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Eixo: 2 – Política Educacional 
 
NOVOS FIOS DO NOVELO: uma análise da política educacional para a infância 
negro no ocaso do Império e Início da República (1871-1910). 
 
 
 
Alexandre Ribeiro Neto (UERJ/FEBEF)1 
 
 
Resumo: O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em 
diferentes lugares. Recuperar esse tecido, não é uma tarefa fácil. Para analisá-lo, usamos 
como fio condutor, o romance Capitães de Areia de Jorge Amado. Nele comparamos, o 
processo de escolarização proposto para os meninos pobres na Bahia, com a proposta 
educativa dos pobres do Vale do Paraíba Fluminense. Para conhecê-las, analisaremos as 
matérias publicadas no jornal O Vassourense. Para ler essas duas fontes documentais de 
pesquisa, utilizamos como suporte teórico metodológico, as reflexões de Elias e Scotson 
(2000), propondo, que tanto as cartas de: Maria Ricardina, do Padre José Pedro e do 
Diretor do Reformatório apresentam a luta entre Estabelecidos e Outsiders. Ao contrário 
das matérias publicadas no Jornal O Vassourense, que podem ser lidas como fofocas de 
elogios que reforçam a comunhão dos virtuosos. Dialogaremos, com outros autores da 
História da Educação, tais como: Schueler (2000) que analisa a proposta educativa da 
Associação Protetora da Infância Desamparada, que resultou na criação do Asilo de Santa 
Isabel em Valença e Ribeiro Neto (2013) que estuda a criação do Educandário Nossa 
Senhora da Piedade, na cidade de Paraíba do Sul, na mesma região, destinado a acolher e 
educar meninas pobres, ampliando a rede de assistência a infância desvalida. Para analisar 
a política educativa de Vassouras no ocaso do Império e início da República, temos que 
ampliar a nossa lente e olhar ao redor, percebendo o imbricado jogo de relações e 
dependências existentes entre as cidades da região, dessa forma, podemos recuperar os 
fios e assim compreender a história e ver a beleza do tecido. 
 
Palavras-Chaves: Crianças Negras; Política Educacional; Vassouras. 
 
 
1 Alexandre Ribeiro Neto, Professor Adjunto da UERJ/FEBEF – Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, Rio 
de Janeiro, Brasil, alexandreribeiroento@bol.com.br ou aleribeironeto@gmail.com. 
 
Introdução 
 O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em 
diferentes lugares. Recuperar esse tecido, não é uma tarefa fácil. Para analisá-lo, usamos 
como fio condutor, o romance Capitães de Areia de Jorge Amado. Nele comparamos, o 
processo de escolarização, destinado aos meninos pobres na Bahia, com a proposta 
educativa dos pobres do Vale do Paraíba Fluminense. Para conhecê-las, analisaremos as 
matérias publicadas no jornal O Vassourense, e também, dialogaremos, com outros 
autores da História da Educação. 
 Entendemos que corremos o risco, de usarmos um livro de ficção como fonte 
documental de pesquisa. Contudo, não somos os primeiros a fazê-lo. Sidney Chalhoub 
usou as crônicas de bruxo do Cosme Velho, para apreender o sentido das mudanças na 
sociedade brasileira do século XIX. 
Além de não sermos os primeiros nessa proposta metodológica. Nossa escolha do 
livro de ficção como fonte documental de pesquisa, encontra apoio na defesa de Lucien 
Febvre, pela ampliação das fontes documentais de pesquisa, no Movimento dos Annales. 
Há os campos e as máquinas e as instituições, as crenças, os escritos: 
atrás de tudo isso que interessa a história, e que o historiador que captar 
são os homens. “O bom historiador se parece com o ogro da lenda, onde 
houver carne humana sabe que aí está a sua caça (FEBVRE, 1970, p, 
228). 
 
Nos movimentamos em duas direções. Na primeira, intencionamos usar o livro 
Capitães de Areia como fonte documental, para conhecer os homens, ou melhor as 
crianças negras, que saltam de suas páginas. Tomamos a carta de Maria Ricardina como 
início de um processo de escolarização de negros e pobres, e também, como denúncia das 
práticas de exploração o trabalho de crianças e da aplicação de castigos corporais, que 
lembravam os velhos tempos da escravidão. Na segunda, pretendemos comparar as 
instituições escolares, que pretendiam educá-las. Começamos nossa viagem na Bahia, 
conhecendo o Reformatório - instituição escolar descrita por Jorge Amado, para educar e 
corrigir os meninos vadios. Terminamos nossa viagem na região do Vale do Paraíba do 
 Sul Fluminense, conhecendo por meio do periódico O Vassourense, o Asilo de Santa 
Isabel, criado para o mesmo fim, apresentando uma luta travada entre estabelecidos e 
outsiders. 
1. O processo de escolarização das crianças negras: fios que emergem em 
diferentes lugares 
 
O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em 
diferentes lugares. Recuperar esse tecido, não é uma tarefa fácil. Começamos bem longe 
de Vassouras. Voltamos nossos olhos para outra área. Nosso percurso começa na Bahia, 
com Maria Ricardina, costureira, que embora não reconheça o potencial de sua escrita, 
ela denuncia um processo de escolarização, cujas raízes se perderam em tempos 
pretéritos. 
Desculpe os erros e a letra pois não sou costumeira nestas coisas de 
escrever e se hoje venho a vossa presença é pra botar os pontos nos ii. 
Vi no jornal uma notícia sobre os furtos dos Capitães da Areia e logo 
depois veio a polícia e disse que ia perseguir eles e então o doutor dos 
menores veio com uma conversa dizendo que era uma pena que eles 
não emendavam no reformatório para onde ele mandava os pobres. É 
para falar no tal do reformatório que eu escrevo estas mal traçadas 
linhas. Eu queria que seu jornal mandasse uma pessoa ver o tal do 
reformatório para ver como são tratados os filhos dos pobres que têm a 
desgraça de cair nas mãos daqueles guardas sem alma. Meu filho 
Alonso teve lá seis meses e se eu não arranjasse tirar ele daquele inferno 
em vida, não sei se o desgraçado viveria mais seis meses. O menos que 
acontece pros filhos da gente é apanhar duas e três vezes por dia. O 
diretor de lá vive caindo de bêbado e gosta de ver o chicote cantar nas 
costas dos filhos dos pobres. Eu vi isso muitas vezes porque eles não 
ligam pra gente e diziam que era para dar exemplo. Foi por isso que 
tirei meu filho de lá. Se o jornal do senhor mandar uma pessoa lá, 
secreta, há de ver que comida eles comem, o trabalho de escravo que 
têm, que nem um homem forte agüenta, e as surras que tomam. Mas é 
preciso que vá secreto senão se eles souberem vira um céu aberto. Vá 
de repente e há de ver quem tem razão. É por essas e outras que existem 
os Capitães da Areia. Eu prefiro ver meu filho no meio deles que no 
reformatório. Se o senhor quiser ver uma coisa de cortar o coração vá 
lá. Também se quiser pode conversar com o padre José Pedro, que foi 
capelão de lá e viu todo isso. Ele também pode contar e com melhores 
palavras que eu não tenho. Maria Ricardina, costureira (AMADO, 
2009, p.16-7) 
 Maria Ricardina deixou a costura de lado e lançou mão de instrumentos que não 
faziam parte do seu cotidiano. Talvez, uma caneta e um pedaço de papel. Habituada a 
costurar, ela começou a escrever. A falta de prática, fazia com que a letra não tivesse o 
formato apresentável, como dos advogados. Todavia, quem atentaria para a sua 
caligrafia? O importante é o conteúdo. Nesse quesito, sua carta não perdia, nem mesmo 
para os mais eminentes juristas. Ela não se perde em elogios. Com simplicidade, ela diz 
querer colocar as coisas nos seus devidos lugares, ou na linguagem coloquial os pingos 
nos ii. 
 Sua carta é uma denúncia das péssimas condições do reformatório, destinado a 
educar e profissionalizar as crianças pobres na Bahia. Ela parte do que lera no jornal - a 
política iria perseguir os Capitães de Areia - grupo de crianças que viviam na rua 
praticando pequenos roubos. Recorremos Fraga Filho (1996), que nos ajuda a 
compreender o cenário onde o livro se desenvolve, indicando que na cidade de Salvador 
havia vários grupos de meninos peraltas. 
A maioria das freguesiascentrais possuía suas maltas de peraltas. 
Ficaram célebres os bandos de menores que se reuniram na Piedade, 
Terreiro de Jesus, Maciel, Cruzeiro de São Francisco, Largo da Saúde, 
Conceição da Praia, Santo Antônio Além do Carmo e na Rua da Vala. 
Nesses encontros, muitas vezes noturnos, costumavam cantar, batucar, 
assobiar e eventualmente medir forças entre si ou contra as patrulhas de 
polícia que rondavam os quarteirões (FRAGA FILHO, 1996, p. 113). 
 
Estamos diante de uma mulher simples, como tantas outras que moravam na 
Bahia. Maria Ricardina sabe ler e escrever. Se aprendeu numa escola formal? Não 
sabemos. Se aprendeu na dura lida do dia a dia? Também não podemos afirmar. 
 
No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer 
somente as “gestas dos reis”. Hoje, é claro não é mais assim. Cada vez 
mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, 
deixado de lado ou simplesmente ignorado. “Quem construiu Tebas das 
sete portas? ” – Perguntava o “leitor operário” de Brecht. As fontes não 
nos contam nada daqueles pedreiros anônimos, mas a pergunta 
conserva todo seu peso (GINZBURG, 1987, p.15) 
 
 
 O peso da pergunta nos leva a interrogar o passado em busca de novas respostas. 
No caso em tela, Maria Ricardina era depositária de um saber, que a Historiografia da 
Educação, julgou pertencer apenas aos grupos sociais mais abastados, que a partir da 
leitura e da escrita poderiam participar da administração do Estado. Maria Ricardina, 
fugia a essa classificação. Vivia a costurar, dando vida aos vestidos. 
 Após os roubos ganharem as páginas dos jornais, houve uma mobilização dos 
representantes do poder. O primeiro a falar foi a polícia, que prometeu agir para restaurar 
a paz e a segurança dos cidadãos de bem. O segundo a se pronunciar foi o diretor do 
reformatório. O que nenhum dos dois contava era que Maria Ricardina viesse a público 
trazer a sua versão dos fatos. 
A medida que o século XIX avançava, as autoridades da província 
punham em vigor medidas repressivas com o fim de disciplinar a 
presença dos menores no espaço público. Essas providências buscavam 
dispensar os ajuntamentos noturnos, acabar com a participação 
barulhenta nas festas, extinguir os divertimentos de rua, tais como jogos 
e brincadeiras. Na década de 1840, as autoridades policiais colocaram 
patrulhas fixas em pontos da cidade onde ocorriam encontros noturnos 
de peraltas. Em 1866, o delegado do primeiro distrito da Sé, José 
Álvares do Amaral, chegou a colocar guardas disfarçados na localidade 
para prender meninos “que vagando pelas ruas da cidade ofendiam a 
moralidade com palavras obscenas, atirando pedras e fazendo 
algazarras”. Na ocasião foram presos mais de cinquenta menores 
vadios, alguns devolvidos a seus pais, mestres e senhores, outros 
recrutados para a Companhia de Aprendizes de Marinheiros. A intenção 
era estabelecer uma ordem urbana que livrasse as vias públicas da 
presença incômoda desses menores (FRAGA FILHO, 1996, p. 116-7). 
 
 A rua era um lugar melhor que o reformatório. Ela era sinônimo de liberdade, o 
reformatório expressava o seu antônimo. Numa sociedade rural a cidade apresentava 
possibilidades distintas do campo. O trabalho nas ruas, permitiam aos escravos de ganho 
juntar mais facilmente um pecúlio, para comprar a sua liberdade e também da sua prole. 
Ao que parece, os meninos compreendiam essa lógica de organização do espaço. João 
do Rio, que nos ajuda a compreender o encantamento que a rua exercia: 
 Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua 
tem alma. Em Benares ou Amesterdão, em Londres ou em Buenos 
Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é 
agasalhadora da miséria. [...] A rua é generosa. O crime, o delírio, a 
miséria não os denuncia ela. A rua é transformadora das línguas. Os 
Cândidos de Figueiredo do universo estafam-se em juntar regrinhas 
para enclausurar expressões; os prosadores bradam contra os Cândidos. 
A rua continua matando substantivos, transformando a significação dos 
termos, impondo aos dicionários as palavras que inventa, criando o 
calão que é o patrimônio clássico dos léxicons futuros (RIO,2008, 
p.29). 
 Ela não concorda com o que as crianças faziam na rua. Todavia, ao denunciar a 
violência dos guardas do reformatório, ela compreendia que aquele espaço não conseguia 
cumprir o seu objetivo final. O espancamento dos menores, acontecia até mesmo na 
presença de seus responsáveis. O diretor do reformatório aprovava a prática de corrigir o 
caráter das crianças, através de chicotadas. 
Em 1867, o subdelegado da freguesia de São Pedro chegou a 
recomendar que patrulhas policiais usassem chibatas par dispensar 
ajuntamentos corriqueiros de vadios e moleques na Praça da Piedade. 
Além de física, a punição visava atingir a autoestima desses menores, 
uma vez que a palmatória e a chibata os equiparava à condição de 
escravos (FRAGA FILHO, 1996, p. 117). 
 
 Dessa forma, entendemos que essa prática corretiva não se constituía em segredo. 
Ela era uma prática social usada para reprimir os vadios. Era aplicada sem nenhum 
constrangimento. A República não alterou a forma de punir usada no regime anterior. 
Eles ainda respiravam o ar que exalava a escravidão. Esses meninos, eram tratados como 
se escravos fossem. Para corrigir escravos que não trabalhavam, não se usava a palavra e 
sim a chibata. Afinal, quem se compadece de crianças pobres internadas num 
reformatório? Se as palavras não corrigiam o caráter, quem sabe algumas pancadas ou 
algum tempo preso no cafua? 
É o chefe dos tais Capitães da Areia. Veja... O tipo do criminoso nato. 
É verdade você não leu Lombroso..., Mas se lesse, conheceria. Traz 
todos os estigmas do crime na face. Com esta idade já tem cicatriz. 
Espie os olhos.... Não pode ser tratado como qualquer. Vamos lhe dar 
honras especiais... Pedro Bala o espia com os olhos injetados. Sente 
cansaço, uma vontade doida de dormir. Bedel Ranulfo aventura uma 
pergunta: - Levo pra junto dos outros? – O que? Não. Para começar, 
 meta-o no cafua. Vamos ver se ele sai um pouco mais regenerado de lá 
[...] Fora atirado dentro do cafua. Era um pequeno quarto, por baixo da 
escada, onde não se podia estar em pé, porque não havia altura, nem 
tampouco estar deitado ao comprido, porque não havia comprimento. 
Ou ficava sentado, ou deitado com as pernas voltadas para o corpo 
numa posição mais que incômoda (AMADO, 2011, p.196-97). 
 
 Com a citação feita anteriormente, queremos lançar luzes sobre alguns pontos. Em 
primeiro lugar, ressaltamos a associação das características físicas do menino com as 
apresentadas por Lombroso2 - médico italiano, que defendia a existência de características 
físicas, como ponto de partida para compreender o comportamento criminoso de alguns 
indivíduos. Em segundo lugar, chamamos atenção para o isolamento dos indivíduos 
perigosos, como forma de disciplinar e de conter a expansão da marginalidade. O que 
aconteceu na Bahia poderia ser uma herança biológica ou herança social? Elias e Scotson 
(1990) nos ajudam a compreender a discussão entre herança biológica e marginalidade. 
Os jovens comuns, em outros meios sociais, cedo aprendem a penar em 
si em termos de futuro. Para a maioria dos jovens indisciplinados do 
loteamento, porém, era difícil ter qualquer visão de si mesmos a longo 
prazo. [...]. Ao agir de acordo com esse sentimento, eles ajudavam a 
reproduzir a própria situação de que tentavam escapar. [...]. Eles haviam 
nascido num círculo vicioso do qual era difícil escapar. Tendo crescido 
em famílias rejeitadas pelas famílias ordeiras do bairro e excluídas de 
qualquer relação social mais estreita com elas, esses jovens 
desenvolviam tendências comportamentais que faziam com que o 
estigma da rejeição e da exclusão recaísse sobre eles como indivíduos. 
[...]. É frequente se estudarem tendências comportamentais como as 
desses jovens em apenas uma geração. Quando alguém chega a 
considerar uma sequênciade gerações, em geral é por presumir que 
essas tendências se devem a alguma espécie de herança biológica. Mas 
é muito mais provável que elas se devam como sucedia nesse caso, a 
uma forma de herança sociológica (ELIAS e SCOTSON, 2000, p.144-
45). 
 Na análise de conjuntura, feita por Maria Ricardina, os motivos que levaram os 
meninos a rua se aproximavam mais da herança sociológica do que da herança biológica. 
Eles fugiam do reformatório, por que queriam ficar livres nas ruas e os trabalhos impostos 
a eles eram pesados demais. Haveria alguma ligação entre a bebedeira do diretor e o 
 
2 Ver Lilia Moritz Schwartz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 
(1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 
 excesso de trabalho destinado as crianças? Sua reclamação, nos remete as reivindicações 
feitas pelos escravos. 
[...]. Para um especialista em história social, a passagem de Dreys narra 
uma situação clássica de trabalhadores tentando influenciar as 
condições e a intensidade das tarefas que deveriam realizar; recorrendo 
às estranhas preferências do tigre, os negros certamente lutavam por 
melhores condições de segurança e por maior divisão de tarefas no 
trabalho árduo de obter lenha (CHALHOUB, 1990, p. 40). 
 Para provar que não mentia, convocou o jornal a enviar ao reformatório, alguém 
de surpresa, sem aviso. Dessa forma, não haveria como esconder do visitante, as práticas 
corretivas e o árduo trabalho impetrado as crianças. Ela também buscou apoio no capelão, 
o padre José Pedro. Ele não se fez de rogado, atendeu o seu chamado, escrevendo uma 
carta ao jornal. 
 
Saudações em Cristo. 
Tendo lido, no vosso conceituado jornal, a carta de Maria Ricardina que 
apelava para mim como pessoa que podia esclarecer o que é a vida das 
crianças recolhidas ao reformatório de menores, sou obrigado a sair da 
obscuridade em que vivo para vir vos dizer que infelizmente Maria 
Ricardina tem razão. As crianças no aludido reformatório são tratadas 
como feras, essa é a verdade. Esqueceram a lição do suave mestre, Sr. 
Redator, e em vez de conquistarem as crianças com bons tratos, fazem-
nas mais revoltadas ainda com espancamentos seguidos e castigados 
físicos verdadeiramente desumanos. Eu tenho ido lá levar às crianças o 
consolo da religião e as encontro pouco dispostas a aceitá-lo devido 
naturalmente ao ódio que estão acumulando naqueles jovens corações 
tão dignos de piedade. O que visto, Sr. Redator, daria um volume. Muito 
grato pela atenção. Servo em Cristo, Padre José Pedro (AMADO, 2011, 
p.18). 
 A palavra do padre José Pedro era revestida de crédito, porque nesse momento, 
ele não é um indivíduo. Ele é o representante da Igreja. Numa sociedade marcada pela 
religiosidade, suas palavras possuíam um peso maior, do que as proferidas pela costureira. 
Maria Ricardina poderia ser vista, como uma mulher defendendo o seu filho malandro. 
Ao contrário do padre. Aos olhos dos leitores, ele falava em defesa de princípios, que 
organizavam a sociedade. A mesma que criou o reformatório. 
 Havia representantes de outras religiões. Maria Ricardina, também poderia ter 
pedido a mãe Aninha, dona do terreiro de Candomblé. Contudo, em sua carta, ela não foi 
citada. Talvez o motivo dela não ter escrito, era por ser também uma pobre mulher. O 
Candomblé, era uma religião frequentada pelos negros, e seus terreiros eram alvos de 
constantes batidas policiais. Em uma delas, levaram-lhe uma divindade. 
Numa batida num candomblé (que se bem que não fosse o seu, porque 
nenhum polícia se aventurava a dar uma batida no candomblé de 
Aninha, estava sob a sua proteção) a polícia tinha carregado com Ogum, 
que repousava no seu altar. Don`Aninha tinha usado da sua força junto 
a um guarda para conseguir a volta do santo. Fora mesmo à casa de um 
professor da faculdade de medicina, seu amigo, que vinha estudar a 
religião negra no seu candomblé, pedir que ele conseguisse a restituição 
do deus. O professor realmente pensava em conseguir que a polícia lhe 
entregasse a imagem. Mas para juntar à sua coleção de ídolos negros e 
não para reintegrá-la no seu altar no candomblé distante. Por isso, por 
estar Ogum numa sala de detidos na polícia, Xangô descarrega os raios 
nessa noite. Por último Don`Aninha veio aonde os Capitães da Areia, 
seus amigos de há muito, porque são amigos da grande-mãe-de-santo 
todos os negros e todos os pobres da Bahia (AMADO, 2011, p.93) 
 
 Com a citação feita anteriormente, tencionamos compreender o motivo de Mãe 
Aninha não ser requisitada por Maria Ricardina, para ajudá-la escrevendo uma carta 
confirmando as suas palavras. Ela não possuía a mesma legitimidade social do padre. Ela 
recorre a outras pessoas para resolver seu problema. Primeiro a um guarda, depois pede 
auxílio ao professor da faculdade de Medicina. O guarda silencia e ao que parece, nada 
pôde fazer. O professor até poderia ajudar, mas não pretendia devolver a imagem ao 
terreiro. Ao contrário, pretendia guardá-la em sua coleção. Embora, movimentasse uma 
extensa rede de solidariedade, ela não conseguiu ajuda para recuperar a imagem da 
divindade. Por fim, Mãe Aninha foi pedir ajuda aos Capitães de Areia. 
 Mãe Aninha foi ao trapiche dos Capitães da Areia para pedir um favor - 
recuperam a imagem da divindade. Os meninos arquitetam um plano para tirar Ogum da 
cadeia. Eles conseguem devolver o que a polícia levou do terreiro. O roubo da imagem 
foi uma forma encontrada pelo autor, para sinalizar a ambiguidade da religiosidade negra. 
Tratada como objeto de estudo, como lugar do exótico, festejada em alguns momentos do 
ano, vigiada e censurada em outros. 
 A carta de Maria Ricardina provocou uma avalanche discursiva. Ela convidou o 
padre a se pronunciar, ele o fez. Contudo, sua carta ao denunciar a dureza do trabalho e o 
uso da chibata no reformatório, também cobravam uma explicação. Para tanto, ninguém 
melhor que o diretor. Ele resolveu rebatar as acusações contra a sua conduta e a instituição 
que dirigia. 
Foi assim que li duas cartas de acusações contra o estabelecimento que 
dirijo e que a modéstia (e somente a modéstia, Sr. Diretor) me impede 
que chame de modelar. Quanto à carta de uma mulherzinha do povo, 
não me preocupei com ela, não merecia a minha resposta. Sem dúvida 
é uma das muitas que aqui vêm e querem impedir que o reformatório 
cumpra a sua santa missão de educar os seus filhos. Elas os criam na 
rua, a pândega, e como eles aqui são submetidos a uma vida exemplar, 
elas são as primeiras a reclamar, quando deveriam beijar as mãos 
daqueles que estão fazendo dos seus filhos homens de bem. Primeiro 
vêm pedir lugar para os seus filhos. Depois sentem falta deles, do 
produto dos furtos que eles levam para casa, e então saem a reclamar 
contra o reformatório. Mas, como já disse Sr. Diretor, esta carta não me 
preocupou. Não é uma mulherzinha do povo quem há de compreender 
a obra que estou realizando à frente deste estabelecimento. O que me 
abismou, Sr. Diretor, foi a carta do padre José Pedro. Este sacerdote, 
esquecendo as funções do seu cargo, veio lançar contra o 
estabelecimento que dirijo graves acusações. Esse padre (que eu 
chamarei de padre do demônio, se me permitis uma pequena ironia, Sr. 
Diretor) abusou das suas funções para penetrar no nosso 
estabelecimento de educação em horas proibidas pelo regulamento e 
contra ele eu tenho de formular uma séria queixa: ele tem incentivado 
aos menores que o estado colocou a meu cargo à revolta, à 
desobediência. Desde que ele penetrou os umbrais desta casa que os 
casos de rebeldia e contravenções aos regulamentos aumentaram. O tal 
padre é apenas um instigador do mau caráter geral dos menores sob a 
minha guarda. E por isso vou fechar-lhe as portas desta casa de 
educação. Porém, Sr. diretor, fazendo minha as palavras da costureira 
que escreveu a este jornal, sou eu quem vem vos pedir que envieis um 
redator ao reformatório. Disso faço questão.Assim podereis, e o 
público também, ter ciência exata e fé verdadeira sobre a maneira como 
são tratados os menores que se regeneram no Reformatório Baiano de 
Menores Delinquentes e Abandonados. Espero o vosso redator na 
segunda-feira. E se não digo que ele venha no dia que quiser é que estas 
visitas devem ser feitas nos dias permitidos pelo regulamento. Este é o 
motivo único por que convido o vosso redator para segunda-feira. Pelo 
que vos fico imensamente grato, como pela publicação desta. Assim 
ficará confundido o falso vigário de Cristo. Criado agradecido e 
admirador atento. Diretor do Reformatório Baiano de Menores 
Delinquentes e Abandonados (AMADO, 2011, p. 19-20). 
 
 O diretor em sua carta trava uma batalha em duas frentes. Na primeira direção, 
combate os argumentos do Padre. Sobre o padre José Pedro pesava argumentos diferentes 
dos desferidos contra a costureira Ele gostaria de contar com o segredo o destinado aos 
devotos, que confessam os erros no confessionário. Como não guardou segredo sobre o 
que viu, não possuía virtude para o sacerdócio. O padre estava credenciado a entrar na 
instituição, mas para desabonar a sua conduta, ele diz que o mesmo entrou em dia 
impróprio e incentivou a rebelião. José Pedro avaliou corretamente as cenas que 
presenciou? Ele se aliou a costureira e não ao diretor. 
 Em outra direção o diretor combateu os argumentos da costureira. Para tentar 
desacreditá-la, ele a descreve como uma mulher do povo, de vida desregrada, que não 
sabe criar os filhos. Esse argumento também está presente nos pedidos de Soldada. Seus 
autores alegavam entre outros motivos a falta de moral da mãe. 
Diz Caetano da Rosa Martins fazendeiro, residente neste município, que 
deseja tomar em serviço os menores João, Manoel e Jovita, o primeiro 
de 15, o segundo de 13 e o terceiro de 10 anos de idade, filhos naturais 
da liberta Maria Theresa, a qual não tem bons costumes. O suplicante 
se propõe a pagar de soldada durante o prazo de cinco anos, pelos 
serviços do primeiro 5$000 pelos serviços do segundo 3$000, pelos 
serviços do terceiro 2$000, mensalmente, obrigando-se a educá-los, 
alimentá-los e vesti-los e recolher a importância de sues salários a 
caderneta da Caixa Econômica Estadual em prestações trimestraes. O 
suplicante que pede contratar o serviço desses menores, 
independentemente da intervenção de tutor, por isso que tal forma é a 
que mais se coaduna com a Ord. Lei 1ºV 88s13, tanto assim que autuam 
no formulário ao seo “Roteiro dos Orphãos” não faz figurar no termo 
de locação de serviços senão o juiz e a parte, que se propõe a tomar o 
menor ou orphão a soldada nestes termos. Pede deferimento, lavrando-
se o competente termo. Vassouras, 8 de março de 1895. Caetano da 
Rosa Martins (SOLDADA, 1895, p.3). 
 
 No caso citado acima, a resposta do Juiz de Órfãos foi favorável a Caetano da 
Rosa Martins, que pretende tomar à soldada as três crianças sem o estabelecimento do 
tutor, eliminando intermediários e negociando direto com o próprio Juiz de Órfãos, 
usando as brechas da legislação. Ele promete também depositar trimestralmente a quantia 
determinada na petição. Vejamos o despacho do juiz ao pedido: 
 Proverá Deus que sempre se achem quem como o Suplicante se 
prestasse a tomar a soldada os inúmeros menores, que maltrapilhos, se 
vê vagar por isso sou de parecer que seja deferida a petição sobre que 
foi ouvido. Vassouras, 8 de março de 1895. J. A Figueira (SOLDADA, 
1895, p.4). 
 
Na carta do Diretor do reformatório, o árbitro não é o Juiz de Órfãos, mas o redator 
do jornal. O mesmo não se pronuncia em nenhum momento, apenas publica as cartas. 
Em um rápido contra-ataque, lançou sobre ela o germe da preguiça, ao dizer que ela como 
tantas outras vivem do roubo que os filhos trazem para casa. Nesse momento ignorou que 
ela era costureira. A população negra no período pós-abolição da escravidão executou 
uma gama variada de serviços, entre eles o de costureira. 
Dentro do quadro rural predominante na região analisada, os arraias, 
vilas e cidade ofereciam ainda um quadro de relativa abertura para 
aqueles que dominavam ofícios especializados, conformando um grupo 
sócio profissional relativamente distinto do anterior. Especialmente pra 
mulheres sós, representava uma opção muito mais viável que a 
permanência nas áreas rurais. Nem só de forras compunha-se o mundo 
das lavadeiras, quitandeiras e costureiras, nas vilas do interior, mas 
também de migrantes rurais, viúvas ou solteiras (MATTOS, 1998, p.47-
48). 
Não foi revelado o estado civil de Maria Ricardina, não há nenhuma menção ao 
nome do pai do menino, se a mesma era imigrante ou natural de Salvador. O diretor não 
sabia, talvez nem mesmo ela soubesse, que dentro dessa avalanche discursiva, a sua carta 
revelaria o processo de escolarização sofrido por ela. Se fora capaz de ler o jornal, de 
acompanhar a história dos roubos cometidos pelos Capitães de Areia, interpretar que os 
mesmos eram procurados pela polícia. Após ler o jornal fora capaz também, de escrever 
uma carta, para ser publicada no mesmo, reconhecendo as regras sociais que ordenavam 
os dispositivos de poder. Ela era uma mulher pobre e costureira, porém alfabetizada. 
Maria Ricardina assinou o seu nome ao terminar a sua carta, o padre José Pedro 
também. O diretor do reformatório não, preferiu omitir o seu ao finalizar a sua carta. 
Recorremos a Pierre Bourdieu, para salientar a importância da assinatura do nome ao final 
da missiva. 
O nome próprio é o atestado visível da identidade do seu portador 
através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de 
 suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente 
reconhecida de totalizar essas manifestações em registros oficias [...] e 
não é por acaso que a assinatura, signum authenticum que autentica essa 
identidade, é a condição jurídica das transferências de um campo a 
outro, isto é, de um agente a outro, das propriedades ligadas ao mesmo 
indivíduo instituído (BOURDIEU,1996, p.186-87). 
 
José Pedro ao escrever a sua carta, não era um indivíduo que defendia as crianças. 
Era o sacerdote, representante da Igreja. Contudo, não perdeu a sua identidade. Ao 
contrário do diretor, ao omitir o seu nome, trouxe à tona o representante do governo, 
operando o sumiço do indivíduo, apagando-o completamente. 
Ainda que não queira reconhecer a carta da costureira arranhou a credibilidade do 
cargo que ele ocupava. Em defesa dela, ele usou o jornal para se defender das acusações. 
Contudo, a carta do padre José Pedro lançou sobre os ombros do diretor um componente 
explosivo: a dúvida. 
 Ele pode se escrever uma carta, até duas. A escrita por ele, por sinal foi mais longa, 
do que a de seus acusadores. Mas de agora em diante, a dúvida sobre o trabalho 
desenvolvido pela instituição paira no ar. Ainda que não fosse verdade o que dizia a 
costureira. Quem teria o trabalho de escrever uma carta, denunciando algo que não 
aconteceu? E ainda nesse delírio, convocar outra pessoa, no caso, um padre, a escrever 
uma carta de apoio. O religioso movido pelo mesmo sentimento, saiu em ajuda da 
costureira escrevendo também. Pretendiam com suas cartas promover a troca da direção 
da instituição, para que ela voltasse a corrigir a moçada e dar-lhes rumo na vida? Não o 
sabemos. O elo existente entre Vassouras e a Bahia é o jornal como meio de apresentar 
instituições educacionais para meninos e meninas negras. Ao contrário das páginas, do 
pasquim soteropolitano, as páginas do periódico O Vassourense foram cobertas de elogios 
ao diretor e ao Asilo de Santa Isabel. 
2. Vassouras e o Asilo de Santa Isabel 
O Vassourense era um periódico que circulava na região do Vale do Paraíba 
Fluminense. Era publicado somente aos domingos. Quem escrevesse as reportagens 
deveria assiná-las, não permitindo o uso de pseudônimo. O leitor poderia fazer uma 
 assinatura adiantada no valor de dez contos de réis. Cada anúncio custava trinta réis por 
uma linha, com direito de serrepetido três vezes. Raymundo Monteiro da Silva 
comandava o Asilo de Santa Isabel e também do jornal. Tanto Francelino Marques era 
um dos colaboradores do pasquim. Eles representavam os homens das letras da cidade de 
Vassouras. Em uma visita agendada, Francelino Marques foi ao Asilo de Santa Isabel. 
Há cerca de três meses, visitei pela primeira vez o Asilo Agrícola de 
Santa Izabel. Nessa ocasião prometi ao seu digno e inteligente diretor, 
o senhor doutor Raymundo Monteiro da Silva, que com toa a 
obsequidade e extremado cavalheirismo se prestou a mostra-nos, a mim 
e a um amigo que na ocasião me acompanhava, todas as dependências 
daquele importante estabelecimento, prometi digo, escrever algumas 
palavras a respeito do que tínhamos presenciado e tanto nos agradou, 
nas colunas desta folha, se não com a proficiência dos mestres ao menos 
com a boa vontade de um coração agradecido (O VASSOURENSE, 
1889, p.2). 
Ao contrário da carta de Maria Ricardina, que encontra apoio na carta escrita pelo 
o padre. A matéria do jornal possui o tom de concordância, entre o redator e o diretor da 
instituição. Não há denúncia. Ao contrário, ela expressa uma ação entre amigos, cordiais 
cavalheiros, exaltando virtudes e reforçando qualidades. Mas uma vez, tomando como 
bússola, o texto de Elias e Scotson (2000), pensamos a carta de Maria Ricardina como 
uma carta de uma Outsider. Na direção oposta pensamos enquanto a matéria publicada 
no jornal pode ser lida como fofoca elogiosa - Pride Gossip, ação desenvolvida pelos 
estabelecidos, para manter uma imagem positiva de si mesmos. 
Vamos analisar a região. Tanto Valença como Paraíba do Sul são cidades vizinhas 
de Vassouras. O Asilo de Santa Isabel não ficava em Vassouras. Situava-se em Valença, 
nas terras doadas pela baronesa de Santa Mônica e seu filho Francisco Nicolau. Ele foi 
criado pela Associação Promotora da Infância Desamparada3, em 1886. 
Fundado pela benemérita Associação Protetora da Infância 
Desamparada, tem por fim, com o seu título indica ser útil as crianças 
do sexo masculino, a quem a desventura ou a sorte diversa privou dos 
seus protetores naturais, preparando-as para mais tarde, quando 
homens, por meio de um bem dirigido estudo teórico, prático, se 
 
3 Ver Alessandra Frota Martinez. A "infância desamparada" no asilo agrícola de Santa Isabel: instrução 
rural e infantil (1880 – 1886) In: http://www.scielo.br/scielo. Data de acesso: 21/12/2014. 
 tornarem úteis a si e a pátria, como honrados, profícuos, inteligentes e 
laboriosos agricultores (O VASSOURENSE, 1898, p.2). 
Da mesma forma que Maria Ricardina e o padre José Pedro estavam unidos contra 
o diretor do reformatório na Bahia. Em Vassouras, Francelino Marques e Raymundo 
Monteiro da Silva também. As fofocas depreciativas contidas no jornal foram levemente, 
direcionadas contra o regime monárquico. Francelino em sua pena exalta a figura do 
diretor da instituição, e diminui a figura do Conde D´Eu que foi um dos fundadores da 
Associação Protetora da Infância Desamparada. 
Inaugurado em 28 de abril de 1886, pelo então presidente daquela 
Associação o decaído príncipe Conde D`Eu, graças a sabia gerência do 
ilustre Diretor, tem aquele estabelecimento progredido tanto, que já 
conta completo o quadro primitivamente computado, dos seus 
cinqüenta acolhidos (O VASSOURENSE, 1889, p.02). 
 
Martinez (2000) nos mostra que, nos áureos dias da monarquia, havia na 
instituição quadros dos representantes desse regime, entre eles os do Conde D´Eu e do 
Imperador D. Pedro II. As telas estavam expostas, nos salões nobres e nas salas de aula, 
como nas escolas públicas do Império. 
Abrindo o primeiro pavimento, na perspectiva dos visitantes, uma 
grande sala servia para receber os convidados, ao mesmo tempo que 
lhes apresentava, mediante uma tela pintada a óleo, o Ilustre 
Benemérito, responsável pela presidência da Associação. O quadro dos 
estatutos, por sua vez, mostra a todos os fins humanitários e aos 
princípios norteadores da iniciativa, a qual reunia os cidadãos e as 
senhoras, os benfeitores e os “protetores da causa da infância 
desamparada”. Destinado à instrução elementar e às aulas teóricas de 
agricultura, um salão escolar guardava as carteiras e os bancos 
desenhados pelo Dr. Paula Freitas, os livros oferecidos pelo Barão de 
Macaúbas, o ilustre Abílio César Borges, e os demais matérias 
pedagógicas. Um retrato do Imperador Pedro II, da mesma forma que 
nas escolas públicas do Ministério do Império, compunha a decoração 
da classe (MARTINEZ, 2000, p.8). 
 
Martinez (2000) nos diz que, entre os objetivos da Instituição estava a atuação na 
província fluminense. 
Concentrando importantes autoridades e figuras destacadas da política 
imperial, a finalidade a Associação era fundar Asilos Agrícolas, para 
 onde seriam levadas as crianças e os menores que circulavam 
“abandonados” nas ruas das grandes cidades do Império, destacando-se 
a corte. Mantendo a cidade do Rio de Janeiro como sede das reuniões 
de associados e do empreendimento, seus membros pretendiam 
estender os seus benefícios por toda a Província, quiçá por todo o Brasil 
(Martinez, 2000, p.3). 
 
Mais uma vez chamamos o jornalista Francelino Marques à cena, para descrever 
o local escolhido para a construção do Asilo. Na citação abaixo, ele pontua a presença da 
linha férrea como uma das qualidades da localização. O local é descrito como agradável. 
É como se me ofereça agora o ensejo, peço licença aquele distinto 
agrônomo para vir desempenhar-me do meu compromisso. O edifício 
do Asilo, situado numa pitoresca eminência a cavaleiro da linha ferra e 
a qual dão o nome de Monte Syleme, em terras pertencentes a fazenda 
Santa Mônica, acha-se distanciado da Estação da Estrada de Ferro 
Central do Brasil, no Desengano, apenas um quilometro para o sul e a 
cento e trinta e um da corte, como se pode verificar do marco posto 
quase em frente do portão daquela casa (O VASSOURENSE, 1889, 
p.2). 
Antes de instalar o Asilo de Santa Isabel em Valença, a Sociedade Protetora da 
Infância Desamparada procurou em outras cidades do Vale do Paraíba, um lugar onde 
pudesse instalar a instituição. Em Paraíba do Sul, outra gentil senhora, a condessa do Rio 
Novo, deixou verba testamentária para que se construíssem um hospital e uma escola, 
para educar crianças pobres e para que se libertassem os escravos. O Educandário Nossa 
Senhora da Piedade, sob a liderança da Irmandade Nossa Senhora da Piedade, receberia 
apenas meninas. Ele ficou pronto em 1884. 
Os primeiros passos para a busca do terreno apropriado foram dados 
pelos senhores Luiz Antônio Caminhoá e Paulino José Soares de Souza. 
Influentes nas regiões interioranas do Vale do Paraíba fluminense, 
procuraram auxílio junto à Irmandade Nossa Senhora da Piedade, 
solicitando que fossem cedidas à Associação Protetora parcelas do 
patrimônio deixado como herança pela Condessa do Rio Novo, antiga 
proprietária da Fazenda Cantagallo, em Paraíba do Sul. Após a 
permissão dos irmãos, uma comissão de associados procedeu a visitas 
e inspeções dos terrenos. No entanto, os pareces sobre o local não foram 
favoráveis, já que as terras não eram apropriadas ao “cultivo da cana-
de-açúcar, do café e outras plantas” (MARTINEZ, 2000, p.3). 
Em nossa dissertação, analisamos a História da Educação de Paraíba do Sul. 
Gostaríamos de apresentar algumas reflexões, que ligam o estudo anterior ao 
 desenvolvido atualmente. O Educandário Nossa Senhora da Piedade foi fundando no ano 
de 1884 em Paraíba do Sul. Com verba testamentária da Condessa do Rio Novo. Essa 
instituição era dirigida pela Irmandade Nossa Senhora da Piedade, e contava com o 
trabalho religioso e educacional da congregação São Vicente de Paula. O prédio da 
instituição foi projetado por Luiz Antônio Caminhoá. 
A planta do edifício da Casa de Caridade de Paraíba do Sul, inaugurado 
no dia 8 de dezembro de 1882, foi desenhada pelo engenheiro e 
arquitetoDr. Caminhoá e executada pelo engenheiro civil Francisco 
Rossi. Na parte mais alta da fachada, a Condessa do Rio Novo mandou 
que fosse esculpida a figura de um pelicano simbolismo que significava 
para ela a preocupação com o bem geral, com o sofrimento das crianças 
pobres e órfãs, para os inválidos e doentes sem recursos. O primeiro 
Provedor foi Dr. Leandro Bezerra Monteiro. As irmãs de caridade 
chegaram ao asilo em 4 de abril de 1883. A primeira superiora foi a 
irmã Lúcia Guinhal (RIBEIRO NETO, 2013, p. 70). 
 
As terras deixadas pela Condessa do Rio Novo formavam a fazenda Cantagalo, 
ela foi doada aos libertos. Uma parte da produção agrícola deveria ser doada, para o 
Educandário Nossa Senhora da Piedade. Luiz Antônio Caminhoá provavelmente sabia da 
existência do vasto legado deixado pela piedosa senhora, viúva, sem herdeiros naturais. 
Quando a Associação Protetora da Infância Desamparada buscou um lugar para construir 
uma instituição, Luiz Antônio Caminhoá voltou à cidade e consultou os membros da 
Irmandade, sobre a possibilidade de doação de terras. 
Segundo Martinez (2000), as terras foram reprovadas pelos membros da comissão 
da Associação elas não eram apropriadas para o plantio e cultivo de café, nem mesmo do 
açúcar. 
No entanto, os pareceres sobre o local não foram favoráveis, já que as 
terras não eram apropriadas ao cultivo da cana-de-açúcar, do café e 
outras plantas. Como podemos perceber, a Associação pretendia 
promover a educação dos menores “vagabundos” e dos “ingênuos” em 
uma colônia onde fosse possível promover a cultura dos principais 
produtos do mercado agrícola, até então cultivados pelos escravos e 
pelos trabalhadores livres do eito. Outras fazendas foram visitadas nos 
anos de 1884 e 1885, mas nenhuma preenchera os requisitos necessários 
para o estabelecimento do asilo de menores (MARTINEZ, 2000, p.6). 
 Começamos a unir os fios desconectados, pois o Educandário Nossa Senhora da 
Piedade educava as meninas desvalidas. Perguntávamos para onde eram levados os 
meninos pobres? Com o texto de Alessandra Schueler, algumas respostas surgem no 
horizonte. Eles poderiam ser levados para o Asilo de Santa Isabel em Valença. Como 
essas duas instituições pretendiam agir na região, não seria difícil pensar que as crianças 
da cidade de Vassouras possam ter sido matriculadas nelas. Em Vassouras também 
encontramos instituições escolares que se dedicavam a ensinar as primeiras letras as 
crianças negras, tais como a escola do professor Ataliba Gomes Coelho. Contudo, não 
podemos esquecer os fortes laços que uniam essas crianças ao mundo do trabalho. 
Considerações Finais 
O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em 
diferentes lugares entre eles a carta da costureira Maria Ricardina. Ela nas suas mal 
traçadas linhas, faz uma análise de conjuntura, denunciando que o reformatório não 
conseguiu atingir o seu objetivo: não recuperou os meninos pobres, ao contrário, tornou-
os ainda mais amantes das ruas. As práticas de punição, não deixou ninguém esquecer 
que, a pedagogia usada para corrigir os escravos, também poderia ser aplicada aos 
meninos pobres. 
Do outro lado, temos o diretor da instituição, que permaneceu anônimo, sem 
assinar a carta que remeteu ao jornal. Nela acusava a costureira, de querer defender o filho 
malandro e o padre José Pedro de denúncias infundadas. Ele convidou o pasquim, para 
visitar a instituição, com data e hora marcada, e assim, comprovar o êxito do seu trabalho 
e a disciplina dos meninos. 
 Com o Asilo de Santa Isabel, ocorreu o contrário. Francelino Marques visitou a 
instituição com data e hora marcada, pelo diretor da mesma, que também desempenhava 
a função de diretor do jornal O Vassourense, no qual ele escrevia. Maria Ricardina era 
mãe de um menor interno do Reformatório. Francelino Marques não possuía nenhum 
filho matriculado no Asilo de Santa Isabel. Eles olharam a história de lugares diferentes, 
com interesses diferentes. Ela escrevia para denunciar, ele ao contrário, escrevia para 
bajular e se manter entre os estabelecidos. Usando as páginas do jornal, para o que o 
 sociólogo Nobert Elias chamou de Blame, ou seja, fazer fofocas elogiosas, sobre um 
grupo ou pessoa, cujo valor na sociedade era reforçado a partir da circulação dessas ideais. 
Por meio dos textos dos pesquisadores da História da Educação procuramos trazer 
à baila uma rede de assistência a infância desamparada, apresentando não só o Asilo de 
Santa Isabel, mas também outros, como o Educandário Nossa Senhora da Piedade, que 
se situava na mesma região com o mesmo objetivo, que podem ter recebido crianças 
negras. Para analisar a política educativa de Vassouras no ocaso do Império e início da 
República temos que ampliar a nossa lente e olhar ao redor, percebendo o imbricado jogo 
de relações e dependências existentes entre as cidades da região, dessa forma podemos 
recuperar os fios e assim compreender a história e ver a beleza do tecido. 
Referências 
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BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de 
Moraes (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996. 
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da 
escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 
ELIAS, Nobert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das 
relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 
Editor, 2000. 
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios: na Bahia do século XIX. São, 
Paulo/Salvador: HUCITEC, 1996. 
FEBVRE, Lucien. Combates por la Historia. Barcelona: Ariel Quincenal, 1970. 
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: Os significados da liberdade no sudeste 
escravista, Brasil Séc. XIX. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1998. 
MARTINEZ, Alessandra Frota. A "infância desamparada" no asilo agrícola de Santa 
Isabel: instrução rural e infantil (1880 – 1886). In: http://www.scielo.br/scielo. Data de 
acesso: 21/12/2014. 
 RIBEIRO NETO, Alexandre. Tenha piedade de nós: uma análise da educação feminina 
do Educandário Nossa Senhora da Piedade em Paraíba do Sul, 1925-1930. Rio de 
Janeiro: Letra Capital, 2013. 
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 
SCHWARTZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão 
racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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