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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 PENSAMENTO SISTÊMICO: O NOVO PARADIGMA DE CIÊNCIA .......... 4 3 TERAPIAS PÓS-MODERNAS .................................................................... 8 3.1 Psicoterapia como prática pós-moderna ............................................ 15 3.2 Psicoterapias construtivistas: características e fundamentos conceituais 20 3.3 Modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia ................................. 27 3.4 Construcionismo social ....................................................................... 30 3.5 Construtivismo radical ........................................................................ 34 3.6 O construtivismo radical ..................................................................... 39 4 TERAPIAS NARRATIVAS ........................................................................ 40 4.1 A mudança nas terapias sistêmicas: transformação narrativa ........... 43 5 ABORDAGEM COLABORATIVA .............................................................. 47 6 ABORDAGENS ESTRUTURAL E ESTRATÉGICA PÓS-MODERNAS .... 50 7 PSICOTERAPIA DE CASAL NA PÓS-MODERNIDADE .......................... 51 8 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 54 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 PENSAMENTO SISTÊMICO: O NOVO PARADIGMA DE CIÊNCIA Fonte: nucleode-stress.com.br Embora os pressupostos de objetividade, simplicidade e estabilidade permaneçam válidos na ciência atual e no pensamento geral, deve-se notar que, especialmente a partir da segunda metade do século XX, um grupo de pensadores de diferentes áreas do conhecimento passou a questionar paradigmas científicos tradicionais, desencadeando o início de uma virada epistemológica e o surgimento de novas hipóteses de racionalidade científica, GOMES; (2015). Com relação às hipóteses simples, inicia-se um processo de cognição de que o ideal simplista da razão moderna, não corresponde à realidade do fenômeno, é complexo (e, na contemporaneidade, cada vez mais complexo). Parece que o propósito é simplificar objetos de conhecimento, reduzir ou eliminar paradoxos e contradições e distinguir objetos de conhecimento do seu contexto, em última análise, obscurece o conhecimento da natureza e dos fenômenos, GOMES; (2015). Assim, começa a justificar o pressuposto da complexidade abandonando o pressuposto da simplicidade, o que implica a atitude do objeto em relação à sua reintegração ao seu contexto, concentram-se nas inter-relações que realmente existem entre os fenômenos e entendem que as relações causais em um mundo complexo não são lineares e unidirecionais, mas cíclicas e recursivas (VASCONCELLOS, 2002, p. 104-118 apud GOMES; 2015). 5 No mesmo sentido, as pessoas não insistem mais em acreditar na estabilidade, ordem e controlabilidade do mundo e seus fenômenos, reconhecendo que o mundo está em constante mudança dentro do processo de transformação, devido à incerteza, imprevisibilidade e vários fenômenos não podem ser controlados. Passamos da suposição de estabilidade para a suposição de instabilidade (VASCONCELLOS, 2002, pp. 118-129 apud GOMES; 2015). Nesse novo paradigma científico, também se abandona a crença de que o conhecimento objetivo da realidade é possível e aceita-se o fato de que o conhecimento é construído e baseia-se na intersubjetividade. Isso significa, em primeiro lugar, assumir “não existe uma realidade independente de um observador” e reconhece em um segundo momento que a ciência "nunca será um espaço de verdade, mas um espaço de consenso", ou seja, existem múltiplas versões da realidade, “em diferentes domínios de interpretação linguística”, e o conhecimento científico será sempre uma construção social que valida a experiência subjetiva de diferentes sujeitos/observadores em um espaço de consenso, (VASCONCELLOS, 2002, p. 129-144 apud GOMES; 2015). Nesse ponto, é preciso reiterar que a afirmação da complexidade, instabilidade e intersubjetividade como pré-condições para novos paradigmas científicos é fruto de experiências compartilhadas e discussões em diferentes campos científicos, a interdisciplinaridade não é apenas uma característica distintiva, mas também a base para o desenvolvimento dessas novas disciplinas que estão relacionadas a novas propostas teóricas, nominadas de teorias sistêmicas e cujas expressões mais conhecidas são a Teoria Geral dos Sistemas da Natureza, a Cibernética da Cibernética e a Teoria da Autopoiese, BRITO; (2013). É considerada a origem das teorias sistêmicas com uma "vocação interdisciplinar" que estabeleceu duas vertentes simultaneamente no século XX: organicistas, com o foco no conhecimento de organismos ou sistemas naturais, biológicos ou sociais e está relacionado à teoria geral dos sistemas e mecanicista, que se concentra na criação de sistemas artificiais e estão relacionados às teorias cibernéticas, BRITO; (2013). Dessa maneira, o construcionismo social nos instiga a pensar e a alterar verdades comuns socialmente partilhadas em nossa cultura. Essa perspectiva tem implicações importantes para pensar a psicoterapia, que pode ser vista como um 6 espaço de questionamento das rígidas "verdades" que provocam o sofrimento no indivíduo, BRITO; (2013). De fato, os princípios pelos quais as pessoas constroem significados Visões de mundo nas relações sociais são amplamente aceitas em várias abordagens pós- modernas. Através da conversação com o terapeuta, o cliente deve rever seu significado construído do mundo e de si mesmo, podendo (des) construir narrativas em coautoria com o terapeuta e reorientar suas ações. A psicoterapia, então, é concebida como um conjunto de relações sociais que permitem a produção de sentido em conjunto. Através da construção (e desconstrução) da narrativa, BRITO; (2013). As perspectivas construcionistas destacam o potencial terapêutico da narrativa, assim como muitas práticas discursivas e não discursivas que operam como formas de opressão e sofrimento. As visões construcionista nas clínicas psicológicas também questionam muitas das suposições essencialistas, a-históricas e universalistas sobre a tradição humanista de psicoterapia. É particularmente colocada sob suspeita a noção do “eu interiorizado e autocontido” que se consolidou na história da psicologia. O eu, na concepção socioconstrucionista, é visto sob o ângulo de um artefato situa do sociohistoricamente, BRITO; (2013). Como afirmam Gergen e Gergen (2010 apud BRITO; 2013), as convenções sociais estabelecidas para a construção de uma história (incluindo a “minha história”) podem ser legitimadas, porém não há nenhuma convenção definitiva ou mais verdadeiraque outras. A dominância de algumas convenções se dá por processos de negociação e relações de poder. Segundo o autor, muitas abordagens psicoterápicas modernas defendem uma convenção narrativa específica, implícita em cada teoria psicológica, que implica certa inflexibilidade. Muitas abordagens psicológicas costumam trazer em seus pressupostos os objetivos e resultados esperados, silenciosamente guiando os clientes por um caminho predeterminado, como a “individuação” da proposta de Jung ou a “atualização” de Rogers. Esta é uma das maiores críticas de Gergen às abordagens humanistas. De acordo com Rasera e Japur (2004 apud BRITO; 2013), existem algumas semelhanças entre as terapias baseadas em pressupostos construcionista sociais. Elementos comuns da terapia de influência construcionista incluem: "focar no significado" das pessoas na vida; compreender, experimentar, compreender a terapia como um processo que o terapeuta e o cliente constroem juntos; concentre-se nas relações com o cliente, muitas vezes traz sua rede de relacionamentos para o cenário terapêutico; sensibilidade aos valores do terapeuta e cliente; “ênfase polivocal”, entendida como a crença de que existem múltiplas maneiras de descrever 7 o problema e compreender o self; atenção às consequências da prática clínica; e "focar no potencial", porque o processo de significação é aberto e contínuo. Essas características fornecem a base necessária para terapias mais contextualizadas socialmente, problemas de desnaturalização e diagnósticos inatacáveis, porque de acordo com o construtivismo social, nos faz pensar sobre como a realidade é construída através do uso da linguagem. As perguntas-chave do construcionismo social seriam: como as pessoas agem juntas e usam a linguagem para organizar suas ações? Como as ações sociais e os discursos estão atravessados pelo poder? Do ponto de vista socioconstrucionista, a psicoterapia é vista como um artefato cultural e histórico que envolve pessoas em certas relações de ajuda (terapeutas/clientes) e a negociação de certos conhecimentos, valores, práticas e repertórios, como por exemplo, aqueles que abrangem a reconstrução de um senso de agência, identidade pessoal e pertencimento. Cumpriria, assim, a mesma função que outros dispositivos sociais onde a identidade pode ser redesenhada, como por exemplo, as instituições religiosas, organizações políticas e grupos de esportes (Angus & McLeod, 2004 apud BRITO; 2013). Os processos são estabelecidos em parceria com os clientes. As metáforas para construir e explorar metanarrativas alternativas são importantes nessa visão, refutando a noção de uma identidade isolada que está doente e precisando de cura. Deste ponto de vista, conhecer uma pessoa não tem sentido como um núcleo fechado fora do contexto histórico e cultural, BRITO; (2013). De acordo com McLeod (2004 apud BRITO; 2013), o conceito de narrativa foi introduzido na terapia para se afastar das perspectivas individualistas e psicológicas da terapia moderna. Além disso, para o autor, a imagem de pessoa na perspectiva construcionista é um ser que está constantemente engajado na construção identitária e na produção de significados, conhecendo e se dando a conhecer, interagindo e dialogando com os outros, em um ambiente complexo e fragmentado relacionado a origem social. Monk e Gehart (2003 apud BRITO; 2013) entendem a terapia narrativa e a terapia colaborativa como dois métodos contemporâneos de terapia familiar fortemente influenciados por ideias construtivistas sociais, particularmente em sua ênfase na natureza constitutiva da linguagem, foco no contexto relacional social e crítica da verdade objetiva. Ambos os métodos têm a mesma ideia, ou seja, ambas as abordagens partilham a ideia de que a realidade não é dada, mas construída nas 8 relações através da linguagem. Essas abordagens também reconhecem que a linguagem constrói o significado, e o significado é histórica e culturalmente localizado. A psicoterapia pós-moderna influenciada pelo construtivismo social se opõe ao modelo hegemônico estabelecido pela psicoterapia "tradicional". Eles começaram a entender as narrativas não mais como obras pessoais, mas como artefatos históricos. Compreender os fundamentos epistemológicos da terapia pós-moderna é necessário para compreender as consequências dessas práticas. As influências socioconstrutivistas nessas abordagens produziram novas perspectivas e diretrizes humanas no processo terapêutico que se diferenciam de outras abordagens modernas, BRITO; (2013). De acordo com as abordagens pós-modernas, temos as abordagens narrativa e abordagem colaborativa. A terapia narrativa se concentra na desconstrução da história dominante, que tende a conquistar o "eu", oferece uma oportunidade de recriação autobiográfica. Já segundo a perspectiva da abordagem colaborativa, concentra –se no diálogo e vê a terapia como um diálogo no qual o terapeuta (como um inconsciente - atitude de não saber) e o cliente (como um especialista) trabalham juntos para gerar novos significados, narrativas e realidades. 3 TERAPIAS PÓS-MODERNAS Fonte: telmalenzi.com.br 9 A narrativa é muitas vezes sinônimo de história e refere-se a descrições simbólicas de ações humanas que têm uma dimensão temporal, incluindo começo, meio e fim. As histórias são mantidas juntas como uma unidade graças a um padrão de eventos chamado "enredo" (SARBIN, 1986 apud BRITO; 2014). Para Riessman (2008 apud BRITO; 2014), a narrativa é a forma como um falante conecta eventos em sequência como resultado de ações futuras. Sarbin dá um exemplo (1986 apud BRITO; 2014), apresente duas ou três figuras, ou frases descritivas, para uma pessoa e ela irá conectá-las para formar uma história, um relato que relacione as figuras ou os sentidos das frases na mesma forma padronizada. Em reflexão, descobrimos que as figuras ou sentidos são mantidos juntos pelo implícito ou explícito uso do enredo (p. 8). Cada narrativa é direcionada para um público específico, um momento histórico específico e contém valores específicos da cultura (RIESSMAN, 2008 apud BRITO; 2014). Assim, as narrativas não são obras individuais independentes, são performativas, estratégicas e têm um final. Quando alguém conta uma história, não está apenas representando uma história, provavelmente está se defendendo, enaltecendo –se, buscando causar pena, tentando persuadir, ou seja: realizando uma ação. Desta forma, fazemos coisas e construímos a realidade através da linguagem. Mas se por um lado nossas narrativas constroem o mundo, por outro lado essas mesmas narrativas que usamos também são construções sociais. (CABRUJA; ÍÑIGUEZ; VÁZQUEZ, 2000 apud BRITO; 2014). O mundo é atravessado por narrativas e histórias, mas é precisamente esse "atravessamento", o que constitui o mundo. Na verdade, para fazer a realidade inteligível, os seres humanos precisam recorrer a uma narrativa da mesma, mas são por sua vez, as próprias histórias e narrativas que se entrelaçam e dialogam entre elas, que outorgam realidade para o mundo em que vivemos. Nascemos em um mundo já construído. Isto significa que a linguagem incorpora-nos e nós vamos incorporar a linguagem, tomando conceitos compartilhados e categorias que nos permitem explicar o mundo. São estes conceitos e categorias preexistentes que nos permitem ir "assimilando" e dando conta da realidade, (CABRUJA; ÍÑIGUEZ; VÁZQUEZ, 2000, p. 65 apud BRITO; 2014). Somos coautores de nossas narrativas com narrativas que já existem na cultura a que pertencemos, e nós inevitavelmente falamos na ordem social que já foi estabelecido. Assim, “a função primária do discurso não é representar o mundo, mas moldar e coordenar nosso comportamento social”. (CABRUJA; ÍÑIGUEZ; VÁZQUEZ, 2000, p. 69 apud BRITO; 2014). 10 A narrativa não é um espelho da realidade, mas uma construtorada realidade, vista como um ato no mundo. Dessa forma, como já vimos, a narrativa pode desempenhar funções como: enganar, brigar, divertir, recordar o passado, justificar, engajar e persuadir, ademais mais histórias podem ser usadas por grupos para mobilizar outros e criar um sentimento de pertencimento. (RIESSMAN, 2008 apud BRITO; 2014). Neste estudo, estamos interessados em uma função específica da narrativa: a construção de sentido ou a meaning-making: Contar histórias sobre momentos difíceis em nossas vidas cria ordem e controla emoções, permitindo uma procura por significado e possibilitando conexão com outros. Minha própria pesquisa, que examinou vidas interrompidas por doenças crônicas, divórcio e infertilidade, é baseada na construção de significado da narrativa. Quando desorganizações biográficas acontecem, rompendo expectativas de continuidade, indivíduos dão sentido aos eventos mediante a narração de histórias, (RIESSMAN, 2008, p. 10 apud BRITO; 2014). De acordo com (BRITO; 2014) a função de construção de sentido da narrativa é o primeiro ponto que a aproxima do trabalho da psicoterapia. A definição de narrativa ajudará a explicar o processo de cura de acordo com o processo terapêutico: “a forma como um falante conecta eventos em uma sequência que serve de consequência para futuras ações”. As narrativas caracterizam-se pela unificação de eventos desconexos em tramas construídas em uma linha do tempo, de forma significativa, e é a pessoa que busca terapia após um evento traumático que se esforça para integrar fragmentos de sua vida em um todo coerente. Além disso, a linguagem começa a ser vista como tendo um papel fundamental na construção da realidade em termos de virada linguística e a crítica do representacionalismo. Dessa forma, uma dessas estruturas seria a linguagem voltada para a construção de “nós mesmos”. Como a narrativa desempenha um papel fundamental na construção do self, e a terapia é o processo de construção do self por meio do diálogo, nos deparamos com um segundo ponto relacionado da narrativa no campo da psicoterapia. O ambiente terapêutico (setting), permite que os clientes repensem, atualizem, revisem, reconstruam e reparem sua narrativa de vida com o apoio de um terapeuta. Na contação de histórias, as pessoas estruturam, organizam e organizam suas experiências para que possam dar sentido às suas vidas. A terapia seria uma forma 11 de espaço para que o cliente se organize, articule e redefina as experiências próprias e do mundo através da exploração narrativa, BRITO; (2014). Ao construirmos nossas histórias, expressamos a maneira como compreendemos nossa experiência, não só estamos nos apresentando aos outros, mas também a nós mesmos, além de estarmos ampliando ou restringindo nossas possibilidades existenciais. As histórias representam, assim, o resultado de empenhos para dar um sentido à vida, organizando a experiência em sequências temporais, configuradas em relatos coerentes sobre nós mesmos e o mundo. (GRANDESSO, 2000, p.20710 apud BRITO; 2014). Assim, a linguagem é à nossa maneira de tentar explicar o mundo e a nós mesmos. Como nossa compreensão da realidade é sempre mediada pela linguagem, Bruner (2004) utiliza o trabalho de Slobin (2000 apud BRITO; 2014) para defender que toda experiência se expressa em termos de uma perspectiva: “...O mundo não apresenta "eventos" para serem codificados na linguagem. Em vez disso, no processo de falar ou escrever, as experiências são filtradas através da linguagem em eventos verbalizados. ” A individualidade pode certamente ser considerada como um dos "eventos verbalizados", uma espécie de meta-evento que dá coerência e continuidade ao embaralhamento da experiência. No entanto, não é apenas a língua em si, mas a narrativa que molda seu uso - especialmente seu uso na construção do self. (BRUNER, 2004, p. 7 apud BRITO; 2014). Estruturas linguísticas, como a personalidade/individualidade, são importantes para dar coerência ao "embaralhar de experiências", ou seja, para dar sentido à multiplicidade de eventos caóticos que permaneceriam com uma diversidade não relacionada. Em relação a relação entre narrativa e autoconstrução, podemos citar as obras de alguns autores, por exemplo, Murray (2008 apud BRITO; 2014), que afirma que "através da narrativa, podemos nos definir em uma continuidade temporal” ” (p. 111). McAdams (1993 apud BRITO; 2014) afirma, além disso, a narrativa é a organizadora de nossa autodefinição, e nossas identidades vêm na forma de histórias: há cenas, personagens, enredos e temas. Bruner (2004 apud BRITO; 2014) argumenta que narrativa e self estão intimamente ligados porque a autoconsciência surge do ato de transformar nossas experiências em histórias para compartilhar com os outros e para nós entendermos. Sem capacidade narrativa, a construção da identidade não pode ocorrer. Para Bruner (2004 apud BRITO; 2014), não existe um self essencial que pode ser expresso em palavras. Nós nos construímos e nos reconstruímos de acordo com a situação. 12 A construção do eu é uma “arte narrativa” que acontece não apenas “de dentro”, através da memória, do sentimento, da subjetividade, da crença, mas também “de fora”, através de expectativas culturais que aprendemos a seguir, em uma idade muito jovem, mesmo sem perceber. A autoconstrução é uma forma de nos provar único no mundo. "Nesse sentido, o eu é melhor definido como uma autobiografia em evolução que emerge na expressão de nossas narrativas em mudança" (GRANDESSO, 2000, p.220 apud BRITO; 2014). Bruner (2004), ao tentar responder por que a narrativa está tão entrelaçada com essa autoconstrução que nossas identidades parecem ser produto das histórias que criamos, chegamos a algumas conclusões baseado no trabalho do psicólogo Ulric Neisser, especialista em estudos de memória. Bruner se pergunta por que nos retratamos naturalmente por meio de histórias. Dentre esses achados, Bruner (2004 apud BRITO; 2014) afirma que o ego está repleto de agência, desejo, intenção e busca de objetivos. Como tal, ele é sensível a obstáculos, receptivo ao sucesso e ao fracasso e capaz de lidar com resultados incertos. É guiado por padrões culturais que permanecem contínuos ao longo do tempo, apesar das mudanças. Em seguida, Bruner comenta que essas mesmas características podem ser usadas para definir o que é uma boa história: uma trama com um propósito em que existem obstáculos, faz com que o personagem cresça, mas sua identidade ainda é reconhecível, BRITO; (2014). Por fim, Bruner (2004 apud BRITO; 2014) aponta que se não tivermos a capacidade de construir histórias sobre nós mesmos, não produziremos resultados, e também não teríamos por consequência, um senso de pessoalidade ou selfhood. Trata-se de uma disfunção neurológica chamada dysnarrativia, que impede as pessoas de entender e contar histórias. Como resultado, os pacientes com esse diagnóstico perdem o senso de si e a percepção dos outros. Ao perder a autoconsciência, ou seja, seu senso de self esses pacientes não têm mais capacidade de ter opiniões e fazer escolhas. Nesse sentido, Angus e McLeod (2004 apud BRITO; 2014) afirmam que a narrativa expressa a agência humana, além de reconhecer, assim como Bruner (2004 apud BRITO; 2014) e McAdams (1993 apud BRITO; 2014), a função narrativa como prática de construção pessoal (self-making practice). "A estrutura da narrativa reflete dimensões fundamentais da existência humana, como agência pessoal, intenção, viver no através 13 do tempo e a experiência de pertencer a uma cultura e tradição". (ANGUS E MCLEOD, 2004, p. ix apud BRITO; 2014). As visões de Angus e McLeod (2004 apud BRITO; 2014) nos levam à proposição de Sarbin (1986), que propõe a narrativa como metáfora fundamental para a psicologia, reconhecendo que narrativa e existência humana compartilham muitascaracterísticas semelhantes. O papel que a narrativa desempenha na construção do significado, na autoconstrução, na agência e na reestruturação temporal é explicado nos parágrafos acima. Sendo a terapia um espaço que explora todos esses aspectos da existência, vemos novamente uma aproximação entre a narrativa e o campo clínico da psicoterapia. Sob a influência da rotação da narrativa, essas teorias narrativas foram incorporadas à prática psicoterapêutica de duas maneiras diferentes: por um lado, a assimilação dos conceitos e problemas da teoria narrativa na prática terapêutica existente, chamadas de abordagens narrativamente informadas (narrative-informed), por outro lado, pelo pioneirismo de uma nova abordagem, diferente da abordagem tradicional de ver a narrativa como uma estrutura cognitiva. Na contramão dessa ideia, essa nova abordagem, que McLeod (2007 apud BRITO; 2014) chama de pós- psicológica, trata a narrativa como uma forma de performance e discurso. No campo dos métodos informados por narrativas, alguns dos primeiros autores a incorporar ideias narrativas a seus trabalhos foram os psicanalistas Roy Schafer e Donald Spence, segundo Sarbin (1986 apud BRITO; 2014). Sarbin citou esses autores como importantes contribuições para diferentes formas de pensar em psicanálise. De acordo com Goolishian e Anderson (1994 apud BRITO; 2014 apud BRITO; 2014) de acordo com Schafer, o self é uma manifestação da ação humana, da ação de falar acerca de si mesmo; mas diferente de Spence, que se preocupava principalmente com o conteúdo da narração construída, Schafer se interessou também pelo modo da construção, pelo discurso narrativo. Defendia que estamos nos contando permanentemente, a nós mesmos e aos demais, quem somos, incorporando estas histórias umas dentro das outras. (p. 298) Esses autores são fundamentais para compreender e iniciar pesquisas sobre como compreender o processo terapêutico a partir de uma perspectiva narrativa (MCLEOD, 2007 apud BRITO; 2014). Por outro lado, para fortalecer a crítica à modernidade, Terapia Narrativa Pós-psicológica, “focando na relação entre o 14 indivíduo e os recursos narrativos disponíveis em sua cultura” (MCLEOD, 2007, p. 242 apud BRITO; 2014). São propostas novas, construídas a partir de uma visão não mais centrada no interior, mas baseadas na ideia de que as questões que as pessoas trazem para a terapia estão intimamente relacionadas aos contextos históricos e culturais que as moldaram. Essas perspectivas são influenciadas pelo afastamento da linguagem para novas formas de conceber a linguagem, tendo a narrativa como conceito subjacente, pois entendem que ao narrar, o indivíduo em terapia alcança a coerência de sua história, suas experiências e autoconhecimento, BRITO; (2014). Além disso, eles viam a terapia como um evento social ao invés de um evento psicológico (MCLEOD, 2004 apud BRITO; 2014). McLeod (2004 apud BRITO; 2014) cita a terapia narrativa de Michael White como uma das principais pós-psicoterapias, lembrando que o termo pós-psicológico é equiparado ao pós-moderno por evocar uma virada na noção de síntese no campo da terapia. Nesse sentido, Grandesso (2001 apud BRITO; 2014) identifica a terapia colaborativa como uma abordagem pós-moderna como a terapia narrativa de Michael White. Segundo Grandesso (2001 apud BRITO; 2014), o que a terapia pós-moderna tem em comum são: a ideia do terapeuta como co-construtor e o cliente como autoridade máxima em sua vida; rejeição de autoconceitos essencialistas; compreensão de que o significado é construído socialmente e dialogicamente de acordo com a linguagem, acredita que o diálogo é uma prática social transformadora; usa o questionamento para gerar transformação e mudança; a escolha por uma postura hermenêutica. McLeod (2009 apud BRITO; 2014) aproxima a terapia colaborativa da terapia narrativa, pois ambas se baseiam na promoção de um ambiente que possibilite às pessoas contar suas histórias e criar outras para apoiar novas formas de ação. Também é prática comum convidar uma parte da vida do cliente a participar de alguma forma de seu processo. Assim, vemos que ambas as abordagens (terapia narrativa e terapia colaborativa) trazem importantes contribuições para pensar a relação entre narrativa e a transformação na terapia. 15 3.1 Psicoterapia como prática pós-moderna O foco no significado e na construção narrativa decorrente da natureza conversacional e variável do pensamento pós-moderno, moldou a prática da psicoterapia. A mudança para uma perspectiva pós-moderna, envolve uma mudança significativa no âmbito psicoterapêutico, especificamente o abandono de estruturas e verdades universais a serem consideradas experiência particular e pessoal do indivíduo. Desse modo, iremos abordar alguns dos efeitos das perspectivas pós- modernas na psicoterapia, SOUSA; (2006). A psicoterapia pós-moderna pode ter diferentes abordagens, mas não necessariamente com contornos diferentes. Não pretendemos discutir essa diversidade, mas iluminar compreensões da psicoterapia pós-moderna construtivista, que também são diversas e não há contorno definido. A psicoterapia tradicional, localizada na ciência moderna, baseia-se nos princípios do empirismo lógico. Essa postura racionalista vê o ajuste psicológico como algo que requer debate ativo e verificação da realidade. Crenças irracionais disfuncionais, ou seja, a eficácia do sistema de crenças de um indivíduo depende de quão bem ele corresponde à realidade externa, SOUSA; (2006). O pluralismo de crenças no mundo pós-moderno questiona a credibilidade de qualquer sistema psicológico que equipare ajuste à realidade. De fato, considerando múltiplas realidades possíveis e múltiplas possibilidades de conhecimento, é difícil defender uma posição de que o ajuste satisfatório à realidade externa e objetiva equivale à saúde mental, enquanto o ajuste insatisfatório constitui uma forma de interferência. Essa visão mecanicista peculiar ao pensamento moderno é questionada pela perspectiva pós-moderna, que confere ao indivíduo um papel ativo na construção da realidade. (R. Neimeyer, 1993 apud SOUSA; 2006). Diferentes psicoterapias pós-modernas, especialmente a psicoterapia construtivista, concordam em rejeitar as teorias de verdade correspondentes. Por outro lado, ambos argumentam que a viabilidade de qualquer construto depende de sua utilidade para o indivíduo ou grupo que o criou e seu alinhamento com os sistemas de crenças pessoais e sociais que o incorporam, SOUSA; (2006). Se os modelos psicoterapêuticos tradicionais são considerados achados objetivos, isolados dos contextos culturais e sociopolíticos, com o advento do pensamento pós-moderno, não apenas o reconhecimento de características o 16 comportamento ativo dos indivíduos na construção do conhecimento também afeta a influência do contexto social na teoria e na prática da psicoterapia. Em uma perspectiva pós-moderna, a psicoterapia leva em consideração o fato de que o indivíduo constrói significados para suas experiências de forma socialmente compartilhada. É a narrativa que permite e organiza o sentido construtivo dessa experiência, SOUSA; (2006). Como a narrativa tem uma função organizadora da experiência e dos significados, a psicoterapia emerge como criação narrativa (O. Gonçalves, 2001 apud SOUSA; 2006), com o objetivo de expandir os processos de construção narrativa do cliente. Assim, o processo psicoterapêutico constitui- se enquanto contexto experiencial e conversacional para a co-construção de múltiplas narrativas, processualmente mais complexas e mais coerentes (O. Gonçalves, 2000 apud SOUSA; 2006). Esse objetivo psicoterapêutico reforça a importância da narrativa e de um processo proativo de construção de sentido. Por isso, uma característica central das abordagens pós-modernas é a compreensão do papelda narrativa na prática clínica. No contexto do pensamento pós-moderno, especialmente no contexto do foco narrativo, tem-se argumentado que é o processo de desenvolver uma história com os outros que permite ao indivíduo compreender a si mesmo e ao mundo e criar sua “realidade”. Em suas relações com os outros. Isso significa que o potencial ou restrições sociais, culturais, políticas, econômicas podem afetar a narrativa. As narrativas e a autoconsciência não vêm apenas dos discursos com os outros, mas dos próprios discursos com os outros, SOUSA; (2006). Como os clientes buscam desvendar as histórias de suas vidas, com um leitor específico - um psicoterapeuta - isso sempre acontece com os coautores de tais histórias. O texto que segue não é a história do cliente nem do terapeuta, mas uma co-construção com ambos como autores. Esta vista a narrativa não implica que o cliente não tenha um histórico médico independente do terapeuta. No entanto, a história da terapia é construída com o observador, que pode ser o terapeuta ou o próprio cliente. (Lax, 1992 apud SOUSA; 2006). Essa construção e negociação da narrativa em um contexto interpessoal torna possível o conceito de psicoterapia de acordo com o processo conversacional de reconstrução narrativa. (Botella, Pacheco & Herrero, 1999 apud SOUSA; 2006). A história do cliente pode mudar ao longo do tempo à medida que a reinterpreta e negoceia significados no contexto da sua relação com os 17 outros. A história é, portanto, continuamente recriada ou reconstruída, em vez de recordada. À medida que o cliente desenvolve uma nova perspectiva sobre uma experiência ou sobre a sua interação com tal acontecimento, muda a sua narrativa. Nesta linha de pensamento, emergem novas compreensões, que fazem sentido para o indivíduo num dado momento no espaço e no tempo. Assim, não é a descoberta de uma “verdade” acerca da existência, mas o desenvolvimento de uma nova história e a emergência de novos significados (Lax, 1992 apud SOUSA; 2006). As pessoas que procuram ajuda psicoterapêutica sentem-se incapazes de intervir no que percebem como constante em suas vidas em um determinado momento, e são prejudicadas na busca de possibilidades e significados alternativos (White & Epston, 1990 apud SOUSA; 2006). Quando os clientes identificam seu problema como uma narrativa que priva, restringe, nega ou constrange sua existência, a psicoterapia se torna necessária como contexto para a reconstrução narrativa. Dessa forma, os problemas psicológicos de acordo com essa linha de pensamento, podem ser entendidos como barreiras ao discurso, narrativa e processos relacionais na construção do significado empírico, e procurando uma solução para este bloqueio, SOUSA; (2006). Com essa concepção de problemas psicológicos em mente, a psicoterapia visa desenvolver a capacidade de (a) entender o discurso, a narrativa e a natureza relacional da experiência humana e (b) co-construir mudanças narrativas para buscar significados alternativos. (Botella, Pacheco & Herrero, 1999; Botella, 2001a, b apud SOUSA; 2006). A psicoterapia torna-se um local para narrar, ensaiar e construir histórias, sendo os clientes simultaneamente os seus próprios objetos, sujeitos e projetos (O. Gonçalves, 1995 apud SOUSA; 2006). Em outras palavras, a psicoterapia capacita o cliente a recontar suas histórias cotidianas e abordar um novo jogo de linguagem que facilite a co-construção de narrativas alternativas lhe dá alguma esperança. A psicoterapia é um processo contínuo de engajamento em diálogo reflexivo destinado a facilitar, co-construir ou co-criar uma nova narrativa com o cliente. O ponto de partida é sempre a história do cliente sobre sua compreensão do mundo e de sua vida, em cujo contexto ele se vê como participante-observador. Por outro lado, um psicoterapeuta é incluído como participante do sistema de tratamento, deixando o cliente saber o que está pensando. Desse ponto de vista, ele não é mais visto como um especialista com visões históricas ou privilegiadas, mas um facilitador 18 de conversas terapêuticas que decorrem do discurso sobre a experiência do cliente, SOUSA; (2006). O discurso constitui, assim, um diálogo e, ao mesmo tempo, um processo social. O papel do psicoterapeuta no processo terapêutico, entendido nesse sentido como um processo transformacional construtivo, é colaborar com o cliente durante o processo terapêutico para um desenvolvimento de uma nova história sobre sua vida e fornecer um ponto de vista diferente, embora não muito diferente, para suas conversas posteriores, SOUSA; (2006). O processo de mudança humana pode ser facilitado, mas não dirigido, porque os psicoterapeutas não podem reivindicar autoridade ou validade empírica diante das construções do cliente. A psicoterapia é um esforço colaborativo e facilita a revisão das narrativas dos clientes e a construção de histórias pessoais mais abrangentes e coerentes, SOUSA; (2006). Assim, o contexto terapêutico é um espaço de compreensão compartilhada em que se constrói o significado dos pensamentos, sentimentos e ações do cliente. Nessa perspectiva, são várias as ideias (de clientes, terapeutas e quaisquer outros participantes da terapia) são compartilhados, externalizados e comentados, o que pode levar as pessoas a discutir situações, experiências ou problema. Nesse sentido, todos os participantes são entendidos como colaboradores no processo de seleção e tomada de decisão. (Lax, 1992 apud SOUSA; 2006). A qualidade do trabalho terapêutico dependerá dos múltiplos discursos produzidos, que nunca devem ser fixados, mas sim desconstruídos e reconstruídos por cliente e psicoterapeuta. Ao longo do processo de psicoterapia, os objetivos terapêuticos emergem e são negociados por meio do diálogo entre o cliente e o psicoterapeuta. As sessões de terapia não são pré-determinadas com base no planejamento manual, então cliente e psicoterapeuta exploram um ao outro, em vez de sessões que visam objetivos teóricos ou determinam resultados. Portanto, as metas são instrutivas, não decisivas, SOUSA; (2006). Nesta lógica, a psicoterapia constitui um contexto criativo e flexível baseado na compreensão do processo pelo qual os indivíduos criam, desenvolvem e transformam narrativas significativas (O. Gonçalves, 1996a apud SOUSA; 2006). Do mesmo jeito Dependendo da linguagem que configura o diálogo terapêutico, as possibilidades de construção da realidade são múltiplas, e a compreensão da psicoterapia é múltipla 19 e provisórias, portanto, a configuração da prática da psicoterapia, relacionadas as condições, baseiam-se na variedade e flexibilidade, em vez de procurar regularidade. A psicoterapia é o processo de transformar o discurso problemático atual do cliente em um discurso mais fluido que permite a consideração de várias interações possíveis. Nesse sentido, a psicoterapia vislumbra a mudança e a transformação, uma construção múltipla e criativa, baseada na ideia de que o conhecimento da prática psicoterapêutica constitui uma realidade episódica, local e singular, contextualizada na relação entre cliente e terapeuta. (Fernandes, 2001 apud SOUSA; 2006). Resumidamente, em uma perspectiva moderna, a psicoterapia se concentra no problema, visando corrigir cognições disfuncionais. Como resultado, assume a forma diretiva e psicoeducativa, onde o psicoterapeuta assume o papel de especialista. Em contraste, a psicoterapia pós- moderna, com um enfoque construtivista particular, enfatiza o desenvolvimento da auto-organização do indivíduo, suas características proativas na construção do conhecimento humano e as implicações que dele derivam para a mudança humana (R. Neimeyer, 1993 apud SOUSA; 2006). Vislumbrando mudanças nas construções ou narrativas do cliente, seu objetivo é criativo e seu processo exploratório e abrangente. Os seres humanossão, segundo essa abordagem, atores ativos que, individual ou coletivamente, constroem significados para seu mundo experiencial. No contexto social. Sob a influência de uma abordagem hermenêutica, o psicoterapeuta busca compreender e promover a elaboração de narrativas pelos clientes, sem a necessidade de usando critérios que determinam a aceitabilidade de suas histórias. Ao contrário, suas intervenções são tendencialmente exploratórias, abrangentes e reflexivas, considerando as idiossincrasias das experiências e construções dos clientes, SOUSA; (2006). De acordo com SOUSA; (2006) em resumo, a psicoterapia como prática pós- moderna, com foco particular nas abordagens construtivistas: Concebe os problemas como descontinuidades nas narrativas dos clientes que causam desconforto, Seu objetivo de intervenção é compreender as histórias dos clientes e colaborar na construção de novas narrativas (alternativas e não 20 substitutivas), ou seja, vislumbram a criação de processos que facilitem o desenvolvimento narrativo, Utiliza metodologias de exploração abrangente das construções dos clientes e; Entende a mudança como a viabilidade das construções individual, que deriva da consistência interna, do consenso e da viabilidade pessoal, e não de critérios objetivos e absolutos. Fonte: researchGate.com 3.2 Psicoterapias construtivistas: características e fundamentos conceituais A terapia construtivista pode encontrar seus predecessores tão distantes quanto o próprio budismo. Por exemplo, Mahoney (2005 apud AMORIM; 2014) diz que a relação entre os ensinamentos budistas e aspectos da terapia construtivista é cada vez mais evidente. De uma perspectiva budista, o sofrimento é o resultado de uma resistência à mudança e um sentimento de separação dos outros e do mundo. Dicas práticas para reduzir o sofrimento no budismo incluem atenção plena, relacionamentos compassivos (comigo e com os outros), flexibilidade, fluxo e equilíbrio. A contribuição do filósofo pré-socrático Heráclito (540-475 aC apud AMORIM; 2014) também mostra um viés construtivo em sua ênfase no processo de mudança e desenvolvimento. Heráclito foi um filósofo do processo, e essa ênfase foi um aspecto central do construtivismo; ele também foi um pioneiro do pensamento dialético e enfatizou o papel da interação entre as tensões existenciais. Ele acredita que há tensão entre opostos em todas as coisas. Hoje, é bem conhecido que os organismos exibem uma tensão fundamental entre padrões de atividade estáveis e mutáveis. O construtivismo, como capacidade filosófica e metateoria, ressalta a auto- organização e o recurso ativo do conhecimento humano e sua influência no processo de mudança. Na verdade, a visão construtivista dos seres humanos desafia a terminologia mecanicista tradicional e apresenta desafios no campo da psicoterapia, especialmente no campo de orientação cognitiva. (Neimeyer, 1993 apud AMORIM; 2014). Sobre essas técnicas, Mahoney (2005, p. 160), em suas palavras, devemos ter: "Cuidado com a regra do martelo. Não tocamos em coisas que precisam ser tocadas. Essas técnicas são rituais de performance. Elas são usadas para organizar e iniciar atividades. E essas atividades são fundamentais." 21 Ele cita algumas de suas técnicas favoritas: Biblioterapia: descrições pessoais de experiências semelhantes; relaxamento - concentração, rituais e rotinas, locais sagrados; Resolução de problemas - auto-observação, tomada de decisões, escrita terapêutica - técnicas de história de vida, técnicas de memória musical, peregrinação às origens; Técnicas Centradas no Corpo; Reconstrução Narrativa; Exercícios de Equilíbrio, Exercícios de Resistência e Ritmo e Trabalho relacionado ao processo, tempo do Espelho, Papel Fixo, Fluxo de Consciência. Estes são apenas alguns exemplos de técnicas, no entanto, no cerne do trabalho estão os múltiplos níveis do processo de auto-organização de cada cliente, o que inevitavelmente leva ao domínio interpessoal das relações interpessoais que representa aspectos fundamentais do desenvolvimento pessoal, AMORIM; (2014). As formas de visões construtivistas retratam o indivíduo/sujeito como um complexo ativo de sistemas dentro de sistemas que buscam manter e expressar sua viabilidade e coerência diante dos desafios da vida. Dessa forma, a psicoterapia construtivista não é, portanto, uma tarefa simples que não pode ser reduzida de um manual passo a passo aplicável a diferentes pessoas a técnicas concretas; por que a criatividade e a diversidade são centrais para a conceituação e prática da psicoterapia construtivista AMORIM; (2014). Isso significa entender cada tópico em termos da singularidade de um processo auto organizado contínuo, o que significa olhar para as questões com respeito e empatia, e como pessoas que são especialistas em relação às suas próprias experiências isso por si só não implica uma compreensão completa do paciente, mas fornece acesso a informações e experiências importantes para o programa de tratamento para o projeto de terapia. As alianças terapêuticas são essenciais para a mudança psicológica como uma relação positiva de confiança, respeito mútuo e carinho. (Mahoney, 1998 apud AMORIM; 2014). Assim, a partir de uma perspectiva construtivista, a psicoterapia pode ser compreendida como a criação consciente de um sentido narrativo, e que pode levar a uma alteração no sentido de construção de experiências por meio do diálogo colaborativo. Isso pode ajudar a relação devido a gama de influências que surgirão, ao longo deste processo, AMORIM; (2014). Conforme essa abordagem a mesma é caracterizada pela construção de novos significados a partir das narrativas, linguagem, metáforas, estruturas pessoais e criadas no diálogo entre terapeuta e cliente, sugerindo uma rejeição do profissional. Como posições tecnocráticas e construtivistas, todos são especialistas engajados em 22 um empreendimento comum onde os clientes são apoiados em seus esforços de autorreflexão para prever e se envolver com o mundo social que suas previsões ajudam a construir, AMORIM; (2014). Por fim, o tratamento deve ser significativo para o cliente, para que ele seja estimulado a participar ativamente do processo de tratamento (Feixas & Botella, 2004 apud AMORIM; 2014). Neimeyer (1997b, 2002 apud AMORIM; 2014) sugeriu que, para compreender o construtivismo, é útil questionar a psicoterapia a partir de uma perspectiva construtivista. Pode ser definida como uma comunicação sutil (interpessoal) e negociação de significado pessoal que surge através da expressão, elaboração e modificação das estruturas que os clientes usam para organizar suas experiências. Essa definição enfatiza a sensibilidade do terapeuta para o mundo da experiência, bem como a base discursiva e conversacional da interação e indagação entre terapeuta e cliente. Apesar de suas peculiaridades, essas ênfases na psicoterapia refletem a exploração humana de relacionamento, conexão e mutualidade sustentada pela linguagem, AMORIM; (2014). Ainda que o trabalho psicoterapêutico previsto nesses padrões possa ter diferentes objetivos específicos, isso envolve trabalhar com clientes para criar mapas detalhados de estruturas não articuladas, identificar possíveis cursos de ação e expandir tais estruturas para aumentar o número de mundos possíveis. Mahoney (1998, 2005 apud AMORIM; 2014) enfatizou a definição do transtorno e, portanto, a definição do problema pessoal como foco da psicoterapia cognitiva construtivista, pois nessa perspectiva, o transtorno não é necessariamente a origem do problema do cliente, ou seja, episódios agudos ou formas crônicas de desintegração pessoal não são necessariamente prejudiciais à saúde e bem-estar geral e mental. Desta maneira, torna-se uma grande relevância, devido ao fato de que papel central das doenças conforme as psicopatologias,tanto dentro das teorias de intervenções profissionais na tradição da psicoterapia ocidental, quanto nos sistemas de classificação diagnóstica, tratam a doença como causa e/ou manifestação de disfunção coletiva e individual, AMORIM; (2014). A suposição subjacente é que algo está errado com o paciente, onde se tem o pensamento de que a doença é de alto risco, ou seja, perigosa e que o tratamento necessita e deve eliminar sua fonte o mais rápido e completamente possível. Nesse 23 contexto, o construtivismo disponibiliza uma perspectiva sobre a desordem que respeita o papel da torrente da desordem no desenvolvimento da dinâmica ao longo da vida. Então, essa amplificação é determinada por uma constante reorganização das atividades impulsionadas pelo próprio sistema, pois de acordo com os princípios do construtivismo, todos estão engajados em um equilíbrio dinâmico de atividades, AMORIM; (2014). Consequentemente, é sabido que o equilíbrio é mais complicado do que andar na corda bamba, dessa maneira, o equilíbrio estático nunca poderá ser alcançado. Mais precisamente, portanto, o caos não é um aspecto que possa ser alienado, pois nessa perspectiva, as pessoas com deficiência são aquelas cujas atividades de integração são dificultadas pelos desafios atuais. Por fim, do ponto de vista construtivista, as intervenções estratégicas destinadas a eliminar as manifestações de desorganização do sistema comportam certos riscos, uma vez que tal desorganização é essencial para a continuidade da reorganização. (Mahoney, 1998 apud AMORIM; 2014). A emoção tem um papel muito importante sobre a estruturação do conhecimento e nos sistemas mentais, de qualquer maneira, em todo caso, ao considerar a estrutura cognitiva do significado, é importante considerar a função da emoção, pois a mesma deverá ser inquestionavelmente levada em conta. As emoções são biologicamente mais antigas que a cognição e projetadas para sustentar a vida, de modo que as emoções não são racionais nem irracionais no modelo teórico construtivista, mas sim adaptativas. (Abreu & Roso, 2003 apud AMORIM; 2014). Os esquemas de emoção são processadores automáticos que produzem respostas de excitação emocional, de acordo com isso, experimentar essas respostas através das experiências, criam uma sensação geral de quem é o sujeito. Esse processamento emocional específico da situação fornece percepção sensorial e informação cognitiva, direciona o fluxo de consciência e integra cognição e emoção, mesmo que nem sempre impliquem processamento conceitual reflexivo, podemos dizer que são representados pela experiência e desenvolvimento contínuos da aprendizagem da história emocional pessoal, AMORIM; (2014). Esse contexto da produção de emoções, potencializa as informações cognitivas e proposicionais sobre o self para construir um módulo cognitivo-afetivo integrado. Os esquemas de emoção são, portanto, ricas combinações de biologia, experiência e 24 cultura pessoal que transmitem significado ou sentimentos sobre si mesmo e as coisas dão e produzem experiências que parecem valiosas ou indignas, por exemplo. As respostas emocionais intrínsecas e complexas geradas por esses esquemas normalmente não são processadas simbolicamente na consciência, mas uma vez concluídas na psicoterapia, são o resultado de percepções subjetivas da realidade e de uma avaliação automática da própria importância, com base no feedback dado ao evento. (Greenberg & Pascual-Leone, 1997; Robert & Greenberg, 2007 apud AMORIM; 2014). Abreu e Shinohara (1998 apud AMORIM; 2014) concordam com isso, pois entendem os esquemas afetivos como estruturas que sintetizam internamente de maneira pré-consciente uma grande quantidade de informações cognitivas, afetivas e sensoriais que fornecem o sentido de sentido do indivíduo. Esta estrutura baseia-se na emoção, numa função integrada, dando um sentido de si no mundo. A psicoterapia é, portanto, um processo destinado a ativar e facilitar a reorganização desses esquemas emocionais em favor da empatia do terapeuta pela experiência emocional do cliente, momento a momento, e a reorganização dessas emoções destinada a reorganizá-las de modos particulares de processamentos vivenciais que visam à reorganização de tais esquemas, AMORIM; (2014). Greenberg (1998 apud AMORIM; 2014) concorda com a importância das emoções na psicoterapia, argumentando que as emoções são um sistema de informação que avalia automaticamente a si mesmo e ao mundo, informando necessidades, valores e objetivos importantes em uma determinada situação. Durante a psicoterapia, o ato de facilitar o acesso de um cliente a um caminho emocional primeiro fornece ao terapeuta e ao paciente o significado do evento, bem como os desejos e crenças do cliente. Em segundo lugar, a captura emocional orienta as decisões, ações a serem tomadas e prioridades que requerem atenção imediata. Terceiro, notifica os clientes quando surgem problemas, de modo que essa consciência dos problemas empíricos os motiva a resolvê-los. Portanto, a terapia precisa tornar as emoções e suas funções acessíveis, AMORIM; (2014). Guidano (1987 apud AMORIM; 2014), as emoções e os sentimentos são predominantes ao revelar a importância das analogias e processos implícitos na construção do entendimento de uma pessoa sobre a regularidade do ambiente. As 25 emoções são, assim, consideradas experiências organizadas cuja dinâmica é entendida como adentrando um nível mais completo de coerência sistêmica. Os esquemas emocionais são, portanto, configurações estruturais nas representações da memória que, como padrão, podem gerar um fluxo importante e contínuo de sensações. Existem três questões fundamentais na psicoterapia: Os seres humanos podem mudar? As pessoas podem ajudar umas às outras a mudar? Algumas formas de ajuda são melhores que outras? Como sugere Mahoney (2005 apud AMORIM; 2014), essas questões parecem simples, mas suas respostas são mais complexas. É verdade que a mudança pode ser feita, mas raramente é fácil, simples ou agradável; a mudança humana é mais complexa e difícil do que muitos especialistas imaginam, porque não se pode simplesmente escolher uma nova personalidade ou uma nova autoconsciência. Isso não significa que tais mudanças não possam ser feitas, mas que os indivíduos possam compreender o contínuo da autopreservação no processo de mudança. Em relação à segunda questão, os autores ressaltam que as mudanças ocorrem no contexto das relações interpessoais, pois essas mudanças são essenciais para a adaptação e sobrevivência, e oportunizam o desenvolvimento por meio de intrincadas redes de influência mútua, AMORIM; (2014). No final, como afirmam os autores, as formas de ajuda mais eficazes são aquelas caracterizadas pela sensibilidade às necessidades individuais, desenvolvimentos históricos, estilos de aprendizagem, ciclos de vida, natureza mutável dos ambientes de vida e relações pessoais e circunstâncias culturais. A forma mais eficaz de assistência é ser mais criativa, afirmativa e respeitosa das capacidades de desenvolvimento. Tudo isso reflete o ponto de vista psicoterapêutico proposto pelo construtivismo, AMORIM; (2014). Guidano (2001 apud AMORIM; 2014) define seu modelo construtivista de psicoterapia como “pós-racionalismo cognitivo” e declara publicamente que seu texto visa “ilustrar adequadamente” o termo “pós-racionalismo” para evitar confusões: O termo pós-racionalismo não é antitético ao pensamento racional, não significa anti-racionalista, nem deixa de considerar o raciocínio lógico como um aspecto importante para dar consistência à experiência humana. O conhecimento é muito mais amplo que a cognição e apenas parte dele é lógico, abstrato e racional. (Guidano, 2001, p.19 apud AMORIM; 2014). 26 A afetividade é a maior parte do conhecimento, porém, também é perceptivo,sensorial, comportamental e motor, são as formas mais importantes de conhecimento porque são o conhecimento sem pensar, tendo em vista que esses aspectos que forma citados não são formas secundárias de conhecimento. Guidano (2001 apud AMORIM; 2014) fica claro que o raciocínio lógico não é primário e nem o único processo que conduz a atividade humana, mas é um dos instrumentos da consciência. Cipriano (2003 apud AMORIM; 2014) concorda com ele, observando que, no pós- racionalismo, o conhecimento é um fenômeno de múltiplas dimensões. Desse jeito, Guidano (2001 apud AMORIM; 2014) está menos disposto a fazer uma marcda de que o pós-racionalismo é um movimento psicológico que privilegia o irracional ou o impulsivo para escolher entre o irracional e o lógico, enquanto a mente humana é uma sequência de conjuntos de processos mais complexos. Além do mais, ele reitera que quando uma pessoa conta sua história, ela desenvolve a sua própria memória e dessa forma, começa a observar regularidades e diferenças de sua memória, mas então não é a memória, nem a emoção, que é capaz de integrar tudo em um todo coerente, mas o raciocínio habilidade. Permite selecionar e observar as semelhanças entre os estágios da vida e perceber que cada estágio possui uma identidade substancial. Por fim, colocar o termo pós-racionalista em "visão total" também reflete a combinação consistente de aspectos analógicos (sensação, emoção, imaginação) com aspectos analíticos (raciocínio, pensamento lógico e abstração). Para compreender os campos da psicoterapia cognitiva pós-racionalista e da psicopatologia, torna-se importante descrever dois níveis cíclicos da experiência humana: o nível da experiência imediata (experiência) e o nível da interpretação, AMORIM; (2014). A hierarquia interpretativa é a ordem na qual a experiência sensorial imediata é organizada. No entanto, existe a experiência das sensações diretas: em que a experiência direta é uma quantidade mútua contínua de estar no mundo, dessa forma, o mais importante, é a comunicação contínua entre o imediatismo da experiência e a forma como o indivíduo reordena e interpreta esse sentimento imediato. A plena implicação disso conforme a psicoterapia, compreende o fato de que a psicopatologia surge da discrepância entre a mútua experiência imediata e a imagem consciente que a pessoa tem de si mesma, AMORIM; (2014). É essa relação que estabiliza a própria imagem consciente em qualquer processo de autoconhecimento, ou seja, de autoconsciência, visto que é um processo autorreferencial em que o indivíduo busca sua própria imagem e aceita a mesma em 27 conjunto com a sua coerência interna. Em geral, então, os sintomas surgem quando um sujeito sente algo, mas não o reconhece como seu, sugerindo uma qualidade de flexibilidade limitada na abstração, expressão e regulação emocional, ou seja, a existência de uma correlação. O nível de regulação emocional que corresponde ao nível do fluxo da experiência imediata, o nível estrutural onde o fluxo do imediatismo é sequenciado com a linguagem e o pensamento. (Guidano, 1995, 2001 apud AMORIM; 2014). Guidano (1995 apud AMORIM; 2014) Ainda uma interdependência experiência/interpretação, dizendo que está subjacente à compreensão da identidade pessoal como uma combinação de experiência pessoal (as ações e experiências do "meu") e o senso aparente de si mesmo. A menção abstrata da autorreferencia em relação experiência em curso (o "eu" de observar, avaliar e interpretar). O eu como sujeito ("eu") e o eu como objeto emergem como dimensões irredutíveis da dinâmica da identidade pessoal, cuja direção depende da prática da vida. Coerente com Guidano, Pérez (2005 apud AMORIM; 2014) afirma em sua obra que toda compreensão é resultado de um processo de regulação mútua entre experiência e interpretação, onde a experiência imediata é o conhecimento analógico, sensorial, afetivo, experiência existencial e autoconsciência. O mundo; a interpretação emerge da linguagem como conhecimento analítico, como reorganização da experiência imediata que nos caracteriza como seres humanos. 3.3 Modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia Como a revolução cognitiva da década de 1960, mudando as bases da psicoterapia comportamental, A chegada do paradigma construtivista deu origem a outra grande revolução na história do método cognição clássica (Abreu & Shinohara, 1998; Mahoney, 1998 apud ABREU; 2005). A função cognitiva deste novo conceito ao contrário do modelo proposto por Baker assumindo o significado, não vem de padrões de pensamento já tão elucidados através da máxima de Epicteto declarada sobre o mundo, onde o mesmo não é movido por coisas, mas por essa visão possuí-los. Os modelos tradicionais de terapia cognitiva, o pensamento é dotado de caráter decisivo e, sua disfunção, várias psicopatologias. Deste modo, a racionalidade e a sua precisão dão-nos a chave para 28 uma boa saúde mental, uma boa vida e o resultado de um bom pensamento (correto). (Mahoney, 1998 apud ABREU; 2005). Dessa maneira, o conceito cognitivista sugeriu as mais diversas e criou ferramentas de ajuste cognitivo, tais como: registro de pensamentos disfuncionais (J. Beck, 1997 apud ABREU; 2005), técnicas de reconstrução cognitiva (Beck & Freeman, 1993 apud ABREU; 2005), o processo de identificação de crenças irracionais (Ellis, 1988 apud ABREU; 2005), e várias técnicas que apoiaram (e ainda apoiam) a prática de corrigir ou substituir padrões de pensamento disfuncionais por padrões mais funcionais e adaptativos ( Abreu & Guilhardi, 2004 apud ABREU; 2005). Assim, para as referências cognitivistas (ou objetivistas) tradicionais, as distorções cognitivas de significado não se tornam desadaptativas ao produzir emoções incontroláveis e perturbadoras (Abreu, 2004 apud ABREU; 2005). No entanto, novas propostas foram observadas de acordo com os Métodos construtivistas cognitivos, pois, o pensamento perde sua natureza determinante de significado, porque de acordo com as emoções (descobriu recentemente a Neurociência de Damásio, 2004 apud ABREU; 2005) e o mesmo mudou o conceito tradicional de intervenção terapêutica. No conceito de construtivismo cognitivo, existem dois tipos de criação de significado são eles: globais e complexos, que retratam a maneira pela qual nosso organismo se organiza em suas trocas com o mundo. O primeiro modo já está descrito pela terapia cognitiva tradicional, aqui designada como processamento conceitual - essa descrição de processamento sustenta as bases onde as ideias e pensamentos dão significados pessoais (através da crença, viés de confirmação e toda função do esquema) ao criar os padrões de interpretação, ABREU; (2005). É por esta razão que atribuímos a denominação de processamento conceitual a toda atividade que reflete à maneira pela qual o conhecimento proveniente dos estímulos é processado em nossa consciência ao obedecer às regras formais do raciocínio analítico. É desta maneira que nosso pensamento proporciona, portanto, um tipo de conhecimento a respeito da natureza das situações que, via de regra, é reflexivo, abstrato e intelectual por natureza (Abreu, 2001 apud ABREU; 2005) é neste segmento que as abordagens cognitivas tradicionais centram o seu trabalho, ou seja, buscam corrigir as distorções cognitivas que são reflexos das crenças irracionais. No entanto, no modelo construtivista cognitivo, considera-se a existência do segundo modo chamado de processamento experiencial, ou melhor vivencial. Aqui, o significado que surge em nossa consciência não vem das bases lógicas do raciocínio, 29 mas das atividades em retratar todos os acordos tácitos ou experiência incorporada dos nossos "sentimentos", dessa forma a situação é resultado de como nosso corpo reage a mudanças instantâneas no mundo ao seu redor, ou seja, como se fôssemos guiados por um barômetroemocional (corporal) imediato e suscetível a mudanças de humor evento. Um exemplo disso é a multiplicidade das queixas quando os pacientes dizem sentir asfixia, aperto no peito ou desconforto, ou até mesmo sentir como se estivessem com o mundo nas costas, ABREU; (2005). Tendo em vista que, um monte de nossas traduções de eventos, vem inicialmente de sinais corporais (também chamados de sentidos) produzidos pela experiência para que possamos posteriormente integrá-los e interpretá-los através do pensamento analítico. Esse nível de experiência garante nossa sobrevivência ao responder cada vez mais rápido às informações que se desviam dos princípios da lógica. Considere então dois níveis de processamento descritivo – experiencial (vivencial- emocional e instantâneo) e conceitual (que é lógico, reflexivo e mais lento) - Podemos entender o significado pessoal final na terapia cognitiva de Baker, deriva apenas de Raciocínio lógico (assim, tentando controlar o pensamento automático irracional), no modelo cognitivo-construtivista sempre surge de Impressões físicas (sensoriais) associadas a opiniões desenvolvido a partir do nosso raciocínio, Então, primeiro sentimos algo, e então podemos pensar algo. (Greenberg & Safran, 1987 apud ABREU; 2005). É isso que nossa consciência sempre será a arena ou O resultado do encontro desses dois níveis: cabeça + coração. Vale ressaltar que tais locais são colocados horizontalmente em grande destaque, pois, as emoções são muito proeminentes porque cada emoção vai passar a ser considerada sobre a adaptação básica nesta referência, portanto, não precisa ser extinto por causa da existência de algum erro. Se houver algo ambíguo ou confuso sobre neste processo, não serão as emoções, mas os pensamentos que desenvolvemos a seu respeito, ABREU; (2005). Portanto, as disfunções e os distúrbios emocionais surgem quando não nos consideramos autorizados a sentir determinadas emoções, isto é, quando nosso pensamento não se torna flexível o suficiente para explicar aquilo que estamos vivenciando (Greenberg & Pascual-Leone, 1997 apud ABREU; 2005). É quando a síntese dialética (a arena) destas duas fontes de informações (coração e cabeça) apresenta-se de forma contraditória ou descompassada que estará aberta a possibilidade de os quadros de psicopatologia iniciarem-se, pois neste momento nos tornaremos desorientados. Se nossas construções de significado não contarem com a experiência corporal imediata sendo vivida, muito provavelmente nos 30 tornaremos confusos e desnorteados, não sabendo a qual fonte de estímulos seguir. Por isso, embora muitas vezes tenhamos “consciência” de que nossas crenças estão erradas, há pouco ou nenhum efeito sobre nossas emoções, ou seja, de nada adianta mudar os padrões de pensamento se este trabalho não atingir ou provocar uma ampliação da estrutura emocional do indivíduo. É desta forma que acreditamos ser inócua a criação de novas bases conceituais (isto é, o desenvolvimento de novas crenças), pois a emoção, ao anteceder o pensamento, controla-o, deixando-o refém da neurobiologia emocional (Damásio, 2004 apud ABREU; 2005). No conceito de construtivismo cognitivo, Exploração e mudanças psicológicas ocorrem em Em primeiro lugar, através da expansão do processo dialético criando novos complexos contraditórios conceito (mente) e experiência (coração), então um novo significado global é assim construído. Isto é, desta forma, criamos um senso expandido de si mesmo ao simbolizar o que encontramos em nós mesmos (Greenberg, Rice & Elliott, 1996 apud ABREU; 2005). 3.4 Construcionismo social Construcionismo social (e não construtivismo social) é o nome usado para se referir a um movimento crítico da psicologia social "modernista", cuja principal referência teórica é Kenneth Gergen. Em dois artigos agora Referências básicas aos movimentos, "Psicologia Social como História" em 1973 e "O movimento construcionista social na psicologia moderna”, em 1985, Gergen (1973, 1985 apud CASTAÑON; 2009) retrospectivamente traçou a base e a visão geral desta abordagem sociopsicológica, que se baseia em três pressupostos principais: O primeiro é que a realidade é dinâmica, sem leis essenciais ou imutáveis. Em segundo lugar, o conhecimento é apenas uma construção social baseada na comunidade linguística. Terceiro, o conhecimento tem consequências sociais, que devem determinar sua validade. O construcionismo social ataca todos os pressupostos filosóficos da ciência moderna, como o otimismo epistemológico, o realismo ontológico, os métodos empíricos de examinar a realidade, a regularidade dos objetos e o progresso científico. (CASTAÑON, 2001 apud CASTAÑON; 2009). Para aqueles autores que pertenciam à "virada pós-moderna" da psicologia social, os princípios básicos dessas visões aceitas não foram apenas negados, mas substituídos por seus opostos. Kendall & Michael (1997 apud CASTAÑON; 2009) avaliaram que este "pós- "Moderno" tem quatro características teóricas básicas em 31 psicologia social: uma é tentar desmantelar os objetos psicológicos tradicionais e substituindo a realidade do pensamento e do comportamento através das convenções linguísticas e dos recursos do mundo "socialmente construído". A segunda é abandonar a busca de atributos universais e adotar a reflexão histórica e cultural na pesquisa psicológica, ou seja, reflexão histórica e contextual na psicologia. A terceira é a marginalização do método e sua classificação como técnica retórica. A quarta é abandonar a grande narrativa da ciência em direção à verdade objetiva e adotar o conhecimento que é fragmentado, com contingência histórica e social, CASTAÑON; (2009). Como argumenta Zuriff (1998 apud CASTAÑON; 2009), a essência da posição ontológica do construcionismo social é a proposição de que nenhuma realidade objetiva pode ser descoberta; os humanos constroem o conhecimento. Held (1998) acrescentou a isso o termo "social". Onde ele diz que para o construcionismo social construímos teorias sobre como o mundo funciona por meio da interação social. Esta posição foi reiteradamente defendida por Kenneth Gergen (1985, 1992, 1994 apud CASTAÑON; 2009) em seus argumentos anti‐representacionistas. Por representacionismo Gergen (1994) entende a doutrina que defende existir ou poder existir uma relação estável entre as palavras e o mundo que elas representariam. Adotando os argumentos de Wittgenstein (1975 apud CASTAÑON; 2009) e Richard Rorty (1989 apud CASTAÑON; 2009), Gergen (1985, 1994 apud CASTAÑON; 2009) defende que a linguagem nao passa de um conjunto de convenções. O significado não deriva da referência que fazem aos objetos; não se baseia no processo mental ou em entes ideais. O significado é produzido através do contato social com outros habitantes da cultura na qual se está inserido. Fora da linguagem não há ponto de apoio objetivo nem independente do pensamento; portanto, a linguagem não representa nada fora dela mesma, é auto‐referente; estritamente falando, não há linguagem independente de múltiplos jogos de linguagem atrelados a diferentes formas de vida. Assim, para o construtivismo social (SHOTTER, 1992 apud CASTAÑON; 2009) nossas teorias socialmente construídas não nos aproximam de uma descrição mais acurada do “mundo como ele é”. Isso acarreta em algum grau envolvimento com alguma forma de anti‐realismo, seja no sentido ontológico, seja no sentido epistemológico (ou seja, ceticismo), uma vez que não há ou não se pode atingir a realidade objetiva, independente do sujeito do conhecimento. Held (1998, p.198 apud CASTAÑON; 2009) classificou duas posições ontológicas no construcionismo social, uma "mais radical" e outra "menos radical". A versão "mais radical" da ontologia do movimento entende que o sujeito constrói o conhecimento por meio da linguagem e não por outros meios. Portanto, a linguagem se constitui para o sujeitona própria realidade. 32 Em suas interações sociais, não há outra realidade além da linguagem construída pelo sujeito. As manifestações desse anti-realismo ontológico encontram- se basicamente no autor. Esse movimento foi mais influenciado pelo desconstrucionismo de Jacques Derrida; dos quais dois representativos são Paul Richer (1992 apud CASTAÑON; 2009) e John Shotter (1992 apud CASTAÑON; 2009). Ao contrário da posição acima, veremos os argumentos ontológicos "menos radicais" de alguns outros autores, como Gergen (1985, 1992 apud CASTAÑON; 2009) e Donald Polkinghorne (1992 apud CASTAÑON; 2009), que argumentam que a teoria se baseia em objetos de conhecimento por meio de objetos de conhecimento. A linguagem, media a relação do sujeito com o mundo de forma tão impermeável que pode até existir uma realidade objetiva independente do sujeito, mas é inacessível. Aqui, embora não aderindo ao anti-realismo estritamente ontológico, vemos que o vemos o construcionismo social que endossa o ceticismo ontológico e epistemológico. Rom Harré (1989 apud CASTAÑON; 2009) foi um construcionistas sociais mais representativos e aquele que mais se preocupa com questões ontológicas. Ele afirma ter pretendido desenvolver uma ontologia que escapasse ao já mencionado dilema do anti-realismo. Harley (1989, p.440 apud CASTAÑON; 2009) suponha que existam duas realidades humanas distintas, ambas passíveis de investigação científica. Um é fisiológico, biológico humanos e seu "sistema de interação molecular". Outra é nossa "natureza social" como elementos de uma rede de "interações simbólicas intermediárias". Para ele, a psicologia precisa ver os processos fisiológicos e as interações sociais como ocorrendo em realidades separadas, reconhecendo que seu lugar inclui em um novo dualismo. Assim, no que diz respeito à biologia humana, argumenta harré (op. Cit.), é suficiente tratar o ser humano como um indivíduo. Mas socialmente, esse tratamento é insuficiente, pois as pessoas nada mais são do que "nós em uma rede, um nó de uma estrutura, um elemento de um coletivo" (1989, p. 440 apud CASTAÑON; 2009). Ele acredita que, do ponto de vista biológico, os indivíduos podem ter propriedades únicas, como átomos isolados, mas vistos como um todo, os atributos de uma pessoa existem apenas em virtude de seu relacionamento com os outros. 33 Harré (1989 apud CASTAÑON; 2009) sabe que esta é uma ontologia radical. Ao adotá-la, pretendia se opor ao que chamou de "ontologia cartesiana", que seria a ontologia da ciência do conhecimento. Enquanto a ontologia social construcionista social de Harré define o objeto da psicologia como interação social, uma "ontologia cartesiana" proporia que existe uma substância mental na qual os processos mentais ocorrem. Diante dos argumentos apresentados, uma possível conclusão é que a ontologia proposta por Harré negue a existência da mente humana como uma entidade real. Isso pode ser deduzido de sua estranha afirmação em outro trabalho (1984 apud CASTAÑON; 2009), "Devemos primeiro supor que o principal local dos processos mentais (em sentido de tempo e lógica) é coletivo e não individual” (1984, pp. 4 e 5 apud CASTAÑON; 2009). Gergen (1989 apud CASTAÑON; 2009) também argumenta que o construcionismo social é outra revolução em curso na psicologia que se oporá ao cognitivismo e sua ontologia e epistemologia, que trabalhará nos princípios da metafísica dual. Em um sistema de coordenadas cartesianas, a mente deve agir como um espelho para o mundo. Gergen (1989 apud CASTAÑON; 2009) propôs sua versão da "revolução epistemológica" da psicologia, que chamou de "epistemologia social", partindo da ideia de que o centro do conhecimento não era mais visto como um pensamento individual, mas como um modo de narrativa social. Ele tentou explicar a afirmação por argumentos dizendo que se abandonarmos nossa preocupação com a mente e o mundo e voltarmos nossa atenção para a questão da relação das palavras com o mundo, também desviaremos nossa atenção das "proposições na mente" (p. 471) para as proposições que vêm à mente voltada para nossa linguagem escrita e falada. Assumindo que a linguagem não é privada, mas deve, por definição, ser social, permitindo a comunicação, Gergen acredita poder concluir que as proposições de conhecimento não são conquistas de mentes individuais, mas produtos sociais, CASTAÑON; (2009). Podemos dizer com John Maze (2001 apud CASTAÑON; 2009), que o construcionismo social é na verdade um desconstrucionismo, incapaz de afirmar qualquer coisa a respeito de qualquer coisa em virtude de seu anti‐ representacionismo e seu argumento de que o “objetivismo” (que ele confunde com o realismo) são inerentemente autoritários. Uma das muitas contradições internas desta abordagem se dá quando, embora aceite que toda teoria epistemológica coerente deva valer para si mesma, o 34 construcionismo social nega que qualquer assertiva possa ser verdadeiro, assim como nega existir realidades independentes a serem referidas por essas assertivas. No entanto, trata dos discursos como tendo existência objetiva e assume que sua própria assertiva sobre o discurso é verdadeira. Para uma extensa avaliação das contradições desta abordagem, remeto a meu estudo anterior “Psicologia Pós‐moderna? ” (CASTAÑON, 2007b apud CASTAÑON; 2009). Para CASTAÑON; (2009) se tomarmos a postura ontológica e epistemológica do construtivismo de acordo com Kant e Piaget, podemos dizer que o construtivismo social está longe de fazer parte dessa tradição filosófica. O realismo foi rejeitado por ele em dois aspectos em termos epistemológicos e ontológicos. Mesmo a definição da abordagem como idealismo é influenciada por uma postura estranha sobre o assunto, mais comprometedora em relação ao construtivismo tradicional, CASTAÑON; (2009). Em relação ao construcionismo social, o sujeito está completamente dissolvido na rede de relações linguísticas, ele está inserido nele e o constrói, não por ele. Se considerarmos essa corrente esta corrente construtivista, nos deparamos com um estranho caso de construtivismo, onde nenhum mundo ou sujeito, rede de linguagem ou jogo de linguagem é construído (Rychlak, 1999 apud CASTAÑON; 2009) e assim se torna uma entidade. Órgãos autônomos com significado dúbio e aspectos quase místicos. Se tudo o que deve ser conhecido é a linguagem, e a linguagem constitui o sujeito, podemos até classificar essa abordagem como objetivismo. Se não há mundo ou nenhum mundo a conhecer, cética. As características construtivistas do construcionismo social precisam ser bem articuladas para não causar confusão na reconstrução, CASTAÑON; (2009). 3.5 Construtivismo radical O construtivismo social é uma abordagem sociológica que se resume essencialmente a um conjunto de pressupostos filosóficos e diretrizes políticas aplicáveis à disciplina de sociologia do conhecimento. Surgiu em meados da década de 1970, um grupo de sociólogos da Universidade de Edimburgo, liderado por Barry Barnes e David Blore, onde lançou um poderoso programa de sociologia da ciência. Os marcos fundadores do programa foram Conhecimento Científico e Teoria Sociológica em 1974, e conhecimento e imagens sociais em 1976 (BLOOR, 1991 35 apud CASTAÑON; 2015). Sua tese central é que todo conhecimento é apenas uma construção social. Uma das principais diferenças entre essa abordagem e o trabalho realizado antes do surgimento da sociologia do conhecimento é a tese circular, ou seja, as questões epistemológicas relacionadas à validade e classificação das atividades, como as atividades científicas que se enquadram no escopo da própria sociologia, incluindo ela própria. Além disso, a pesquisa focou no conhecimento científico em detrimento de todas as outras alegações de conhecimento, CASTAÑON; (2015). Isto constitui uma grande inversão:
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