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ASPECTOS HISTORICOS - FILOSOFICOS E PSICOLOGICOS DA GENEALOGIA DA MORAL DE NIETZSCHE

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Lucas Santos Café 
 
Aspectos históricos, filosóficos e psicológicos da Genealogia da 
Moral de Nietzsche 
 
 
 
 
 
Relatório de pesquisa apresentado em 
cumprimento final às exigências do 
Programa Institucional de Bolsas de 
Iniciação Científica. 
 
Orientador: Prof. Dr. André Luís Mota 
Itaparica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 
Curso de História 
Julho, 2008 
A GENALOGIA NIETZSCHIANA COMO MÉTODO HISTÓRICO 
 
1. A GENEALOGIA 
 
 
Nietzsche afirmou, na Genealogia da Moral, que sua preocupação a respeito de 
nossos preconceitos morais não surgiu com esse livro; ela já era antiga e expressa em 
Humano, Demasiado Humano. Nesta obra, Nietzsche faz uma forte crítica aos valores 
morais, pois, para ele, eles nada teriam de transcendentes, eram uma criação humana. 
Segundo ele, os valores são tidos como verdadeiros, eternos, reais, exatos, superiores e 
sublimes. Para o homem, os valores estão além da experiência; trata-os como se eles não 
tivessem nem início, nem fim, como se fossem eternos. Nietzsche afirma que, sendo uma 
criação dos homens, os valores teriam o momento de sua criação, que ao longo dos anos foi 
“esquecido”, dando margem a essa transvaloração dos valores morais, a mudança de estado 
e a mistificação errônea. É de suma importância lembrar que neste período Nietzsche ainda 
defende a questão do esquecimento dos valores, mas, na Genealogia na Moral, ele vai fazer 
uma crítica a essa forma de análise, que era principalmente utilizada pelos psicólogos 
ingleses, o modo como Nietzsche chamava os utilitaristas. Para o Nietzsche da última fase, 
não era mais uma questão de esquecimento e sim de condicionamento. 
 
 
 O livro Humano, Demasiado Humano foi o que marcou por completo o 
afastamento de Nietzsche do músico alemão Richard Wagner e do “pessimismo” de 
Schopenhauer. Este livro foi muito importante para a filosofia de Nietzsche, pois nele ele se 
desprende da arte e da música, dando lugar à razão e à ciência. Outro fato muito importante 
neste livro foi a forma utilizada de escrita, no qual o autor aprimorou a forma do aforismo, 
bastante influenciado pelos moralistas franceses. O aforismo é uma técnica utilizada por 
Nietzsche para escrever de forma sucinta e sintética seus pensamentos e suas teses 
filosóficas. Esta forma abreviada e fragmentada de escrita de Nietzsche não significa que 
ele tenha sido disperso ou leviano em suas afirmações. Na verdade, o aforismo foi uma 
forma utilizada em algumas de suas obras para fazer uma crítica ao estilo tradicional 
filosófico de escrever, que parte de um fundamento aceito de forma incondicional e a partir 
deste são efetuadas várias deduções. Alguns estudiosos como Michel Foucault e Gilles 
Deleuze analisam esta forma e estilo de escrita utilizada por Nietzsche. Para eles, Nietzsche 
seria essencialmente aforístico e isso propiciaria diversas interpretações em seus escritos. 
Itaparica, em seu livro Nietzsche: Estilo e Moral, analisa a forma e o estilo da escrita 
realizada por Nietzsche, advertindo aos críticos que generalizam e desvalorizam a escrita 
aforística utilizada pelo autor. 
 
 (...) Ora, essa concepção, primeiramente, ignora que nem todos os livros de 
Nietzsche são aforísticos. Em segundo lugar, ao estudar o aforismo, ressalta apenas a 
tese da infinidade de interpretações possíveis, quando essa é apenas uma de suas 
facetas. Além desses dois pontos, há outra grande deficiência no estudo do estilo 
aforístico desses comentários. Ao considerar o estilo aforístico como o fundamental 
na filosofia de Nietzsche, não se procura compreendê-lo dentro do arcabouço teórico 
do período em que ele foi elaborado; ao contrário, no caso de Deleuze, por exemplo, o 
aforismo é estudado com o auxílio das noções de perspectivismo e de força, que são 
elaboradas apenas no último período da obra do filósofo. (ITAPARICA; 2002; p.14). 
 
Nietzsche afirma que Humano, Demasiado Humano era um livro para 
homens de “espírito livre”, ou seja, livre dos preconceitos idealistas, das imposições morais 
e preparados para uma nova forma de pensar. Neste livro, ele também abrange uma série de 
temas variados como a arte, literatura, amor, política, relações sociais e, principalmente, as 
questões de metafísica, moral e religião. Nos capítulos segundo e terceiro do livro citado, 
“Contribuição à história dos sentimentos morais” e “A vida religiosa” respectivamente, 
seriam os embriões dos futuros escritos sobre a moral que viriam a suceder, é daí que surge 
de forma aprimorada a crítica aos valores. 
Nietzsche diz que suas idéias sobre a moral não surgiram pelo acaso e sim 
pela recusa da verdade dada. Em seus escritos, ele fala que todos os pesquisadores devem 
comportar-se como ele, sempre em busca de novas idéias e novas respostas. Em Além do 
Bem e do Mal, Nietzsche também faz uma crítica à moral e à forma que ela é estudada. O 
aforismo 186 do livro citado, contido no capítulo “Contribuição à história natural da 
moral”, que mais tarde também serviria de base para a genealogia da moral, Nietzsche 
identifica um contraste entre a sensibilidade da moral e a ciência da moral. Para ele, a Ética 
(ciência que se preocupa em estudar a moral) não consegue compreender a multiplicidade e 
a profundidade dos fenômenos efetivos. Para Nietzsche, primeiramente devemos reunir as 
morais e identificar os tipos básicos da moral, para assim obtermos um resultado adequado. 
Ele também apresenta a necessidade de um método histórico para a compreensão da moral. 
Em suas palavras, podemos perceber de certa forma, uma apurada historicidade da moral: 
 
Precisamente porque os filósofos da moral conheciam os fatos morais 
apenas grosseiramente, num excerto arbitrário ou compêndio fortuito, como 
moralidade do seu ambiente, de sua classe, de sua igreja, do espírito de sua época, de 
seu clima e seu lugar – precisamente porque eram mal informados e pouco curiosos 
a respeito de povos, tempos e eras, não chegavam a ter em vista os verdadeiros 
problemas da moral – os quais emergem somente na comparação de muitas morais. 
Por estranho que possa soar, em toda “ciência moral” sempre faltou o problema da 
própria moral: faltou a suspeita de que ali havia algo problemático. O que os 
filósofos denominavam “fundamentação da moral” exigindo-a de si, era apenas, 
vista à luz adequada, uma forma erudita da ingênua fé na moral dominante, um novo 
modo de expressá-la (...). (NIETZSCHE; 2007; p. 74-75). 
 
A partir desse aforismo podemos identificar o que seria uma 
genealogia para Nietzsche: 
 
Deveríamos, com todo o rigor, admitir o que se faz necessário por muito 
tempo, o que unicamente se justifica por enquanto: reunião de material, formulação 
e ordenamento conceitual de um imenso domínio de delicadas diferenças e 
sentimentos de valor que vivem, crescem, procriam e morrem – e talvez tentativas 
de tornar evidentes as configurações mais assíduas e sempre recorrentes dessa 
cristalização viva – como preparação para uma tipologia da moral. (NIETZSCHE 
2007; 186; p.74). 
 
Para Nietzsche, o grande erro dos filósofos da moral está em justificar a moral dada. 
Para ele, os filósofos que estudaram a moral até então só se preocuparam em fundamentá-
la, ou seja, não estudavam a moral de forma crítica, para que pudessem identificar seus 
erros e seus malefícios, quebrar seus dogmas e suas imposições, descobrir seus segredos e 
desmascará-la por completo. Então, de certa forma, estes filósofos não faziam mais do que 
aceitar a própria moral, ao invés de questioná-la. Enquanto, para Nietzsche, era preciso 
quebrar os paradigmas, libertar-se dos vícios para que pudéssemos estudar e analisar a 
moral de forma apropriada, ao contrário do que realizavam os filósofos da moral. Para 
Nietzsche, é preciso questionar o valor dos próprios valores da moral e não tentar explicá-
los. 
 
A genealogia de Nietzsche sustenta-senum tripé entre História, Filologia e 
Psicologia. A História serviria para identificar em que momentos surgiram os tipos de 
moral, para identificar os momentos de erupções da moral na história. A Filologia serviria 
para identificar sentido dos conceitos morais em cada sociedade no período analisado. 
Influenciado pelo seu professor Ritschl nos tempos de universidade, Nietzsche entendia a 
Filologia como os estudos das instituições e do pensamento, indo além da Filologia como a 
história das formas literárias. A Psicologia serviria para identificar que tipo de homem criou 
estes tipos de moral. Para Nietzsche, a moral só pode ser estudada de forma comparada, não 
se pode estudar uma moral como um recorte único em detrimento das outras, a comparação 
é essencial. 
 
 Dentro do que se pode imaginar a respeito da moral, ele pergunta-se quais foram os 
seus efeitos na história e na vida da humanidade, se ela trouxe lucros ou prejuízos para a 
sociedade. Nietzsche afirma que o que o despertou para o estudo da moral foram os escritos 
de Paul Rée. Mas, para Nietzsche, o que interessava era o valor da moral; faltava, entre os 
estudiosos que se propuseram a estudar a moral, uma investigação do seu verdadeiro 
problema, ou seja, seu valor. Nietzsche identifica a valorização da compaixão como um 
sintoma do período atual, que impede um convincente estudo da moral. 
 
(...) Mas precisamente contra esses instintos manifestava-se em mim uma 
desconfiança cada vez mais radical, um ceticismo cada vez mais profundo! 
Precisamente nisso enxerguei o grande perigo para a humanidade, sua mais sublime 
sedução e tentação – a quê? ao nada? --; precisamente nisso enxerguei o começo do 
fim, o ponto morto, o cansaço que olha para trás, a vontade que se volta contra a 
vida, a última doença anunciando-se terna e melancólica: eu compreendi a moral da 
compaixão, cada vez mais se alastrando, capturando e tornando e doentes até 
mesmo os filósofos, como o mais inquietante sintoma dessa nossa inquietante 
cultura européia; como o seu caminho sinuoso em direção a um novo budismo? a 
budismo europeu? A um – niilismo?...(NIETZSCHE; 2006, p.11-12). 
 
Sua crítica, neste sentido, refere-se a Arthur Schopenhauer; para ele, Schopenhauer, 
com sua “vontade de vida” e sua “ética da compaixão”, não soube desvencilhar-se da moral 
e, pelo contrário, disse sim a ela. Nietzsche diz que os pensadores da moral devem despertar 
contra ela para enxergar seus verdadeiros interesses. 
 
Para Nietzsche, a moral do cristianismo seria uma forma de negação do homem, uma 
forma de conter e igualar a sociedade. A compaixão estaria intrinsecamente ligada à moral 
cristã, seria apenas um segmento dela; sendo assim, a compaixão não poderia ser valorizada 
como fazia Schopenhauer, seria um esforço tolo o estudo da moral sem se desprender dos 
efeitos da moral. Schopenhauer defendia a renúncia quientista do mundo e suas solicitações, 
o que, para Nietzsche, deixava claro que Schopenhauer estava impregnado com os preceitos 
da moral judaico-cristã. 
 
Este problema do valor da compaixão e da moral da compaixão (-- eu sou um 
adversário do amolecimento moderno dos sentimentos --) à primeira vista parece ser 
algo isolado, uma interrogação à parte; mas quem neste ponto se detém, quem aqui 
aprende a questionar, a este sucederá o mesmo que ocorreu a mim – uma 
perspectiva imensa se abre para ele, uma nova possibilidade dele se apodera como 
uma vertigem, toda espécie de desconfiança, suspeita e temor salta adiante, 
cambaleia a crença na moral, em toda moral (...) (NIETZSCHE; 2006; p. 12). 
 
Na sua genealogia da moral, Nietzsche questiona o valor dos valores morais, 
questionando sua veracidade, se perguntando se esses valores não poderiam ser 
equivocados, se são tão absolutos e verdadeiros que não seriam apenas engano, uma mentira 
ou um retrocesso à evolução e ao progresso do homem. 
 
Nietzsche mostrava uma grande preocupação a respeito dos estudos da moral, 
afirmava estar à procura de filósofos e pesquisadores, a fim de analisar os caminhos da 
moral de forma diferente, inovadora, da forma correta, se livrando, se libertando de seus 
tentáculos para enxergar os problemas que a moral causa à humanidade. Era preciso estudar 
de forma adequada a criação, o desenvolvimento e as mutações da moral ao longo da 
história e, principalmente, colocar em dúvida o valor dos próprios valores morais: 
 
“(...) por fim, uma nova exigência se faz ouvir. Enunciemo-la, esta nova exigência: 
necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses valores 
deverá ser colocado em questão – para isto é necessário um conhecimento das 
condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se 
modificaram” (NIETZSCHE 2006, p.12). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2. GENEALOGIA E HISTÓRIA 
 
Apesar de durante sua vida, mais precisamente na segunda fase de suas obras, 
Nietzsche ter se aproximado das idéias de Augusto Comte, ao fazer sua genealogia, ele não 
cometeu nenhum dos pecados historiográficos realizados pela escola tradicional ou, nas 
palavras de José Carlos Reis, “a escola metódica, dita ‘positivista’”, e melhor, utilizou de 
técnicas que mais tarde seriam utilizadas por muitos historiadores, principalmente os da 
corrente dos Annales, liderados por Marc Bloch e Lucien Febvre. Os historiadores 
metódicos e tradicionais, os chamados positivistas da escola alemã de Ranke, ao tentar 
aproximar a história das ciências naturais, criaram um método prejudicial para a produção 
historiográfica, limitando a história em vários aspectos. Nietzsche, ao dar ênfase à 
psicologia e à filologia, leva a multidisciplinariedade à sua pesquisa histórica. 
 
Nietzsche teria tudo para ser influenciado pelos positivistas em sua genealogia. 
Além de ser um homem do século XIX, nasceu na Alemanha e durante sua vida leu muito 
estudiosos positivistas. Mas Nietzsche inovou e revolucionou com seu método genealógico. 
Talvez, ao ler esses pensadores “positivos”, ele tenha tido bastante contato com seus 
trabalhos, o que possibilitou uma dura crítica e a inovação. 
 
 Podemos considerar que Nietzsche, apesar ser um filósofo, se aproximou muito de 
um historiador das mentalidades, pois ele se preocupou em dar ênfase a várias ciências na 
realização de seu trabalho, principalmente a psicologia, bastante utilizada pelos 
historiadores Michel Foucault e Jacques Le Goff. Nas palavras de Jacques Le Goff, um 
historiador das mentalidades deve ir “(...) inicialmente ao encontro de outras ciências 
humanas” e afirma que “mentalidade abrange, pois, além da história, visando a satisfazer as 
curiosidades de historiadores decididos a irem mais longe”. Será que Nietzsche não 
pretendeu sempre ir mais longe? Nietzsche não era um desafiador dos dogmas? Ele não 
pretendia um espírito livre nos pensadores? Nietzsche sempre pretendeu ir além das 
barreiras metodológicas. Vejam as palavras de Ciro Flamarion Cardoso, a respeito da 
história das mentalidades: 
 
A história das mentalidades, ramo recente e de certo modo mal definido, 
ainda, dos estudos históricos origina-se de uma mudança dupla de perspectiva por 
parte dos historiadores. Em primeiro lugar, refletindo a tendência geral da disciplina 
no sentido da totalidade, do social global, o interesse que tinham pelos elementos 
psicológicos de explicação – dantes limitado a visões impressionistas e quase 
sempre anacrônicas as “psicologia dos grandes homens” passou a aplicar-se à 
problemática da psicologia coletiva. Ao mesmo tempo, o referido interesse deixou 
de limitar-se, como antes, às denominadas “expressões superiores do espírito 
humano” (artes, teologias, filosofias, etc.) para estenderem-se a aspectos, cotidianos 
e prosaicos da piedade popular, aos mecanismos da formação educativa e da 
informação, à percepção diferencial dos valores pelos vários grupossociais. Em 
suma, as mentalidades coletivas, com todos os seus matizes e manifestações, 
ingressaram no campo de trabalho da pesquisa histórica. Em segundo lugar, já não 
se considera a psicologia humana um dado invariável ou constante, reflexo do que 
às vezes é tido como uma abstrata e universal “natureza humana”: os historiadores 
começaram a vê-la como um aos aspectos de um cambiante contexto histórico-
social global.(CARDOSO; 1983; p. 394; 395). 
 
Deve-se notar que a psicologia está intrinsecamente ligada aos historiadores 
das mentalidades e Nietzsche, antes deles, já reconhecia o seu valor e a utilizava em seus 
trabalhos. Apesar do sentido de psicologia de Nietzsche ser um pouco diferente do utilizado 
pelos historiadores das mentalidades, o que vale sublinhar, é a questão da 
interdisciplinaridade proposta pelo filosofo alemão, que mais tarde, seria bastante defendida 
por estes historiadores. Jacques Le Goff comenta que o historiador do mental deve se 
aproximar da etnologia, da sociologia, da psicologia, da psicologia social, da historia 
quantitativa e aos métodos estruturalistas: 
 
O historiador de mentalidades encontra-se muito particularmente com o 
psicólogo social. As noções de comportamento ou de atitude são para este e para 
aquele essenciais. Na medida, aliás, em que os psicólogos sociais, como C. 
Kluckhohn, insistem no papel do controle cultural nos comportamentos biológicos, 
a psicologia social inclina-se para a etnologia e, desta, para a história. Dois 
domínios manifestam essa inclinação recíproca da história das mentalidades e da 
psicologia social; o desenvolvimento dos estudos sobre a criminalidade, sobre os 
marginais, sobre os desviados nas épocas passadas e o progresso paralelo das 
sondagens de opinião e de análises históricas de comportamento eleitorais. Desse 
ponto de vista, um dos interesses da história das mentalidades revela-se: as 
possibilidades que oferece à psicologia histórica de ligar-se a uma outra grande 
corrente da pesquisa histórica de hoje – a história quantitativa. (LE GOFF; 1988; 
p.70). 
 
Não se pretende dizer aqui que Nietzsche tenha sido um historiador das 
mentalidades, o propulsor deste ramo da história ou algo parecido, mas sim analisar o 
método essencialmente histórico de Nietzsche e observar seu alto nível metodológico. Essa 
ligação de Nietzsche com a história e a psicologia também agradou ao filósofo e historiador 
Michel Foucault, que também escreveu sobre os trabalhos de Nietzsche. 
 
Em relação ao método genealógico de Nietzsche, Michel Foucault apontou a sua 
importância para a história. Foucault, mencionando Nietzsche no prefácio à Genealogia da 
moral, afirma que a genealogia é cinza, fazendo uma alusão ao seu caráter documental. A 
construção de uma genealogia depende de uma série de escritos e documentos que devem 
ser pacientemente analisados: 
 
Paul Rée se engana, como os ingleses, ao descrever gêneses lineares, ao ordenar, 
por exemplo, toda a história da moral através da preocupação com o útil: como se as 
palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos, sua direção, as idéias, sua 
lógica; como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse conhecido 
invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. Daí, para a genealogia, um 
indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de 
toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se esperava e naquilo que é 
tido como não possuindo história – os sentimentos, o amor, a consciência, os 
instintos; apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas 
para reencontrar as diferentes cenas onde eles desempenharam papéis distintos; e 
até definir o ponto de sua lacuna, o momento e quem eles não aconteceram (Platão 
em Siracusa não se transformou em Maomé).(FOUCAULT 2006, p.15). 
 
Foucault, através dos escritos de Nietzsche, analisa e aprofunda a crítica a 
Paul Rée. O que interessava para Paul Rée era descrever a gênese, ou seja, ir à busca das 
origens, como se as origens explicassem as coisas. Foucault afirma que as palavras perdem 
seus sentidos com o passar do tempo e ganham novas acepções, então a genealogia deve ser 
estudada com paciência, vendo suas erupções ao longo da história. A genealogia deve se 
opor às origens. 
 
Dentro da discussão metodológica em relação à pesquisa, François Simiand elaborou 
uma crítica aos ditos “positivistas”, na qual afirmava que a história para ser mais completa 
teria que se livrar dos seus três principais ídolos, estes seriam: o ídolo individual, que 
acabaria com a excessiva preocupação com as histórias individuais, o ídolo político, que não 
só privilegiaria a história dos grandes feitos, e o ídolo cronológico, que eliminaria a 
preocupação excessiva com as origens. 
 
É possível perceber que, antes dos historiadores da “Escola dos Annales”, alguns 
historiadores já percebiam o perigo da busca pelas origens na pesquisa histórica e 
procuraram desenvolver estudos que visassem desenvolver uma crítica a ela; Nietzsche 
apesar de não ser um historiador, também fez essa crítica às origens. Esta crítica, feita por 
Simiand, mais tarde vai ser retomada pelos historiadores da “Escola dos Annales” vindo a 
servir como uma das bases para a elaboração de seus paradigmas. 
 
Um dos historiadores que se preocuparam com a questão das origens na pesquisa 
histórica foi Marc Bloch. Em Introdução à História, ele faz uma inovadora obra de 
metodologia histórica, na qual descreve o verdadeiro ofício de um historiador, contrariando, 
em parte, muitos historiadores que faziam história baseando-se nas velhas premissas 
positivistas, que tornavam a história menos importante que as outras ciências. Nesta obra 
incompleta, o fundador da revista dos Annales, através de sua metodologia, suas reflexões e 
seus projetos, não só nos mostra qual é o papel do historiador como deixa claro que ele tem 
que assumir novos papéis intelectuais e sociais na produção da história. Marc Bloch 
revoluciona a história com sua nova forma de fazer e estudar a ciência, abandonando aquela 
velha forma de fazer história, instalada pelo pensamento positivista e pela velha concepção 
que se tinha de ciência. Os positivistas faziam a história de forma distorcida e limitada, 
perdendo parte de sua essência e seus méritos em relação às demais ciências. Com isso, 
Bloch defende a idéia de um novo método para estudar os fatos humanos, até porque estava 
havendo uma grande revolução no pensamento científico e a história não poderia ficar de 
fora dessas mudanças. Ele inicia a criação de um novo método a ser seguido pelos próximos 
historiadores. Na obra citada, Marc Bloch dita os caminhos a serem seguidos por um 
verdadeiro pesquisador, ensinando como se deve realmente agir diante dos fatos humanos, 
como estudar o presente e pesquisar o passado, mostra qual é o verdadeiro objetivo da 
história, o que significa o tempo para um historiador, como se deve trabalhar com os 
vestígios, como é possível relacionar melhor as causas aos efeitos, como fazer uma análise 
crítica do documento e como trabalhar a questão das origens. 
 
Marc Bloch faz uma crítica direta aos ídolos das origens, aqueles historiadores que 
estudam e pesquisam diretamente o passado, o começo para explicar todas as coisas: 
 
(...) No vocabulário corrente, as origens são um começo que explica. Pior ainda: que 
basta para explicar. Eis aí a ambigüidade, o perigo. (BLOCH; 1997; p.91). 
 
 Bloch afirma também que “(...) todas as modalidades de estudo da atividade humana, 
o mesmo risco espreita os indagadores de origens: confundir uma filiação com uma 
explicação” (BLOCH; 1997; p.93). Mas, apesar de os historiadores serem apaixonados pelas 
origens, somente a busca delas não é, de maneira nenhuma, fazer história. Marc Bloch 
ainda comenta que, enquanto os estudiosos das ciências naturais buscam um distanciamento 
progressivo em relação às formasancestrais, os historiadores foram muito influenciados a 
fazer o contrário. Em suma, origem, para Bloch, não era uma verdade pura, muito menos a 
história. 
 
 
 
 
 Podemos perceber, através dessas relações e comparações com outros trabalhos, que, 
apesar de Nietzsche não ser um historiador de ofício, ele criou e defendeu um método 
genealógico diferente para sua época, observando questões que mais tarde seriam discutidas 
na metodologia histórica. Michel Foucault ressalta mais uma vez a importância de Nietzsche 
e sua avançada técnica de pesquisa: 
 
Por que Nietzsche genealogista recusa, pelo menos em certas ocasiões, a pesquisa 
da origem (Ursprung)? Porque, primeiramente, a pesquisa, nesse sentido, se esforça 
para recolher nela a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua 
identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a 
tudo o que é externo, acidental, sucessivo. Procurar uma origem é tentar reencontrar 
“o que era imediatamente”, o “aquilo mesmo” de uma imagem exatamente 
adequada a si; é tomar por acidental todas as peripécias que puderam ter acontecido, 
todas as astúcias, todos os disfarces; é querer tirar todas as máscaras para desvelar 
enfim uma identidade primeira. (FOUCAULT; 2006; p.17). 
 
Foucault afirma que Nietzsche soube agir da maneira certa em sua 
genealogia, pois o que se encontra nas origens não é uma identidade ainda preservada, não é 
a verdade, e sim uma “discórdia entre as coisas, um disparate”: 
 
Fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento não será, 
portanto, partir em busca de sua “origem”, negligenciando como inacessíveis todos 
os episódios da história; será, ao contrário, se demorar nas meticulosidades e nos 
acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; 
esperar vê-los surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro; não ter pudor 
de ir procurá-las onde elas estão escavando os basfond; deixar-lhes o tempo de 
elevar-se do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sob guarda. O 
genealogista necessita da história para conjurar a quimera da origem, um pouco 
como o bom filósofo necessita do médico para conjurar a sombra da alma. É preciso 
saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as 
vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas que dão conta dos atavismos e das 
hereditariedades; da mesma forma que é saber diagnosticar as doenças do corpo, os 
estados de fraqueza e de energia, suas rachaduras e suas resistências para avaliar o 
que é um discurso filosófico. A história com suas intensidades, seus 
desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas 
síncopes é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para lhe procurar uma 
alma na idealidade longínqua da origem. (FOUCAULT; 2006; p. 19-20). 
 
Foucault afirma que a história tem que ser estudada de acordo com suas 
mudanças e seus ritos, e Nietzsche fez uma genealogia observando todos esses caprichos da 
história. Nietzsche, para não cometer o pecado das “origens”, soube compreender a história 
como um processo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2. Nietzsche e a Transvaloração dos Valores 
 
 
 
Ao estudarmos e analisarmos a primeira dissertação da Genealogia da 
Moral, podemos observar que Nietzsche, queria mostrar que a moral cristã não passa de 
uma “estratégia” utilizada por um povo que outrora era considerado inferior e sofria com 
suas impotências; ou seja, o Deus cristão não teria nada de transcendentate, seria apenas 
uma criação deste povo para inverter os valores. Nietzsche tenta também explicar e 
demonstrar como se deu essa mudança dos valores e como o surgimento da moral escrava é 
extremamente dependente da moral a que ela faz oposição, a moral nobre. 
 
Desse modo, Nietzsche preocupa-se em diferenciar e explicar como se deu a 
primeira transvaloração dos valores, que mudou o sentido do conceito e do juízo de valor 
bom. Para Nietzsche, essa grande jogada dos fracos serviu até agora para legitimar a sua 
vitória sobre as demais morais; contudo, ele afirma que a própria história da moral cristã 
contradiz os seus ideais, pois ela é fruto de uma guerra eterna com os povos de morais 
nobres, ela é fruto de um ressentimento, de um ódio, que acaba revelando para Nietzsche 
seu caráter extremamente “humano”, afastando-se da idéia de algo transcendente. 
 
Para explicar como se deu a transvaloração dos valores e a criação dos pressupostos 
da moral cristã, Nietzsche procurou primeiro estudar e analisar os antigos estudos sobre a 
moral, principalmente os estudos dos genealogistas ou psicólogos ingleses. Nietzsche 
constata que os psicólogos ingleses cometiam erros gravíssimos em suas genealogias, pois 
esses não utilizavam dos recursos da história em seus estudos. Nietzsche afirma que os 
psicólogos ingleses, apesar de serem historiadores e pesquisares da moral, não tinham 
aquilo que é de maior importância em um pesquisador da moral, o espírito histórico, e sem 
este espírito histórico eles só poderiam pensar forma a-histórica. 
 
Em sua Genealogia, Nietzsche relata que se pode provar o quanto estes psicólogos 
ingleses pensavam a-historicamente, analisando suas investigações a respeito do conceito e 
do juízo “bom”. É neste momento que podemos identificar com mais clareza a principal 
crítica de Nietzsche aos pesquisadores ingleses: ver a utilidade como o sentido para as 
coisas. Em suas análises sobre o conceito “bom”, os psicólogos ingleses afirmaram que o 
bom, ou seja, o individuo que praticava o que era considerado “bom”, era o individuo que 
praticava a bondade, era aquele que fazia o que é louvável para a boa convivência junto as 
demais. Dessa forma, o juízo de valor “bom” teria sido provido dos resultados benéficos, 
teria sido fruto daquele individuo que faz o bem. 
 
Para Nietzsche, ver a utilidade como o sentido para as coisas é um pensamento 
extremamente equivocado, pois não é provado historicamente, e também altamente 
tendencioso, pois tem a intenção de distorcer a verdade, criando meios para esconder ou 
inferiorizar as capacidades humanas, fortalecendo cada dia mais a moral dominante, a 
moral cristã. Para Nietzsche o pensamento utilitarista é demasiado pífio; este tipo de 
pensamento já seria, na verdade, é um pensamento extremamente carregado de uma 
determinada valoração moral. 
 
Vânia Dutra de Azeredo, em sua obra Nietzsche e a dissolução da moral, na qual 
procura fazer um estudo detalhado da genealogia de Nietzsche, detectou a crítica que 
Nietzsche faz aos psicólogos ingleses, e salientou também a importância de Nietzsche ter 
começado sua genealogia fazendo a crítica aos psicólogos ingleses, os quais buscariam 
atender mais a seus interesses pessoais do que realizar uma pesquisa seria e valiosa. 
Azeredo explicou como Nietzsche construiu sua critica aos psicólogos ingleses, partindo 
desde o erro da “utilidade”, desmascarando-a como uma idiossincrasia deles. 
 
 (...) Nietzsche é enfático quanto a sua impossibilidade de sustentação, uma 
vez que ela simplesmente explicita as “idiossincrasias dos psicólogos ingleses – 
temos aí ‘a utilidade’, ‘o esquecimento’, ‘o hábito’ e por fim ‘o erro’ ”. Apesar de 
haver outras explicações a um mesmo tempo razoáveis e psicologicamente 
sustentáveis – Nietzsche cita como exemplo a explicação de Herbert Spencer, que 
estabelece uma relação de igualdade essencial entre bom e útil –, as teorias e 
derivações desses estudiosos foram igualmente classificadas como idiossincráticas. 
Mas por que seriam idiossincráticas? Basta recorrer à ênfase dada por Nietzsche à 
investigação a partir da história da construção da moralidade para ver que os 
moralistas ingleses, na sua visão, construíram suas hipóteses a partir de seus pontos 
de vista pessoais e que, por isso, tinham necessariamente que se perder no azul 
(AZEREDO 2000, p.49,50).Nietzsche afirma que esses “interessantes” pesquisadores da moral já estão 
completamente imbuídos de valores morais, estão presos às armadilhas da moral 
dominante, o que acabou comprometendo o resultado final de seus trabalhos, tudo isso por 
falta do espírito histórico. Mas Nietzsche também sinaliza que na verdade o resultado 
equivocado da genealogia dos psicólogos ingleses a respeito da moral poderia até não ter 
sido propositada, mas com certeza foi realizada de forma tendenciosa, pois para Nietzsche 
os psicólogos ingleses em suas tentativas de inferiorizar os homens, tornando-os iguais 
(democracia), tinham que seguir os mesmos parâmetros da moral dominante, que, ao longo 
da história, teve como principal objetivo igualar os homens e combater o poder senhorial e 
aristocrático. Nietzsche afirma que esses democratas liberais, esses ingleses de péssimo 
senso, para justificar seus pensamentos políticos e suas ações democratas, acabavam 
tendenciando o resultado de suas pesquisas, escondendo a história, para justificar seus 
interesses. 
 
Discordando dos psicólogos e utilitaristas ingleses, Nietzsche afirma que o conceito 
“bom” não surgiu daqueles que praticavam o bem, mas, pelo contrário, surgiu daqueles que 
praticavam aquilo que não seria louvável ao homem moderno, ou seja, os que eram 
considerados bons eram aqueles que praticavam aquilo que seria considerado “mau” nos 
dia de hoje. Observamos a citação de Nietzsche abaixo: 
 
Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca e estabelece a fonte 
do conceito “bom” no lugar errado: o juízo “bom” não provém daqueles aos quais se 
fez o “bem”! Foram os “bons” mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em 
posição e pensamentos, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, 
ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, 
e vulgar e plebeu. (Nietzsche 2006, p.19). 
 
Então podemos perceber que, para Nietsche, as atitudes nobres, ou seja, as atitudes 
de ordem senhoriais, que estão relacionadas a um homem forte que impõe seus 
pensamentos e vontades através da força sobre os demais, eram os considerados “bons”. 
Aqueles homens de atitudes medrosas e inferiores, aqueles homens de pensamento escravo, 
os homems fracos em ações e pensamentos, recebiam o atributo “ruim”. Percebemos que, 
para Nietzsche, o conceito “bom”, na moral aristocrática faz oposição ao conceito “ruim”, 
ao contrario dos psicólogos ingleses que tinham o conceito “mau” como oposição ao 
conceito bom. 
 
Nietzsche afirma que os homens nobres, aqueles que utilizavam de sua força, os 
senhores, os dominadores e não dominados, devido a este tipo de comportamento, devido a 
suas atitudes senhoris, eram considerados “bons”. Já os sofredores, os escravos, devido a 
suas deficiências, como não podiam combater, como não podiam através da força reverter a 
situação em que se encontravam, eram considerados ruins, pois louvável era ser forte, ser 
nobre, ser aristocrático. Vejamos que para Nietzsche ser bom e ser ruim não se refere a uma 
bondade ou maldade em suas ações, não existe uma relação sentimental ou moral, trata-se 
apenas de uma questão da efetividade em seus atos, ou seja, era bom o mais forte em suas 
ações. Os escravos, por não serem eficientes como os senhores, eram considerados ruins. 
Eficiência encaixasse no sentido de dominação ao outro, através do uso da força. 
 
 
Nietzsche também realiza uma crítica à questão do esquecimento, adotada pelos 
psicólogos ingleses, pois, para ele, se o bom é aquilo que é útil para o homem, de forma 
nenhuma ou hipótese alguma isto poderia ter sido esquecido, pois ninguém se esqueceria 
daquilo que lhe teria sido louvável, daquilo que teria sido bom e útil. Para Nietzsche, 
afirmar o contrário é impossível, é um contra-senso psicológico. Para ele, este tipo de 
pensamento serve apenas para provar cada vez mais o quanto é equivocada a genealogia 
dos psicólogos ingleses. 
 
Nietzsche relata que em todas as línguas é possível perceber que o conceito bom 
está demasiado ligado àquilo que é nobre e aristocrático, àquilo que é senhorial, e faz 
oposição àquilo que não é bom, àquilo que é baixo, escravo e medíocre. Para Nietzsche, os 
psicólogos ingleses negaram-se a enxergar este passado do homem, devido as suas 
tentativas de democratização do mundo moderno, ou seja, de tornar os homens iguais. Para 
Nietzsche, não só os democratas, mas os socialistas também acabam neste ponto 
legitimando a fé cristã. Para ele, a história prova que os homens sempre foram desiguais, e 
ser desigual não era ruim para o homem, era ser nobre ser superior. Para Nietzsche igualar 
os homens é regredir, é ir contra a natureza do próprio homem, é diminuir as capacidades 
humanas. 
 
Então percebemos que Nietzsche, utilizando a história, buscou provar o quanto era 
errônea a genealogia dos ingleses. Após provar a falsidade que havia na genealogia dos 
ingleses, o que mais interessa para Nietzsche é explicar como se deu a primeira 
transvaloração dos valores, e explicar também por que isto aconteceu. Para isso, Nietzsche 
buscou analisar como surgiu os pressupostos de um pensamento sacerdotal, tentando 
desfazer qualquer hipótese ou relação com algo transcendente, e explicando como se deu a 
criação do pensamento sacerdotal no plano material e humano. 
 
Antonio Edmilson Paschoal, em seu livro A Genealogia de Nietzsche, aponta como 
se deu na visão de Nietzsche o início da revolta escrava na moral, ou seja, de como 
escravos começaram a mudar os pressupostos da superioridade humana, e também buscou 
comentar como se encontra a transvaloração da moral nobre nas origens da moral cristã. 
 
 
 A forma de valoração aristocrático-sacerdotal, com a qual se inicia a 
“revolta escrava na moral”, opera uma inversão radical dos valores básicos da forma 
de valoração cavaleiro-aristocrático que se expressava pela equação: “bom = nobre = 
poderoso = belo = feliz = caro aos deuses” e que tinha por pressupostos: “uma 
constituição física poderosa, uma saúde florescente, rica até mesmo 
transbordante...”. A oposição dos sacerdotes à extravasão dos impulsos agressivos 
do homem, no entanto, não significa a eliminação destes impulsos, mas a sua 
contenção. E são esses mesmos impulsos que, uma vez contidos (reprimidos), 
tornam os sacerdotes os maiores odiadores e os levam a operar uma transvaloração 
da forma nobre de valorar como meio para a realização de sua desforra. 
(PASCHOAL 2005, p. 97). 
 
Antonio Edmilson Paschoal preocupou-se também em demonstrar o quanto a moral 
cristã, partindo desde o início da criação do Judaísmo. Ele buscou explicar como Nietzsche 
enxergou a criação do cristianismo a partir do Judaísmo, mas não como uma negação da 
outra, e sim como um aprimoramento da moral escrava, ou seja, o cristianismo era aquilo 
que faltava na moral dos escravos. 
 
 
 
Na história do povo judeu é possível identificar Jahweh tanto como um fator 
constitutivo de um povo “nobre por excelência”, no sentido de “um Deus que 
significa o poder de um povo”, quanto como “sua impotência”, fazendo parte de 
uma reinterpretação de valores aristocráticos, num contexto em que o povo judeu 
toma parte na história da emergência de um tipo de moral essencialmente reativa, 
que ganha contornos mais completos com o cristianismo. (PASCHOAL 2006, p 98). 
 
O que fica claro nos escritos de Nietzsche é que, para ele, o povo judeu é um povo 
de moral reativa a uma ação, ou seja, é povo cuja moral depende da ação do outro. A moral 
cristã necessita do outro para se impor. É por isso que a maioria dos filósofos que trabalha 
com Nietzsche adotou os conceitos ação e reação, ativo e reativo, para se referir as morais 
nobres e escravas, respectivamente. 
 
 
 
Ação e reação referem-se, de certo modo, distintivamente aos tipos senhor e 
escravo, possibilitando, com isso, determinar uma qualificaçãodas forças. 
Tomando-se as forças como intensidades, então haverá uma variação de intensidades 
que estabelece a diferença entre as forças, o que favorece a afirmação de que umas 
são dominantes e outras dominadas (AZEREDO 2000, p. 77). 
 
Nietzsche afirma que o sacerdote, pertencente a uma classe que se configurou como 
superior entres os homens fracos, pode ter sido derivado do homem nobre e aristocrata, pois 
a relação ou o sentimento de torna-se superior ao outro, a vontade de estar na posição em 
que o nobre se encontrava, ou seja, o sentimento de ser superior ao outro teria despertado o 
desejo naqueles que não podiam pela força ser superiores a criarem outras formas de se 
tornarem superiores. Então, com o desejo de tornar-se superior, com o desejo de ocupar a 
posição que estava destinada aos nobres, o sacerdote utiliza-se da misticidade, ou da 
criação de algo transcendente para tornar-se superior. Com isso, Nietzsche busca observar 
os pressupostos para ser considerado superior nos dois tipos de pensamentos. Enquanto 
para os nobres a superioridade se obtém através da guerra, da luta, da força, os sacerdotes 
fazem o contrário, eles conseguem a superioridade através da pureza de suas ações. Ser 
puro e não ser forte é aquilo que torna o homem superior. Agora não é mais a efetividade 
do homem que o torna superior ao outro, e sim a questão da pureza ou da impureza. O 
sacerdote inverteu a lógica do processo. A pureza dos atos que era sinônimo de fraqueza e 
inferioridade, tornou-se a principal forma de superioridade. Salientamos que Nietzsche 
nega qualquer relação sobrenatural ou transcendente nos atos do sacerdote, pois segundo 
Nietzsche, ser puro era nada mais nada menos do que se abster daquilo que é sujo, ou seja, 
tornar-se puro, é ser limpo, e através de algumas ações não sujas o homem se diferencia dos 
demais, tornando-o superior. Com isso, Nietzsche relata que a “pureza” do sacerdote não 
surgiu de forma transcendente ou espiritual, e sim, das próprias práticas humanas. 
 
Nietzsche afirma que os judeus foram os principais responsáveis pela 
inversão dos conceitos “bom” e “ruim”, para “bom” e “mau”. Nietzsche afirma que através 
de sua “jogada espiritual” eles passaram a condenar aqueles que eram considerados bons, 
devido a suas ações nobres e aristocráticas, os tornando maus. E aqueles que eram ruins são 
agora considerados bons, pois não praticam a maldade, praticam o bem em suas ações. 
Então, para Nietzsche, a criação de um Deus que fosse superior aos homens e louvasse 
aquilo que era o bem foi essencial na trajetória da moral cristã, pois com isso os judeus 
conseguiram mudar as concepções dos valores. 
 
Para Nietzsche, este amor do povo judeu nada mais é que o um fruto de um 
ódio, de um ressentimento, que foi se formando ao longo dos anos. É por isso que 
Nietzsche chama a moral cristã de moral do ressentimento. Para Nietzsche, a criação do 
Deus vivo, do redentor, do Jesus Cristo amado, Deus que se sacrificou pelos pecados dos 
homens, Deus este que morreu em uma cruz para levar a salvação para todos, Deus que foi 
morto pelas mãos daqueles que veio salvar, foi a ultima cartada certeira da vingança do 
povo de Israel. Para Nietzsche é contraditório o amor do Deus vivo partir de uma vingança, 
de ódio incalculável, e que através dessa vingança e da mudança dos valores, através do 
paradoxo do Deus pregado na cruz, Israel e sua moral dominante vêm triunfando sobre as 
demais morais. 
 
Para Nietzsche, o motor que move a moral escrava é o ressentimento, ou 
seja, quando este ressentimento, quando este ódio fruto da impotência aflora e começa a 
criar os valores, mas criar valores a partir de valores pré-existentes. Antonio Edmilson 
Paschoal afirma que: 
 
 O ressentimento é, para Nietzsche, a princípio, algo instintivo: “todo 
sofredor busca instintivamente uma causa para seu sofrimento; mais precisamente, 
um agente; ainda mais especificamente, um agente culpado suscetível de 
sofrimento”. Essa reação, que não é um movimento mecânico de defesa mas, mais 
propriamente, uma disposição “de entorpecimento da dor através do afeto”, pode se 
dar de dois modos distintos: ou o sofredor exterioriza seus afetos (paixões) num 
movimento brusco, uma “reação imediata”, para fora, na forma dos atos; ou ele 
muda a direção de ressentimento (para dentro), busca um “agente culpado” 
(normalmente ele mesmo) e sobre ele descarrega seus afetos em ato ou “in effige” 
(de forma imaginária). (PASCHOAL 2006, p. 100). 
 
Então, como podemos observar, para Nietzsche a questão central da moral 
cristã é o ressentimento, ressentimento este que surge da impotência e que se contradiz com 
amor pregado nesta moral. Para Nietzsche, este amor esconde todo um ódio, que foi sendo 
gerado ao longo da história, e este amor do ressentimento nada mais é do que a vitória 
através da vingança. Azeredo também buscou identificar a importância que Nietzsche deu 
ao ressentimento em seus estudos sobre a moral cristã. 
 
 O ressentimento é um dos conceitos principais para a compreensão do 
triunfo da moral de escravos, pois se constitui enquanto referencial básico da 
geração de seus valores. Em Nietzsche, os tipos são definidores de modos 
específicos de avaliar, uma vez que tem por base as diferenças concernentes à 
relação das forças e à qualidade da vontade de potência. O ressentimento é definidor 
de um tipo, no caso, tipo de escravo, pois o configura mediante a formação do seu 
modo específico de ser. (AZEREDO 2000, p.75). 
 
 
Para Nietzsche um fato é claro: a moral do povo comum, a moral dos 
escravos, dos fracos, saiu vitoriosa. A moral aristocrática e nobre caiu por terra, e a moral 
escrava passou a ser aclamada. 
 
(...) A ‘redenção’ do gênero humano (do jugo dos ‘senhores’) está bem 
encaminhada; tudo se judaíza, cristianiza, plebeíza visivelmente (que importam as 
palavras!). A marcha desse envenenamento através do corpo inteiro da humanidade 
parece irresistível, sua cadência e seu passo podem inclusive ser mais lentos 
doravante, mais refinados, cautelosos, inaudíveis – há tempo bastante... Ainda possui 
a Igreja, a este propósito, uma tarefa necessária a cumprir, um direito à existência? 
(Nietzsche 2006, p. 28). 
 
Para Nietzsche, uma das principais diferenças entre a moral nobre e a moral 
escrava é que a moral nobre nasce por si só, enquanto que a moral escrava necessita de algo 
exterior e contrário a ela para que ela possa surgir. Enquanto a moral nobre nasce e se 
afirma por si, a moral escrava depende da ação de uma moral nobre, para que possa se opor. 
Mas o que interessa realmente a Nietzsche é como os judeus conseguiram sair vencedores 
nessa batalha, qual seu sentido e como eles fizeram para conseguir sua vitória. Para 
Nietzsche fica claro que os judeus venceram principalmente pelo fato de ser superiores em 
número de adeptos, ou seja, por ser uma moral de rebanho. Enquanto a moral nobre está 
restrita a alguns poucos que estão no poder, a moral judaica está aberta a todo homem que a 
aceitá-la como dominante. 
 
Sobre as diferenças entre uma aristocracia sacerdotal e uma aristocracia 
nobre guerreira, Azeredo comenta que: 
 
 (...) Na perspectiva de Nietzsche, a diferença entre uma aristocracia 
sacerdotal e uma guerreira pode ser evidenciada pelo uso distintivo de termos, no caso 
da aristocracia sacerdotal, a preferência se dá, via de regra, por expressões que 
remetam a sua função sacerdotal. Por isso, utilizam “puro” (“rein”) e “impuro” 
(“unrein”) como elementos de diferenciação de estamento, donde posteriormente 
passarão a desenvolver-se “bom” e “mau”, mas não mais para realizar distinções nesse 
nível. O modo de ser da aristocracia sacerdotal, com seus hábitos de domínios hostis à 
ação, fornece indicativos para a respectiva cisão que ocorre entre as aristocracias no 
modo de valorar. Inclusive seus hábitos não deixam de demonstraralgo de doentio. 
(AZEREDO 2000, p. 66-67). 
 
Azeredo também comenta sobre a relação existente entre o ressentimento, e 
as diferenças de posições entre moral nobre e a moral escrava, sem esquecer também que 
há ressentimento não só na moral escrava mas também na moral nobre; a diferença é que na 
moral escrava este ressentimento surge da impotência e da dependência ao outro. 
 
 A relação existente entre o ressentimento enquanto, de um lado, formador de 
um tipo, e, de outro, criador de valores, requer uma análise do que seja ação, reação e 
seus respectivos liames com o expressar das forças. Ora, vê-se pelo texto Nietzsche 
que a ação propriamente dita não é característica do homem do ressentimento, cuja 
forma correspondente seria a vingança imaginária. O tipo do ressentimento não 
consegue criar a partir da interioridade como movente, necessitando, assim, de 
estímulos externos: o outro é o ponto de sua criação. (AZEREDO 2000, p.76). 
 
Nietzsche afirma que a moral dos judeus, a moral cristã, eleva a discussão 
para um plano transcendente, um plano superior, plano em que ser nobre não significa 
nada, e ser bom fazendo o bem significa tudo. Para Nietzsche, a criação do Deus judeu foi a 
forma mais elaborada de se combater a moral dominante, pois elevou a batalha para um 
plano desconhecido pela moral nobre. 
 
Vânia Dutra de Azeredo afirma que, para Nietzsche, o ressentimento é 
definidor do tipo escravo, porque este já é inerente à moral escrava. O ressentimento do 
senhor é quase que nulo, ou, nas próprias palavras de Azeredo, como que se esgotasse 
rapidamente. “(...) É, como diz Nietzsche, ‘uma reação nele imediato’, não o impregna e, 
por isso, não o define. A possibilidade de o ressentimento no senhor dirimir-se no instante 
tem na sua formação os elementos explicativos” (AZEREDO 2000, p.79). Para Nietzsche o 
ressentimento acabou contaminado os escravos, e estes conseguiram, através da criação de 
sua moral, sair vitoriosos. 
 
Nietzsche diz que a moral do ressentimento, a moral dominante, a moral 
vencedora, tem no Apocalipse de João a demonstração e florescimento do ódio que está 
incumbido na moral cristã, pois é neste momento que os cristãos conseguem de fato a sua 
vitória e é neste momento em que os maus são separados dos bons. Enquanto os bons são 
glorificados para sempre, os maus pagam agora por suas maldades, sendo castigados por 
suas atitudes nobres. É neste momento de vitória total e gozo eterno para os vencedores, 
neste momento em que o amor triunfou sobre a dor é que Nietzsche identifica a liberação e 
explosão do ódio e do ressentimento guardado e escondido através dos séculos. 
 
Por fim Nietzsche propõe uma nova forma de análise sobre a moral, e tenta 
mostrar os caminhos a serem seguidos pelos novos pesquisadores. Nietzsche também se 
preocupa em afirmar que a guerra que existe entre as morais nobres e escravas ainda não 
acabou, e que homem tem plenas condições de reverter o quadro doentio em que se 
encontra. Para isto o homem deve se desprender dos preconceitos morais, e florescer um 
novo espírito pensante, sendo capaz de discernir aquilo que lhe foi imposto daquilo que é a 
verdade. Então o interesse final de Nietzsche é convocar o homem para uma nova era, uma 
nova forma de pensar, no qual o homem é livre para pensar, e assim vencer seus próprios 
traumas e ser curado da doença que atinge seu interior. Mas isso só é possível para 
Nietzsche quando o homem se desprender das armadilhas da moral escrava, e parar de ir 
contra a natureza do próprio homem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3. A Genealogia da cultura: O processo de “domesticação” 
 
 
 “Criar um animal que pode fazer promessas – não é esta a tarefa paradoxal que a 
natureza se impôs, com relação ao homem? Não é este o verdadeiro problema do homem?... 
O fato de que este problema esteja em grande parte resolvido deve parecer ainda mais 
notável para quem sabe apreciar plenamente a força que atua de modo contrário, a do 
esquecimento.” (NIETZSCHE 2006, pág. 47). 
 
 É assim que Nietzsche inicia a segunda dissertação de sua genealogia: apontando o 
homem como um animal que pode fazer promessas. Essa é para Nietzsche a grande 
diferença dos homens para com resto dos animais. Mas, a propósito, o que pretende 
Nietzsche com esta questão neste momento? Em sua segunda dissertação, Nietzsche esboça 
seu pensamento em relação ao surgimento do sentimento de “culpa” e “má consciência” e 
seus derivados, no ser humano. Utilizando-se de uma interdisciplinaridade fecunda, 
recorrendo às formações biológicas, fisiológicas e sociais do homem para a criação de suas 
hipóteses, Nietzsche faz uma viagem no tempo, situando-se no momento em que o homem 
era semelhante aos demais animais, para explicar o surgimento de uma consciência moral, 
um passado “esquecido”. 
 
 Nietzsche vai tentar explicar como ao longo do tempo o homem foi desenvolvendo 
capacidades que foram afastando-o do resto dos animais, ou seja, como se deu o processo 
de “domesticação” do homem. O processo de “domesticação” entendido aqui como o 
surgimento da cultura para o pensamento Nietzschiano. Essa investigação realizada por 
Nietzsche tem como principal objetivo mostrar que qualquer consciência moral ou 
concepção moral presente nas sociedades foi em sua opinião uma criação do próprio 
homem, que ao longo da história foi se condicionando com estes elementos, tomando-os 
como transcendentes. 
 
 Em ordem cronológica, a segunda dissertação precederia a primeira, pois na 
primeira dissertação Nietzsche diferencia a moral nobre da moral escrava e discute também 
a questão do ressentimento na moral judaico-cristã, mas isso em um momento em que já 
existia uma consciência moral entre os homens, onde a cultura já estava estabelecida junto 
a sociedade. Já na segunda dissertação, Nietzsche vai em busca do homem primitivo, 
quando ainda estão surgindo os aspectos que, na opinião de Nietzsche caracterizam e, com 
isso, diferenciaram o homem dos demais animais. Nietzsche apresenta também como neste 
processo de “domesticação” do homem se deu a formação do Estado e do Direito penal, 
analisando a justiça na moral escrava, o castigo, e suas relações e atribuições na moral 
escrava e na moral nobre. 
 
 Então Nietzsche situa-se na segunda dissertação em um espaço temporal anterior ao 
da primeira dissertação. Nossa observação, neste sentido, não se reduz apenas a uma crítica 
cronológica, mas também em relação ao próprio conteúdo das dissertações. 
 
 Sobre o conteúdo temático e a organização das dissertações, Antonio Edmilson 
Paschoal, ao analisar a genealogia de Nietzsche, comenta sobre a falsa impressão que se 
tem (devido a dois aspectos que o próprio autor identifica) de que as dissertações da 
genealogia nietzschiana “(...) parecem apontar para a idéia de independência entre as partes 
da genealogia”. O autor mostra que o primeiro aspecto que diferencia a primeira dissertação 
da segunda é a mudança de tema, pois Nietzsche não vai tratar mais dos conceitos 
genéricos das morais nobres e escravas, e sim de conceitos especialmente cristãos. O 
segundo aspecto é a mudança no procedimento genealógico, recorrendo a conhecimentos 
sobre a constituição biológica e social do homem, deixando de lado o estudo e as 
informações sobre os antigos povos e as raças, como em sua primeira dissertação. 
 
 Antonio Edmilson Paschoal comenta que: 
 
Considerando, no entanto, que a passagem para temas mais específicos do 
cristianismo indica um aprofundamento da crítica ao cristianismo por meio do 
perspectivismo e também que se tem uma nova abordagem da espiritualização do 
homem como critério de sua elevação (aspectos norteadores da Genealogia), é 
possível ler a Segunda Dissertação plenamente alinhada com a Primeira. Trata-se, 
nas duas, da reflexão sobre os limites e possibilidades que o passadomoral do 
homem ocidental pode significar para o seu futuro. (PASCHOAL 2005, pág 109). 
 
Então podemos perceber que as dissertações da genealogia de Nietzsche estão 
interligadas, tendo como principal interesse mostrar que os valores morais são criação do 
próprio homem, e não algo transcendente ou divino. Na segunda dissertação, Nietzsche 
vai mostrar como elementos e conceitos que parecem ter sido criados pela moral cristã 
surgiram antes mesmo de sua existência, e como a moral escrava se apropriou desses 
conceitos. 
 
Nietzsche vai identificar o surgimento de uma consciência moral no homem 
no momento em que o homem surge como um animal gregário. Neste processo de criação 
desta consciência moral, Nietzsche identifica no homem um ato que mudou a história de 
sua natureza: o ato de fazer promessas. Mas para fazer promessas é necessário que exista 
uma lembrança, para que o homem lembrasse do acordo que foi cumprido. A promessa 
para Nietzsche está diretamente ligada a cultura, a “domesticação” do homem. Para que o 
homem possa fazer promessas é necessário haver memória. Neste sentido sobre a criação 
da memória no homem Vânia Dutra de Azeredo afirma que: 
 
“(...) Contudo, Nietzsche aponta que, apesar de paradoxal, foi preciso 
criar no homem uma memória. A memória aqui referida, no entanto, não 
corresponde à fixação da marca indelével, pois não se trata de uma memória de 
traços, mas, diferentemente, de uma memória da vontade. A fixação da promessa 
requer não apenas o não poder deixar de cumprir, mas o não querer não cumprir. 
Daí a relação dessa memória com a afirmação, visto que, nesse caso, a fixação 
passa necessariamente pelo sim diante do prometido.” “AZEREDO 2000, pág 91). 
 
Então como teria surgido a responsabilidade? Para Nietzsche, a 
responsabilidade surge a partir de memória da vontade e do ato de fazer promessas. A 
partir desses conceitos é que se pode entender o início da moral. Azeredo comenta que “A 
origem da responsabilidade, em Nietzsche, está diretamente relacionada com a moralidade 
dos costumes, pois a essa moralidade coube criar as condições necessárias para o 
desenvolvimento da responsabilidade no homem.” (AZEREDO 2000, pág 92). 
 
A responsabilidade surge quando o homem precisa tornar-se confiável, pois 
para que o homem pudesse viver de forma gregária era necessário que existisse o mínimo 
de responsabilidade mútua. Para Nietzsche, a capacidade de lembrar é uma transformação 
dos próprios homens, e a memória surge nos homens porque ele não seguiu os seus 
instintos; ele não é um ser determinado e limitado como os demais animais. 
 
Diferentemente dos outros animais, o homem faz experiências a partir de si 
mesmo, através de suas vivências e lembranças; neste caso, o homem construiria o seu 
presente através de lembranças do passado. Então, para Nietzsche, o sentimento de 
responsabilidade pode ter surgido da necessidade natural do próprio homem. Como já foi 
dito, para que o homem possa viver de forma gregária, ou seja, viver em comunidade, era 
necessário o mínimo de confiança. O homem tinha que confiar no outro, e dessa confiança, 
ou melhor, para que o homem pudesse ser confiável, era necessário que ele possuísse 
confiança do outro, e então se tornando responsável. Então essa responsabilidade é um 
embrião da moral. Vale lembrar que a responsabilidade que Nietzsche explana no texto é a 
responsabilidade perante a promessa feita, que é fruto do poder lembrar. 
 
A moralidade dos costumes, apresentada por Nietzsche, seria uma série de 
práticas utilizadas pelos homens para certos costumes, dando origem à moralidade. E essa 
moralidade surgiu no momento em que o homem passou a viver em comunidade. A 
necessidade de viver em grupo obrigou o homem a criar condições para este convívio, o 
que acabou acarretando na criação da moral. Azeredo afirma que: 
 
(...) A moralidade do costume é percebida como a capacidade ou 
mesmo a condição do humano de obedecer a leis, cujo referencial regulador 
encontra-se em uma superioridade imanente expressa na figura da tradição: ‘O 
que é a tradição? Uma autoridade superior, a que se obedece não porque ela 
manda fazer o que nos é útil, mas porque ela manda [5]’. Os homens teriam, 
assim, desde suas origens mais primitivas – primitividade entendida a partir da 
própria constituição do humano pela ação da cultura, sua inscrição social --, 
desenvolvido a atitude de obedecer leis. (AZEREDO 2000, pág 93) 
 
 
Então, como podemos observar, Nietzsche vai em busca de formular teorias que 
comprovem que os elementos que tradicionalmente são colocados como fruto de uma moral 
transcendente surgiram anteriormente a ela, e que a moral, na verdade, se teria apropriado e 
surgido destes aspectos. Então como os homens mudaram as origens dos aspectos morais? 
Na Genealogia da Moral, Nietzsche rompe com a questão do esquecimento apresentado em 
trabalhos anteriores, e traz a questão do condicionamento como forma de explicar este feito. 
Em seus estudos anteriores, Nietzsche acreditava que os homens teriam esquecido (como 
pensavam também os utilitaristas) as origens e a formação dos princípios morais. A partir 
deste trabalho, Nietzsche afirma que o homem não se esqueceu das origens, e sim se 
condicionou ao longo da história com estes aspectos morais. 
 
 Ao investigar o ato de fazer promessas, Nietzsche abandona a questão do 
esquecimento, a partir de uma análise fisiológica. Compreendemos que, para Nietzsche, 
quando acontece o surgimento da responsabilidade, a comunidade tem condição de se 
manter e progredir. 
 
 E como surge o sentimento de “culpa” e a “má consciência” no homem? O 
sentimento de culpa é algo que surge de uma relação entre credor e o devedor, ou seja, 
surge de uma relação de valoração, relação esta que surge de uma relação comercial, ou 
seja, da promessa. Para Nietzsche o homem é um animal que mede que avalia, o homem é 
um animal que por excelência é avaliador. A relação do homem com o mundo se dá por 
valores. Azeredo afirma que “A noção de justiça procede da possibilidade de o homem, 
medindo pessoa a pessoa, diferenciar os que têm mais ou menos potência, e estabelecerem 
direitos e deveres entre iguais. Em vista disso, os iguais ajustam-se entre si e subjugam 
aqueles que têm menos potência.” (AZEREDO 2000, pág 113). 
 
 Como surge então o castigo dentro desta relação entre credor e devedor? 
Contrariando a filosofia do livre-arbítrio, que acreditava que o castigo surgiu como forma 
de educar aquele que não cumpriu sua parte no acordo, com a finalidade de instruí-lo a não 
cometer mais aquele erro, Nietzsche afirma, através de sua pesquisa, que o castigo surge de 
uma vontade interior e não por uma coerção ou reparação de um erro, ou até mesmo uma 
vingança. Para Nietzsche a justiça realizada no castigo não surge como uma reação, e sim é 
uma ação. Sobre o castigo Vânia Dutra de Azeredo relata que: 
 
(...) Na visão nietzschiana, não se castigava por responsabilidade diante do ato e 
sim por raiva devido ao dano e, inclusive, se introduzia a dor como um elemento 
que lhe era equivalente. Desse modo, o castigo não poderia ter uma conotação 
moral, mas, diferentemente, buscava-se através dele uma reparação ou 
restituição do dano.” (AZEREDO 2000, pág 110). 
 
Para Paschoal, o castigo, como é visto pelos modernos, é uma concepção 
equivocada, pois uma pesquisa genealógica como a de Nietzsche “(...) revela que o castigo 
era aplicado preferencialmente por raiva devido a um dano sofrido e pela idéia de que 
‘qualquer dano tem seu equivalente e pode ser realmente compensado, por meio mesmo de 
uma dor infligida a seu causador’. Uma relação que tem na idéia de uma equivalência entre 
dano e dor a sua categoria central e que encontra sua raiz ‘na relação contratual entre 
credor e devedor’, nas relações básicas que envolvem a concepção de ‘sujeito de 
direito’[227], (Rechtssubjekt) as relaçõesde compra, venda e troca.” (PASCHOAL 2005, 
pág 119,120). 
 
Para Nietzsche, quando o homem passou a viver de forma gregária, foi 
obrigado a reprimir seus instintos; porém, o homem não conseguiu se livrar totalmente dos 
seus instintos, que sempre estão revelando a verdadeira natureza do homem como animal. 
Neste momento o homem castiga por prazer, porque fazer isto é bom para sua natureza, e 
não possuindo o castigo, assim, qualquer caráter pedagógico. Nas origens do castigo está 
presente a idéia da compensação, ou seja, a satisfação ou prazer no ato de poder coagir o 
outro. O castigo é a praticado pelo prazer que ele oferece, e não por sua finalidade, à 
maneira dos modernos. 
 
A “culpa”, segundo Nietzsche, é um elemento central na construção da 
cultura. A partir da análise do castigo dentro deste processo de “domesticação” do homem, 
Nietzsche afirma que a moral surge a partir de um ser cruel. A necessidade de sobreviver 
enquanto espécie levou o homem a viver em comunidade. Nietzsche afirma que viver em 
comunidade foi algo importante para o homem, porém isso fez com que ele passasse a 
retrair cada vez mais seus instintos. Nietzsche afirma que o caráter cruel do homem não foi 
totalmente eliminado do homem, pois ainda hoje é difícil fazer com que todos os homens 
ajam de forma moral, ou segundo as leis e as regras de uma determinada sociedade. Para 
Nietzsche, muitos homens não conseguem se comportar de forma moral, porque a própria 
natureza humana não é moral. 
 
A noção de crime para Nietzsche surge de uma noção de alguém que 
quebrou as regras de uma determinada comunidade. Para que o homem não quebrasse estas 
regras seria necessário que o homem negasse seus instintos. O que Nietzsche identifica é 
que o homem atual sofre uma dor psíquica, e não mais uma dor física. Houve uma 
mudança de foco no sofrimento do homem. Com a criação dos pressupostos morais e da 
própria moral, o homem buscou eliminar suas dores físicas, e acabou na visão de Nietzsche 
trazendo dores psíquicas. 
 
É partir das análises entre devedor e credor, a respeito da origem do 
sentimento de culpa, e através das observações sobre o surgimento do castigo, que 
Nietzsche vai explicar como se deu o surgimento da justiça ou do direito penal e o Estado. 
É nas relações de valoração existentes no homem que Nietzsche vai identificar as 
instalações das bases do direito penal. É neste sentido que Paschoal afirma que: “Da 
coerência básica e rude, dada pela capacidade de medir, de buscar equivalências, logo se 
chega a uma generalização: ‘toda coisa tem seu preço; tudo pode ser pago’, que foi ‘o mais 
velho cânon moral da justiça’. Esta generalização permitiu que o principio básico da 
relação entre os indivíduos fosse aplicado de forma mais ampla na sociedade.” 
(PASCHOAL 2005, pág 124). Nietzsche afirma também que “(...) Nesse primeiro estágio, 
justiça é a boa vontade, entre homens de poder aproximadamente igual, de acomodar-se 
entre si, de “entender-se” mediante um compromisso – e, com relação aos de menor poder, 
forçá-los a um compromisso entre si.” (NIETZSCHE 2006, pág 60). 
 
O Estado, para Nietzsche, é entendido neste momento como a comunidade, 
onde habita o individuo. O castigo na comunidade surge na mesma relação existente entre 
devedor e credor. Paschoal relata que “(...) Desobedecendo as regras da comunidade, que 
expressam a vontade do credor, o antigo ‘membro’ torna-se uma espécie de devedor infiel, 
de ‘infrator’, do qual será cobrado um pagamento. A punição neste caso é uma cobrança 
àquele que trai e atenta contra a comunidade, rompendo a antiga equivalência.” 
(PASCHOAL 2005, pág 125). Por ter colocado a segurança da comunidade em risco, a 
comunidade reprime o individuo situando como inimigo, utilizando de violência sobre este. 
“Neste sentido, o castigo é uma mímesis da guerra e a justiça penal, especialmente nas suas 
formas mais primitivas, uma mímesis do comportamento diante do inimigo odiado, 
vencido, tornando sem defesa e por fim massacrado.” (PASCHOAL 2005, pág 125). 
 
Nietzsche analisa a visão dos ressentidos sobre a justiça afirmando que a 
concepção de justiça que conhecemos hoje é fruto de uma transformação conceitual no 
momento em que o ressentimento passou a ditar os valores, mudando a concepção anterior 
de justiça ativa para algo reativo. 
 
A partir da análise de Nietzsche, Paschoal afirma que: 
 
No seu contexto originário, a justiça se encontra nas mãos dos fortes, 
daqueles que podem prometer. E a lei, que é a partir do que vai se definir o 
“justo” e o ‘injusto”, se estabelece pelo pathos de distância do homem nobre, 
que cria um “estado de exceção” à própria vida, que não pode ser pensada sem 
violência, destruição (PASCHOAL 2005, pág 127). 
 
Para Nietzsche a “culpa” e a “má consciência” presentes no homem 
moderno não surgem a partir do castigo como se pensou durante muito tempo. Como já foi 
visto o castigo não tinha a finalidade de educar, mas sim era um momento em que o 
homem encontrava para satisfazer sua natureza. Para Nietzsche a “culpa” e a “má 
consciência” surge como já foi dito antes no momento em que o homem transferiu o foco 
da violência para seu interior. Paschoal afirma que: 
 
O movimento dos antigos instintos, não podendo mais se descarregar para fora, 
‘voltou-se para dentro’ e produziu o que Nietzsche denomina de ‘interiorização 
do homem’. É por este movimento de inibição (hemmen) que cresce o mundo 
interior do homem (sua “alma”), e esse movimento de introjeção dos antigos 
instintos, ‘é a origem da ‘má consciência’ ”. Uma origem tornada possível pelas 
mesmas forças e instintos básicos que foram os geradores do processo 
civilizatório, e que possui por componente o mesmo tipo de violência que esteve 
presente na criação da consciência e da responsabilidade no homem 
(PASCHOAL 2005, pág 133). 
 
 
Neste mesmo sentido Azeredo afirma que: 
 
“A má consciência (das schlechte Gewissen) aparece, em Nietzsche, como uma 
doença que faz do homem como projeto de soberania, uma expressão de reação. 
O seu surgimento tem por base um rompimento, um salto, uma adaptação 
involuntária que se processa quando o animal homem precisa desligar-se 
propriamente do que há de animal em si, isto é, frear os seus instintos para viver 
em sociedade.” (AZEREDO 2000, pág 124). 
 
Para Nietzsche, existem dois momentos distintos na má consciência. O 
primeiro momento é a má consciência ativa, que é justamente o processo de interiorização 
do homem. O segundo momento é o da “má consciência” junto à consciência de culpa, 
que, na visão de Paschoal, “(...) se dá no momento em que o seu próprio processo de 
formação passa a ser gerido pela lógica do medo (Furcht), própria da forma escrava de 
valoração”. (PASCHOAL 2005, pág 136). 
 
A “má consciência” atinge seu momento mais preocupante quando o 
cristianismo cria a noção de pecado como culpa e a morte do próprio Deus como redenção 
desses pecados. O mais interessante é que, para Nietzsche, a “má consciência” é a condição 
natural do homem, quando ele começa a se afastar da natureza, e ela é o que torna o 
homem interessante. Porém a “má consciência” é a profunda doença que surge no homem, 
quando ele começa a viver em comunidade, pois, em nome da sociedade, o homem é 
obrigado a controlar suas ações. Como o homem não pode externalizar seus impulsos 
violentos, ele passa a interiorizá-los, e isso o torna doente. 
 
Nietzsche relata que o homem não quis a “má consciência”, ela se formou 
de forma involuntária. Mas o ressentimento e a má consciência não são o nada absoluto. 
Ao reprimir seus sentimentos o homem está realizando uma vontade de poder. Quando o 
homem não consegue externalizar seu poder, e possa a interiorizá-los, já é uma vontade de 
poder que está se efetivando. Para Nietzsche como o homem não pode ser violento com os 
outros, ele passa a ser violento consigo mesmo. 
 
Por fim, aindaresta uma questão a abordar. Como se dá a relação entre má 
consciência e o cristão? Nietzsche relaciona a moralização das noções de culpa e dever 
dentro do seu aprofundamento na má consciência. Para Nietzsche, com o surgimento do 
cristianismo, os valores e os sacrifícios pelo devedor são traduzidos em uma linguagem em 
que a noção de ‘amor’ passa a ser central. Isto tudo inspirado na própria idéia do Deus 
credor, que morre por aquele que lhe deve. Nietzsche coloca esta questão como a grande 
descoberta do cristianismo: Em qual outra religião o Deus morre para que o homem viva 
para sempre? Qual outro Deus morreu sem culpa e sem dever, não só pelos seus amigos, 
mas também pelos seus inimigos? Para Nietzsche, nenhum outro deus de qualquer outra 
religião assume este comportamento diante de seus servos. Podemos observar um 
comportamento característico do cristão nesta passagem em Jesus fala do amor para seus 
servos, amor este que é a única forma de se torna filho de Deus. “(...) Ouvistes que foi dito: 
Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos 
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que 
vos maltratam e vos perseguem; (MATEUS cap.5: 43,44). 
 
Nietzsche afirma que um grego nunca iria pensar em perdoar ou amar seus 
inimigos, pois os valores dos gregos são extremamente contrários aos valores cristãos. 
Nenhum dos vários deuses gregos assume um comportamento como este, pelo contrario, os 
gregos guerreavam, sangravam, pois eram uma das formas de agradar aos seus deuses. 
Nenhum homem de moral nobre iria fazer aquilo que é proposto pela moral escrava. 
 
Para Nietzsche, o sucesso da moral cristã é quando ela transfere as noções 
de “culpa” e de castigo para as relações com seu Deus. Para Nietzsche, o medo de pecar 
contra Deus ajuda o próprio homem a controlar seus instintos. Pois o homem utiliza a 
vontade de Deus para reprimir tudo aquilo que pertence ao seu instinto. Neste caso a 
“domesticação” deixa de ter um caráter de controle do Estado, e passa a ser a vontade de 
Deus. 
 
Segundo Nietzsche, com o cristianismo, o homem começa a querer sofrer, 
pois isso já é uma vontade de potência ou poder; o homem passa a se diminuir e sofrer por 
amor a Deus. Nietzsche afirma que o cristão é o mais doente entre os homens, pois este é 
aquele que passa a ter os maiores conflitos psicológicos devido à repressão que este faz a 
sua própria natureza. Para servir ao seu Deus, o cristão nega o mundo, dilacera e ofende a 
si próprio. O apóstolo Paulo afirma que, por amor a Deus, o homem deve abandonar seus 
desejos mundanos e viver em novidade de vida. “De sorte que fomos sepultados com ele 
pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória 
do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida.” (ROMANOS cap 6:4). 
 
Para Nietzsche, os gregos inventaram Deuses de forma mais nobre, não 
negaram sua própria natureza como os cristãos, não se enraiveciam consigo mesmo. Já os 
cristãos de apropriaram da “má consciência” em relação ao seu Deus, enquanto os gregos 
procuravam se afastar da “má consciência”, para gozar da liberdade da alma. Para explicar 
melhor as relações de “culpa” e “má consciência” entre os gregos e os cristãos, Nietzsche 
busca diferenciar a concepção loucura presente nos gregos, da concepção de pecado nos 
cristãos, mostrando o quanto gregos e cristãos tem visões muito opostas. Enquanto o 
cristão é limitado e agride sua natureza por amor a Deus, os gregos atribuíam seus males 
aos seus próprios deuses, colocando a culpa sobre eles. 
 
Para finalizar essa discussão, vale salientar que, para Nietzsche, todos os 
ideais existentes no mundo ocidental são ideais hostis à vida, porque estão ligados à “má 
consciência”, que criou raízes profundas devido à apropriação do cristianismo. A 
militância de Nietzsche por um homem livre das suas doenças psicológicas, sua busca de 
um espírito livre pensador, que seja contrário aos valores cristãos é a base e o incentivo da 
formulação de todas as suas hipóteses e teorias. O grande interesse de Nietzsche é tentar 
mostrar que os valores dominantes na sociedade ocidental são criação do próprio homem, e 
que estes fazem mal à própria natureza humana. Para Nietzsche, a sociedade cristã e a “má 
consciência” representaram um grande problema para homem. Para Nietzsche, vai chegar o 
dia em que o mundo vai receber o novo redentor, o anticristão e o anti-nilista, o Zaratustra, 
ser mais forte entre os homens que ultrapassaria e quebraria todos as barreiras do mundo 
ocidental. 
 
 
 
 
 
 
 4. Da psicologia do sacerdote à crítica da ciência dogmática: 
O sentido do ascetismo 
 
 O que significam ideais ascéticos? – Para os artistas nada, ou coisa demais; para 
os filósofos e eruditos, algo como instinto e faro para as condições propícias a uma 
elevada espiritualidade; para as mulheres, no melhor dos casos um encanto mais de 
sedução, um quê de morbidezza na carne bonita, a angelicidade de um belo e gordo 
animal; para os fisiologicamente deformados e desgraçados (a maioria dos mortais) 
uma tentativa de ver-se como “bons demais” para este mundo, uma forma abençoada 
de libertinagem, sua grande arma no combate à longa dor e ao tédio; para os 
sacerdotes, a característica fé sacerdotal, seu melhor instrumento de poder, e 
“suprema” licença de poder; para os santos, enfim, um pretexto para a hibernação, sua 
novíssima gloriae cupido [novíssima cupidez de glória], seu descanso no nada 
(“Deus”), sua forma de demência. Porém, no fato de o ideal ascético haver significado 
tanto para o homem se expressa o dado fundamental da vontade humana, o seu horror 
vacui [horror ao vácuo]: ele precisa de um objetivo – e preferirá ainda querer o nada a 
nada querer. – Compreendem?... Fui compreendido?... “Absolutamente não, caro 
Senhor!” – Então comecemos do início. (NIETZSCHE: 2006, p. 87-88). 
 
 Então, vejamos o que significam os ideais ascéticos na compreensão de nosso 
filósofo. De certa forma, já no primeiro aforismo da terceira dissertação, Nietzsche 
apresenta uma breve conclusão de seu estudo, relatando sua resposta para esta questão. 
Neste momento, Nietzsche vai buscar desenvolver uma análise sobre o significado do ideal 
ascético e o que este representou no mundo ocidental, entendendo-o como preponderante e 
como fio condutor de nossa cultura, ou seja, o suporte de uma civilização que “vive” ou 
“vegeta” para o além. 
O problema que Nietzsche aborda neste momento é o fato de os ideais ascéticos ou 
a ascensão da moral escrava (judaico-cristã) ter significado tanto para o homem moderno. 
Para Nietzsche, por mais incrível que possa parecer, em última instância o ideal ascético 
foi a forma que o homem encontrou para preservar a vida, um sentido que faltava, uma 
expressão da vontade de potência. Mas como pode algo que se configura e se caracteriza 
como a negação da vida, apresenta-se agora como aquilo que a preserve e que lhe dá 
sentido? É tentando compreender esta questão que Nietzsche se propõe a realizar uma 
análise minuciosa do ideal ascético, fazendo uma psicologia dos sacerdotes, revelando seus 
segredos e suas pretensões. 
Na construção de sua terceira dissertação, Nietzsche mantém um diálogo estreito 
com a primeira. Apesar de escrever suas dissertações de forma que elas possam ser lidas 
autonomamente, Nietzsche, a meu ver, procurou dar um sentido progressivo em seu 
estudo, como se uma dissertação fosse a complementação da outra, ou seja, elas foram 
criadas de forma que são melhores compreendidas se forem lidas interligadas. O próprio 
Nietzsche afirma que sua genealogia mantém um diálogo com várias outras obras suas, e 
que deve ser lida com um conhecimento prévio de sua filosofia e seu pensamento. 
Podemos ver que questões que foram abordadas na primeira dissertação como o 
ressentimento,

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