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Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 111 Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo ARMANDO BOITO JR.* Onde está o fascismo no Brasil Tenho caracterizado o movimento de apoio a Bolsonaro, bem como o seu governo, como neofascistas (Boito, 2019). Neste texto, pretendo retomar essa tese, apresentá-la com argumentos talvez mais apurados e indicar minhas diferenças com a bibliografia que recusa tal caracterização. Note o leitor que estou falando de um movimento e de um governo neofas- cistas, e não de uma ditadura fascista. Alguns observadores e analistas da políti- ca brasileira têm argumentado que não cabe caracterizar o bolsonarismo como fascismo em geral ou como uma das variantes desse fenômeno político porque no Brasil ainda há eleições e também outros componentes caracterizadores da democracia. Sim, no Brasil ainda nos encontramos numa democracia burguesa, ainda que deteriorada, porém, é evidente que é possível formar-se um movimento social fascista num regime democrático e – talvez isso seja menos evidente – que é possível a constituição de um governo fascista sem que ocorra a passagem para uma ditadura fascista. Adolf Hitler iniciou o processo de transição para a ditadu- ra em menos de um mês após assumir a chefia do governo, mas no caso do governo de Benito Mussolini, este, nos seus primeiros anos, manteve-se dentro dos limi- tes do regime democrático burguês. Palmiro Togliatti (2010) vai mais longe na sua avaliação da trajetória desse governo. Sustenta que o Partido Nacional Fas- cista (PNF) não tinha sequer um “projeto de ditadura” definido ao chegar ao poder. Para Togliatti, a implantação da ditadura fascista foi se colocando como * Professor titular de Ciência Política da Unicamp. E-mail: armando.boito@gmail.com Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 111Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 111 26/03/2020 17:58:0526/03/2020 17:58:05 112 • Crítica Marxista, n.50, p.111-119, 2020. objetivo e se tornando viável em decorrência da evolução da situação econômica e da luta de classes no início e em meados da década de 1920. É um grave erro o de crer que o fascismo tenha partido desde 1920, ou desde a Marcha sobre Roma, com um plano pré-estabelecido, fixado previamente, de um regime de ditadura como este regime foi depois organizado no curso do decênio e como o vemos hoje. Seria, esse, um grave erro. (Togliatti, 2010, p. 20-21). A ditadura fascista foi levada a assumir a sua forma atual por fatores objetivos: pela situação econômica e pelos movimentos de massa determinados por aquela situação. (Togliatti, 2010, p.21) Entre 1923 e 1926 [...] nasce o totalitarismo. O fascismo não nasceu totalitário, ele tornou-se totalitário [...]. (Togliatti, 2010, p.32, tradução minha, ABJ) No Brasil temos, hoje, um governo predominantemente neofascista, baseado num movimento neofascista, mas até aqui o que ainda temos, no que diz respeito ao regime político, é uma democracia burguesa, embora deteriorada. Por que democra- cia burguesa? Porque os mandatários foram eleitos e o Congresso Nacional segue funcionando e tendo influência efetiva no processo decisório – influência limitada pelo hiperpresidencialismo brasileiro, mas tal limitação não é novidade desta con- juntura. Por que deteriorada? Fundamentalmente, por dois motivos. Porque, em primeiro lugar, desde o início da Operação Lava-Jato e graças à chamada Lei da Ficha Limpa, foi criado pelo aparelho judiciário um filtro político para impugnar candidaturas de esquerda ou de centro-esquerda com chances de vitória, e porque, em segundo lugar, as instituições políticas, inclusive o Supremo Tribunal Federal (STF), encontram-se sob a tutela das Forças Armadas, particularmente do Exército. Como exemplos, basta lembrar o enquadramento público do STF em abril de 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, determinando a rejeição do habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também a proibição que pesa sobre o Legislativo de legislar, ele próprio, sobre a aposentadoria dos militares – o projeto em tramitação foi elaborado pelas próprias Forças Armadas. A essa deterioração na forma de organização democrática das instituições do Estado correspondem alterações no regime político vigente, plano no qual podemos observar ameaças e atentados às liberdades políticas – censura, atentados ao direito de reunião, prisões arbitrárias etc. Por um conceito geral e teórico de fascismo Trata-se, então, de um movimento neofascista e de um governo predominante- mente neofascista, mas não, pelo menos até aqui, de uma ditadura fascista. Cabe, agora, a pergunta geral: por que podemos falar em fascismo ou neofascismo no século XXI e num país localizado na periferia do capitalismo internacional? O Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 112Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 112 26/03/2020 17:58:0526/03/2020 17:58:05 Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 113 fascismo não seria um fenômeno político típico do século XX e dos países impe- rialistas? Nessa matéria, há algumas respostas que, a nosso ver, são equivocadas e que devem ser criticadas antes de apresentarmos a nossa própria definição. O primeiro equívoco provém da proposta de confinar o fenômeno fascista à Itália do período de 1919 a 1945 ou, quando muito, também à Alemanha desse mesmo período. Um prestigiado historiador do fascismo, Emilio Gentile (2019), publicou recentemente um livro para defender essa tese restritiva. Trata-se de uma posição historicista radical: assim como o conceito de fascismo, devemos entender que os demais conceitos, em geral, só serviriam para designar fenômenos do período no qual e/ou para o qual foram criados. Gentile resume a sua tese com a seguinte afirmação: o conceito de fascismo é a própria história do fascismo, e essa não teve predecessores no século XIX e não terá sucessores no século XXI (Gentile, 2019, p.126). A crítica aprofundada a esse tipo de enfoque demandaria um espaço que não temos para este dossiê de Crítica Marxista. O que cabe argu- mentar é que, do mesmo modo que generalizamos quando elaboramos e utilizamos o conceito de democracia, ditadura, monarquia, república e outros conceitos da Ciência Política, devemos também generalizar quando elaboramos e utilizamos o conceito de fascismo, que é um movimento político reacionário das camadas intermediárias da sociedade capitalista e um tipo específico de ditadura burguesa. Gentile não é um marxista, mas o historicismo está presente também em algumas tradições marxistas, a começar pelo marxismo italiano. Recentemente, um autor marxista, Atilio Borón, escreveu sobre Bolsonaro recorrendo à mesma ideia geral: o fascismo é um fenômeno histórico irreproduzível (Borón, 2019). O argumento específico de Borón é o de que a fração burguesa hegemônica na dita- dura fascista era a burguesia nacional, entidade política que teria desaparecido em decorrência da nova onda de internacionalização da economia capitalista. Eu fiz uma crítica desenvolvida dessa tese no meu já citado texto (Boito Jr., 2019). Não entrei no mérito – e tampouco vou entrar no presente texto – da questão de saber se as burguesias dos diferentes países capitalistas se fundiram, ou não, numa burguesia única mundial. Quero apenas indicar o seguinte. No que respeita ao regime político, o fascismo é um tipo de ditadura e, como outros regimes políticos, ele comporta, dentro de certos limites, composições distintas do bloco no poder com diversas frações burguesas hegemônicas. Um mesmo regime político comporta diversas forças hegemônicas e, o que não é necessariamente um mero reverso da medalha, uma mesma fração burguesa pode exercer sua hegemonia em diferentes regimes. De um lado, a democracia burguesa serviu para a organização da hegemonia do médio capital na época do capitalismo concorrencial e para a organização da hegemonia do grande capital monopolistaa partir do século XX. De outro lado, enquanto na Itália e na Alemanha o grande capital instaurou a sua hegemonia por intermédio do fascismo, essa mesma fração burguesa chegou ao posto hegemônico na Inglaterra e nos Estados Unidos por intermédio da democracia burguesa. A relação entre bloco no poder e regime político, embora não seja aleatória, não é unívoca. Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 113Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 113 26/03/2020 17:58:0526/03/2020 17:58:05 114 • Crítica Marxista, n.50, p.111-119, 2020. O segundo equívoco que pretendemos criticar diz respeito aos autores que, como nós, trabalham com um conceito geral de fascismo, mas com um conceito de fascismo que consideramos descritivo. Vamos nos referir a dois autores que publicaram trabalhos que obtiveram repercussão. Estamos pensando em Umberto Eco (2018), com o seu pequeno livro Il fascismo eterno, o qual se encontra na trigésima edição, e em Robert Paxton (2014), com o seu importante trabalho Anatomy of Fascism. Nesses casos, dizemos que o fascismo é definido de modo descritivo porque tais autores, seguindo o que talvez seja a tendência amplamente dominante nos estudos sobre o tema, definem-no construindo uma lista, maior ou menor, daqueles que seriam seus atributos como fenômeno político e ideológico. Umberto Eco enumera quatorze características do fascismo (Eco, 2018, p.34-48); na conclusão do seu livro, Paxton (2004, p.218-220) recorre a nada menos que vinte atributos para definir o comportamento político fascista. Esse tipo de definição deve ser denominado descritivo porque os seus autores não explicitam os critérios teóricos a partir dos quais selecionam os atributos do fascismo; acreditam, num enfoque empiricista radical, partir exclusiva e diretamente dos fatos empíricos para criar o conceito; não nos dizem o que é principal e o que é secundário; não qualificam as relações existentes entre um e outro atributo, isto é, se formam ou não um todo organizado e tampouco nos dizem como proceder diante de um determinado fenômeno histórico que, eventualmente, apresente apenas uma parte da lista de características arroladas para caracterizar o conceito. Um movimento e um regime ditatorial reacionários de massa Nós entendemos que o conceito de fascismo é um conceito geral. Entendemos também que sua definição deve ser teórica e não descritiva, isto é, deve, partindo simultaneamente, tanto dos fatos históricos, quanto de uma teoria geral da política e do Estado, localizar aquilo que é essencial ao fenômeno, oferecendo um rumo para as análises históricas. Do mesmo modo que ao definirmos o capital como o valor que se valoriza, o Estado como uma instituição específica que organiza a dominação de classe e as classes sociais como coletivos definidos pela posição que ocupam na produção social, ao lançar tais definições não fazemos senão indicar um rumo para o desenvolvimento da análise e não apresentar uma lista exaustiva das características de cada um desses fenômenos – capital, Estado e classes so- ciais. Assim também, ao apresentarmos uma definição teórica de fascismo, o que obtemos é um norte para a análise histórica. Todos os tipos históricos de Estado de classes dominantes exploradoras – es- cravista, feudal, capitalista – apresentam-se, historicamente, na forma ditatorial ou democrática. O fascismo, enquanto forma de organização do aparelho e do poder de Estado, é uma variante da forma ditatorial do Estado capitalista, ou seja, é um tipo de ditadura distinto, por exemplo, da ditadura militar. Porém, o fascismo é também, como já indicamos, a ideologia que justifica essa ditadura e o movimento que, coesionado por essa ideologia, pode lutar para implantar tal tipo de ditadura Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 114Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 114 26/03/2020 17:58:0526/03/2020 17:58:05 Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 115 ou para mantê-la. Os textos nos quais podemos nos apoiar são as análises mar- xistas sobre o fascismo. Pensamos em autores coevos do fenômeno e em outros mais recentes. Citaríamos para um grupo e outro Palmiro Togliatti e o Corso sulli avversari – le lezioni sul fascismo, obra que reúne o conteúdo das palestras proferidas pelo dirigente comunista italiano em 1935; Daniel Guérin, Fascisme et Grand Capital, de 1936, e Nicos Poulantzas, Fascisme et Dictature, de 1970. Definimos o movimento fascista como um movimento reacionário de massa e, seguindo Togliatti, a ditadura fascista como um regime reacionário de mas- sa. Esse elemento a distingue da ditadura militar – questão muito discutida na esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 1970. O fascismo é, digamos assim e tomando emprestada a terminologia da biologia, o gênero, sendo o fascismo ori- ginal e o neofascismo brasileiro duas espécies diferentes do gênero à qual ambas pertencem. Cada uma das duas espécies citadas realiza as qualidades do gênero de um modo particular. Tentamos indicar essa semelhança geral e as diferenças específicas na Tabela 1. O fato de se tratar de um movimento de uma camada intermediária da socie- dade capitalista é importante. O fascismo não é um movimento burguês, embora chegue ao governo cooptado pela burguesia e embora seja, desde o seu início, ideologicamente dependente da burguesia. Ele é um movimento de massa de uma camada intermediária e apresenta, portanto, elementos ideológicos e interesses econômicos de curto prazo que podem destoar da ideologia e dos interesses econô- micos imediatos da burguesia. Com a sua crítica conservadora do capitalismo, de tipo pequeno burguês, o movimento fascista original chegou, em diversos aspectos, a confundir socialistas e comunistas – Poulantzas (1970) fala de uma ideologia “anticapitalista de status quo”. No Brasil, o movimento de massa reacionário se formou em 2015 na campanha pela deposição de Dilma Rousseff. De lá, saiu, após depuração, o movimento especificamente neofascista – o bolsonarismo. A crítica desse movimento e do seu entorno, também de classe média, à corrupção e à dita “política do toma-lá-dá-cá” chegou a confundir partidos de esquerda e de extrema esquerda. A ala hegemônica do PT e inclusive a equipe governamental do governo Dilma, embaladas pela ideologia segundo a qual as instituições do Estado burguês são socialmente neutras – o dito “republicanismo” –, acredita- ram que a Operação Lava-Jato visava realmente a combater a corrupção, e não a instrumentalizar a luta contra a corrupção em nome dos interesses do capital internacional e atendendo as expectativas ideológicas da alta classe média (Boito Jr., 2018). Por sua vez, o PSTU e uma das alas do PSOL foram atraídos pela La- va-Jato, nesse caso movidos inclusive pelo erro político de eleger o reformismo do PT como inimigo principal a ser combatido. Em grau maior ou menor, parte da esquerda e da centro-esquerda tampouco percebeu que a crítica à velha política era e é a crítica à política parlamentar, isto é, à própria democracia burguesa – o grupo neofascista aspira governar por decreto. Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 115Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 115 26/03/2020 17:58:0526/03/2020 17:58:05 116 • Crítica Marxista, n.50, p.111-119, 2020. Ta be la 1 – G ên er o e es pé ci e: fa sc is m o or ig in al , n eo fa sc is m o O g ên er o m ov im en to fa sc is ta E sp éc ie : m ov im en to fa sc is ta o ri gi na l (I tá lia , A le m an ha ) E sp éc ie : m ov im en to n eo fa sc is ta (B ra si l d e B ol so na ro ) M ob ili za çã o re ac io ná ria d as c am ad as in te rm ed iá ria s d a so ci ed ad e ca pi ta lis ta . Pr in ci pa lm en te a p eq ue na b ur gu es ia – c om el em en to s d e cl as se m éd ia . Pr in ci pa lm en te c la ss e m éd ia – c om p ar tic ip aç ão d e pe qu en os p ropr ie tá rio s. El im in ar a e sq ue rd a do p ro ce ss o po lít ic o. El im in ar o m ov im en to o pe rá rio o rg an iz ad o em p ar tid os d e m as sa so ci al is ta e c om un is ta . El im in ar o re fo rm is m o bu rg uê s c om b as e po pu la r de so rg an iz ad a – os tr ab al ha do re s d a m as sa m ar gi na l. Id eo lo gi a co ns er va do ra , m as su pe rf ic ia lm en te c rít ic a, v in cu la da à in se rç ão so ci al , a os in te re ss es e a os v al or es d as ca m ad as in te rm ed iá ria s. A nt ic om un is m o, c ul to d a vi ol ên ci a, c rít ic a ao g ra nd e ca pi ta l e à d em oc ra ci a bu rg ue sa ; po lit iz aç ão d o m ac hi sm o, d o ra ci sm o (s is te m át ic o) e d a ho m of ob ia (d ifu sa ). A nt ic om un is m o, c ul to d a vi ol ên ci a, c rít ic a à co rr up çã o e à ve lh a po lít ic a (d em oc rá tic a) ; po lit iz aç ão d o m ac hi sm o, d o ra ci sm o (d ifu so ) e d a ho m of ob ia (s is te m át ic a) . M ob ili za çã o de b as e. Pa rti do d e m as sa o rg an iz ad o co m m ilí ci as . O rg an iz aç ão fr ou xa p el as re de s s oc ia is . Pr oc es so g er al d e as ce ns ão d o fa sc is m o ao go ve rn o E sp éc ie : f as ci sm o or ig in al E sp éc ie : n eo fa sc is m o Su rg im en to n um a si tu aç ão d e cr is e po lít ic a co m p ol ar iz aç ão d o co nf lit o de c la ss es e co nf lit os e nt re in st itu iç õe s d o Es ta do . Si m , c om p ol ar iz aç ão fo rte . Si m , c om p ol ar iz aç ão m od er ad a. C ris e do s p ar tid os b ur gu es es tr ad ic io na is . Es go ta m en to d a fó rm ul a de g ov er no b ur gu ês de c on ci lia çã o na It ál ia , t su na m i e le ito ra l d o pa rti do n az is ta n a A le m an ha . D ec lín io e le ito ra l d o PS D B e d o PM D B . C re sc im en to e le ito ra l a br up to d a di re ita e d a ex tre m a di re ita n as e le iç õe s d e 20 18 . D er ro ta s p ol íti ca s d o ca m po o pe rá rio e po pu la r e re la çã o de fo rç as fa vo rá ve l a o ca m po b ur gu ês . D er ro ta d o B iê ni o Ve rm el ho (I tá lia ); de rr ot as d a R ev ol uç ão A le m ã de 1 91 8 e da In su rr ei çã o de 1 92 3. Im pe ac hm en t d e D ilm a, re fo rm a tra ba lh is ta d e Te m er , c on de na çã o e pr is ão d e Lu la , i m pu gn aç ão d a ca nd id at ur a Lu la e e le iç ão d e B ol so na ro . So lu çã o bu rg ue sa : a c oo pt aç ão d o m ov im en to fa sc is ta p or u m a fr aç ão re ac io ná ria d a bu rg ue si a pe rm ite a as ce ns ão d o m ov im en to a o go ve rn o e o es ta be le ci m en to d e um a no va h eg em on ia bu rg ue sa . O p ar tid o fa sc is ta (P N F, N SD A P) a ss um e o go ve rn o e es ta be le ce a h eg em on ia p ol íti ca d a fr aç ão b ur gu es a “g ra nd e ca pi ta l m on op ol is ta im pe ria lis ta ” – de sl oc am en to p ar a po si çã o su bo rd in ad a no b lo co n o po de r d o m éd io ca pi ta l. O g ru po n eo fa sc is ta a ss um e a pr es id ên ci a da R ep úb lic a e re st ab el ec e a he ge m on ia p ol íti ca d as fr aç õe s b ur gu es as “ gr an de c ap ita l i nt er na ci on al ” e “b ur gu es ia d ep en de nt e as so ci ad a” – d es lo ca m en to pa ra p os iç ão su bo rd in ad a no b lo co n o po de r d a gr an de b ur gu es ia in te rn a. D in âm ic a da c ris e: m ov im en to v in do d e ba ix o co op ta do p el o al to . Si m , c om m ov im en to fo rte e o rg an iz ad o vi nd o de b ai xo . Si m , c om m ov im en to fr ac o e po uc o or ga ni za do vi nd o de b ai xo . A e xi st ên ci a de u m a cl as se -a po io q ue im pe de qu e o go ve rn o fa sc is ta se ja re du zi do a u m in st ru m en to p as si vo n as m ão s d a bu rg ue si a. Pe qu en a bu rg ue si a co m o cl as se -a po io d o go ve rn o do g ra nd e ca pi ta l c ria tu rb ul ên ci as na b as e do g ov er no . C la ss e m éd ia c om o cl as se -a po io d o go ve rn o do ca pi ta l i nt er na ci on al e d a bu rg ue si a as so ci ad a cr ia tu rb ul ên ci as n a ba se d o go ve rn o. Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 116Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 116 26/03/2020 17:58:0626/03/2020 17:58:06 Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 117 A base de massa do movimento fascista cria uma situação complexa quando tal movimento assume o governo, o que ocorre graças à sua cooptação pela bur- guesia e particularmente por uma das frações burguesas que disputam a hegemonia no bloco no poder. Hitler e Mussolini tiveram de se desvencilhar, para cumprir a função de organizar a hegemonia do grande capital monopolista, da chamada ala plebeia do fascismo, chegando, como é sabido, a eliminar fisicamente a liderança dessa ala; além disso, tiveram de alterar – no caso de Mussolini – ou tornar letra- -morta – no caso de Hitler – o programa original do movimento (Guerrin, 1965; Poulantzas, 1970; Togliatti, 2010; Shirer, 2017). Em escala menor, Bolsonaro é levado, para atender prioritária mas não exclusivamente aos interesses do capital internacional e da burguesia associada, a entrar em conflito com os segmentos da classe média que aspiram ao fim daquilo que denominam “velha política” e com o movimento dos caminhoneiros, seus apoiadores que se sentem traídos pela política de preços dos combustíveis que atende aos interesses dos investidores internacionais. A crise política que gera o fascismo original é mais grave que a crise política brasileira que gerou o neofascismo. Ambas possuem elementos gerais comuns: estão articuladas com uma crise econômica do capitalismo; apresentam uma crise de hegemonia no interior do bloco no poder – disputa entre o grande e o médio capital, num caso, e disputa entre a grande burguesia interna e grande burguesia associada ao capital internacional, no outro; comportam uma aspiração da bur- guesia por retirar conquistas da classe operária; são agravadas pela formação abrupta de um movimento político disruptivo de classe média ou pequeno burguês; comportam uma crise de representação partidária da burguesia; são marcadas pela incapacidade dos partidos operários e populares de apresentarem solução própria para a crise política – os socialistas e comunistas foram derrotados antes da ascensão do fascismo ao poder (Poulantzas, 1970) e o movimento democrático e popular no Brasil vem sofrendo uma série de derrotas desde o impeachment de Dilma Rousseff e revelando incapacidade de reação (Boito Jr., 2018; 2019). Essa semelhança entre as duas crises é muito forte e é de importância maior para carac- terizar o fascismo e explicar a sua origem nas sociedades capitalistas (Poulatazas, 1970). Há, contudo, um componente fundamental que diferencia a crise política na qual nasceu o fascismo original da crise política na qual nasceu o neofascismo. E essa diferença nos leva de volta para a questão da base de massa do fascismo. A “esquerda” que o fascismo original enfrenta é um movimento operário de massa, organizado em partidos socialista e comunista, e esforça-se, porexigência da luta política de então, para replicar esse tipo de organização, criando, como sucedâneo das células e sessões, as milícias. O seu inimigo é mais ameaçador e poderoso. Já o neofascismo, esse tem pela frente uma “esquerda” que é representada por um reformismo burguês – o neodesenvolvimentismo dos governos do PT – que se apoia numa base popular desorganizada. O inimigo do neofascismo é menos ameaçador e é politicamente mais frágil. Nessa situação, o neofascismo organi- zou-se fundamentalmente por intermédio das redes sociais. No caso do fascismo Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 117Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 117 26/03/2020 17:58:0626/03/2020 17:58:06 118 • Crítica Marxista, n.50, p.111-119, 2020. original, multiplicaram-se as ações de bandos fascistas promovendo agressões físicas, assassinatos políticos, incêndios de sedes das organizações operárias, contra judeus, ciganos, comunistas, contando, sempre, com a condescendência do aparelho judiciário (Shirer, 2017). No caso do neofascismo, tivemos as agressões verbais e as ameaças em locais públicos ou pelas redes sociais, as manifestações ostensivas de preconceito contra a população do Nordeste, os negros e a população de baixa renda, contando com a colaboração do aparato judicial e policial para ameaçar reuniões dos movimentos democráticos e populares e prender as suas lideranças. Hoje, o neofascismo dá mostras de incompetência organizativa. As duas ma- nifestações convocadas para defender o governo foram fracas. O próprio governo hesitou na convocação e acabou recuando. O ideólogo desse movimento, Olavo de Carvalho, deu-se conta dessa debilidade e está conclamando a malta a se organizar para poder defender o governo. Não está descartada a hipótese de esse movimento declinar e o seu grupo dirigente ser absorvido pela democracia deteriorada que contribuíram para criar no Brasil. É preciso ter em mente a sábia observação de Palmiro Togliatti: pode-se ou não chegar a uma ditadura fascista em decorrência da situação econômica e da luta de classes e não apenas, nem principalmente, em decorrência da existência de ambições e projetos autoritários dos fascistas. E, acrescentamos nós, o movimento neofascista pode, no limite, se dissolver ou moderar o seu programa, do mesmo modo que, mudando o que deve ser mudado, um partido de esquerda pode moderar o seu programa e se descaracterizar com a finalidade de se manter no poder governamental. O que deve ser mudado aqui é o seguinte: o movimento neofascista tem como obstáculo a forma de Estado democrático burguesa, enquanto um movimento socialista tem como obstáculo o próprio Estado burguês. Referências bibliográficas BOITO JR., Armando. O neofascismo no Brasil. Boletim LIERI, UFRRJ, n.1, maio 2019. Disponível em: <http://laboratorios.ufrrj.br/lieri/wpcontent/uploads/sites/7/2019/05/ Boletim-1-O-Neofascismo-no-Brasil.pdf>. BOITO JR., Armando. Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PT. São Paulo; Campinas: Unesp; Unicamp, 2018. BORON, Atilio. Caracterizar o governo Bolsonaro como fascista é um grave erro. Brasil de Fato. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/01/02/artigo-or- caracterizar-o-governo-de-jair-bolsonaro-como-fascista-e-um-erro-grave>. ECO, U. Il fascismo eterno. Milão: La nave di Teseo, 2017. GENTILE, E. Chi è fascista. Roma-Bari: Editori Laterza, 2019. GERRIN, D. Fascisme et grand capital. 2.ed. Paris: François Maspero, 1965 [1936]. PAXTON, R. O. The anatomy of fascism. New York: Alfred A. Knopf, 2004. POULANTZAS, N. Fascisme et dictature. Paris: François Maspero, 1970. SHIRER, W. Ascensão e queda do Terceiro Reich. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. TOGLIATTI, P. Corso sugli avversari: le lezioni sul fascismo. Torino: Einaudi, 2010. Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 118Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 118 26/03/2020 17:58:0626/03/2020 17:58:06 Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 119 Resumo O fascismo original surgiu no século XX nos países centrais. Foi um mo- vimento reacionário de massa predominantemente pequeno burguês, voltado contra o movimento operário socialista e comunista, que mobilizou uma crítica conservadora, típica do pequeno proprietário, à economia capitalista e à política parlamentar e chegou ao governo cooptado pelo capital monopolista. O neofas- cismo surgiu no século XXI e, no caso brasileiro, na semiperiferia do sistema imperialista. É um movimento reacionário de massa com o predomínio da alta classe média voltado contra o reformismo burguês com base popular; mobiliza uma crítica conservadora, de classe média, à corrupção e à política democrática e chegou ao governo cooptado pelo capital financeiro internacional e pela fração da burguesia brasileira a ele integrada. Ambos os movimentos prestam serviços a frações da burguesia, mas sem se deixar reduzir a instrumentos passivos que essas frações manipulariam ao seu bel-prazer. Palavras-chave: Brasil; governo Bolsonaro; fascismo; neofascismo. Abstract Original fascism arose in the twentieth century in the central countries. It was a mass reactionary movement of the petty-bourgeois against the socialist and communist workers’ movement that mobilized a conservative criticism, typical of the small owner, of capitalist economy and of parliamentary politics and came to the government co-opted by monopolist capital. Neo-fascism emerged in the 21st century and, in the Brazilian case, in the semi-periphery of the imperialist system. It is a reactionary mass movement of the upper middle class against a popular- -based bourgeois reformism; it mobilizes a conservative middle-class critique of corruption and democratic politics, and has come to the government co-opted by international capital and the fraction of Brazilian bourgeoisie integrated into this capital. Both movements serve fractions of the bourgeoisie, but they are not reduced to passive instruments that these fractions would manipulate at their own pleasure. Keywords: Brazil; Bolsonaro government; fascism; neofascism. Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 119Miolo_Rev_Critica_Marxista-50_(GRAFICA).indd 119 26/03/2020 17:58:0626/03/2020 17:58:06
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