento local não pressupõe nenhuma crítica ao crescimento econômico como motor do desenvolvimento econômico, nem aos indicadores utilizados para medi-lo. Vale ressaltar, no entanto, que este trabalho foi pautado inteiramente numa análise de afinidade teórica. Dada a dificuldade de transpor a proposta do decrescimento para o campo prático, acreditava-se que analisar especificamente uma experiência de desenvolvimento local, poderia enviesar o resultado obtido. Uma vez que, assim como o decrescimento, a proposta do desenvolvimento defende que cada experiência construa suas práticas sociais de maneira autônoma. Por isso, optou-se por manter o escopo deste trabalho sob uma perspectiva mais macro. Dessa forma, uma vez percebida tal afinidade no campo teórico, é desejado que em estudos futuros, essa análise possa ser replicada num nível mais micro, a partir da análise de experiências específicas. Assim, será possível compreender e tangibilizar alguns exemplos práticos de como se aproximar dessa utopia do decrescimento.É sugerido também que a pessoa que estiver conduzindo tal avaliação passe por um processo mínimo de imersão nessa experiência, observando as dinâmicas locais e entrevistando alguns participantes, reforçando, assim, o propósito de trazer resultados mais tangíveis com a realidade. Por fim, espera-se que o presente trabalho tenha contribuído também para endossar a literatura no campo da engenharia e da economia com reflexões acerca de perspectivas alternativas ao modelo hegemônico atual. Além disso, deseja-se que ele também contribua para ampliar a compreensão do senso comum de que a sociedade de consumo em que se vive hoje não pode ser entendida como algo dado, mas sim como resultado de um processo histórico que ajudou a fortalecer o sistema econômico capitalista. Dessa forma, é preciso que todos que assim como Robert Kennedy acreditam que o PIB mede tudo “exceto aquilo que faz a vida valer a pena”, também acreditem que a construção de modelos alternativos à sociedade de consumo são não só necessários, como também possíveis. 99 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A History of Degrowth. [S. l.], [entre 2014 e 2020]. Disponível em: https://www.degrowth.info/en/a-history-of-degrowth/. Acesso em: 1 nov. 2020. ALEXANDER, Samuel. Renta Básica y Renta Máxima. In: D'ALISA, G., DEMARIA, F., KALLIS, G. (eds.). Decrecimiento: Vocabulario para una nueva era. Cidade do México: Fundación Heinrich Boell, 2018. AMERICAN MARKETING ASSOCIATION (AMA). Definitions of Marketing, 2017. Disponível em: https://www.ama.org/the-definition-of-marketing-what-is-marketing/. Acesso em: 4 nov. 2020. BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BLANCHARD, Olivier. Macroeconomia. São Paulo : Pearson Prentice Hall, 2011. 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