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Eixo: 2 – Política Educacional NOVOS FIOS DO NOVELO: uma análise da política educacional para a infância negro no ocaso do Império e Início da República (1871-1910). Alexandre Ribeiro Neto (UERJ/FEBEF)1 Resumo: O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em diferentes lugares. Recuperar esse tecido, não é uma tarefa fácil. Para analisá-lo, usamos como fio condutor, o romance Capitães de Areia de Jorge Amado. Nele comparamos, o processo de escolarização proposto para os meninos pobres na Bahia, com a proposta educativa dos pobres do Vale do Paraíba Fluminense. Para conhecê-las, analisaremos as matérias publicadas no jornal O Vassourense. Para ler essas duas fontes documentais de pesquisa, utilizamos como suporte teórico metodológico, as reflexões de Elias e Scotson (2000), propondo, que tanto as cartas de: Maria Ricardina, do Padre José Pedro e do Diretor do Reformatório apresentam a luta entre Estabelecidos e Outsiders. Ao contrário das matérias publicadas no Jornal O Vassourense, que podem ser lidas como fofocas de elogios que reforçam a comunhão dos virtuosos. Dialogaremos, com outros autores da História da Educação, tais como: Schueler (2000) que analisa a proposta educativa da Associação Protetora da Infância Desamparada, que resultou na criação do Asilo de Santa Isabel em Valença e Ribeiro Neto (2013) que estuda a criação do Educandário Nossa Senhora da Piedade, na cidade de Paraíba do Sul, na mesma região, destinado a acolher e educar meninas pobres, ampliando a rede de assistência a infância desvalida. Para analisar a política educativa de Vassouras no ocaso do Império e início da República, temos que ampliar a nossa lente e olhar ao redor, percebendo o imbricado jogo de relações e dependências existentes entre as cidades da região, dessa forma, podemos recuperar os fios e assim compreender a história e ver a beleza do tecido. Palavras-Chaves: Crianças Negras; Política Educacional; Vassouras. 1 Alexandre Ribeiro Neto, Professor Adjunto da UERJ/FEBEF – Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil, alexandreribeiroento@bol.com.br ou aleribeironeto@gmail.com. Introdução O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em diferentes lugares. Recuperar esse tecido, não é uma tarefa fácil. Para analisá-lo, usamos como fio condutor, o romance Capitães de Areia de Jorge Amado. Nele comparamos, o processo de escolarização, destinado aos meninos pobres na Bahia, com a proposta educativa dos pobres do Vale do Paraíba Fluminense. Para conhecê-las, analisaremos as matérias publicadas no jornal O Vassourense, e também, dialogaremos, com outros autores da História da Educação. Entendemos que corremos o risco, de usarmos um livro de ficção como fonte documental de pesquisa. Contudo, não somos os primeiros a fazê-lo. Sidney Chalhoub usou as crônicas de bruxo do Cosme Velho, para apreender o sentido das mudanças na sociedade brasileira do século XIX. Além de não sermos os primeiros nessa proposta metodológica. Nossa escolha do livro de ficção como fonte documental de pesquisa, encontra apoio na defesa de Lucien Febvre, pela ampliação das fontes documentais de pesquisa, no Movimento dos Annales. Há os campos e as máquinas e as instituições, as crenças, os escritos: atrás de tudo isso que interessa a história, e que o historiador que captar são os homens. “O bom historiador se parece com o ogro da lenda, onde houver carne humana sabe que aí está a sua caça (FEBVRE, 1970, p, 228). Nos movimentamos em duas direções. Na primeira, intencionamos usar o livro Capitães de Areia como fonte documental, para conhecer os homens, ou melhor as crianças negras, que saltam de suas páginas. Tomamos a carta de Maria Ricardina como início de um processo de escolarização de negros e pobres, e também, como denúncia das práticas de exploração o trabalho de crianças e da aplicação de castigos corporais, que lembravam os velhos tempos da escravidão. Na segunda, pretendemos comparar as instituições escolares, que pretendiam educá-las. Começamos nossa viagem na Bahia, conhecendo o Reformatório - instituição escolar descrita por Jorge Amado, para educar e corrigir os meninos vadios. Terminamos nossa viagem na região do Vale do Paraíba do Sul Fluminense, conhecendo por meio do periódico O Vassourense, o Asilo de Santa Isabel, criado para o mesmo fim, apresentando uma luta travada entre estabelecidos e outsiders. 1. O processo de escolarização das crianças negras: fios que emergem em diferentes lugares O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em diferentes lugares. Recuperar esse tecido, não é uma tarefa fácil. Começamos bem longe de Vassouras. Voltamos nossos olhos para outra área. Nosso percurso começa na Bahia, com Maria Ricardina, costureira, que embora não reconheça o potencial de sua escrita, ela denuncia um processo de escolarização, cujas raízes se perderam em tempos pretéritos. Desculpe os erros e a letra pois não sou costumeira nestas coisas de escrever e se hoje venho a vossa presença é pra botar os pontos nos ii. Vi no jornal uma notícia sobre os furtos dos Capitães da Areia e logo depois veio a polícia e disse que ia perseguir eles e então o doutor dos menores veio com uma conversa dizendo que era uma pena que eles não emendavam no reformatório para onde ele mandava os pobres. É para falar no tal do reformatório que eu escrevo estas mal traçadas linhas. Eu queria que seu jornal mandasse uma pessoa ver o tal do reformatório para ver como são tratados os filhos dos pobres que têm a desgraça de cair nas mãos daqueles guardas sem alma. Meu filho Alonso teve lá seis meses e se eu não arranjasse tirar ele daquele inferno em vida, não sei se o desgraçado viveria mais seis meses. O menos que acontece pros filhos da gente é apanhar duas e três vezes por dia. O diretor de lá vive caindo de bêbado e gosta de ver o chicote cantar nas costas dos filhos dos pobres. Eu vi isso muitas vezes porque eles não ligam pra gente e diziam que era para dar exemplo. Foi por isso que tirei meu filho de lá. Se o jornal do senhor mandar uma pessoa lá, secreta, há de ver que comida eles comem, o trabalho de escravo que têm, que nem um homem forte agüenta, e as surras que tomam. Mas é preciso que vá secreto senão se eles souberem vira um céu aberto. Vá de repente e há de ver quem tem razão. É por essas e outras que existem os Capitães da Areia. Eu prefiro ver meu filho no meio deles que no reformatório. Se o senhor quiser ver uma coisa de cortar o coração vá lá. Também se quiser pode conversar com o padre José Pedro, que foi capelão de lá e viu todo isso. Ele também pode contar e com melhores palavras que eu não tenho. Maria Ricardina, costureira (AMADO, 2009, p.16-7) Maria Ricardina deixou a costura de lado e lançou mão de instrumentos que não faziam parte do seu cotidiano. Talvez, uma caneta e um pedaço de papel. Habituada a costurar, ela começou a escrever. A falta de prática, fazia com que a letra não tivesse o formato apresentável, como dos advogados. Todavia, quem atentaria para a sua caligrafia? O importante é o conteúdo. Nesse quesito, sua carta não perdia, nem mesmo para os mais eminentes juristas. Ela não se perde em elogios. Com simplicidade, ela diz querer colocar as coisas nos seus devidos lugares, ou na linguagem coloquial os pingos nos ii. Sua carta é uma denúncia das péssimas condições do reformatório, destinado a educar e profissionalizar as crianças pobres na Bahia. Ela parte do que lera no jornal - a política iria perseguir os Capitães de Areia - grupo de crianças que viviam na rua praticando pequenos roubos. Recorremos Fraga Filho (1996), que nos ajuda a compreender o cenário onde o livro se desenvolve, indicando que na cidade de Salvador havia vários grupos de meninos peraltas. A maioria das freguesiascentrais possuía suas maltas de peraltas. Ficaram célebres os bandos de menores que se reuniram na Piedade, Terreiro de Jesus, Maciel, Cruzeiro de São Francisco, Largo da Saúde, Conceição da Praia, Santo Antônio Além do Carmo e na Rua da Vala. Nesses encontros, muitas vezes noturnos, costumavam cantar, batucar, assobiar e eventualmente medir forças entre si ou contra as patrulhas de polícia que rondavam os quarteirões (FRAGA FILHO, 1996, p. 113). Estamos diante de uma mulher simples, como tantas outras que moravam na Bahia. Maria Ricardina sabe ler e escrever. Se aprendeu numa escola formal? Não sabemos. Se aprendeu na dura lida do dia a dia? Também não podemos afirmar. No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as “gestas dos reis”. Hoje, é claro não é mais assim. Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente ignorado. “Quem construiu Tebas das sete portas? ” – Perguntava o “leitor operário” de Brecht. As fontes não nos contam nada daqueles pedreiros anônimos, mas a pergunta conserva todo seu peso (GINZBURG, 1987, p.15) O peso da pergunta nos leva a interrogar o passado em busca de novas respostas. No caso em tela, Maria Ricardina era depositária de um saber, que a Historiografia da Educação, julgou pertencer apenas aos grupos sociais mais abastados, que a partir da leitura e da escrita poderiam participar da administração do Estado. Maria Ricardina, fugia a essa classificação. Vivia a costurar, dando vida aos vestidos. Após os roubos ganharem as páginas dos jornais, houve uma mobilização dos representantes do poder. O primeiro a falar foi a polícia, que prometeu agir para restaurar a paz e a segurança dos cidadãos de bem. O segundo a se pronunciar foi o diretor do reformatório. O que nenhum dos dois contava era que Maria Ricardina viesse a público trazer a sua versão dos fatos. A medida que o século XIX avançava, as autoridades da província punham em vigor medidas repressivas com o fim de disciplinar a presença dos menores no espaço público. Essas providências buscavam dispensar os ajuntamentos noturnos, acabar com a participação barulhenta nas festas, extinguir os divertimentos de rua, tais como jogos e brincadeiras. Na década de 1840, as autoridades policiais colocaram patrulhas fixas em pontos da cidade onde ocorriam encontros noturnos de peraltas. Em 1866, o delegado do primeiro distrito da Sé, José Álvares do Amaral, chegou a colocar guardas disfarçados na localidade para prender meninos “que vagando pelas ruas da cidade ofendiam a moralidade com palavras obscenas, atirando pedras e fazendo algazarras”. Na ocasião foram presos mais de cinquenta menores vadios, alguns devolvidos a seus pais, mestres e senhores, outros recrutados para a Companhia de Aprendizes de Marinheiros. A intenção era estabelecer uma ordem urbana que livrasse as vias públicas da presença incômoda desses menores (FRAGA FILHO, 1996, p. 116-7). A rua era um lugar melhor que o reformatório. Ela era sinônimo de liberdade, o reformatório expressava o seu antônimo. Numa sociedade rural a cidade apresentava possibilidades distintas do campo. O trabalho nas ruas, permitiam aos escravos de ganho juntar mais facilmente um pecúlio, para comprar a sua liberdade e também da sua prole. Ao que parece, os meninos compreendiam essa lógica de organização do espaço. João do Rio, que nos ajuda a compreender o encantamento que a rua exercia: Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma. Em Benares ou Amesterdão, em Londres ou em Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é agasalhadora da miséria. [...] A rua é generosa. O crime, o delírio, a miséria não os denuncia ela. A rua é transformadora das línguas. Os Cândidos de Figueiredo do universo estafam-se em juntar regrinhas para enclausurar expressões; os prosadores bradam contra os Cândidos. A rua continua matando substantivos, transformando a significação dos termos, impondo aos dicionários as palavras que inventa, criando o calão que é o patrimônio clássico dos léxicons futuros (RIO,2008, p.29). Ela não concorda com o que as crianças faziam na rua. Todavia, ao denunciar a violência dos guardas do reformatório, ela compreendia que aquele espaço não conseguia cumprir o seu objetivo final. O espancamento dos menores, acontecia até mesmo na presença de seus responsáveis. O diretor do reformatório aprovava a prática de corrigir o caráter das crianças, através de chicotadas. Em 1867, o subdelegado da freguesia de São Pedro chegou a recomendar que patrulhas policiais usassem chibatas par dispensar ajuntamentos corriqueiros de vadios e moleques na Praça da Piedade. Além de física, a punição visava atingir a autoestima desses menores, uma vez que a palmatória e a chibata os equiparava à condição de escravos (FRAGA FILHO, 1996, p. 117). Dessa forma, entendemos que essa prática corretiva não se constituía em segredo. Ela era uma prática social usada para reprimir os vadios. Era aplicada sem nenhum constrangimento. A República não alterou a forma de punir usada no regime anterior. Eles ainda respiravam o ar que exalava a escravidão. Esses meninos, eram tratados como se escravos fossem. Para corrigir escravos que não trabalhavam, não se usava a palavra e sim a chibata. Afinal, quem se compadece de crianças pobres internadas num reformatório? Se as palavras não corrigiam o caráter, quem sabe algumas pancadas ou algum tempo preso no cafua? É o chefe dos tais Capitães da Areia. Veja... O tipo do criminoso nato. É verdade você não leu Lombroso..., Mas se lesse, conheceria. Traz todos os estigmas do crime na face. Com esta idade já tem cicatriz. Espie os olhos.... Não pode ser tratado como qualquer. Vamos lhe dar honras especiais... Pedro Bala o espia com os olhos injetados. Sente cansaço, uma vontade doida de dormir. Bedel Ranulfo aventura uma pergunta: - Levo pra junto dos outros? – O que? Não. Para começar, meta-o no cafua. Vamos ver se ele sai um pouco mais regenerado de lá [...] Fora atirado dentro do cafua. Era um pequeno quarto, por baixo da escada, onde não se podia estar em pé, porque não havia altura, nem tampouco estar deitado ao comprido, porque não havia comprimento. Ou ficava sentado, ou deitado com as pernas voltadas para o corpo numa posição mais que incômoda (AMADO, 2011, p.196-97). Com a citação feita anteriormente, queremos lançar luzes sobre alguns pontos. Em primeiro lugar, ressaltamos a associação das características físicas do menino com as apresentadas por Lombroso2 - médico italiano, que defendia a existência de características físicas, como ponto de partida para compreender o comportamento criminoso de alguns indivíduos. Em segundo lugar, chamamos atenção para o isolamento dos indivíduos perigosos, como forma de disciplinar e de conter a expansão da marginalidade. O que aconteceu na Bahia poderia ser uma herança biológica ou herança social? Elias e Scotson (1990) nos ajudam a compreender a discussão entre herança biológica e marginalidade. Os jovens comuns, em outros meios sociais, cedo aprendem a penar em si em termos de futuro. Para a maioria dos jovens indisciplinados do loteamento, porém, era difícil ter qualquer visão de si mesmos a longo prazo. [...]. Ao agir de acordo com esse sentimento, eles ajudavam a reproduzir a própria situação de que tentavam escapar. [...]. Eles haviam nascido num círculo vicioso do qual era difícil escapar. Tendo crescido em famílias rejeitadas pelas famílias ordeiras do bairro e excluídas de qualquer relação social mais estreita com elas, esses jovens desenvolviam tendências comportamentais que faziam com que o estigma da rejeição e da exclusão recaísse sobre eles como indivíduos. [...]. É frequente se estudarem tendências comportamentais como as desses jovens em apenas uma geração. Quando alguém chega a considerar uma sequênciade gerações, em geral é por presumir que essas tendências se devem a alguma espécie de herança biológica. Mas é muito mais provável que elas se devam como sucedia nesse caso, a uma forma de herança sociológica (ELIAS e SCOTSON, 2000, p.144- 45). Na análise de conjuntura, feita por Maria Ricardina, os motivos que levaram os meninos a rua se aproximavam mais da herança sociológica do que da herança biológica. Eles fugiam do reformatório, por que queriam ficar livres nas ruas e os trabalhos impostos a eles eram pesados demais. Haveria alguma ligação entre a bebedeira do diretor e o 2 Ver Lilia Moritz Schwartz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. excesso de trabalho destinado as crianças? Sua reclamação, nos remete as reivindicações feitas pelos escravos. [...]. Para um especialista em história social, a passagem de Dreys narra uma situação clássica de trabalhadores tentando influenciar as condições e a intensidade das tarefas que deveriam realizar; recorrendo às estranhas preferências do tigre, os negros certamente lutavam por melhores condições de segurança e por maior divisão de tarefas no trabalho árduo de obter lenha (CHALHOUB, 1990, p. 40). Para provar que não mentia, convocou o jornal a enviar ao reformatório, alguém de surpresa, sem aviso. Dessa forma, não haveria como esconder do visitante, as práticas corretivas e o árduo trabalho impetrado as crianças. Ela também buscou apoio no capelão, o padre José Pedro. Ele não se fez de rogado, atendeu o seu chamado, escrevendo uma carta ao jornal. Saudações em Cristo. Tendo lido, no vosso conceituado jornal, a carta de Maria Ricardina que apelava para mim como pessoa que podia esclarecer o que é a vida das crianças recolhidas ao reformatório de menores, sou obrigado a sair da obscuridade em que vivo para vir vos dizer que infelizmente Maria Ricardina tem razão. As crianças no aludido reformatório são tratadas como feras, essa é a verdade. Esqueceram a lição do suave mestre, Sr. Redator, e em vez de conquistarem as crianças com bons tratos, fazem- nas mais revoltadas ainda com espancamentos seguidos e castigados físicos verdadeiramente desumanos. Eu tenho ido lá levar às crianças o consolo da religião e as encontro pouco dispostas a aceitá-lo devido naturalmente ao ódio que estão acumulando naqueles jovens corações tão dignos de piedade. O que visto, Sr. Redator, daria um volume. Muito grato pela atenção. Servo em Cristo, Padre José Pedro (AMADO, 2011, p.18). A palavra do padre José Pedro era revestida de crédito, porque nesse momento, ele não é um indivíduo. Ele é o representante da Igreja. Numa sociedade marcada pela religiosidade, suas palavras possuíam um peso maior, do que as proferidas pela costureira. Maria Ricardina poderia ser vista, como uma mulher defendendo o seu filho malandro. Ao contrário do padre. Aos olhos dos leitores, ele falava em defesa de princípios, que organizavam a sociedade. A mesma que criou o reformatório. Havia representantes de outras religiões. Maria Ricardina, também poderia ter pedido a mãe Aninha, dona do terreiro de Candomblé. Contudo, em sua carta, ela não foi citada. Talvez o motivo dela não ter escrito, era por ser também uma pobre mulher. O Candomblé, era uma religião frequentada pelos negros, e seus terreiros eram alvos de constantes batidas policiais. Em uma delas, levaram-lhe uma divindade. Numa batida num candomblé (que se bem que não fosse o seu, porque nenhum polícia se aventurava a dar uma batida no candomblé de Aninha, estava sob a sua proteção) a polícia tinha carregado com Ogum, que repousava no seu altar. Don`Aninha tinha usado da sua força junto a um guarda para conseguir a volta do santo. Fora mesmo à casa de um professor da faculdade de medicina, seu amigo, que vinha estudar a religião negra no seu candomblé, pedir que ele conseguisse a restituição do deus. O professor realmente pensava em conseguir que a polícia lhe entregasse a imagem. Mas para juntar à sua coleção de ídolos negros e não para reintegrá-la no seu altar no candomblé distante. Por isso, por estar Ogum numa sala de detidos na polícia, Xangô descarrega os raios nessa noite. Por último Don`Aninha veio aonde os Capitães da Areia, seus amigos de há muito, porque são amigos da grande-mãe-de-santo todos os negros e todos os pobres da Bahia (AMADO, 2011, p.93) Com a citação feita anteriormente, tencionamos compreender o motivo de Mãe Aninha não ser requisitada por Maria Ricardina, para ajudá-la escrevendo uma carta confirmando as suas palavras. Ela não possuía a mesma legitimidade social do padre. Ela recorre a outras pessoas para resolver seu problema. Primeiro a um guarda, depois pede auxílio ao professor da faculdade de Medicina. O guarda silencia e ao que parece, nada pôde fazer. O professor até poderia ajudar, mas não pretendia devolver a imagem ao terreiro. Ao contrário, pretendia guardá-la em sua coleção. Embora, movimentasse uma extensa rede de solidariedade, ela não conseguiu ajuda para recuperar a imagem da divindade. Por fim, Mãe Aninha foi pedir ajuda aos Capitães de Areia. Mãe Aninha foi ao trapiche dos Capitães da Areia para pedir um favor - recuperam a imagem da divindade. Os meninos arquitetam um plano para tirar Ogum da cadeia. Eles conseguem devolver o que a polícia levou do terreiro. O roubo da imagem foi uma forma encontrada pelo autor, para sinalizar a ambiguidade da religiosidade negra. Tratada como objeto de estudo, como lugar do exótico, festejada em alguns momentos do ano, vigiada e censurada em outros. A carta de Maria Ricardina provocou uma avalanche discursiva. Ela convidou o padre a se pronunciar, ele o fez. Contudo, sua carta ao denunciar a dureza do trabalho e o uso da chibata no reformatório, também cobravam uma explicação. Para tanto, ninguém melhor que o diretor. Ele resolveu rebatar as acusações contra a sua conduta e a instituição que dirigia. Foi assim que li duas cartas de acusações contra o estabelecimento que dirijo e que a modéstia (e somente a modéstia, Sr. Diretor) me impede que chame de modelar. Quanto à carta de uma mulherzinha do povo, não me preocupei com ela, não merecia a minha resposta. Sem dúvida é uma das muitas que aqui vêm e querem impedir que o reformatório cumpra a sua santa missão de educar os seus filhos. Elas os criam na rua, a pândega, e como eles aqui são submetidos a uma vida exemplar, elas são as primeiras a reclamar, quando deveriam beijar as mãos daqueles que estão fazendo dos seus filhos homens de bem. Primeiro vêm pedir lugar para os seus filhos. Depois sentem falta deles, do produto dos furtos que eles levam para casa, e então saem a reclamar contra o reformatório. Mas, como já disse Sr. Diretor, esta carta não me preocupou. Não é uma mulherzinha do povo quem há de compreender a obra que estou realizando à frente deste estabelecimento. O que me abismou, Sr. Diretor, foi a carta do padre José Pedro. Este sacerdote, esquecendo as funções do seu cargo, veio lançar contra o estabelecimento que dirijo graves acusações. Esse padre (que eu chamarei de padre do demônio, se me permitis uma pequena ironia, Sr. Diretor) abusou das suas funções para penetrar no nosso estabelecimento de educação em horas proibidas pelo regulamento e contra ele eu tenho de formular uma séria queixa: ele tem incentivado aos menores que o estado colocou a meu cargo à revolta, à desobediência. Desde que ele penetrou os umbrais desta casa que os casos de rebeldia e contravenções aos regulamentos aumentaram. O tal padre é apenas um instigador do mau caráter geral dos menores sob a minha guarda. E por isso vou fechar-lhe as portas desta casa de educação. Porém, Sr. diretor, fazendo minha as palavras da costureira que escreveu a este jornal, sou eu quem vem vos pedir que envieis um redator ao reformatório. Disso faço questão.Assim podereis, e o público também, ter ciência exata e fé verdadeira sobre a maneira como são tratados os menores que se regeneram no Reformatório Baiano de Menores Delinquentes e Abandonados. Espero o vosso redator na segunda-feira. E se não digo que ele venha no dia que quiser é que estas visitas devem ser feitas nos dias permitidos pelo regulamento. Este é o motivo único por que convido o vosso redator para segunda-feira. Pelo que vos fico imensamente grato, como pela publicação desta. Assim ficará confundido o falso vigário de Cristo. Criado agradecido e admirador atento. Diretor do Reformatório Baiano de Menores Delinquentes e Abandonados (AMADO, 2011, p. 19-20). O diretor em sua carta trava uma batalha em duas frentes. Na primeira direção, combate os argumentos do Padre. Sobre o padre José Pedro pesava argumentos diferentes dos desferidos contra a costureira Ele gostaria de contar com o segredo o destinado aos devotos, que confessam os erros no confessionário. Como não guardou segredo sobre o que viu, não possuía virtude para o sacerdócio. O padre estava credenciado a entrar na instituição, mas para desabonar a sua conduta, ele diz que o mesmo entrou em dia impróprio e incentivou a rebelião. José Pedro avaliou corretamente as cenas que presenciou? Ele se aliou a costureira e não ao diretor. Em outra direção o diretor combateu os argumentos da costureira. Para tentar desacreditá-la, ele a descreve como uma mulher do povo, de vida desregrada, que não sabe criar os filhos. Esse argumento também está presente nos pedidos de Soldada. Seus autores alegavam entre outros motivos a falta de moral da mãe. Diz Caetano da Rosa Martins fazendeiro, residente neste município, que deseja tomar em serviço os menores João, Manoel e Jovita, o primeiro de 15, o segundo de 13 e o terceiro de 10 anos de idade, filhos naturais da liberta Maria Theresa, a qual não tem bons costumes. O suplicante se propõe a pagar de soldada durante o prazo de cinco anos, pelos serviços do primeiro 5$000 pelos serviços do segundo 3$000, pelos serviços do terceiro 2$000, mensalmente, obrigando-se a educá-los, alimentá-los e vesti-los e recolher a importância de sues salários a caderneta da Caixa Econômica Estadual em prestações trimestraes. O suplicante que pede contratar o serviço desses menores, independentemente da intervenção de tutor, por isso que tal forma é a que mais se coaduna com a Ord. Lei 1ºV 88s13, tanto assim que autuam no formulário ao seo “Roteiro dos Orphãos” não faz figurar no termo de locação de serviços senão o juiz e a parte, que se propõe a tomar o menor ou orphão a soldada nestes termos. Pede deferimento, lavrando- se o competente termo. Vassouras, 8 de março de 1895. Caetano da Rosa Martins (SOLDADA, 1895, p.3). No caso citado acima, a resposta do Juiz de Órfãos foi favorável a Caetano da Rosa Martins, que pretende tomar à soldada as três crianças sem o estabelecimento do tutor, eliminando intermediários e negociando direto com o próprio Juiz de Órfãos, usando as brechas da legislação. Ele promete também depositar trimestralmente a quantia determinada na petição. Vejamos o despacho do juiz ao pedido: Proverá Deus que sempre se achem quem como o Suplicante se prestasse a tomar a soldada os inúmeros menores, que maltrapilhos, se vê vagar por isso sou de parecer que seja deferida a petição sobre que foi ouvido. Vassouras, 8 de março de 1895. J. A Figueira (SOLDADA, 1895, p.4). Na carta do Diretor do reformatório, o árbitro não é o Juiz de Órfãos, mas o redator do jornal. O mesmo não se pronuncia em nenhum momento, apenas publica as cartas. Em um rápido contra-ataque, lançou sobre ela o germe da preguiça, ao dizer que ela como tantas outras vivem do roubo que os filhos trazem para casa. Nesse momento ignorou que ela era costureira. A população negra no período pós-abolição da escravidão executou uma gama variada de serviços, entre eles o de costureira. Dentro do quadro rural predominante na região analisada, os arraias, vilas e cidade ofereciam ainda um quadro de relativa abertura para aqueles que dominavam ofícios especializados, conformando um grupo sócio profissional relativamente distinto do anterior. Especialmente pra mulheres sós, representava uma opção muito mais viável que a permanência nas áreas rurais. Nem só de forras compunha-se o mundo das lavadeiras, quitandeiras e costureiras, nas vilas do interior, mas também de migrantes rurais, viúvas ou solteiras (MATTOS, 1998, p.47- 48). Não foi revelado o estado civil de Maria Ricardina, não há nenhuma menção ao nome do pai do menino, se a mesma era imigrante ou natural de Salvador. O diretor não sabia, talvez nem mesmo ela soubesse, que dentro dessa avalanche discursiva, a sua carta revelaria o processo de escolarização sofrido por ela. Se fora capaz de ler o jornal, de acompanhar a história dos roubos cometidos pelos Capitães de Areia, interpretar que os mesmos eram procurados pela polícia. Após ler o jornal fora capaz também, de escrever uma carta, para ser publicada no mesmo, reconhecendo as regras sociais que ordenavam os dispositivos de poder. Ela era uma mulher pobre e costureira, porém alfabetizada. Maria Ricardina assinou o seu nome ao terminar a sua carta, o padre José Pedro também. O diretor do reformatório não, preferiu omitir o seu ao finalizar a sua carta. Recorremos a Pierre Bourdieu, para salientar a importância da assinatura do nome ao final da missiva. O nome próprio é o atestado visível da identidade do seu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestações em registros oficias [...] e não é por acaso que a assinatura, signum authenticum que autentica essa identidade, é a condição jurídica das transferências de um campo a outro, isto é, de um agente a outro, das propriedades ligadas ao mesmo indivíduo instituído (BOURDIEU,1996, p.186-87). José Pedro ao escrever a sua carta, não era um indivíduo que defendia as crianças. Era o sacerdote, representante da Igreja. Contudo, não perdeu a sua identidade. Ao contrário do diretor, ao omitir o seu nome, trouxe à tona o representante do governo, operando o sumiço do indivíduo, apagando-o completamente. Ainda que não queira reconhecer a carta da costureira arranhou a credibilidade do cargo que ele ocupava. Em defesa dela, ele usou o jornal para se defender das acusações. Contudo, a carta do padre José Pedro lançou sobre os ombros do diretor um componente explosivo: a dúvida. Ele pode se escrever uma carta, até duas. A escrita por ele, por sinal foi mais longa, do que a de seus acusadores. Mas de agora em diante, a dúvida sobre o trabalho desenvolvido pela instituição paira no ar. Ainda que não fosse verdade o que dizia a costureira. Quem teria o trabalho de escrever uma carta, denunciando algo que não aconteceu? E ainda nesse delírio, convocar outra pessoa, no caso, um padre, a escrever uma carta de apoio. O religioso movido pelo mesmo sentimento, saiu em ajuda da costureira escrevendo também. Pretendiam com suas cartas promover a troca da direção da instituição, para que ela voltasse a corrigir a moçada e dar-lhes rumo na vida? Não o sabemos. O elo existente entre Vassouras e a Bahia é o jornal como meio de apresentar instituições educacionais para meninos e meninas negras. Ao contrário das páginas, do pasquim soteropolitano, as páginas do periódico O Vassourense foram cobertas de elogios ao diretor e ao Asilo de Santa Isabel. 2. Vassouras e o Asilo de Santa Isabel O Vassourense era um periódico que circulava na região do Vale do Paraíba Fluminense. Era publicado somente aos domingos. Quem escrevesse as reportagens deveria assiná-las, não permitindo o uso de pseudônimo. O leitor poderia fazer uma assinatura adiantada no valor de dez contos de réis. Cada anúncio custava trinta réis por uma linha, com direito de serrepetido três vezes. Raymundo Monteiro da Silva comandava o Asilo de Santa Isabel e também do jornal. Tanto Francelino Marques era um dos colaboradores do pasquim. Eles representavam os homens das letras da cidade de Vassouras. Em uma visita agendada, Francelino Marques foi ao Asilo de Santa Isabel. Há cerca de três meses, visitei pela primeira vez o Asilo Agrícola de Santa Izabel. Nessa ocasião prometi ao seu digno e inteligente diretor, o senhor doutor Raymundo Monteiro da Silva, que com toa a obsequidade e extremado cavalheirismo se prestou a mostra-nos, a mim e a um amigo que na ocasião me acompanhava, todas as dependências daquele importante estabelecimento, prometi digo, escrever algumas palavras a respeito do que tínhamos presenciado e tanto nos agradou, nas colunas desta folha, se não com a proficiência dos mestres ao menos com a boa vontade de um coração agradecido (O VASSOURENSE, 1889, p.2). Ao contrário da carta de Maria Ricardina, que encontra apoio na carta escrita pelo o padre. A matéria do jornal possui o tom de concordância, entre o redator e o diretor da instituição. Não há denúncia. Ao contrário, ela expressa uma ação entre amigos, cordiais cavalheiros, exaltando virtudes e reforçando qualidades. Mas uma vez, tomando como bússola, o texto de Elias e Scotson (2000), pensamos a carta de Maria Ricardina como uma carta de uma Outsider. Na direção oposta pensamos enquanto a matéria publicada no jornal pode ser lida como fofoca elogiosa - Pride Gossip, ação desenvolvida pelos estabelecidos, para manter uma imagem positiva de si mesmos. Vamos analisar a região. Tanto Valença como Paraíba do Sul são cidades vizinhas de Vassouras. O Asilo de Santa Isabel não ficava em Vassouras. Situava-se em Valença, nas terras doadas pela baronesa de Santa Mônica e seu filho Francisco Nicolau. Ele foi criado pela Associação Promotora da Infância Desamparada3, em 1886. Fundado pela benemérita Associação Protetora da Infância Desamparada, tem por fim, com o seu título indica ser útil as crianças do sexo masculino, a quem a desventura ou a sorte diversa privou dos seus protetores naturais, preparando-as para mais tarde, quando homens, por meio de um bem dirigido estudo teórico, prático, se 3 Ver Alessandra Frota Martinez. A "infância desamparada" no asilo agrícola de Santa Isabel: instrução rural e infantil (1880 – 1886) In: http://www.scielo.br/scielo. Data de acesso: 21/12/2014. tornarem úteis a si e a pátria, como honrados, profícuos, inteligentes e laboriosos agricultores (O VASSOURENSE, 1898, p.2). Da mesma forma que Maria Ricardina e o padre José Pedro estavam unidos contra o diretor do reformatório na Bahia. Em Vassouras, Francelino Marques e Raymundo Monteiro da Silva também. As fofocas depreciativas contidas no jornal foram levemente, direcionadas contra o regime monárquico. Francelino em sua pena exalta a figura do diretor da instituição, e diminui a figura do Conde D´Eu que foi um dos fundadores da Associação Protetora da Infância Desamparada. Inaugurado em 28 de abril de 1886, pelo então presidente daquela Associação o decaído príncipe Conde D`Eu, graças a sabia gerência do ilustre Diretor, tem aquele estabelecimento progredido tanto, que já conta completo o quadro primitivamente computado, dos seus cinqüenta acolhidos (O VASSOURENSE, 1889, p.02). Martinez (2000) nos mostra que, nos áureos dias da monarquia, havia na instituição quadros dos representantes desse regime, entre eles os do Conde D´Eu e do Imperador D. Pedro II. As telas estavam expostas, nos salões nobres e nas salas de aula, como nas escolas públicas do Império. Abrindo o primeiro pavimento, na perspectiva dos visitantes, uma grande sala servia para receber os convidados, ao mesmo tempo que lhes apresentava, mediante uma tela pintada a óleo, o Ilustre Benemérito, responsável pela presidência da Associação. O quadro dos estatutos, por sua vez, mostra a todos os fins humanitários e aos princípios norteadores da iniciativa, a qual reunia os cidadãos e as senhoras, os benfeitores e os “protetores da causa da infância desamparada”. Destinado à instrução elementar e às aulas teóricas de agricultura, um salão escolar guardava as carteiras e os bancos desenhados pelo Dr. Paula Freitas, os livros oferecidos pelo Barão de Macaúbas, o ilustre Abílio César Borges, e os demais matérias pedagógicas. Um retrato do Imperador Pedro II, da mesma forma que nas escolas públicas do Ministério do Império, compunha a decoração da classe (MARTINEZ, 2000, p.8). Martinez (2000) nos diz que, entre os objetivos da Instituição estava a atuação na província fluminense. Concentrando importantes autoridades e figuras destacadas da política imperial, a finalidade a Associação era fundar Asilos Agrícolas, para onde seriam levadas as crianças e os menores que circulavam “abandonados” nas ruas das grandes cidades do Império, destacando-se a corte. Mantendo a cidade do Rio de Janeiro como sede das reuniões de associados e do empreendimento, seus membros pretendiam estender os seus benefícios por toda a Província, quiçá por todo o Brasil (Martinez, 2000, p.3). Mais uma vez chamamos o jornalista Francelino Marques à cena, para descrever o local escolhido para a construção do Asilo. Na citação abaixo, ele pontua a presença da linha férrea como uma das qualidades da localização. O local é descrito como agradável. É como se me ofereça agora o ensejo, peço licença aquele distinto agrônomo para vir desempenhar-me do meu compromisso. O edifício do Asilo, situado numa pitoresca eminência a cavaleiro da linha ferra e a qual dão o nome de Monte Syleme, em terras pertencentes a fazenda Santa Mônica, acha-se distanciado da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, no Desengano, apenas um quilometro para o sul e a cento e trinta e um da corte, como se pode verificar do marco posto quase em frente do portão daquela casa (O VASSOURENSE, 1889, p.2). Antes de instalar o Asilo de Santa Isabel em Valença, a Sociedade Protetora da Infância Desamparada procurou em outras cidades do Vale do Paraíba, um lugar onde pudesse instalar a instituição. Em Paraíba do Sul, outra gentil senhora, a condessa do Rio Novo, deixou verba testamentária para que se construíssem um hospital e uma escola, para educar crianças pobres e para que se libertassem os escravos. O Educandário Nossa Senhora da Piedade, sob a liderança da Irmandade Nossa Senhora da Piedade, receberia apenas meninas. Ele ficou pronto em 1884. Os primeiros passos para a busca do terreno apropriado foram dados pelos senhores Luiz Antônio Caminhoá e Paulino José Soares de Souza. Influentes nas regiões interioranas do Vale do Paraíba fluminense, procuraram auxílio junto à Irmandade Nossa Senhora da Piedade, solicitando que fossem cedidas à Associação Protetora parcelas do patrimônio deixado como herança pela Condessa do Rio Novo, antiga proprietária da Fazenda Cantagallo, em Paraíba do Sul. Após a permissão dos irmãos, uma comissão de associados procedeu a visitas e inspeções dos terrenos. No entanto, os pareces sobre o local não foram favoráveis, já que as terras não eram apropriadas ao “cultivo da cana- de-açúcar, do café e outras plantas” (MARTINEZ, 2000, p.3). Em nossa dissertação, analisamos a História da Educação de Paraíba do Sul. Gostaríamos de apresentar algumas reflexões, que ligam o estudo anterior ao desenvolvido atualmente. O Educandário Nossa Senhora da Piedade foi fundando no ano de 1884 em Paraíba do Sul. Com verba testamentária da Condessa do Rio Novo. Essa instituição era dirigida pela Irmandade Nossa Senhora da Piedade, e contava com o trabalho religioso e educacional da congregação São Vicente de Paula. O prédio da instituição foi projetado por Luiz Antônio Caminhoá. A planta do edifício da Casa de Caridade de Paraíba do Sul, inaugurado no dia 8 de dezembro de 1882, foi desenhada pelo engenheiro e arquitetoDr. Caminhoá e executada pelo engenheiro civil Francisco Rossi. Na parte mais alta da fachada, a Condessa do Rio Novo mandou que fosse esculpida a figura de um pelicano simbolismo que significava para ela a preocupação com o bem geral, com o sofrimento das crianças pobres e órfãs, para os inválidos e doentes sem recursos. O primeiro Provedor foi Dr. Leandro Bezerra Monteiro. As irmãs de caridade chegaram ao asilo em 4 de abril de 1883. A primeira superiora foi a irmã Lúcia Guinhal (RIBEIRO NETO, 2013, p. 70). As terras deixadas pela Condessa do Rio Novo formavam a fazenda Cantagalo, ela foi doada aos libertos. Uma parte da produção agrícola deveria ser doada, para o Educandário Nossa Senhora da Piedade. Luiz Antônio Caminhoá provavelmente sabia da existência do vasto legado deixado pela piedosa senhora, viúva, sem herdeiros naturais. Quando a Associação Protetora da Infância Desamparada buscou um lugar para construir uma instituição, Luiz Antônio Caminhoá voltou à cidade e consultou os membros da Irmandade, sobre a possibilidade de doação de terras. Segundo Martinez (2000), as terras foram reprovadas pelos membros da comissão da Associação elas não eram apropriadas para o plantio e cultivo de café, nem mesmo do açúcar. No entanto, os pareceres sobre o local não foram favoráveis, já que as terras não eram apropriadas ao cultivo da cana-de-açúcar, do café e outras plantas. Como podemos perceber, a Associação pretendia promover a educação dos menores “vagabundos” e dos “ingênuos” em uma colônia onde fosse possível promover a cultura dos principais produtos do mercado agrícola, até então cultivados pelos escravos e pelos trabalhadores livres do eito. Outras fazendas foram visitadas nos anos de 1884 e 1885, mas nenhuma preenchera os requisitos necessários para o estabelecimento do asilo de menores (MARTINEZ, 2000, p.6). Começamos a unir os fios desconectados, pois o Educandário Nossa Senhora da Piedade educava as meninas desvalidas. Perguntávamos para onde eram levados os meninos pobres? Com o texto de Alessandra Schueler, algumas respostas surgem no horizonte. Eles poderiam ser levados para o Asilo de Santa Isabel em Valença. Como essas duas instituições pretendiam agir na região, não seria difícil pensar que as crianças da cidade de Vassouras possam ter sido matriculadas nelas. Em Vassouras também encontramos instituições escolares que se dedicavam a ensinar as primeiras letras as crianças negras, tais como a escola do professor Ataliba Gomes Coelho. Contudo, não podemos esquecer os fortes laços que uniam essas crianças ao mundo do trabalho. Considerações Finais O processo de escolarização de crianças negras apresenta fios que emergem em diferentes lugares entre eles a carta da costureira Maria Ricardina. Ela nas suas mal traçadas linhas, faz uma análise de conjuntura, denunciando que o reformatório não conseguiu atingir o seu objetivo: não recuperou os meninos pobres, ao contrário, tornou- os ainda mais amantes das ruas. As práticas de punição, não deixou ninguém esquecer que, a pedagogia usada para corrigir os escravos, também poderia ser aplicada aos meninos pobres. Do outro lado, temos o diretor da instituição, que permaneceu anônimo, sem assinar a carta que remeteu ao jornal. Nela acusava a costureira, de querer defender o filho malandro e o padre José Pedro de denúncias infundadas. Ele convidou o pasquim, para visitar a instituição, com data e hora marcada, e assim, comprovar o êxito do seu trabalho e a disciplina dos meninos. Com o Asilo de Santa Isabel, ocorreu o contrário. Francelino Marques visitou a instituição com data e hora marcada, pelo diretor da mesma, que também desempenhava a função de diretor do jornal O Vassourense, no qual ele escrevia. Maria Ricardina era mãe de um menor interno do Reformatório. Francelino Marques não possuía nenhum filho matriculado no Asilo de Santa Isabel. Eles olharam a história de lugares diferentes, com interesses diferentes. Ela escrevia para denunciar, ele ao contrário, escrevia para bajular e se manter entre os estabelecidos. Usando as páginas do jornal, para o que o sociólogo Nobert Elias chamou de Blame, ou seja, fazer fofocas elogiosas, sobre um grupo ou pessoa, cujo valor na sociedade era reforçado a partir da circulação dessas ideais. Por meio dos textos dos pesquisadores da História da Educação procuramos trazer à baila uma rede de assistência a infância desamparada, apresentando não só o Asilo de Santa Isabel, mas também outros, como o Educandário Nossa Senhora da Piedade, que se situava na mesma região com o mesmo objetivo, que podem ter recebido crianças negras. Para analisar a política educativa de Vassouras no ocaso do Império e início da República temos que ampliar a nossa lente e olhar ao redor, percebendo o imbricado jogo de relações e dependências existentes entre as cidades da região, dessa forma podemos recuperar os fios e assim compreender a história e ver a beleza do tecido. Referências AMADO, Jorge. Capitães de Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. ELIAS, Nobert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios: na Bahia do século XIX. São, Paulo/Salvador: HUCITEC, 1996. FEBVRE, Lucien. Combates por la Historia. Barcelona: Ariel Quincenal, 1970. MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: Os significados da liberdade no sudeste escravista, Brasil Séc. XIX. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1998. MARTINEZ, Alessandra Frota. A "infância desamparada" no asilo agrícola de Santa Isabel: instrução rural e infantil (1880 – 1886). In: http://www.scielo.br/scielo. Data de acesso: 21/12/2014. RIBEIRO NETO, Alexandre. Tenha piedade de nós: uma análise da educação feminina do Educandário Nossa Senhora da Piedade em Paraíba do Sul, 1925-1930. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. SCHWARTZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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