Prévia do material em texto
Lucas Santos Café Aspectos históricos, filosóficos e psicológicos da Genealogia da Moral de Nietzsche Relatório de pesquisa apresentado em cumprimento final às exigências do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Orientador: Prof. Dr. André Luís Mota Itaparica. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Curso de História Julho, 2008 A GENALOGIA NIETZSCHIANA COMO MÉTODO HISTÓRICO 1. A GENEALOGIA Nietzsche afirmou, na Genealogia da Moral, que sua preocupação a respeito de nossos preconceitos morais não surgiu com esse livro; ela já era antiga e expressa em Humano, Demasiado Humano. Nesta obra, Nietzsche faz uma forte crítica aos valores morais, pois, para ele, eles nada teriam de transcendentes, eram uma criação humana. Segundo ele, os valores são tidos como verdadeiros, eternos, reais, exatos, superiores e sublimes. Para o homem, os valores estão além da experiência; trata-os como se eles não tivessem nem início, nem fim, como se fossem eternos. Nietzsche afirma que, sendo uma criação dos homens, os valores teriam o momento de sua criação, que ao longo dos anos foi “esquecido”, dando margem a essa transvaloração dos valores morais, a mudança de estado e a mistificação errônea. É de suma importância lembrar que neste período Nietzsche ainda defende a questão do esquecimento dos valores, mas, na Genealogia na Moral, ele vai fazer uma crítica a essa forma de análise, que era principalmente utilizada pelos psicólogos ingleses, o modo como Nietzsche chamava os utilitaristas. Para o Nietzsche da última fase, não era mais uma questão de esquecimento e sim de condicionamento. O livro Humano, Demasiado Humano foi o que marcou por completo o afastamento de Nietzsche do músico alemão Richard Wagner e do “pessimismo” de Schopenhauer. Este livro foi muito importante para a filosofia de Nietzsche, pois nele ele se desprende da arte e da música, dando lugar à razão e à ciência. Outro fato muito importante neste livro foi a forma utilizada de escrita, no qual o autor aprimorou a forma do aforismo, bastante influenciado pelos moralistas franceses. O aforismo é uma técnica utilizada por Nietzsche para escrever de forma sucinta e sintética seus pensamentos e suas teses filosóficas. Esta forma abreviada e fragmentada de escrita de Nietzsche não significa que ele tenha sido disperso ou leviano em suas afirmações. Na verdade, o aforismo foi uma forma utilizada em algumas de suas obras para fazer uma crítica ao estilo tradicional filosófico de escrever, que parte de um fundamento aceito de forma incondicional e a partir deste são efetuadas várias deduções. Alguns estudiosos como Michel Foucault e Gilles Deleuze analisam esta forma e estilo de escrita utilizada por Nietzsche. Para eles, Nietzsche seria essencialmente aforístico e isso propiciaria diversas interpretações em seus escritos. Itaparica, em seu livro Nietzsche: Estilo e Moral, analisa a forma e o estilo da escrita realizada por Nietzsche, advertindo aos críticos que generalizam e desvalorizam a escrita aforística utilizada pelo autor. (...) Ora, essa concepção, primeiramente, ignora que nem todos os livros de Nietzsche são aforísticos. Em segundo lugar, ao estudar o aforismo, ressalta apenas a tese da infinidade de interpretações possíveis, quando essa é apenas uma de suas facetas. Além desses dois pontos, há outra grande deficiência no estudo do estilo aforístico desses comentários. Ao considerar o estilo aforístico como o fundamental na filosofia de Nietzsche, não se procura compreendê-lo dentro do arcabouço teórico do período em que ele foi elaborado; ao contrário, no caso de Deleuze, por exemplo, o aforismo é estudado com o auxílio das noções de perspectivismo e de força, que são elaboradas apenas no último período da obra do filósofo. (ITAPARICA; 2002; p.14). Nietzsche afirma que Humano, Demasiado Humano era um livro para homens de “espírito livre”, ou seja, livre dos preconceitos idealistas, das imposições morais e preparados para uma nova forma de pensar. Neste livro, ele também abrange uma série de temas variados como a arte, literatura, amor, política, relações sociais e, principalmente, as questões de metafísica, moral e religião. Nos capítulos segundo e terceiro do livro citado, “Contribuição à história dos sentimentos morais” e “A vida religiosa” respectivamente, seriam os embriões dos futuros escritos sobre a moral que viriam a suceder, é daí que surge de forma aprimorada a crítica aos valores. Nietzsche diz que suas idéias sobre a moral não surgiram pelo acaso e sim pela recusa da verdade dada. Em seus escritos, ele fala que todos os pesquisadores devem comportar-se como ele, sempre em busca de novas idéias e novas respostas. Em Além do Bem e do Mal, Nietzsche também faz uma crítica à moral e à forma que ela é estudada. O aforismo 186 do livro citado, contido no capítulo “Contribuição à história natural da moral”, que mais tarde também serviria de base para a genealogia da moral, Nietzsche identifica um contraste entre a sensibilidade da moral e a ciência da moral. Para ele, a Ética (ciência que se preocupa em estudar a moral) não consegue compreender a multiplicidade e a profundidade dos fenômenos efetivos. Para Nietzsche, primeiramente devemos reunir as morais e identificar os tipos básicos da moral, para assim obtermos um resultado adequado. Ele também apresenta a necessidade de um método histórico para a compreensão da moral. Em suas palavras, podemos perceber de certa forma, uma apurada historicidade da moral: Precisamente porque os filósofos da moral conheciam os fatos morais apenas grosseiramente, num excerto arbitrário ou compêndio fortuito, como moralidade do seu ambiente, de sua classe, de sua igreja, do espírito de sua época, de seu clima e seu lugar – precisamente porque eram mal informados e pouco curiosos a respeito de povos, tempos e eras, não chegavam a ter em vista os verdadeiros problemas da moral – os quais emergem somente na comparação de muitas morais. Por estranho que possa soar, em toda “ciência moral” sempre faltou o problema da própria moral: faltou a suspeita de que ali havia algo problemático. O que os filósofos denominavam “fundamentação da moral” exigindo-a de si, era apenas, vista à luz adequada, uma forma erudita da ingênua fé na moral dominante, um novo modo de expressá-la (...). (NIETZSCHE; 2007; p. 74-75). A partir desse aforismo podemos identificar o que seria uma genealogia para Nietzsche: Deveríamos, com todo o rigor, admitir o que se faz necessário por muito tempo, o que unicamente se justifica por enquanto: reunião de material, formulação e ordenamento conceitual de um imenso domínio de delicadas diferenças e sentimentos de valor que vivem, crescem, procriam e morrem – e talvez tentativas de tornar evidentes as configurações mais assíduas e sempre recorrentes dessa cristalização viva – como preparação para uma tipologia da moral. (NIETZSCHE 2007; 186; p.74). Para Nietzsche, o grande erro dos filósofos da moral está em justificar a moral dada. Para ele, os filósofos que estudaram a moral até então só se preocuparam em fundamentá- la, ou seja, não estudavam a moral de forma crítica, para que pudessem identificar seus erros e seus malefícios, quebrar seus dogmas e suas imposições, descobrir seus segredos e desmascará-la por completo. Então, de certa forma, estes filósofos não faziam mais do que aceitar a própria moral, ao invés de questioná-la. Enquanto, para Nietzsche, era preciso quebrar os paradigmas, libertar-se dos vícios para que pudéssemos estudar e analisar a moral de forma apropriada, ao contrário do que realizavam os filósofos da moral. Para Nietzsche, é preciso questionar o valor dos próprios valores da moral e não tentar explicá- los. A genealogia de Nietzsche sustenta-senum tripé entre História, Filologia e Psicologia. A História serviria para identificar em que momentos surgiram os tipos de moral, para identificar os momentos de erupções da moral na história. A Filologia serviria para identificar sentido dos conceitos morais em cada sociedade no período analisado. Influenciado pelo seu professor Ritschl nos tempos de universidade, Nietzsche entendia a Filologia como os estudos das instituições e do pensamento, indo além da Filologia como a história das formas literárias. A Psicologia serviria para identificar que tipo de homem criou estes tipos de moral. Para Nietzsche, a moral só pode ser estudada de forma comparada, não se pode estudar uma moral como um recorte único em detrimento das outras, a comparação é essencial. Dentro do que se pode imaginar a respeito da moral, ele pergunta-se quais foram os seus efeitos na história e na vida da humanidade, se ela trouxe lucros ou prejuízos para a sociedade. Nietzsche afirma que o que o despertou para o estudo da moral foram os escritos de Paul Rée. Mas, para Nietzsche, o que interessava era o valor da moral; faltava, entre os estudiosos que se propuseram a estudar a moral, uma investigação do seu verdadeiro problema, ou seja, seu valor. Nietzsche identifica a valorização da compaixão como um sintoma do período atual, que impede um convincente estudo da moral. (...) Mas precisamente contra esses instintos manifestava-se em mim uma desconfiança cada vez mais radical, um ceticismo cada vez mais profundo! Precisamente nisso enxerguei o grande perigo para a humanidade, sua mais sublime sedução e tentação – a quê? ao nada? --; precisamente nisso enxerguei o começo do fim, o ponto morto, o cansaço que olha para trás, a vontade que se volta contra a vida, a última doença anunciando-se terna e melancólica: eu compreendi a moral da compaixão, cada vez mais se alastrando, capturando e tornando e doentes até mesmo os filósofos, como o mais inquietante sintoma dessa nossa inquietante cultura européia; como o seu caminho sinuoso em direção a um novo budismo? a budismo europeu? A um – niilismo?...(NIETZSCHE; 2006, p.11-12). Sua crítica, neste sentido, refere-se a Arthur Schopenhauer; para ele, Schopenhauer, com sua “vontade de vida” e sua “ética da compaixão”, não soube desvencilhar-se da moral e, pelo contrário, disse sim a ela. Nietzsche diz que os pensadores da moral devem despertar contra ela para enxergar seus verdadeiros interesses. Para Nietzsche, a moral do cristianismo seria uma forma de negação do homem, uma forma de conter e igualar a sociedade. A compaixão estaria intrinsecamente ligada à moral cristã, seria apenas um segmento dela; sendo assim, a compaixão não poderia ser valorizada como fazia Schopenhauer, seria um esforço tolo o estudo da moral sem se desprender dos efeitos da moral. Schopenhauer defendia a renúncia quientista do mundo e suas solicitações, o que, para Nietzsche, deixava claro que Schopenhauer estava impregnado com os preceitos da moral judaico-cristã. Este problema do valor da compaixão e da moral da compaixão (-- eu sou um adversário do amolecimento moderno dos sentimentos --) à primeira vista parece ser algo isolado, uma interrogação à parte; mas quem neste ponto se detém, quem aqui aprende a questionar, a este sucederá o mesmo que ocorreu a mim – uma perspectiva imensa se abre para ele, uma nova possibilidade dele se apodera como uma vertigem, toda espécie de desconfiança, suspeita e temor salta adiante, cambaleia a crença na moral, em toda moral (...) (NIETZSCHE; 2006; p. 12). Na sua genealogia da moral, Nietzsche questiona o valor dos valores morais, questionando sua veracidade, se perguntando se esses valores não poderiam ser equivocados, se são tão absolutos e verdadeiros que não seriam apenas engano, uma mentira ou um retrocesso à evolução e ao progresso do homem. Nietzsche mostrava uma grande preocupação a respeito dos estudos da moral, afirmava estar à procura de filósofos e pesquisadores, a fim de analisar os caminhos da moral de forma diferente, inovadora, da forma correta, se livrando, se libertando de seus tentáculos para enxergar os problemas que a moral causa à humanidade. Era preciso estudar de forma adequada a criação, o desenvolvimento e as mutações da moral ao longo da história e, principalmente, colocar em dúvida o valor dos próprios valores morais: “(...) por fim, uma nova exigência se faz ouvir. Enunciemo-la, esta nova exigência: necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses valores deverá ser colocado em questão – para isto é necessário um conhecimento das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se modificaram” (NIETZSCHE 2006, p.12). 2. GENEALOGIA E HISTÓRIA Apesar de durante sua vida, mais precisamente na segunda fase de suas obras, Nietzsche ter se aproximado das idéias de Augusto Comte, ao fazer sua genealogia, ele não cometeu nenhum dos pecados historiográficos realizados pela escola tradicional ou, nas palavras de José Carlos Reis, “a escola metódica, dita ‘positivista’”, e melhor, utilizou de técnicas que mais tarde seriam utilizadas por muitos historiadores, principalmente os da corrente dos Annales, liderados por Marc Bloch e Lucien Febvre. Os historiadores metódicos e tradicionais, os chamados positivistas da escola alemã de Ranke, ao tentar aproximar a história das ciências naturais, criaram um método prejudicial para a produção historiográfica, limitando a história em vários aspectos. Nietzsche, ao dar ênfase à psicologia e à filologia, leva a multidisciplinariedade à sua pesquisa histórica. Nietzsche teria tudo para ser influenciado pelos positivistas em sua genealogia. Além de ser um homem do século XIX, nasceu na Alemanha e durante sua vida leu muito estudiosos positivistas. Mas Nietzsche inovou e revolucionou com seu método genealógico. Talvez, ao ler esses pensadores “positivos”, ele tenha tido bastante contato com seus trabalhos, o que possibilitou uma dura crítica e a inovação. Podemos considerar que Nietzsche, apesar ser um filósofo, se aproximou muito de um historiador das mentalidades, pois ele se preocupou em dar ênfase a várias ciências na realização de seu trabalho, principalmente a psicologia, bastante utilizada pelos historiadores Michel Foucault e Jacques Le Goff. Nas palavras de Jacques Le Goff, um historiador das mentalidades deve ir “(...) inicialmente ao encontro de outras ciências humanas” e afirma que “mentalidade abrange, pois, além da história, visando a satisfazer as curiosidades de historiadores decididos a irem mais longe”. Será que Nietzsche não pretendeu sempre ir mais longe? Nietzsche não era um desafiador dos dogmas? Ele não pretendia um espírito livre nos pensadores? Nietzsche sempre pretendeu ir além das barreiras metodológicas. Vejam as palavras de Ciro Flamarion Cardoso, a respeito da história das mentalidades: A história das mentalidades, ramo recente e de certo modo mal definido, ainda, dos estudos históricos origina-se de uma mudança dupla de perspectiva por parte dos historiadores. Em primeiro lugar, refletindo a tendência geral da disciplina no sentido da totalidade, do social global, o interesse que tinham pelos elementos psicológicos de explicação – dantes limitado a visões impressionistas e quase sempre anacrônicas as “psicologia dos grandes homens” passou a aplicar-se à problemática da psicologia coletiva. Ao mesmo tempo, o referido interesse deixou de limitar-se, como antes, às denominadas “expressões superiores do espírito humano” (artes, teologias, filosofias, etc.) para estenderem-se a aspectos, cotidianos e prosaicos da piedade popular, aos mecanismos da formação educativa e da informação, à percepção diferencial dos valores pelos vários grupossociais. Em suma, as mentalidades coletivas, com todos os seus matizes e manifestações, ingressaram no campo de trabalho da pesquisa histórica. Em segundo lugar, já não se considera a psicologia humana um dado invariável ou constante, reflexo do que às vezes é tido como uma abstrata e universal “natureza humana”: os historiadores começaram a vê-la como um aos aspectos de um cambiante contexto histórico- social global.(CARDOSO; 1983; p. 394; 395). Deve-se notar que a psicologia está intrinsecamente ligada aos historiadores das mentalidades e Nietzsche, antes deles, já reconhecia o seu valor e a utilizava em seus trabalhos. Apesar do sentido de psicologia de Nietzsche ser um pouco diferente do utilizado pelos historiadores das mentalidades, o que vale sublinhar, é a questão da interdisciplinaridade proposta pelo filosofo alemão, que mais tarde, seria bastante defendida por estes historiadores. Jacques Le Goff comenta que o historiador do mental deve se aproximar da etnologia, da sociologia, da psicologia, da psicologia social, da historia quantitativa e aos métodos estruturalistas: O historiador de mentalidades encontra-se muito particularmente com o psicólogo social. As noções de comportamento ou de atitude são para este e para aquele essenciais. Na medida, aliás, em que os psicólogos sociais, como C. Kluckhohn, insistem no papel do controle cultural nos comportamentos biológicos, a psicologia social inclina-se para a etnologia e, desta, para a história. Dois domínios manifestam essa inclinação recíproca da história das mentalidades e da psicologia social; o desenvolvimento dos estudos sobre a criminalidade, sobre os marginais, sobre os desviados nas épocas passadas e o progresso paralelo das sondagens de opinião e de análises históricas de comportamento eleitorais. Desse ponto de vista, um dos interesses da história das mentalidades revela-se: as possibilidades que oferece à psicologia histórica de ligar-se a uma outra grande corrente da pesquisa histórica de hoje – a história quantitativa. (LE GOFF; 1988; p.70). Não se pretende dizer aqui que Nietzsche tenha sido um historiador das mentalidades, o propulsor deste ramo da história ou algo parecido, mas sim analisar o método essencialmente histórico de Nietzsche e observar seu alto nível metodológico. Essa ligação de Nietzsche com a história e a psicologia também agradou ao filósofo e historiador Michel Foucault, que também escreveu sobre os trabalhos de Nietzsche. Em relação ao método genealógico de Nietzsche, Michel Foucault apontou a sua importância para a história. Foucault, mencionando Nietzsche no prefácio à Genealogia da moral, afirma que a genealogia é cinza, fazendo uma alusão ao seu caráter documental. A construção de uma genealogia depende de uma série de escritos e documentos que devem ser pacientemente analisados: Paul Rée se engana, como os ingleses, ao descrever gêneses lineares, ao ordenar, por exemplo, toda a história da moral através da preocupação com o útil: como se as palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos, sua direção, as idéias, sua lógica; como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. Daí, para a genealogia, um indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se esperava e naquilo que é tido como não possuindo história – os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos; apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas onde eles desempenharam papéis distintos; e até definir o ponto de sua lacuna, o momento e quem eles não aconteceram (Platão em Siracusa não se transformou em Maomé).(FOUCAULT 2006, p.15). Foucault, através dos escritos de Nietzsche, analisa e aprofunda a crítica a Paul Rée. O que interessava para Paul Rée era descrever a gênese, ou seja, ir à busca das origens, como se as origens explicassem as coisas. Foucault afirma que as palavras perdem seus sentidos com o passar do tempo e ganham novas acepções, então a genealogia deve ser estudada com paciência, vendo suas erupções ao longo da história. A genealogia deve se opor às origens. Dentro da discussão metodológica em relação à pesquisa, François Simiand elaborou uma crítica aos ditos “positivistas”, na qual afirmava que a história para ser mais completa teria que se livrar dos seus três principais ídolos, estes seriam: o ídolo individual, que acabaria com a excessiva preocupação com as histórias individuais, o ídolo político, que não só privilegiaria a história dos grandes feitos, e o ídolo cronológico, que eliminaria a preocupação excessiva com as origens. É possível perceber que, antes dos historiadores da “Escola dos Annales”, alguns historiadores já percebiam o perigo da busca pelas origens na pesquisa histórica e procuraram desenvolver estudos que visassem desenvolver uma crítica a ela; Nietzsche apesar de não ser um historiador, também fez essa crítica às origens. Esta crítica, feita por Simiand, mais tarde vai ser retomada pelos historiadores da “Escola dos Annales” vindo a servir como uma das bases para a elaboração de seus paradigmas. Um dos historiadores que se preocuparam com a questão das origens na pesquisa histórica foi Marc Bloch. Em Introdução à História, ele faz uma inovadora obra de metodologia histórica, na qual descreve o verdadeiro ofício de um historiador, contrariando, em parte, muitos historiadores que faziam história baseando-se nas velhas premissas positivistas, que tornavam a história menos importante que as outras ciências. Nesta obra incompleta, o fundador da revista dos Annales, através de sua metodologia, suas reflexões e seus projetos, não só nos mostra qual é o papel do historiador como deixa claro que ele tem que assumir novos papéis intelectuais e sociais na produção da história. Marc Bloch revoluciona a história com sua nova forma de fazer e estudar a ciência, abandonando aquela velha forma de fazer história, instalada pelo pensamento positivista e pela velha concepção que se tinha de ciência. Os positivistas faziam a história de forma distorcida e limitada, perdendo parte de sua essência e seus méritos em relação às demais ciências. Com isso, Bloch defende a idéia de um novo método para estudar os fatos humanos, até porque estava havendo uma grande revolução no pensamento científico e a história não poderia ficar de fora dessas mudanças. Ele inicia a criação de um novo método a ser seguido pelos próximos historiadores. Na obra citada, Marc Bloch dita os caminhos a serem seguidos por um verdadeiro pesquisador, ensinando como se deve realmente agir diante dos fatos humanos, como estudar o presente e pesquisar o passado, mostra qual é o verdadeiro objetivo da história, o que significa o tempo para um historiador, como se deve trabalhar com os vestígios, como é possível relacionar melhor as causas aos efeitos, como fazer uma análise crítica do documento e como trabalhar a questão das origens. Marc Bloch faz uma crítica direta aos ídolos das origens, aqueles historiadores que estudam e pesquisam diretamente o passado, o começo para explicar todas as coisas: (...) No vocabulário corrente, as origens são um começo que explica. Pior ainda: que basta para explicar. Eis aí a ambigüidade, o perigo. (BLOCH; 1997; p.91). Bloch afirma também que “(...) todas as modalidades de estudo da atividade humana, o mesmo risco espreita os indagadores de origens: confundir uma filiação com uma explicação” (BLOCH; 1997; p.93). Mas, apesar de os historiadores serem apaixonados pelas origens, somente a busca delas não é, de maneira nenhuma, fazer história. Marc Bloch ainda comenta que, enquanto os estudiosos das ciências naturais buscam um distanciamento progressivo em relação às formasancestrais, os historiadores foram muito influenciados a fazer o contrário. Em suma, origem, para Bloch, não era uma verdade pura, muito menos a história. Podemos perceber, através dessas relações e comparações com outros trabalhos, que, apesar de Nietzsche não ser um historiador de ofício, ele criou e defendeu um método genealógico diferente para sua época, observando questões que mais tarde seriam discutidas na metodologia histórica. Michel Foucault ressalta mais uma vez a importância de Nietzsche e sua avançada técnica de pesquisa: Por que Nietzsche genealogista recusa, pelo menos em certas ocasiões, a pesquisa da origem (Ursprung)? Porque, primeiramente, a pesquisa, nesse sentido, se esforça para recolher nela a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo. Procurar uma origem é tentar reencontrar “o que era imediatamente”, o “aquilo mesmo” de uma imagem exatamente adequada a si; é tomar por acidental todas as peripécias que puderam ter acontecido, todas as astúcias, todos os disfarces; é querer tirar todas as máscaras para desvelar enfim uma identidade primeira. (FOUCAULT; 2006; p.17). Foucault afirma que Nietzsche soube agir da maneira certa em sua genealogia, pois o que se encontra nas origens não é uma identidade ainda preservada, não é a verdade, e sim uma “discórdia entre as coisas, um disparate”: Fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento não será, portanto, partir em busca de sua “origem”, negligenciando como inacessíveis todos os episódios da história; será, ao contrário, se demorar nas meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; esperar vê-los surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro; não ter pudor de ir procurá-las onde elas estão escavando os basfond; deixar-lhes o tempo de elevar-se do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sob guarda. O genealogista necessita da história para conjurar a quimera da origem, um pouco como o bom filósofo necessita do médico para conjurar a sombra da alma. É preciso saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas que dão conta dos atavismos e das hereditariedades; da mesma forma que é saber diagnosticar as doenças do corpo, os estados de fraqueza e de energia, suas rachaduras e suas resistências para avaliar o que é um discurso filosófico. A história com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas síncopes é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para lhe procurar uma alma na idealidade longínqua da origem. (FOUCAULT; 2006; p. 19-20). Foucault afirma que a história tem que ser estudada de acordo com suas mudanças e seus ritos, e Nietzsche fez uma genealogia observando todos esses caprichos da história. Nietzsche, para não cometer o pecado das “origens”, soube compreender a história como um processo. 2. Nietzsche e a Transvaloração dos Valores Ao estudarmos e analisarmos a primeira dissertação da Genealogia da Moral, podemos observar que Nietzsche, queria mostrar que a moral cristã não passa de uma “estratégia” utilizada por um povo que outrora era considerado inferior e sofria com suas impotências; ou seja, o Deus cristão não teria nada de transcendentate, seria apenas uma criação deste povo para inverter os valores. Nietzsche tenta também explicar e demonstrar como se deu essa mudança dos valores e como o surgimento da moral escrava é extremamente dependente da moral a que ela faz oposição, a moral nobre. Desse modo, Nietzsche preocupa-se em diferenciar e explicar como se deu a primeira transvaloração dos valores, que mudou o sentido do conceito e do juízo de valor bom. Para Nietzsche, essa grande jogada dos fracos serviu até agora para legitimar a sua vitória sobre as demais morais; contudo, ele afirma que a própria história da moral cristã contradiz os seus ideais, pois ela é fruto de uma guerra eterna com os povos de morais nobres, ela é fruto de um ressentimento, de um ódio, que acaba revelando para Nietzsche seu caráter extremamente “humano”, afastando-se da idéia de algo transcendente. Para explicar como se deu a transvaloração dos valores e a criação dos pressupostos da moral cristã, Nietzsche procurou primeiro estudar e analisar os antigos estudos sobre a moral, principalmente os estudos dos genealogistas ou psicólogos ingleses. Nietzsche constata que os psicólogos ingleses cometiam erros gravíssimos em suas genealogias, pois esses não utilizavam dos recursos da história em seus estudos. Nietzsche afirma que os psicólogos ingleses, apesar de serem historiadores e pesquisares da moral, não tinham aquilo que é de maior importância em um pesquisador da moral, o espírito histórico, e sem este espírito histórico eles só poderiam pensar forma a-histórica. Em sua Genealogia, Nietzsche relata que se pode provar o quanto estes psicólogos ingleses pensavam a-historicamente, analisando suas investigações a respeito do conceito e do juízo “bom”. É neste momento que podemos identificar com mais clareza a principal crítica de Nietzsche aos pesquisadores ingleses: ver a utilidade como o sentido para as coisas. Em suas análises sobre o conceito “bom”, os psicólogos ingleses afirmaram que o bom, ou seja, o individuo que praticava o que era considerado “bom”, era o individuo que praticava a bondade, era aquele que fazia o que é louvável para a boa convivência junto as demais. Dessa forma, o juízo de valor “bom” teria sido provido dos resultados benéficos, teria sido fruto daquele individuo que faz o bem. Para Nietzsche, ver a utilidade como o sentido para as coisas é um pensamento extremamente equivocado, pois não é provado historicamente, e também altamente tendencioso, pois tem a intenção de distorcer a verdade, criando meios para esconder ou inferiorizar as capacidades humanas, fortalecendo cada dia mais a moral dominante, a moral cristã. Para Nietzsche o pensamento utilitarista é demasiado pífio; este tipo de pensamento já seria, na verdade, é um pensamento extremamente carregado de uma determinada valoração moral. Vânia Dutra de Azeredo, em sua obra Nietzsche e a dissolução da moral, na qual procura fazer um estudo detalhado da genealogia de Nietzsche, detectou a crítica que Nietzsche faz aos psicólogos ingleses, e salientou também a importância de Nietzsche ter começado sua genealogia fazendo a crítica aos psicólogos ingleses, os quais buscariam atender mais a seus interesses pessoais do que realizar uma pesquisa seria e valiosa. Azeredo explicou como Nietzsche construiu sua critica aos psicólogos ingleses, partindo desde o erro da “utilidade”, desmascarando-a como uma idiossincrasia deles. (...) Nietzsche é enfático quanto a sua impossibilidade de sustentação, uma vez que ela simplesmente explicita as “idiossincrasias dos psicólogos ingleses – temos aí ‘a utilidade’, ‘o esquecimento’, ‘o hábito’ e por fim ‘o erro’ ”. Apesar de haver outras explicações a um mesmo tempo razoáveis e psicologicamente sustentáveis – Nietzsche cita como exemplo a explicação de Herbert Spencer, que estabelece uma relação de igualdade essencial entre bom e útil –, as teorias e derivações desses estudiosos foram igualmente classificadas como idiossincráticas. Mas por que seriam idiossincráticas? Basta recorrer à ênfase dada por Nietzsche à investigação a partir da história da construção da moralidade para ver que os moralistas ingleses, na sua visão, construíram suas hipóteses a partir de seus pontos de vista pessoais e que, por isso, tinham necessariamente que se perder no azul (AZEREDO 2000, p.49,50).Nietzsche afirma que esses “interessantes” pesquisadores da moral já estão completamente imbuídos de valores morais, estão presos às armadilhas da moral dominante, o que acabou comprometendo o resultado final de seus trabalhos, tudo isso por falta do espírito histórico. Mas Nietzsche também sinaliza que na verdade o resultado equivocado da genealogia dos psicólogos ingleses a respeito da moral poderia até não ter sido propositada, mas com certeza foi realizada de forma tendenciosa, pois para Nietzsche os psicólogos ingleses em suas tentativas de inferiorizar os homens, tornando-os iguais (democracia), tinham que seguir os mesmos parâmetros da moral dominante, que, ao longo da história, teve como principal objetivo igualar os homens e combater o poder senhorial e aristocrático. Nietzsche afirma que esses democratas liberais, esses ingleses de péssimo senso, para justificar seus pensamentos políticos e suas ações democratas, acabavam tendenciando o resultado de suas pesquisas, escondendo a história, para justificar seus interesses. Discordando dos psicólogos e utilitaristas ingleses, Nietzsche afirma que o conceito “bom” não surgiu daqueles que praticavam o bem, mas, pelo contrário, surgiu daqueles que praticavam aquilo que não seria louvável ao homem moderno, ou seja, os que eram considerados bons eram aqueles que praticavam aquilo que seria considerado “mau” nos dia de hoje. Observamos a citação de Nietzsche abaixo: Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca e estabelece a fonte do conceito “bom” no lugar errado: o juízo “bom” não provém daqueles aos quais se fez o “bem”! Foram os “bons” mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamentos, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu. (Nietzsche 2006, p.19). Então podemos perceber que, para Nietsche, as atitudes nobres, ou seja, as atitudes de ordem senhoriais, que estão relacionadas a um homem forte que impõe seus pensamentos e vontades através da força sobre os demais, eram os considerados “bons”. Aqueles homens de atitudes medrosas e inferiores, aqueles homens de pensamento escravo, os homems fracos em ações e pensamentos, recebiam o atributo “ruim”. Percebemos que, para Nietzsche, o conceito “bom”, na moral aristocrática faz oposição ao conceito “ruim”, ao contrario dos psicólogos ingleses que tinham o conceito “mau” como oposição ao conceito bom. Nietzsche afirma que os homens nobres, aqueles que utilizavam de sua força, os senhores, os dominadores e não dominados, devido a este tipo de comportamento, devido a suas atitudes senhoris, eram considerados “bons”. Já os sofredores, os escravos, devido a suas deficiências, como não podiam combater, como não podiam através da força reverter a situação em que se encontravam, eram considerados ruins, pois louvável era ser forte, ser nobre, ser aristocrático. Vejamos que para Nietzsche ser bom e ser ruim não se refere a uma bondade ou maldade em suas ações, não existe uma relação sentimental ou moral, trata-se apenas de uma questão da efetividade em seus atos, ou seja, era bom o mais forte em suas ações. Os escravos, por não serem eficientes como os senhores, eram considerados ruins. Eficiência encaixasse no sentido de dominação ao outro, através do uso da força. Nietzsche também realiza uma crítica à questão do esquecimento, adotada pelos psicólogos ingleses, pois, para ele, se o bom é aquilo que é útil para o homem, de forma nenhuma ou hipótese alguma isto poderia ter sido esquecido, pois ninguém se esqueceria daquilo que lhe teria sido louvável, daquilo que teria sido bom e útil. Para Nietzsche, afirmar o contrário é impossível, é um contra-senso psicológico. Para ele, este tipo de pensamento serve apenas para provar cada vez mais o quanto é equivocada a genealogia dos psicólogos ingleses. Nietzsche relata que em todas as línguas é possível perceber que o conceito bom está demasiado ligado àquilo que é nobre e aristocrático, àquilo que é senhorial, e faz oposição àquilo que não é bom, àquilo que é baixo, escravo e medíocre. Para Nietzsche, os psicólogos ingleses negaram-se a enxergar este passado do homem, devido as suas tentativas de democratização do mundo moderno, ou seja, de tornar os homens iguais. Para Nietzsche, não só os democratas, mas os socialistas também acabam neste ponto legitimando a fé cristã. Para ele, a história prova que os homens sempre foram desiguais, e ser desigual não era ruim para o homem, era ser nobre ser superior. Para Nietzsche igualar os homens é regredir, é ir contra a natureza do próprio homem, é diminuir as capacidades humanas. Então percebemos que Nietzsche, utilizando a história, buscou provar o quanto era errônea a genealogia dos ingleses. Após provar a falsidade que havia na genealogia dos ingleses, o que mais interessa para Nietzsche é explicar como se deu a primeira transvaloração dos valores, e explicar também por que isto aconteceu. Para isso, Nietzsche buscou analisar como surgiu os pressupostos de um pensamento sacerdotal, tentando desfazer qualquer hipótese ou relação com algo transcendente, e explicando como se deu a criação do pensamento sacerdotal no plano material e humano. Antonio Edmilson Paschoal, em seu livro A Genealogia de Nietzsche, aponta como se deu na visão de Nietzsche o início da revolta escrava na moral, ou seja, de como escravos começaram a mudar os pressupostos da superioridade humana, e também buscou comentar como se encontra a transvaloração da moral nobre nas origens da moral cristã. A forma de valoração aristocrático-sacerdotal, com a qual se inicia a “revolta escrava na moral”, opera uma inversão radical dos valores básicos da forma de valoração cavaleiro-aristocrático que se expressava pela equação: “bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro aos deuses” e que tinha por pressupostos: “uma constituição física poderosa, uma saúde florescente, rica até mesmo transbordante...”. A oposição dos sacerdotes à extravasão dos impulsos agressivos do homem, no entanto, não significa a eliminação destes impulsos, mas a sua contenção. E são esses mesmos impulsos que, uma vez contidos (reprimidos), tornam os sacerdotes os maiores odiadores e os levam a operar uma transvaloração da forma nobre de valorar como meio para a realização de sua desforra. (PASCHOAL 2005, p. 97). Antonio Edmilson Paschoal preocupou-se também em demonstrar o quanto a moral cristã, partindo desde o início da criação do Judaísmo. Ele buscou explicar como Nietzsche enxergou a criação do cristianismo a partir do Judaísmo, mas não como uma negação da outra, e sim como um aprimoramento da moral escrava, ou seja, o cristianismo era aquilo que faltava na moral dos escravos. Na história do povo judeu é possível identificar Jahweh tanto como um fator constitutivo de um povo “nobre por excelência”, no sentido de “um Deus que significa o poder de um povo”, quanto como “sua impotência”, fazendo parte de uma reinterpretação de valores aristocráticos, num contexto em que o povo judeu toma parte na história da emergência de um tipo de moral essencialmente reativa, que ganha contornos mais completos com o cristianismo. (PASCHOAL 2006, p 98). O que fica claro nos escritos de Nietzsche é que, para ele, o povo judeu é um povo de moral reativa a uma ação, ou seja, é povo cuja moral depende da ação do outro. A moral cristã necessita do outro para se impor. É por isso que a maioria dos filósofos que trabalha com Nietzsche adotou os conceitos ação e reação, ativo e reativo, para se referir as morais nobres e escravas, respectivamente. Ação e reação referem-se, de certo modo, distintivamente aos tipos senhor e escravo, possibilitando, com isso, determinar uma qualificaçãodas forças. Tomando-se as forças como intensidades, então haverá uma variação de intensidades que estabelece a diferença entre as forças, o que favorece a afirmação de que umas são dominantes e outras dominadas (AZEREDO 2000, p. 77). Nietzsche afirma que o sacerdote, pertencente a uma classe que se configurou como superior entres os homens fracos, pode ter sido derivado do homem nobre e aristocrata, pois a relação ou o sentimento de torna-se superior ao outro, a vontade de estar na posição em que o nobre se encontrava, ou seja, o sentimento de ser superior ao outro teria despertado o desejo naqueles que não podiam pela força ser superiores a criarem outras formas de se tornarem superiores. Então, com o desejo de tornar-se superior, com o desejo de ocupar a posição que estava destinada aos nobres, o sacerdote utiliza-se da misticidade, ou da criação de algo transcendente para tornar-se superior. Com isso, Nietzsche busca observar os pressupostos para ser considerado superior nos dois tipos de pensamentos. Enquanto para os nobres a superioridade se obtém através da guerra, da luta, da força, os sacerdotes fazem o contrário, eles conseguem a superioridade através da pureza de suas ações. Ser puro e não ser forte é aquilo que torna o homem superior. Agora não é mais a efetividade do homem que o torna superior ao outro, e sim a questão da pureza ou da impureza. O sacerdote inverteu a lógica do processo. A pureza dos atos que era sinônimo de fraqueza e inferioridade, tornou-se a principal forma de superioridade. Salientamos que Nietzsche nega qualquer relação sobrenatural ou transcendente nos atos do sacerdote, pois segundo Nietzsche, ser puro era nada mais nada menos do que se abster daquilo que é sujo, ou seja, tornar-se puro, é ser limpo, e através de algumas ações não sujas o homem se diferencia dos demais, tornando-o superior. Com isso, Nietzsche relata que a “pureza” do sacerdote não surgiu de forma transcendente ou espiritual, e sim, das próprias práticas humanas. Nietzsche afirma que os judeus foram os principais responsáveis pela inversão dos conceitos “bom” e “ruim”, para “bom” e “mau”. Nietzsche afirma que através de sua “jogada espiritual” eles passaram a condenar aqueles que eram considerados bons, devido a suas ações nobres e aristocráticas, os tornando maus. E aqueles que eram ruins são agora considerados bons, pois não praticam a maldade, praticam o bem em suas ações. Então, para Nietzsche, a criação de um Deus que fosse superior aos homens e louvasse aquilo que era o bem foi essencial na trajetória da moral cristã, pois com isso os judeus conseguiram mudar as concepções dos valores. Para Nietzsche, este amor do povo judeu nada mais é que o um fruto de um ódio, de um ressentimento, que foi se formando ao longo dos anos. É por isso que Nietzsche chama a moral cristã de moral do ressentimento. Para Nietzsche, a criação do Deus vivo, do redentor, do Jesus Cristo amado, Deus que se sacrificou pelos pecados dos homens, Deus este que morreu em uma cruz para levar a salvação para todos, Deus que foi morto pelas mãos daqueles que veio salvar, foi a ultima cartada certeira da vingança do povo de Israel. Para Nietzsche é contraditório o amor do Deus vivo partir de uma vingança, de ódio incalculável, e que através dessa vingança e da mudança dos valores, através do paradoxo do Deus pregado na cruz, Israel e sua moral dominante vêm triunfando sobre as demais morais. Para Nietzsche, o motor que move a moral escrava é o ressentimento, ou seja, quando este ressentimento, quando este ódio fruto da impotência aflora e começa a criar os valores, mas criar valores a partir de valores pré-existentes. Antonio Edmilson Paschoal afirma que: O ressentimento é, para Nietzsche, a princípio, algo instintivo: “todo sofredor busca instintivamente uma causa para seu sofrimento; mais precisamente, um agente; ainda mais especificamente, um agente culpado suscetível de sofrimento”. Essa reação, que não é um movimento mecânico de defesa mas, mais propriamente, uma disposição “de entorpecimento da dor através do afeto”, pode se dar de dois modos distintos: ou o sofredor exterioriza seus afetos (paixões) num movimento brusco, uma “reação imediata”, para fora, na forma dos atos; ou ele muda a direção de ressentimento (para dentro), busca um “agente culpado” (normalmente ele mesmo) e sobre ele descarrega seus afetos em ato ou “in effige” (de forma imaginária). (PASCHOAL 2006, p. 100). Então, como podemos observar, para Nietzsche a questão central da moral cristã é o ressentimento, ressentimento este que surge da impotência e que se contradiz com amor pregado nesta moral. Para Nietzsche, este amor esconde todo um ódio, que foi sendo gerado ao longo da história, e este amor do ressentimento nada mais é do que a vitória através da vingança. Azeredo também buscou identificar a importância que Nietzsche deu ao ressentimento em seus estudos sobre a moral cristã. O ressentimento é um dos conceitos principais para a compreensão do triunfo da moral de escravos, pois se constitui enquanto referencial básico da geração de seus valores. Em Nietzsche, os tipos são definidores de modos específicos de avaliar, uma vez que tem por base as diferenças concernentes à relação das forças e à qualidade da vontade de potência. O ressentimento é definidor de um tipo, no caso, tipo de escravo, pois o configura mediante a formação do seu modo específico de ser. (AZEREDO 2000, p.75). Para Nietzsche um fato é claro: a moral do povo comum, a moral dos escravos, dos fracos, saiu vitoriosa. A moral aristocrática e nobre caiu por terra, e a moral escrava passou a ser aclamada. (...) A ‘redenção’ do gênero humano (do jugo dos ‘senhores’) está bem encaminhada; tudo se judaíza, cristianiza, plebeíza visivelmente (que importam as palavras!). A marcha desse envenenamento através do corpo inteiro da humanidade parece irresistível, sua cadência e seu passo podem inclusive ser mais lentos doravante, mais refinados, cautelosos, inaudíveis – há tempo bastante... Ainda possui a Igreja, a este propósito, uma tarefa necessária a cumprir, um direito à existência? (Nietzsche 2006, p. 28). Para Nietzsche, uma das principais diferenças entre a moral nobre e a moral escrava é que a moral nobre nasce por si só, enquanto que a moral escrava necessita de algo exterior e contrário a ela para que ela possa surgir. Enquanto a moral nobre nasce e se afirma por si, a moral escrava depende da ação de uma moral nobre, para que possa se opor. Mas o que interessa realmente a Nietzsche é como os judeus conseguiram sair vencedores nessa batalha, qual seu sentido e como eles fizeram para conseguir sua vitória. Para Nietzsche fica claro que os judeus venceram principalmente pelo fato de ser superiores em número de adeptos, ou seja, por ser uma moral de rebanho. Enquanto a moral nobre está restrita a alguns poucos que estão no poder, a moral judaica está aberta a todo homem que a aceitá-la como dominante. Sobre as diferenças entre uma aristocracia sacerdotal e uma aristocracia nobre guerreira, Azeredo comenta que: (...) Na perspectiva de Nietzsche, a diferença entre uma aristocracia sacerdotal e uma guerreira pode ser evidenciada pelo uso distintivo de termos, no caso da aristocracia sacerdotal, a preferência se dá, via de regra, por expressões que remetam a sua função sacerdotal. Por isso, utilizam “puro” (“rein”) e “impuro” (“unrein”) como elementos de diferenciação de estamento, donde posteriormente passarão a desenvolver-se “bom” e “mau”, mas não mais para realizar distinções nesse nível. O modo de ser da aristocracia sacerdotal, com seus hábitos de domínios hostis à ação, fornece indicativos para a respectiva cisão que ocorre entre as aristocracias no modo de valorar. Inclusive seus hábitos não deixam de demonstraralgo de doentio. (AZEREDO 2000, p. 66-67). Azeredo também comenta sobre a relação existente entre o ressentimento, e as diferenças de posições entre moral nobre e a moral escrava, sem esquecer também que há ressentimento não só na moral escrava mas também na moral nobre; a diferença é que na moral escrava este ressentimento surge da impotência e da dependência ao outro. A relação existente entre o ressentimento enquanto, de um lado, formador de um tipo, e, de outro, criador de valores, requer uma análise do que seja ação, reação e seus respectivos liames com o expressar das forças. Ora, vê-se pelo texto Nietzsche que a ação propriamente dita não é característica do homem do ressentimento, cuja forma correspondente seria a vingança imaginária. O tipo do ressentimento não consegue criar a partir da interioridade como movente, necessitando, assim, de estímulos externos: o outro é o ponto de sua criação. (AZEREDO 2000, p.76). Nietzsche afirma que a moral dos judeus, a moral cristã, eleva a discussão para um plano transcendente, um plano superior, plano em que ser nobre não significa nada, e ser bom fazendo o bem significa tudo. Para Nietzsche, a criação do Deus judeu foi a forma mais elaborada de se combater a moral dominante, pois elevou a batalha para um plano desconhecido pela moral nobre. Vânia Dutra de Azeredo afirma que, para Nietzsche, o ressentimento é definidor do tipo escravo, porque este já é inerente à moral escrava. O ressentimento do senhor é quase que nulo, ou, nas próprias palavras de Azeredo, como que se esgotasse rapidamente. “(...) É, como diz Nietzsche, ‘uma reação nele imediato’, não o impregna e, por isso, não o define. A possibilidade de o ressentimento no senhor dirimir-se no instante tem na sua formação os elementos explicativos” (AZEREDO 2000, p.79). Para Nietzsche o ressentimento acabou contaminado os escravos, e estes conseguiram, através da criação de sua moral, sair vitoriosos. Nietzsche diz que a moral do ressentimento, a moral dominante, a moral vencedora, tem no Apocalipse de João a demonstração e florescimento do ódio que está incumbido na moral cristã, pois é neste momento que os cristãos conseguem de fato a sua vitória e é neste momento em que os maus são separados dos bons. Enquanto os bons são glorificados para sempre, os maus pagam agora por suas maldades, sendo castigados por suas atitudes nobres. É neste momento de vitória total e gozo eterno para os vencedores, neste momento em que o amor triunfou sobre a dor é que Nietzsche identifica a liberação e explosão do ódio e do ressentimento guardado e escondido através dos séculos. Por fim Nietzsche propõe uma nova forma de análise sobre a moral, e tenta mostrar os caminhos a serem seguidos pelos novos pesquisadores. Nietzsche também se preocupa em afirmar que a guerra que existe entre as morais nobres e escravas ainda não acabou, e que homem tem plenas condições de reverter o quadro doentio em que se encontra. Para isto o homem deve se desprender dos preconceitos morais, e florescer um novo espírito pensante, sendo capaz de discernir aquilo que lhe foi imposto daquilo que é a verdade. Então o interesse final de Nietzsche é convocar o homem para uma nova era, uma nova forma de pensar, no qual o homem é livre para pensar, e assim vencer seus próprios traumas e ser curado da doença que atinge seu interior. Mas isso só é possível para Nietzsche quando o homem se desprender das armadilhas da moral escrava, e parar de ir contra a natureza do próprio homem. 3. A Genealogia da cultura: O processo de “domesticação” “Criar um animal que pode fazer promessas – não é esta a tarefa paradoxal que a natureza se impôs, com relação ao homem? Não é este o verdadeiro problema do homem?... O fato de que este problema esteja em grande parte resolvido deve parecer ainda mais notável para quem sabe apreciar plenamente a força que atua de modo contrário, a do esquecimento.” (NIETZSCHE 2006, pág. 47). É assim que Nietzsche inicia a segunda dissertação de sua genealogia: apontando o homem como um animal que pode fazer promessas. Essa é para Nietzsche a grande diferença dos homens para com resto dos animais. Mas, a propósito, o que pretende Nietzsche com esta questão neste momento? Em sua segunda dissertação, Nietzsche esboça seu pensamento em relação ao surgimento do sentimento de “culpa” e “má consciência” e seus derivados, no ser humano. Utilizando-se de uma interdisciplinaridade fecunda, recorrendo às formações biológicas, fisiológicas e sociais do homem para a criação de suas hipóteses, Nietzsche faz uma viagem no tempo, situando-se no momento em que o homem era semelhante aos demais animais, para explicar o surgimento de uma consciência moral, um passado “esquecido”. Nietzsche vai tentar explicar como ao longo do tempo o homem foi desenvolvendo capacidades que foram afastando-o do resto dos animais, ou seja, como se deu o processo de “domesticação” do homem. O processo de “domesticação” entendido aqui como o surgimento da cultura para o pensamento Nietzschiano. Essa investigação realizada por Nietzsche tem como principal objetivo mostrar que qualquer consciência moral ou concepção moral presente nas sociedades foi em sua opinião uma criação do próprio homem, que ao longo da história foi se condicionando com estes elementos, tomando-os como transcendentes. Em ordem cronológica, a segunda dissertação precederia a primeira, pois na primeira dissertação Nietzsche diferencia a moral nobre da moral escrava e discute também a questão do ressentimento na moral judaico-cristã, mas isso em um momento em que já existia uma consciência moral entre os homens, onde a cultura já estava estabelecida junto a sociedade. Já na segunda dissertação, Nietzsche vai em busca do homem primitivo, quando ainda estão surgindo os aspectos que, na opinião de Nietzsche caracterizam e, com isso, diferenciaram o homem dos demais animais. Nietzsche apresenta também como neste processo de “domesticação” do homem se deu a formação do Estado e do Direito penal, analisando a justiça na moral escrava, o castigo, e suas relações e atribuições na moral escrava e na moral nobre. Então Nietzsche situa-se na segunda dissertação em um espaço temporal anterior ao da primeira dissertação. Nossa observação, neste sentido, não se reduz apenas a uma crítica cronológica, mas também em relação ao próprio conteúdo das dissertações. Sobre o conteúdo temático e a organização das dissertações, Antonio Edmilson Paschoal, ao analisar a genealogia de Nietzsche, comenta sobre a falsa impressão que se tem (devido a dois aspectos que o próprio autor identifica) de que as dissertações da genealogia nietzschiana “(...) parecem apontar para a idéia de independência entre as partes da genealogia”. O autor mostra que o primeiro aspecto que diferencia a primeira dissertação da segunda é a mudança de tema, pois Nietzsche não vai tratar mais dos conceitos genéricos das morais nobres e escravas, e sim de conceitos especialmente cristãos. O segundo aspecto é a mudança no procedimento genealógico, recorrendo a conhecimentos sobre a constituição biológica e social do homem, deixando de lado o estudo e as informações sobre os antigos povos e as raças, como em sua primeira dissertação. Antonio Edmilson Paschoal comenta que: Considerando, no entanto, que a passagem para temas mais específicos do cristianismo indica um aprofundamento da crítica ao cristianismo por meio do perspectivismo e também que se tem uma nova abordagem da espiritualização do homem como critério de sua elevação (aspectos norteadores da Genealogia), é possível ler a Segunda Dissertação plenamente alinhada com a Primeira. Trata-se, nas duas, da reflexão sobre os limites e possibilidades que o passadomoral do homem ocidental pode significar para o seu futuro. (PASCHOAL 2005, pág 109). Então podemos perceber que as dissertações da genealogia de Nietzsche estão interligadas, tendo como principal interesse mostrar que os valores morais são criação do próprio homem, e não algo transcendente ou divino. Na segunda dissertação, Nietzsche vai mostrar como elementos e conceitos que parecem ter sido criados pela moral cristã surgiram antes mesmo de sua existência, e como a moral escrava se apropriou desses conceitos. Nietzsche vai identificar o surgimento de uma consciência moral no homem no momento em que o homem surge como um animal gregário. Neste processo de criação desta consciência moral, Nietzsche identifica no homem um ato que mudou a história de sua natureza: o ato de fazer promessas. Mas para fazer promessas é necessário que exista uma lembrança, para que o homem lembrasse do acordo que foi cumprido. A promessa para Nietzsche está diretamente ligada a cultura, a “domesticação” do homem. Para que o homem possa fazer promessas é necessário haver memória. Neste sentido sobre a criação da memória no homem Vânia Dutra de Azeredo afirma que: “(...) Contudo, Nietzsche aponta que, apesar de paradoxal, foi preciso criar no homem uma memória. A memória aqui referida, no entanto, não corresponde à fixação da marca indelével, pois não se trata de uma memória de traços, mas, diferentemente, de uma memória da vontade. A fixação da promessa requer não apenas o não poder deixar de cumprir, mas o não querer não cumprir. Daí a relação dessa memória com a afirmação, visto que, nesse caso, a fixação passa necessariamente pelo sim diante do prometido.” “AZEREDO 2000, pág 91). Então como teria surgido a responsabilidade? Para Nietzsche, a responsabilidade surge a partir de memória da vontade e do ato de fazer promessas. A partir desses conceitos é que se pode entender o início da moral. Azeredo comenta que “A origem da responsabilidade, em Nietzsche, está diretamente relacionada com a moralidade dos costumes, pois a essa moralidade coube criar as condições necessárias para o desenvolvimento da responsabilidade no homem.” (AZEREDO 2000, pág 92). A responsabilidade surge quando o homem precisa tornar-se confiável, pois para que o homem pudesse viver de forma gregária era necessário que existisse o mínimo de responsabilidade mútua. Para Nietzsche, a capacidade de lembrar é uma transformação dos próprios homens, e a memória surge nos homens porque ele não seguiu os seus instintos; ele não é um ser determinado e limitado como os demais animais. Diferentemente dos outros animais, o homem faz experiências a partir de si mesmo, através de suas vivências e lembranças; neste caso, o homem construiria o seu presente através de lembranças do passado. Então, para Nietzsche, o sentimento de responsabilidade pode ter surgido da necessidade natural do próprio homem. Como já foi dito, para que o homem possa viver de forma gregária, ou seja, viver em comunidade, era necessário o mínimo de confiança. O homem tinha que confiar no outro, e dessa confiança, ou melhor, para que o homem pudesse ser confiável, era necessário que ele possuísse confiança do outro, e então se tornando responsável. Então essa responsabilidade é um embrião da moral. Vale lembrar que a responsabilidade que Nietzsche explana no texto é a responsabilidade perante a promessa feita, que é fruto do poder lembrar. A moralidade dos costumes, apresentada por Nietzsche, seria uma série de práticas utilizadas pelos homens para certos costumes, dando origem à moralidade. E essa moralidade surgiu no momento em que o homem passou a viver em comunidade. A necessidade de viver em grupo obrigou o homem a criar condições para este convívio, o que acabou acarretando na criação da moral. Azeredo afirma que: (...) A moralidade do costume é percebida como a capacidade ou mesmo a condição do humano de obedecer a leis, cujo referencial regulador encontra-se em uma superioridade imanente expressa na figura da tradição: ‘O que é a tradição? Uma autoridade superior, a que se obedece não porque ela manda fazer o que nos é útil, mas porque ela manda [5]’. Os homens teriam, assim, desde suas origens mais primitivas – primitividade entendida a partir da própria constituição do humano pela ação da cultura, sua inscrição social --, desenvolvido a atitude de obedecer leis. (AZEREDO 2000, pág 93) Então, como podemos observar, Nietzsche vai em busca de formular teorias que comprovem que os elementos que tradicionalmente são colocados como fruto de uma moral transcendente surgiram anteriormente a ela, e que a moral, na verdade, se teria apropriado e surgido destes aspectos. Então como os homens mudaram as origens dos aspectos morais? Na Genealogia da Moral, Nietzsche rompe com a questão do esquecimento apresentado em trabalhos anteriores, e traz a questão do condicionamento como forma de explicar este feito. Em seus estudos anteriores, Nietzsche acreditava que os homens teriam esquecido (como pensavam também os utilitaristas) as origens e a formação dos princípios morais. A partir deste trabalho, Nietzsche afirma que o homem não se esqueceu das origens, e sim se condicionou ao longo da história com estes aspectos morais. Ao investigar o ato de fazer promessas, Nietzsche abandona a questão do esquecimento, a partir de uma análise fisiológica. Compreendemos que, para Nietzsche, quando acontece o surgimento da responsabilidade, a comunidade tem condição de se manter e progredir. E como surge o sentimento de “culpa” e a “má consciência” no homem? O sentimento de culpa é algo que surge de uma relação entre credor e o devedor, ou seja, surge de uma relação de valoração, relação esta que surge de uma relação comercial, ou seja, da promessa. Para Nietzsche o homem é um animal que mede que avalia, o homem é um animal que por excelência é avaliador. A relação do homem com o mundo se dá por valores. Azeredo afirma que “A noção de justiça procede da possibilidade de o homem, medindo pessoa a pessoa, diferenciar os que têm mais ou menos potência, e estabelecerem direitos e deveres entre iguais. Em vista disso, os iguais ajustam-se entre si e subjugam aqueles que têm menos potência.” (AZEREDO 2000, pág 113). Como surge então o castigo dentro desta relação entre credor e devedor? Contrariando a filosofia do livre-arbítrio, que acreditava que o castigo surgiu como forma de educar aquele que não cumpriu sua parte no acordo, com a finalidade de instruí-lo a não cometer mais aquele erro, Nietzsche afirma, através de sua pesquisa, que o castigo surge de uma vontade interior e não por uma coerção ou reparação de um erro, ou até mesmo uma vingança. Para Nietzsche a justiça realizada no castigo não surge como uma reação, e sim é uma ação. Sobre o castigo Vânia Dutra de Azeredo relata que: (...) Na visão nietzschiana, não se castigava por responsabilidade diante do ato e sim por raiva devido ao dano e, inclusive, se introduzia a dor como um elemento que lhe era equivalente. Desse modo, o castigo não poderia ter uma conotação moral, mas, diferentemente, buscava-se através dele uma reparação ou restituição do dano.” (AZEREDO 2000, pág 110). Para Paschoal, o castigo, como é visto pelos modernos, é uma concepção equivocada, pois uma pesquisa genealógica como a de Nietzsche “(...) revela que o castigo era aplicado preferencialmente por raiva devido a um dano sofrido e pela idéia de que ‘qualquer dano tem seu equivalente e pode ser realmente compensado, por meio mesmo de uma dor infligida a seu causador’. Uma relação que tem na idéia de uma equivalência entre dano e dor a sua categoria central e que encontra sua raiz ‘na relação contratual entre credor e devedor’, nas relações básicas que envolvem a concepção de ‘sujeito de direito’[227], (Rechtssubjekt) as relaçõesde compra, venda e troca.” (PASCHOAL 2005, pág 119,120). Para Nietzsche, quando o homem passou a viver de forma gregária, foi obrigado a reprimir seus instintos; porém, o homem não conseguiu se livrar totalmente dos seus instintos, que sempre estão revelando a verdadeira natureza do homem como animal. Neste momento o homem castiga por prazer, porque fazer isto é bom para sua natureza, e não possuindo o castigo, assim, qualquer caráter pedagógico. Nas origens do castigo está presente a idéia da compensação, ou seja, a satisfação ou prazer no ato de poder coagir o outro. O castigo é a praticado pelo prazer que ele oferece, e não por sua finalidade, à maneira dos modernos. A “culpa”, segundo Nietzsche, é um elemento central na construção da cultura. A partir da análise do castigo dentro deste processo de “domesticação” do homem, Nietzsche afirma que a moral surge a partir de um ser cruel. A necessidade de sobreviver enquanto espécie levou o homem a viver em comunidade. Nietzsche afirma que viver em comunidade foi algo importante para o homem, porém isso fez com que ele passasse a retrair cada vez mais seus instintos. Nietzsche afirma que o caráter cruel do homem não foi totalmente eliminado do homem, pois ainda hoje é difícil fazer com que todos os homens ajam de forma moral, ou segundo as leis e as regras de uma determinada sociedade. Para Nietzsche, muitos homens não conseguem se comportar de forma moral, porque a própria natureza humana não é moral. A noção de crime para Nietzsche surge de uma noção de alguém que quebrou as regras de uma determinada comunidade. Para que o homem não quebrasse estas regras seria necessário que o homem negasse seus instintos. O que Nietzsche identifica é que o homem atual sofre uma dor psíquica, e não mais uma dor física. Houve uma mudança de foco no sofrimento do homem. Com a criação dos pressupostos morais e da própria moral, o homem buscou eliminar suas dores físicas, e acabou na visão de Nietzsche trazendo dores psíquicas. É partir das análises entre devedor e credor, a respeito da origem do sentimento de culpa, e através das observações sobre o surgimento do castigo, que Nietzsche vai explicar como se deu o surgimento da justiça ou do direito penal e o Estado. É nas relações de valoração existentes no homem que Nietzsche vai identificar as instalações das bases do direito penal. É neste sentido que Paschoal afirma que: “Da coerência básica e rude, dada pela capacidade de medir, de buscar equivalências, logo se chega a uma generalização: ‘toda coisa tem seu preço; tudo pode ser pago’, que foi ‘o mais velho cânon moral da justiça’. Esta generalização permitiu que o principio básico da relação entre os indivíduos fosse aplicado de forma mais ampla na sociedade.” (PASCHOAL 2005, pág 124). Nietzsche afirma também que “(...) Nesse primeiro estágio, justiça é a boa vontade, entre homens de poder aproximadamente igual, de acomodar-se entre si, de “entender-se” mediante um compromisso – e, com relação aos de menor poder, forçá-los a um compromisso entre si.” (NIETZSCHE 2006, pág 60). O Estado, para Nietzsche, é entendido neste momento como a comunidade, onde habita o individuo. O castigo na comunidade surge na mesma relação existente entre devedor e credor. Paschoal relata que “(...) Desobedecendo as regras da comunidade, que expressam a vontade do credor, o antigo ‘membro’ torna-se uma espécie de devedor infiel, de ‘infrator’, do qual será cobrado um pagamento. A punição neste caso é uma cobrança àquele que trai e atenta contra a comunidade, rompendo a antiga equivalência.” (PASCHOAL 2005, pág 125). Por ter colocado a segurança da comunidade em risco, a comunidade reprime o individuo situando como inimigo, utilizando de violência sobre este. “Neste sentido, o castigo é uma mímesis da guerra e a justiça penal, especialmente nas suas formas mais primitivas, uma mímesis do comportamento diante do inimigo odiado, vencido, tornando sem defesa e por fim massacrado.” (PASCHOAL 2005, pág 125). Nietzsche analisa a visão dos ressentidos sobre a justiça afirmando que a concepção de justiça que conhecemos hoje é fruto de uma transformação conceitual no momento em que o ressentimento passou a ditar os valores, mudando a concepção anterior de justiça ativa para algo reativo. A partir da análise de Nietzsche, Paschoal afirma que: No seu contexto originário, a justiça se encontra nas mãos dos fortes, daqueles que podem prometer. E a lei, que é a partir do que vai se definir o “justo” e o ‘injusto”, se estabelece pelo pathos de distância do homem nobre, que cria um “estado de exceção” à própria vida, que não pode ser pensada sem violência, destruição (PASCHOAL 2005, pág 127). Para Nietzsche a “culpa” e a “má consciência” presentes no homem moderno não surgem a partir do castigo como se pensou durante muito tempo. Como já foi visto o castigo não tinha a finalidade de educar, mas sim era um momento em que o homem encontrava para satisfazer sua natureza. Para Nietzsche a “culpa” e a “má consciência” surge como já foi dito antes no momento em que o homem transferiu o foco da violência para seu interior. Paschoal afirma que: O movimento dos antigos instintos, não podendo mais se descarregar para fora, ‘voltou-se para dentro’ e produziu o que Nietzsche denomina de ‘interiorização do homem’. É por este movimento de inibição (hemmen) que cresce o mundo interior do homem (sua “alma”), e esse movimento de introjeção dos antigos instintos, ‘é a origem da ‘má consciência’ ”. Uma origem tornada possível pelas mesmas forças e instintos básicos que foram os geradores do processo civilizatório, e que possui por componente o mesmo tipo de violência que esteve presente na criação da consciência e da responsabilidade no homem (PASCHOAL 2005, pág 133). Neste mesmo sentido Azeredo afirma que: “A má consciência (das schlechte Gewissen) aparece, em Nietzsche, como uma doença que faz do homem como projeto de soberania, uma expressão de reação. O seu surgimento tem por base um rompimento, um salto, uma adaptação involuntária que se processa quando o animal homem precisa desligar-se propriamente do que há de animal em si, isto é, frear os seus instintos para viver em sociedade.” (AZEREDO 2000, pág 124). Para Nietzsche, existem dois momentos distintos na má consciência. O primeiro momento é a má consciência ativa, que é justamente o processo de interiorização do homem. O segundo momento é o da “má consciência” junto à consciência de culpa, que, na visão de Paschoal, “(...) se dá no momento em que o seu próprio processo de formação passa a ser gerido pela lógica do medo (Furcht), própria da forma escrava de valoração”. (PASCHOAL 2005, pág 136). A “má consciência” atinge seu momento mais preocupante quando o cristianismo cria a noção de pecado como culpa e a morte do próprio Deus como redenção desses pecados. O mais interessante é que, para Nietzsche, a “má consciência” é a condição natural do homem, quando ele começa a se afastar da natureza, e ela é o que torna o homem interessante. Porém a “má consciência” é a profunda doença que surge no homem, quando ele começa a viver em comunidade, pois, em nome da sociedade, o homem é obrigado a controlar suas ações. Como o homem não pode externalizar seus impulsos violentos, ele passa a interiorizá-los, e isso o torna doente. Nietzsche relata que o homem não quis a “má consciência”, ela se formou de forma involuntária. Mas o ressentimento e a má consciência não são o nada absoluto. Ao reprimir seus sentimentos o homem está realizando uma vontade de poder. Quando o homem não consegue externalizar seu poder, e possa a interiorizá-los, já é uma vontade de poder que está se efetivando. Para Nietzsche como o homem não pode ser violento com os outros, ele passa a ser violento consigo mesmo. Por fim, aindaresta uma questão a abordar. Como se dá a relação entre má consciência e o cristão? Nietzsche relaciona a moralização das noções de culpa e dever dentro do seu aprofundamento na má consciência. Para Nietzsche, com o surgimento do cristianismo, os valores e os sacrifícios pelo devedor são traduzidos em uma linguagem em que a noção de ‘amor’ passa a ser central. Isto tudo inspirado na própria idéia do Deus credor, que morre por aquele que lhe deve. Nietzsche coloca esta questão como a grande descoberta do cristianismo: Em qual outra religião o Deus morre para que o homem viva para sempre? Qual outro Deus morreu sem culpa e sem dever, não só pelos seus amigos, mas também pelos seus inimigos? Para Nietzsche, nenhum outro deus de qualquer outra religião assume este comportamento diante de seus servos. Podemos observar um comportamento característico do cristão nesta passagem em Jesus fala do amor para seus servos, amor este que é a única forma de se torna filho de Deus. “(...) Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; (MATEUS cap.5: 43,44). Nietzsche afirma que um grego nunca iria pensar em perdoar ou amar seus inimigos, pois os valores dos gregos são extremamente contrários aos valores cristãos. Nenhum dos vários deuses gregos assume um comportamento como este, pelo contrario, os gregos guerreavam, sangravam, pois eram uma das formas de agradar aos seus deuses. Nenhum homem de moral nobre iria fazer aquilo que é proposto pela moral escrava. Para Nietzsche, o sucesso da moral cristã é quando ela transfere as noções de “culpa” e de castigo para as relações com seu Deus. Para Nietzsche, o medo de pecar contra Deus ajuda o próprio homem a controlar seus instintos. Pois o homem utiliza a vontade de Deus para reprimir tudo aquilo que pertence ao seu instinto. Neste caso a “domesticação” deixa de ter um caráter de controle do Estado, e passa a ser a vontade de Deus. Segundo Nietzsche, com o cristianismo, o homem começa a querer sofrer, pois isso já é uma vontade de potência ou poder; o homem passa a se diminuir e sofrer por amor a Deus. Nietzsche afirma que o cristão é o mais doente entre os homens, pois este é aquele que passa a ter os maiores conflitos psicológicos devido à repressão que este faz a sua própria natureza. Para servir ao seu Deus, o cristão nega o mundo, dilacera e ofende a si próprio. O apóstolo Paulo afirma que, por amor a Deus, o homem deve abandonar seus desejos mundanos e viver em novidade de vida. “De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida.” (ROMANOS cap 6:4). Para Nietzsche, os gregos inventaram Deuses de forma mais nobre, não negaram sua própria natureza como os cristãos, não se enraiveciam consigo mesmo. Já os cristãos de apropriaram da “má consciência” em relação ao seu Deus, enquanto os gregos procuravam se afastar da “má consciência”, para gozar da liberdade da alma. Para explicar melhor as relações de “culpa” e “má consciência” entre os gregos e os cristãos, Nietzsche busca diferenciar a concepção loucura presente nos gregos, da concepção de pecado nos cristãos, mostrando o quanto gregos e cristãos tem visões muito opostas. Enquanto o cristão é limitado e agride sua natureza por amor a Deus, os gregos atribuíam seus males aos seus próprios deuses, colocando a culpa sobre eles. Para finalizar essa discussão, vale salientar que, para Nietzsche, todos os ideais existentes no mundo ocidental são ideais hostis à vida, porque estão ligados à “má consciência”, que criou raízes profundas devido à apropriação do cristianismo. A militância de Nietzsche por um homem livre das suas doenças psicológicas, sua busca de um espírito livre pensador, que seja contrário aos valores cristãos é a base e o incentivo da formulação de todas as suas hipóteses e teorias. O grande interesse de Nietzsche é tentar mostrar que os valores dominantes na sociedade ocidental são criação do próprio homem, e que estes fazem mal à própria natureza humana. Para Nietzsche, a sociedade cristã e a “má consciência” representaram um grande problema para homem. Para Nietzsche, vai chegar o dia em que o mundo vai receber o novo redentor, o anticristão e o anti-nilista, o Zaratustra, ser mais forte entre os homens que ultrapassaria e quebraria todos as barreiras do mundo ocidental. 4. Da psicologia do sacerdote à crítica da ciência dogmática: O sentido do ascetismo O que significam ideais ascéticos? – Para os artistas nada, ou coisa demais; para os filósofos e eruditos, algo como instinto e faro para as condições propícias a uma elevada espiritualidade; para as mulheres, no melhor dos casos um encanto mais de sedução, um quê de morbidezza na carne bonita, a angelicidade de um belo e gordo animal; para os fisiologicamente deformados e desgraçados (a maioria dos mortais) uma tentativa de ver-se como “bons demais” para este mundo, uma forma abençoada de libertinagem, sua grande arma no combate à longa dor e ao tédio; para os sacerdotes, a característica fé sacerdotal, seu melhor instrumento de poder, e “suprema” licença de poder; para os santos, enfim, um pretexto para a hibernação, sua novíssima gloriae cupido [novíssima cupidez de glória], seu descanso no nada (“Deus”), sua forma de demência. Porém, no fato de o ideal ascético haver significado tanto para o homem se expressa o dado fundamental da vontade humana, o seu horror vacui [horror ao vácuo]: ele precisa de um objetivo – e preferirá ainda querer o nada a nada querer. – Compreendem?... Fui compreendido?... “Absolutamente não, caro Senhor!” – Então comecemos do início. (NIETZSCHE: 2006, p. 87-88). Então, vejamos o que significam os ideais ascéticos na compreensão de nosso filósofo. De certa forma, já no primeiro aforismo da terceira dissertação, Nietzsche apresenta uma breve conclusão de seu estudo, relatando sua resposta para esta questão. Neste momento, Nietzsche vai buscar desenvolver uma análise sobre o significado do ideal ascético e o que este representou no mundo ocidental, entendendo-o como preponderante e como fio condutor de nossa cultura, ou seja, o suporte de uma civilização que “vive” ou “vegeta” para o além. O problema que Nietzsche aborda neste momento é o fato de os ideais ascéticos ou a ascensão da moral escrava (judaico-cristã) ter significado tanto para o homem moderno. Para Nietzsche, por mais incrível que possa parecer, em última instância o ideal ascético foi a forma que o homem encontrou para preservar a vida, um sentido que faltava, uma expressão da vontade de potência. Mas como pode algo que se configura e se caracteriza como a negação da vida, apresenta-se agora como aquilo que a preserve e que lhe dá sentido? É tentando compreender esta questão que Nietzsche se propõe a realizar uma análise minuciosa do ideal ascético, fazendo uma psicologia dos sacerdotes, revelando seus segredos e suas pretensões. Na construção de sua terceira dissertação, Nietzsche mantém um diálogo estreito com a primeira. Apesar de escrever suas dissertações de forma que elas possam ser lidas autonomamente, Nietzsche, a meu ver, procurou dar um sentido progressivo em seu estudo, como se uma dissertação fosse a complementação da outra, ou seja, elas foram criadas de forma que são melhores compreendidas se forem lidas interligadas. O próprio Nietzsche afirma que sua genealogia mantém um diálogo com várias outras obras suas, e que deve ser lida com um conhecimento prévio de sua filosofia e seu pensamento. Podemos ver que questões que foram abordadas na primeira dissertação como o ressentimento,