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Falcke e Wagner A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade definições e conceitos - cópia_compressed

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1
A dinâmica familiar
e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de conceitos
Denise Falcke Adriana
Wagner
Encontramos referências da força da família em sua perpetuação mediante a
transmissão de seus legados de geração a geração nas culturas mais diversas. Esse
fenômeno de transmissão transgeracio- nal, constituído desde uma perspectiva
histórica, não só dá identi- dade à família, como também, explica o significado das
idiossincra- sias e transações que caracterizam o funcionamento familiar da última
geração.
Entender esse fenômeno e as diferentes formas de sua expres- são, torna-se,
então, fundamental para a compreensão da dinâmica familiar. Partindo da definição
atribuída aos processos de transmissão que ocorrem entre as gerações sucessivas de
uma família, encontra- mos registros na literatura de três termos que são comumente utiliza-
dos de forma indiscriminada: transgeracionalidade, intergeracionali- dade e
multigeracionalidade. Analisando o significado de cada um desses três termos (Ferreira,
1986), verifica-se que o prefixo trans (através) resgata os componentes que perpassam a
história familiar e se mantêm presentes ao longo das gerações. O prefixo inter traz a noção
de reciprocidade (posição intermediária, entre) que sugere, principalmente, a passagem de
uma geração a outra, em detrimento da idéia de permanência de tais processos no
cotidiano das sucessivas
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos
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E
gerações da família. Multi (muito, numeroso), por sua vez, implica basicamente em
quantidade e, desse modo, enfatiza o envolvimento de mais de uma geração, sem
privilegiar os fatores que fazem a liga-
ção entre elas.
Além disso, nessas definições, encontra-se claramente a idéia de repetição,
reedição e reprise de determinados processos familiares, com diferentes nuances.
Tendo em vista tais terminologias e com o objetivo de chegar a uma compreensão
mais complexa de tal fenô- meno, optamos, neste capítulo, por utilizar o termo
transgeracionali- dade como aquele representativo dos processos que são
transmitidos pela família de uma geração a outra e se mantêm presentes ao longo da
história familiar.
Desde esta perspectiva, o processo de transmissão transgeracio- nal baseia-se no
pressuposto de que todo o indivíduo se insere em uma história preexistente, da qual
ele é herdeiro e prisioneiro (André- Fustier e Aubertel, 1998). Isso ocorre porque a
identidade do indiví- duo se constitui a partir desse legado familiar que, por sua vez,
define o lugar que ele passa a assumir na família.
Partimos, então, da idéia de que, em todas as famílias, ocorre a transmissão de
padrões de uma geração para a outra (Boszormenyi- Nagy e Spark, 1973; Bowen,
1978; Harvey e Bray, 1991), e que a influência desses transmissores familiares no
indivíduo independe da interação dele com a sua família (Williamson, 1982).
As relações estabelecidas com a família na qual se nasce são as mais importantes
da vida e vão representar a base do comportamento futuro. Ilustrando tal idéia,
Groisman (2000) assinala que: "o hoje é o ontem com outro cenário, outra roupagem,
outros personagens, só que a essência é a mesma" (p. 33). Neste sentido, o autor
postula que desde a infância, as experiências vividas com as figuras significativas do
mundo familiar vão sendo gravadas no indivíduo. Essas experiên- cias, que envolvem
a cultura, a moral e os valores das gerações ante- riores, vão influenciando, sem que o
sujeito perceba, as suas decisões e as suas escolhas afetivas, sexuais e profissionais,
entre outras. Figu- rativamente, é como se todas as pessoas tivessem vozes familiares
gravadas no seu interior. No entanto, a diferença de uma pessoa para outra seria a
quantidade, a intensidade e o grau de compreensão, ou talvez possamos dizer, o
volume dessas vozes, que daria a dimensão da influência na vida do sujeito.
26
Denise Falcke e Adriana
Wagner
Em gerações sucessivas de uma família, é comum a atribui- ção precoce de
mandatos aos seus membros. Por exemplo, frente a um recém-nascido, podem ser
ditas frases tais como: "Ele vai ser um campeão" ou "Será um lutador como o pai". A
importância familiar desta atribuição é que irá determinar o poder e o quanto esse
mandato passará a fazer parte do modo de viver do sujeito. A frustração da
expectativa familiar, na recusa de cumprir deter- minado papel ou função, gera
sentimentos de abandono e solidão. O indivíduo vive tal experiência como um
fracasso e defronta-se com sentimentos de culpa e sofrimento que tal desobediência,
freqüentemente, provoca em termos pessoais e familiares.
Em função disto, não são raros os acontecimentos de uma geração serem o
reflexo dos acontecimentos da geração anterior (Breulin, Schwartz e Mac
Kune-Karrer, 2000). É importante sa- lientar que a tentativa de rejeição do padrão
familiar de origem, em muitos casos, se dá pela busca do modelo oposto. Assim,
seria como se encontrar com o outro lado da mesma moeda e, inevita- velmente, o
sujeito passa a sofrer conseqüências semelhantes àquelas do padrão vivenciado na
família de origem.
Partindo desta premissa, a desejada liberdade, comumente definida como a
capacidade de agir de acordo com a própria von- tade, sem sentimento de culpa,
apresenta-se aprisionada às rela- ções familiares, devido à potência e à eficácia dos
processos de transmissão transgeracional. Costa (2000, p. 102) utiliza-se de uma
metáfora elucidativa desse fenômeno ao referir: "ainda que o indivíduo se considere
livre, encontra-se subordinado a uma ver- dadeira assembléia de cidadãos, em
permanente atividade em seu mundo interno, fornecendo-lhe pareceres favoráveis ou
desfavo- ráveis". Esta assembléia é composta por pais, irmãos, avós e ou- tros
membros significativos da família de origem que interferem em seus atos, de forma a
apoiá-los ou condená-los.
Podemos dizer que existe um "idioma" dentro de cada grupo familiar que
estabelece a comunicação intergeracional e é por meio dele que as dificuldades e
anseios dos pais são transmitidos aos seus filhos (Costa, 2000). Entretanto, apesar da
evidência do quanto as experiências na família de origem se fazem presentes na
A dinámica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos
27
vida do individuo, são relativamente poucas as pessoas conscien- tes de como tais
eventos, continuamente, influenciam e controlam
seus comportamentos.
Metaforicamente, Groisman (2000) utiliza a imagem de uma cruz para mostrar a
interação entre as experiências passadas e as atuais. Na cruz, a haste vertical
representa o que foi vivido e transmitido pelos antecedentes - tabus, segredos,
lealdades, valo- res, crenças e, principalmente, a história vivenciada e comparti-
lhada. A haste horizontal, por sua vez, representa a história que está sendo
construída, tanto nas relações profissionais, sociais e amorosas, como na família que
o sujeito constitui. Neste caso, a intercessão entre as hastes é inevitável ao longo de
nossa história e o encontro dessas experiências tem reflexos em inúmeras áreas de
nossas vidas e de nossos descendentes.
O impacto das questões transgeracionais ocorre, prioritaria- mente, em pontos
específicos do percurso familiar ao longo do tempo. Assim, existem momentos do
ciclo evolutivo vital, nos quais o sujeito se depara mais concretamente com as
questões da sua família de origem. Esses momentos, normalmente, se relacio- nam a
períodos de crises, nos quais há um acúmulo de estresse no núcleo familiar, que
podem levar a uma estagnação ou, por outro lado, serem impulsionadores de
mudanças evolutivas.
Muitas transições familiares que geram crises incluem uma combinação de estresse
cumulativo e de evolução (Joselevich, 1988). É o que acontece, por exemplo, nos
momentos cruciais do ciclo evolutivo vital familiar. Um período de evolução familiar que
é desejado e planejado cuidadosamente, tal como o casamento de um filho, por
exemplo, é oque se poderia chamar de uma crise previsível, em vista de que se
mantêm intactos certos paradigmas que incluem regras, crenças e valores familiares.
Entretanto, além dessas crises previsíveis, a família também enfrenta crises impre-
visíveis, que podem ocorrer tanto dentro da família como fora dela, como por exemplo,
a perda de status econômico familiar. Nesses casos, quando uma crise imprevisível
ocorre em um perío- do de crise previsível, a família fica submetida a um estresse
cumulativo que pode gerar um longo período de desequilíbrio.
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Denise Falcke e Adriana
Wagner
Na visão de Carter e McGoldrick (1995), as crises, tanto pre- visíveis como
imprevisíveis, são consideradas como estressores horizontais. A ansiedade
proveniente desses estressores é produzida conforme a família lida com as
mudanças e as transições do seu ciclo evolutivo vital.
Os estressores verticais, por sua vez, incluem padrões de re- lacionamento e
funcionamento que são transmitidos de geração a geração. São compostos pelo
conjunto de atitudes, tabus, padrões, mitos (Ferreira, 1963; Andolfi e Angelo,
1989), segredos (Imber- Black, 1994; Carpenter e Treacher, 1993), crenças
(Dallos, 1996), valores (Cerveny e Berthoud, 1997), rituais (Imber-Black, Roberts e
Whiting, 1991; Bennett, Wolin e Mcavity, 1988), legados (Steinglass et al., 1989) e
lealdades familiares (Boszormenyi- Nagy e Spark, 1973). Esses fatores são
considerados como uma força "invisível" que maneja as pessoas.
A fundamental importância desses fenômenos no processo de perpetuação
da identidade familiar requer uma compreensão mais minuciosa da definição
que é dada a cada um deles pela lite- ratura especializada na área.
Lealdades
O conceito de lealdade é fundamental para compreender a estrutura relacional
mais profunda das famílias e de outros grupos sociais. Ela pode ser definida
em termos moral, política e psicoló- gica.
Em suas múltiplas formas de expressão, a lealdade "institui uma força saudável
ou não, que cria vínculos de conexão entre gerações passadas e futuras numa
família" (Paccola, 1994, p. 31).
A lealdade marca o pertencimento a um grupo e aparece, as- sim, tanto como
uma característica grupal, como também, sob forma de uma atitude individual. Na
família, bem como em outros grupos, a lealdade mais fundamental tem por objetivo
a sobrevi- vência do próprio grupo (Miermont, 1994).
O grau de lealdade dependerá da posição de cada indivíduo dentro do seu
universo, o que se deve ao papel que lhe é delegado transgeracionalmente pela
sua família. Para ser um membro leal a
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição
de conceitos
29
ao
um grupo, o indivíduo deve interiorizar as expectativas grupais e assumir uma série de
atitudes a fim de cumprir os seus mandatos (Boszormenyi-Nagy e Spark, 1973). Assim, o
componente de obrigação ética na lealdade está vinculado, primeiramente, sentido de dever
e de justiça compartilhado pelos membros com- prometidos com essa lealdade. A
incapacidade de cumprir tais obrigações gera sentimentos de culpa e estes, então, passam a
se constituir numa força secundária de regulação do sistema.
A constituição da lealdade é determinada pela história do grupo familiar, pelo tipo
de justiça que pratica e por seus mitos. Desse modo, a natureza das obrigações de cada um
dos membros do grupo dependerá da sua disposição emocional e da sua posição no
chamado "livro-caixa" da família, em que está a contabilidade do que cada um pode receber e
do que deve dar (Boszormenyi- Nagy e Spark, 1973; Miermont, 1994).
Além disso, as lealdades mostram-se estreitamente inter- relacionadas tanto com a
configuração como com a estruturação da família, criando laços entre as gerações. Neste
sentido, obser- va-se, por exemplo, que o sintoma de um filho pode servir para evitar uma
mudança vivida como perigosa pelos pais. Pode-se, então, definir a lealdade como uma força
que torna o sujeito um membro efetivo do grupo e, ao mesmo tempo, lhe exige, em troca, o
compromisso de obedecer às regras do sistema e cumprir os mandatos que lhe são
delegados, mesmo que não sejam conscien-
tes.
Sendo assim, os compromissos de lealdade são como fibras invisíveis, mas muito
resistentes, que mantêm unidos fragmentos complexos de conduta relacional, tanto nas famílias
como na so- ciedade em conjunto (Boszormenyi-Nagy e Spark, 1973).
Nesta perspectiva, torna-se imprescindível compreender os antigos vínculos de lealdade frente à
família de origem. Só assim, possível buscar o equilíbrio entre a autonomia individual e as
contas multigeracionais de lealdade familiar.
Valores
Os valores familiares comumente são definidos como sinônimo de crenças
familiares. Cerveny e Berthoud (1997), entretanto, dão uma definição mais
abrangente, indicando que os valores familiares são aspectos da vida - individual e
coletiva - transmitidos, implícita ou explicitamente, entre os componentes do
sistema. Neles estão inseridos segredos, tabus, mitos e crenças, rituais e
cerimônias realizadas pela família, que correspondem à ideologia do sistema
familiar.
De forma geral, os valores familiares perpassam temas que his- toricamente têm
sido considerados como relevantes para as famílias ou que vêm sendo incorporados
devido aos avanços sociais. Man- tém-se, por exemplo, a tradição do casamento,
mas ampliam-se as exigências relacionadas ao estudo, devido a uma necessidade
atual de maior competitividade profissional.
Neste sentido, o conceito de valor é utilizado para indicar os aspectos que a
família ou grupo social se preocupam em transmitir aos seus descendentes.
Crenças
O conceito de crença tem sido definido a partir de aspectos re- ligiosos, morais,
cognitivos e pessoais (Dallos, 1996). Neste concei- to, está inserida uma série de
interpretações e premissas com relação àquilo que se considera como certo. Além
disso, o que alicerça a crença é um componente emotivo acerca do que deve ser
certo. Por exemplo, é possível que em uma família exista a crença de que "somos
uma família unida". Essa crença contém a premissa de que tal afirmação é certa e
também está implícito o quanto se considera desejável que seja assim. Desafiá-la
ocasionará uma reação de defesa pelos demais membros da família.
Observamos que, apesar de nem sempre os membros de uma mesma família
concordarem, eles possuem um conjunto de crenças acerca do que vale a pena estar
ou não de acordo. Assim, a consciên- cia do tipo de crença existente no núcleo
familiar favorece as rela- ções de poder que podem surgir em torno destas, pois
assumir deter- minadas crenças familiares fica sendo tão significativo quanto con-
testá-las. De uma forma ou de outra, a crença define a identidade familiar.
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição
de conceitos
31
Nesta perspectiva, Steinglass et al. (1989) constatam que a identidade da
família está baseada em uma estrutura cognoscitiva subjacente, isto é, uma
série de crenças, de atitudes e de atribui- ções fundamentais que a família
compartilha a respeito de si mesma. Como tal, a identidade familiar é um
fenômeno psicológi- co grupal que tem como base um sistema de crenças
compartilha- das. Sistema este que inclui questões a respeito de funções, de
relações e de valores que governam (regulam) a interação nas famílias e
grupos.
É neste ponto que ocorre a aproximação do conceito de cren- ça com a
definição de outros constructos transgeracionais. O sis- tema de crenças
compartilhadas tem recebido muitas denomina- ções, de acordo com diferentes
autores, tais como temas de fami- lia, regras da família e mitos familiares.
Encontram-se também descritos com crenças familiares muitos aspectos
relacionados aos conceitos de valores e de padrões da família.
Como se pode observar, entretanto, o conceito de crença re- fere-se a um
conjunto de pressupostos que a família define em relação ao que é certo ou
errado e, com isso, ao que deve ser se- guido ou não pelosseus componentes.
Mitos
Popularmente, o termo mito é utilizado para se referir a his- tórias fabulosas
ou heróicas. É comum relacionar-se a aspectos inacreditáveis, fantasiosos e
irreais, como sendo o oposto ao pen- samento lógico e racional.
Todavia, o mito, em sentido amplo, é um sistema explicativo dos mais
diferentes fenômenos da vida. Ele busca fornecer expli- cações para temas
relativos, desde a origem do mundo, do homem e da família, até as transições do
ciclo de vida familiar como o nascimento, o casamento e a morte (Miermont, 1994).
No âmbito da Terapia de Família, Ferreira (1963) foi o pri- meiro a utilizar o
termo mito familiar. Ele propôs este conceito com o objetivo de definir algumas atitudes
do grupo familiar que se originam em pensamentos defensivos e têm a finalidade de
garantir a coesão interna e proteção externa da família.
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Denise Falcke e Adriana
Wagner
Levando em conta a origem dos mitos em pensamentos de- fensivos do grupo
familiar, verifica-se que eles servem para es- curecer ou negar uma realidade
penosa e complexa, cuja aceitação pela família seria muito dolorosa (Ríos
González, 1994).
Podemos considerar, ainda, que o mito indica um segredo, uma crença
inconsciente ou uma atitude que se perpetua na de- terminação de condutas e
respostas desse sistema, através de uma ampla aceitação pelas gerações
sucessivas de uma família ou gru- po social (Pincus e Dare, 1981).
O mito é, então, um elemento organizador, um totem, baseado em um conjunto
de crenças acerca das supostas qualidades do gru- po, uma espécie de saga,
desenvolvida conforme os aspectos do grupo nos quais seus membros investem ou
deixam de investir (Neuburger, 1999). A partir dessas crenças, são estabelecidas
regras de comportamento que guiam o tipo de relações que os membros da família
devem estabelecer entre si e, igualmente, o tipo de relação que se espera que
cada um estabeleça com o mundo exterior.
Andolfi e Angelo (1989), tentando definir o grau de realismo dos mitos, afirmam
que eles colocam-se em "uma área intermediá- ria onde a realidade e a estória se
mesclam à fantasia para criar novas situações em que os elementos originais são
utilizados e co- nectados arbitrariamente entre si" (p. 77). Assim, no mito coexis-
tem elementos que favorecem a construção de uma realidade que visa suprir
necessidades afetivas. A criação de um sentido qualquer para acontecimentos
ambíguos e casuais torna-os menos ameaçado- res do que não ser possível
atribuir nenhum significado a eles.
O mito se origina e evolui, assim, sobre vazios, falta ou es- cassez de dados e
explicações plausíveis (Andolfi, Angelo, 1989). Além disso, são os padrões rígidos
de comunicação que mais fa- vorecem a construção de mitos familiares (Prado,
1996). Os mi- tos, então, são construções que vão se estabelecendo como verda- des
ao longo do tempo, visando preencher necessidades da família e possuindo um
poder muito grande sobre seus membros, podendo até determinar seu destino. Como
condutores das histórias fami- liares, os mitos, metaforicamente, deixam claro que
tipos de com- portamentos são esperados dos membros familiares, quais são
aceitáveis e quais são proibidos, tabus.
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos 33
Para ficar clara esta idéia, podemos pensar na infidelidade con- jugal, como
um tema favorecedor ao desenvolvimento de mitos. Pittman (1994) identifica uma
série de mitos relacionados à infideli- dade, que acabam por dar as diretrizes do que
é esperado no relacio- namento conjugal. Por exemplo, se para um casal "uma
relação ex- traconjugal destrói o matrimônio" fica evidente o quanto se espera que
ela não ocorra. Por outro lado, um casal pode aderir ao mito de que "todas as
pessoas são infiéis" ou de que "os relacionamentos extraconjugais podem fazer
bem, revivendo um casamento monóto- no". Nestes casos, a infidelidade fica sendo
aceitável na vida conju- gal. É neste sentido que os mitos acabam por determinar
quais com- portamentos são aceitáveis ou não nos relacionamentos familiares.
Outro aspecto importante na construção e desenvolvimento dos mitos é a
constatação de que eles podem ser iniciados por um único membro da família
(Pincus e Dare, 1981). No entanto, assim como tudo que acontece na família, eles
não permanecem como proprieda- de de um só indivíduo. Os demais membros da
família iniciam um processo de resposta que vai fortalecer ou enfraquecer os efeitos
dos mitos.
Sendo assim, os mitos dizem respeito a todos os membros do sistema familiar,
o que não permite a sua contestação por nenhum destes, apesar de, muitas vezes,
eles conterem claras distorções da realidade (Pincus e Dare, 1981; Andolfi e Angelo,
1989; Miermont, 1994). Entretanto, Ríos González (1994) afirma que, apesar de
pare- cer algo irracional e irreal, quando visto de fora, os mitos familiares são parte
integrante da realidade familiar.
O mito serve, assim, como um organizador que cumpre uma função
homeostática. Por isso, quanto maior for o sofrimento, a crise e a ameaça à família,
mais o grupo se apegará ao mito, já que ele funciona como o sistema de explicação
operante (Miermont, 1994). No entanto, Andolfi e Angelo (1989) consideram que, se a
finalidade do mito fosse apenas homeostática, não haveria evolução, mas uma
repetição estereotipada dos mesmos problemas relacionais de forma transgeracional.
Eles assinalam que, na realidade, ocorrem mudanças na trama mítica, no decorrer do
tempo, já que tendem a ocorrer modi- ficações nas funções designadas a algum
membro da família ao lon- go do ciclo vital, nos momentos em que a família cumpre
etapas evolutivas e, com isso, muda o projeto relacional.
34
Denise Falcke e Adriana
Wagner
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O mito pode, ainda, apresentar uma conotação intensamente psicopatológica se
estiver baseado em crenças falsas, regras dis- simuladas de comportamentos
cotidianos e interações estereotipa- das. Assim, a função homeostática do mito vai
deteriorando-se até ser uma defesa do grupo, transmitida de geração para geração.
É nesta dinâmica que a família passa a ser oprimida por sua pró- pria mitologia
(Miermont, 1994).
De forma sintética, podemos dizer que o mito é um sistema ex- plicativo de
aspectos da vida que, conscientemente, são difíceis de serem compreendidos ou
aceitos.
Segredos
Frente a alguma atitude não aceita pela cultura familiar, os se- gredos surgem
como forma de esconder determinados fatos que não correspondam às exigências
estabelecidas pelos padrões familiares, bem como, aos tabus sagrados que se
mantêm entre as gerações (Imber-Black, 1994; Prado, 1996).
Em um grupo familiar, um segredo viola as regras sobre a posse comum das
informações, o que modifica a relação entre os membros do grupo e provoca, pelo
menos, algum sentimento de culpa ocasionado pelo engano (Carpenter e Treacher,
1993).
Assim, quando os relacionamentos encontram-se marcados por um segredo, todo o
estilo de comunicação de uma família pode ficar alterado em prol da manutenção do
segredo, até mesmo, em áreas totalmente alheias ao componente original (Imber-Black,
1994). Dessa forma, tanto as mentiras quanto às informações omiti- das podem
perturbar a confiança interpessoal nos relacionamentos. Isso acontece porque, embora
o evento ou o conteúdo do segredo possa ser mantido oculto, a intensidade dos
sentimentos em relação a ele dificilmente pode ser disfarçada. O próprio ato de manter
o segredo gera ansiedade. Quem o possui deve estar continuamente acautelando-se
contra a revelação, evitando determinados assuntos e distorcendo informações.
Uma tipologia dos segredos foi desenvolvida por Karpel (apud Carpenter e Treacher,
1993), em função dos limites que eles criam no sistema de relações familiares. Por este
critério, os se-
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos
35
gredos de família podem ser individuais (que são segredos guar- dados por um
membro dafamília em relação aos demais. Ex.: uma aventura extraconjugal);
internos (são guardados, pelo menos, por dois membros em relação a um terceiro.
Ex.: um segredo sobre a paternidade, em que os pais têm alguma informação que o
filho não sabe) e compartilhados (toda a família sabe, mas esconde do mundo
exterior. Ex.: alcoolismo, homossexualidade, etc.). Cabe destacar que, ainda que
todos conheçam os segredos compartilha- dos, na família ele nunca é motivo de
discussão e os membros da mesma aparentam desconhecê-los, não somente frente
a estranhos,
como também entre si.
Na perspectiva do entendimento estrutural da família, os se- gredos também
criam ou reforçam limites e fronteiras dentro do sistema familiar, bem como, entre a
família e o meio social. Por exemplo, uma relação incestuosa secreta (de abuso
sexual) entre pai e filha, que cria um limite entre a filha e a mãe, distanciando- as,
justamente em um momento em que a filha necessita a prote- ção da mãe.
Observamos, então, que os segredos são fenômenos sistêmi- cos que acabam
moldando díades, formando triângulos, encobrin- do alianças, provocando divisões ou
rompimentos e definindo limites de quem está "dentro" e de quem está "fora" (Imber-
Black, 1994). Além disso, os triângulos moldados pelos segredos podem tornar-se
muito problemáticos, na medida em que a exis- tência da díade que mantém o segredo
torna-se, em si mesma, um novo segredo.
É importante considerar, entretanto, que nem sempre a exis- tência de um segredo é
patológica. Assim como existem segredos destrutivos, associados com mentira e
injustiça, também existem segredos construtivos, que servem como um modo de proteger
esferas individuais do "eu" dentro do "nós" do casal ou da família. Alguns segredos
podem ser entendidos como favorecedores dos processos de individuação
(Welter-Enderlin, 1994). Por exemplo, um adolescente não precisa contar aos pais, e
vice-versa, detalhes da sua vida sexual, pois este aspecto diz respeito à vida privada que
não precisa ser compartilhada na família.
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Denise Falcke e Adriana
Wagner
A partir destes postulados, então, podemos dizer que, resumi- damente, o segredo
refere-se à atitude de esconder fatos ou senti- mentos que não correspondem aos
padrões familiares e sociais ou dizem respeito à privacidade do sujeito, o que,
nesse caso, fa- que vorece a sua individuação.
Ritos ou Rituais
Na literatura não se observa uma diferenciação clara entre os conceitos de rito e
ritual. Sendo assim, tanto a palavra rito como ritual são utilizadas, por diferentes
autores, para definir o mesmo fenômeno. Faz-se a opção, então, no presente
capítulo, por utili- zá-las como sinônimos.
Os ritos são uma série de atos e de comportamentos estrita- mente codificados na
família, que se repetem no tempo e nos quais participam todos ou uma parte dos
familiares. Ele possui uma função clara de aprendizagem, pois, através dele, cada
mem- bro da família aprende a conhecer os outros e a comportar-se de modo
adequado em relação a eles, a identificar os pontos fracos e a assumir a atitude mais
adequada para realizar os próprios objeti- vos ou os desejos dos outros (Miermont,
1994).
Complementando esta idéia, Paccola (1994) afirma que os ri- tos têm a tarefa de
transmitir, a cada participante da família, os valores, as atitudes e as modalidades
comportamentais, relativos a situações específicas ou a vivências emocionais. Neste
sentido, é possível identificar uma ligação estreita entre mitos e ritos famili- ares, já que
o ritual é a forma pela qual o mito é explicitado e per- petuado (Miermont, 1994).
Os ritos são, ainda, atos simbólicos que incluem, não só os aspectos do cerimonial,
como também o seu processo de prepara- ção. Na verdade, os ritos dramatizam a
identidade familiar. Como forma simbólica de comunicação que se repetem de forma
este- reotipada, eles proporcionam satisfação e sentido aos participan- tes, na medida
em que deixam claros os papéis, delimitam as fron- teiras e definem as regras familiares.
Além disso, pela exaustiva repetição, servem para estabilizar a família e afirmar seu
sistema de crenças compartilhadas. Na prática, Bennett, Wolin e Mcavity
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos 37
(1988) dividem os ritos em três grupos: celebrações (batismo, funeral, Natal,
Páscoa, ...), tradições (férias de verão, visitas aos familiares, aniversários, ...) e
rotinas pautadas (horário de jantar, disciplina dos filhos, cumprimentos e
despedidas diárias, ...).
Assim como nos valores familiares vistos anteriormente, os rituais atuais
abrangem cerimônias tradicionais, ao mesmo tempo em que, incorporam as
necessidades típicas do sistema social ca- pitalista contemporâneo, tais como,
o aumento de datas em que se valoriza a troca de presentes, atendendo a uma
necessidade de consumo da sociedade capitalista.
Devem ser salientadas ainda as diferentes funções que po- dem ser atribuídas
aos ritos (Imber-Black, Roberts e Whiting, 1991): 1) A incorporação de
sentimentos contraditórios, como por exemplo, o de alegria e de tristeza; 2) A
contenção de emoções fortes, como ocorre nos velórios; 3) O encontro social
entre indi- víduos, famílias e comunidades, bem como entre o passado, o
presente e o futuro.
Bennett, Wolin e Mcavity (1988) ressaltam também a impor- tância do rito
como transmissor intergeracional da cultura fami- liar, salientando que cada
família nuclear cria suas próprias cele- brações, tradições e rotinas, nas quais
estão presentes elementos de ritos praticados por gerações anteriores.
Além desses aspectos, os ritos assinalam as transições nas etapas do ciclo
evolutivo vital (nascimento, casamento, morte, etc.), bem como auxiliam nesses
processos da vida familiar.
Por fim, é relevante considerar que, nos ritos, o tempo se de- sintegra, na
medida em que as mudanças presentes estão baseadas em tradições passadas,
enquanto vão definindo as relações futuras (Imber-Black, Roberts e Whiting, 1991).
Em síntese, pode-se dizer que os ritos são cerimônias com regras
determinadas que têm como função transmitir os mitos familiares e ensinar os
membros sobre valores, atitudes e compor- tamentos.
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38
Denise Falcke e Adriana
Wagner
Legados
O legado de família é uma espécie de cápsula do tempo na qual a família
coloca os elementos que, na forma mais condensa- da, comunica às gerações
futuras a essência da família atual (Steinglass et al., 1989).
O processo de delegação pode ser comparado com o ato de redigir um
testamento (Steinglass et al., 1989). Assim como num testamento, no qual em cada
nova redação se detalha melhor como deve suceder a transmissão dos bens, o
surgimento de um legado familiar é um processo que pode se estender ao longo de
muitos anos. Além disso, quando se dita um testamento, o interesse prin- cipal é a
conservação do legado que, sem dúvida, inclui bens fi- nanceiros, mas também,
instruções com relação à maneira como deve construir-se a família da geração
seguinte.
Trata-se de um processo constituído de duas etapas. Na pri- meira, a
família tem que identificar o que quer transmitir (clarifi- cação e destilação)
enquanto, na segunda, deve arranjar um jeito de transmitir esse pacote de temas,
valores e regras para a geração seguinte (transmissão).
Dentro desta perspectiva, o legado é o fenômeno que revela para as
gerações seguintes os principais aspectos da família atual e o que se espera que
tenha continuidade.
A partir da revisão da literatura sobre os fenômenos transge- racionais até
aqui descritos, elaboramos um quadro-resumo (Figu- ra 1) a fim de poder-se
visualizar de forma mais concreta as dife- renças entre tais conceitos, descrevendo
suas principais caracterís- ticas e localizando os principais estudiosos de cada um
deles.
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição
de conceitos
39
40MITOS
CRENÇAS
VALORES
LEALDADES
Figura 1
Quadro conceitual e diferencial dos fenômenos transgeracionais
CONCEITO
São forças que tornam o sujeito um
membro efetivo do grupo e
lhe exigem, em troca, o
compromisso de cumprir
os mandatos do sistema.
São aspectos que a família ou
grupo se preocupam
em transmitir aos seus
descendentes.
Um conjunto de pressupostos em
relação ao que é certo
ou errado e que, em função disso,
deve ser incorporado pela
família ou não.
Sistemas explicativos de aspectos
da vida que,
conscientemente, são
difíceis de serem
compreendidos ou aceitos.
CARACTERÍSTICAS
PRINCIPAIS
■ Marcam o
pertencimento;
☐ São regidas por um
componente de
obrigação ética;
☐ Visam criar um vínculo
de ligação entre os
membros do sistema,
inclusive
transgeracionalmente.
☐ Correspondem à
ideologia do sistema
familiar;
■ Podem ser explícitos
ou implícitos.
☐ Constituem-se na base
da identidade familiar.
Têm a finalidade de
garantir a coesão da
família;
☐ Servem para encobrir
uma realidade penosa;☐ Têm um componente
fortemente
inconsciente.
AUTORES
PRINCIPAIS
☐ Boszormenyi-
Nagy e Spark
(1973)
Cerveny e
Berthoud
(1997)
☐ Dallos (1996)
☐ Ferreira (1963);☐ Andolfi e
Angelo (1989)☐ Ríos González
1994)
Denise Falcke e Adriana
Wagner
SEGREDOS
RITOS OU RITUAIS
LEGADOS
CONCEITO
Atitudes de esconder fatos ou
sentimentos que não
correspondem aos
padrões familiares e
sociais ou que dizem
respeito à privacidade do
sujeito.
São cerimônias com regras
determinadas que têm
como função transmitir os
mitos familiares e ensinar
os membros sobre
valores, atitudes e
comportamentos.
Fenômenos que revelam às
gerações seguintes os
principais aspectos da
família
atual e o que se espera que tenha
continuidade.
CARACTERÍSTICAS
PRINCIPAIS
☐ Violam as regras sobre
a posse comum das informações; "Reforçam os limites e
fronteiras do sistema.
■ Servem para transmitir os
mitos;
☐ Têm uma função
de aprendizagem;☐ Assinalam as
transições do ciclo
evolutivo vital da
família.
■ Dois passos: 1)
Clarificação/Destilação;
2) Transmissão;
■ Incluem instruções com
relação à maneira como
deve constituir- se a família
da geração seguinte.
Fonte: Quadro realizado pelas autoras
AUTORES
PRINCIPAIS
Imber-Black
(1994); ☐
Carpenter e
Treacher (1993)
■ Imber-Black,
Roberts e Whiting (1991); Bennett, Wolin e Mcavity (1988)
Steinglass et
al. (1989)
Na análise das possíveis diferenças entre os fenômenos trans- geracionais,
nos deparamos com mais intersecções do que propria- mente diferenças. Além
disso, ao longo desta revisão teórica, po- demos perceber que os fenômenos
transgeracionais, aqui descritos, não se expressam de forma isolada na dinâmica
familiar. Ao contrá- rio, eles estão num processo contínuo de interação. Na
tentativa de exemplificar esta dinâmica, construímos um esquema ilustrativo
(Figura 2).
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos 41
Figura 2
Esquema sobre a interação dos fenômenos transgeracionais
Lealdades
lea
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rin
Crenças
Mitos Segre
me
ve
pu
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po
Fonte: Figura criada pelas autoras.
Valores
re
lia
Legados
Rituais
dr
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Xx2
hi
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ca
As crenças ocupam a posição central, como sendo o núcleo, devido ao fato de
elas constituírem a base da identidade familiar. A intersecção existente deste
conceito de crenças com o conceito de mitos ocorre, uma vez que, os mitos são
considerados como um conjunto de crenças, mas que abrangem aspectos de caráter
incons- ciente. Esta é a característica essencial que os diferencia das cren- ças em
si. A intersecção com o conceito de segredos, por sua vez, ocorre porque os
segredos comumente são uma forma de encobrir atitudes que não correspondem às
crenças ou aos mitos familiares. Os valores, que correspondem à ideologia do
sistema familiar, são aqueles que abrangem as crenças, os mitos e os segredos. Os
lega- dos ficam expressos como a integração de todos esses conceitos e fazem a
seleção do conteúdo que será transmitido às próximas ge- rações. Também como
fator de transmissão, os rituais perpassam os demais constructos por terem a função
de ensinar aos membros da família os valores, atitudes e comportamentos da estirpe.
Por fim, a
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C
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n
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Denise Falcke e Adriana
Wagner
lealdade, representada como uma espiral que envolve os demais conceitos,
é o que define como esses fenômenos serão expe- rimentados pelo grupo
familiar e exigido de cada um dos membros, o compromisso de serem fiéis a
eles.
Considerações finais
As famílias, ao longo do ciclo evolutivo vital, estão vulnerá- veis às crises
que, apesar de serem momentos de instabilidade, im- pulsionam-nas ao
crescimento, para atingir estados maturacionais mais evoluídos.
Entende-se, assim, que toda a crise, frente à ruptura e instabilidade temporária
que ocasiona no sistema familiar, cria, por conseguinte, uma necessidade de
reorganização das inter- relações e uma descoberta de novas regras de
funcionamento fami- liar.
Nesses momentos de crise, fica mais evidente o poder dos pa- drões
familiares transgeracionais, podendo, inclusive, postular-se que esses
padrões determinam comportamentos favorecedores ou obstaculizadores de
saúde no meio familiar. Entretanto, nossa refle- xão vem ao encontro da
perspectiva de Elkaim (1990), de que a história não é linear, nem tampouco
causal. Ao contrário, os ele- mentos históricos são necessários, mas não
suficientes, para expli- car a aparição de problemas no cotidiano familiar.
Deve-se, então, ultrapassar a posição simplista entre a visão histórica, de
acordo com a qual elementos do passado determinam automaticamente
elementos futuros, bem como, a leitura que insiste unicamente na importância
dos acontecimentos do aqui e agora. Elkaim (1990) preconiza um uso mais
flexível do tempo. Deve-se levar em conta, então, que para que o
acontecimento traumático continue a exercer um papel importante no presente,
é preciso que a manutenção de um comportamento tenha uma função e um
sentido importante no contexto no qual ele se perpetua.
A partir desta premissa, surge a possibilidade de que os sujei- tos,
conhecendo os processos transmitidos transgeracionalmente nas suas famílias,
possam fazer uma opção mais consciente do que desejam para suas vidas.
A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de
conceitos 43
Verifica-se que a experiência passada pode ser modificada no futuro já que,
embora freqüentemente as histórias se repitam, há situações em que o adulto, a
partir da compreensão da sua his- tória, alcança uma condição mais diferenciada,
chegando a poder
construir uma realidade diferente.
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Em outras palavras, a construção da individualidade vai de- pender da
descoberta de quais são os designios familiares e, com isso, será possível que o
sujeito alcance o desenvolvimento da originalidade, mesmo com tons familiares,
mais ou menos fortes. Desse modo, ao desvendar a conexão familiar, deixa-se de
ter uma obediência cega ao que estava escrito e pode-se modificar aquilo que
chama-se de destino.
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Referências
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Bar
JOS
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