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Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 111
Por que caracterizar 
o bolsonarismo 
como neofascismo
ARMANDO BOITO JR.*
Onde está o fascismo no Brasil
Tenho caracterizado o movimento de apoio a Bolsonaro, bem como o seu 
governo, como neofascistas (Boito, 2019). Neste texto, pretendo retomar essa tese, 
apresentá-la com argumentos talvez mais apurados e indicar minhas diferenças 
com a bibliografia que recusa tal caracterização. 
Note o leitor que estou falando de um movimento e de um governo neofas-
cistas, e não de uma ditadura fascista. Alguns observadores e analistas da políti-
ca brasileira têm argumentado que não cabe caracterizar o bolsonarismo como 
fascismo em geral ou como uma das variantes desse fenômeno político porque 
no Brasil ainda há eleições e também outros componentes caracterizadores da 
democracia. Sim, no Brasil ainda nos encontramos numa democracia burguesa, 
ainda que deteriorada, porém, é evidente que é possível formar-se um movimento 
social fascista num regime democrático e – talvez isso seja menos evidente – que 
é possível a constituição de um governo fascista sem que ocorra a passagem para 
uma ditadura fascista. Adolf Hitler iniciou o processo de transição para a ditadu-
ra em menos de um mês após assumir a chefia do governo, mas no caso do governo 
de Benito Mussolini, este, nos seus primeiros anos, manteve-se dentro dos limi-
tes do regime democrático burguês. Palmiro Togliatti (2010) vai mais longe na 
sua avaliação da trajetória desse governo. Sustenta que o Partido Nacional Fas-
cista (PNF) não tinha sequer um “projeto de ditadura” definido ao chegar ao 
poder. Para Togliatti, a implantação da ditadura fascista foi se colocando como 
 * Professor titular de Ciência Política da Unicamp. E-mail: armando.boito@gmail.com
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objetivo e se tornando viável em decorrência da evolução da situação econômica 
e da luta de classes no início e em meados da década de 1920.
É um grave erro o de crer que o fascismo tenha partido desde 1920, ou desde a 
Marcha sobre Roma, com um plano pré-estabelecido, fixado previamente, de um 
regime de ditadura como este regime foi depois organizado no curso do decênio e 
como o vemos hoje. Seria, esse, um grave erro. (Togliatti, 2010, p. 20-21). 
A ditadura fascista foi levada a assumir a sua forma atual por fatores objetivos: 
pela situação econômica e pelos movimentos de massa determinados por aquela 
situação. (Togliatti, 2010, p.21)
Entre 1923 e 1926 [...] nasce o totalitarismo. O fascismo não nasceu totalitário, ele 
tornou-se totalitário [...]. (Togliatti, 2010, p.32, tradução minha, ABJ)
No Brasil temos, hoje, um governo predominantemente neofascista, baseado 
num movimento neofascista, mas até aqui o que ainda temos, no que diz respeito ao 
regime político, é uma democracia burguesa, embora deteriorada. Por que democra-
cia burguesa? Porque os mandatários foram eleitos e o Congresso Nacional segue 
funcionando e tendo influência efetiva no processo decisório – influência limitada 
pelo hiperpresidencialismo brasileiro, mas tal limitação não é novidade desta con-
juntura. Por que deteriorada? Fundamentalmente, por dois motivos. Porque, em 
primeiro lugar, desde o início da Operação Lava-Jato e graças à chamada Lei da 
Ficha Limpa, foi criado pelo aparelho judiciário um filtro político para impugnar 
candidaturas de esquerda ou de centro-esquerda com chances de vitória, e porque, 
em segundo lugar, as instituições políticas, inclusive o Supremo Tribunal Federal 
(STF), encontram-se sob a tutela das Forças Armadas, particularmente do Exército. 
Como exemplos, basta lembrar o enquadramento público do STF em abril de 2018 
pelo general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, determinando a 
rejeição do habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula 
da Silva e também a proibição que pesa sobre o Legislativo de legislar, ele próprio, 
sobre a aposentadoria dos militares – o projeto em tramitação foi elaborado pelas 
próprias Forças Armadas. A essa deterioração na forma de organização democrática 
das instituições do Estado correspondem alterações no regime político vigente, plano 
no qual podemos observar ameaças e atentados às liberdades políticas – censura, 
atentados ao direito de reunião, prisões arbitrárias etc.
Por um conceito geral e teórico de fascismo
Trata-se, então, de um movimento neofascista e de um governo predominante-
mente neofascista, mas não, pelo menos até aqui, de uma ditadura fascista. Cabe, 
agora, a pergunta geral: por que podemos falar em fascismo ou neofascismo no 
século XXI e num país localizado na periferia do capitalismo internacional? O 
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fascismo não seria um fenômeno político típico do século XX e dos países impe-
rialistas? Nessa matéria, há algumas respostas que, a nosso ver, são equivocadas 
e que devem ser criticadas antes de apresentarmos a nossa própria definição.
O primeiro equívoco provém da proposta de confinar o fenômeno fascista à 
Itália do período de 1919 a 1945 ou, quando muito, também à Alemanha desse 
mesmo período. Um prestigiado historiador do fascismo, Emilio Gentile (2019), 
publicou recentemente um livro para defender essa tese restritiva. Trata-se de 
uma posição historicista radical: assim como o conceito de fascismo, devemos 
entender que os demais conceitos, em geral, só serviriam para designar fenômenos 
do período no qual e/ou para o qual foram criados. Gentile resume a sua tese com 
a seguinte afirmação: o conceito de fascismo é a própria história do fascismo, e 
essa não teve predecessores no século XIX e não terá sucessores no século XXI 
(Gentile, 2019, p.126). A crítica aprofundada a esse tipo de enfoque demandaria 
um espaço que não temos para este dossiê de Crítica Marxista. O que cabe argu-
mentar é que, do mesmo modo que generalizamos quando elaboramos e utilizamos 
o conceito de democracia, ditadura, monarquia, república e outros conceitos da 
Ciência Política, devemos também generalizar quando elaboramos e utilizamos 
o conceito de fascismo, que é um movimento político reacionário das camadas 
intermediárias da sociedade capitalista e um tipo específico de ditadura burguesa.
Gentile não é um marxista, mas o historicismo está presente também em 
algumas tradições marxistas, a começar pelo marxismo italiano. Recentemente, 
um autor marxista, Atilio Borón, escreveu sobre Bolsonaro recorrendo à mesma 
ideia geral: o fascismo é um fenômeno histórico irreproduzível (Borón, 2019). O 
argumento específico de Borón é o de que a fração burguesa hegemônica na dita-
dura fascista era a burguesia nacional, entidade política que teria desaparecido em 
decorrência da nova onda de internacionalização da economia capitalista. Eu fiz 
uma crítica desenvolvida dessa tese no meu já citado texto (Boito Jr., 2019). Não 
entrei no mérito – e tampouco vou entrar no presente texto – da questão de saber se 
as burguesias dos diferentes países capitalistas se fundiram, ou não, numa burguesia 
única mundial. Quero apenas indicar o seguinte. No que respeita ao regime político, 
o fascismo é um tipo de ditadura e, como outros regimes políticos, ele comporta, 
dentro de certos limites, composições distintas do bloco no poder com diversas 
frações burguesas hegemônicas. Um mesmo regime político comporta diversas 
forças hegemônicas e, o que não é necessariamente um mero reverso da medalha, 
uma mesma fração burguesa pode exercer sua hegemonia em diferentes regimes. De 
um lado, a democracia burguesa serviu para a organização da hegemonia do médio 
capital na época do capitalismo concorrencial e para a organização da hegemonia 
do grande capital monopolistaa partir do século XX. De outro lado, enquanto na 
Itália e na Alemanha o grande capital instaurou a sua hegemonia por intermédio do 
fascismo, essa mesma fração burguesa chegou ao posto hegemônico na Inglaterra e 
nos Estados Unidos por intermédio da democracia burguesa. A relação entre bloco 
no poder e regime político, embora não seja aleatória, não é unívoca.
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O segundo equívoco que pretendemos criticar diz respeito aos autores que, 
como nós, trabalham com um conceito geral de fascismo, mas com um conceito 
de fascismo que consideramos descritivo. Vamos nos referir a dois autores que 
publicaram trabalhos que obtiveram repercussão. Estamos pensando em Umberto 
Eco (2018), com o seu pequeno livro Il fascismo eterno, o qual se encontra na 
trigésima edição, e em Robert Paxton (2014), com o seu importante trabalho 
Anatomy of Fascism. Nesses casos, dizemos que o fascismo é definido de modo 
descritivo porque tais autores, seguindo o que talvez seja a tendência amplamente 
dominante nos estudos sobre o tema, definem-no construindo uma lista, maior ou 
menor, daqueles que seriam seus atributos como fenômeno político e ideológico. 
Umberto Eco enumera quatorze características do fascismo (Eco, 2018, p.34-48); 
na conclusão do seu livro, Paxton (2004, p.218-220) recorre a nada menos que vinte 
atributos para definir o comportamento político fascista. Esse tipo de definição 
deve ser denominado descritivo porque os seus autores não explicitam os critérios 
teóricos a partir dos quais selecionam os atributos do fascismo; acreditam, num 
enfoque empiricista radical, partir exclusiva e diretamente dos fatos empíricos 
para criar o conceito; não nos dizem o que é principal e o que é secundário; não 
qualificam as relações existentes entre um e outro atributo, isto é, se formam 
ou não um todo organizado e tampouco nos dizem como proceder diante de um 
determinado fenômeno histórico que, eventualmente, apresente apenas uma parte 
da lista de características arroladas para caracterizar o conceito.
Um movimento e um regime ditatorial reacionários de massa 
Nós entendemos que o conceito de fascismo é um conceito geral. Entendemos 
também que sua definição deve ser teórica e não descritiva, isto é, deve, partindo 
simultaneamente, tanto dos fatos históricos, quanto de uma teoria geral da política 
e do Estado, localizar aquilo que é essencial ao fenômeno, oferecendo um rumo 
para as análises históricas. Do mesmo modo que ao definirmos o capital como o 
valor que se valoriza, o Estado como uma instituição específica que organiza a 
dominação de classe e as classes sociais como coletivos definidos pela posição que 
ocupam na produção social, ao lançar tais definições não fazemos senão indicar 
um rumo para o desenvolvimento da análise e não apresentar uma lista exaustiva 
das características de cada um desses fenômenos – capital, Estado e classes so-
ciais. Assim também, ao apresentarmos uma definição teórica de fascismo, o que 
obtemos é um norte para a análise histórica.
Todos os tipos históricos de Estado de classes dominantes exploradoras – es-
cravista, feudal, capitalista – apresentam-se, historicamente, na forma ditatorial ou 
democrática. O fascismo, enquanto forma de organização do aparelho e do poder 
de Estado, é uma variante da forma ditatorial do Estado capitalista, ou seja, é um 
tipo de ditadura distinto, por exemplo, da ditadura militar. Porém, o fascismo é 
também, como já indicamos, a ideologia que justifica essa ditadura e o movimento 
que, coesionado por essa ideologia, pode lutar para implantar tal tipo de ditadura 
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ou para mantê-la. Os textos nos quais podemos nos apoiar são as análises mar-
xistas sobre o fascismo. Pensamos em autores coevos do fenômeno e em outros 
mais recentes. Citaríamos para um grupo e outro Palmiro Togliatti e o Corso 
sulli avversari – le lezioni sul fascismo, obra que reúne o conteúdo das palestras 
proferidas pelo dirigente comunista italiano em 1935; Daniel Guérin, Fascisme 
et Grand Capital, de 1936, e Nicos Poulantzas, Fascisme et Dictature, de 1970.
Definimos o movimento fascista como um movimento reacionário de massa 
e, seguindo Togliatti, a ditadura fascista como um regime reacionário de mas-
sa. Esse elemento a distingue da ditadura militar – questão muito discutida na 
esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 1970. O fascismo é, digamos assim e 
tomando emprestada a terminologia da biologia, o gênero, sendo o fascismo ori-
ginal e o neofascismo brasileiro duas espécies diferentes do gênero à qual ambas 
pertencem. Cada uma das duas espécies citadas realiza as qualidades do gênero 
de um modo particular. Tentamos indicar essa semelhança geral e as diferenças 
específicas na Tabela 1.
O fato de se tratar de um movimento de uma camada intermediária da socie-
dade capitalista é importante. O fascismo não é um movimento burguês, embora 
chegue ao governo cooptado pela burguesia e embora seja, desde o seu início, 
ideologicamente dependente da burguesia. Ele é um movimento de massa de uma 
camada intermediária e apresenta, portanto, elementos ideológicos e interesses 
econômicos de curto prazo que podem destoar da ideologia e dos interesses econô-
micos imediatos da burguesia. Com a sua crítica conservadora do capitalismo, de 
tipo pequeno burguês, o movimento fascista original chegou, em diversos aspectos, 
a confundir socialistas e comunistas – Poulantzas (1970) fala de uma ideologia 
“anticapitalista de status quo”. No Brasil, o movimento de massa reacionário se 
formou em 2015 na campanha pela deposição de Dilma Rousseff. De lá, saiu, 
após depuração, o movimento especificamente neofascista – o bolsonarismo. A 
crítica desse movimento e do seu entorno, também de classe média, à corrupção 
e à dita “política do toma-lá-dá-cá” chegou a confundir partidos de esquerda e de 
extrema esquerda. A ala hegemônica do PT e inclusive a equipe governamental 
do governo Dilma, embaladas pela ideologia segundo a qual as instituições do 
Estado burguês são socialmente neutras – o dito “republicanismo” –, acredita-
ram que a Operação Lava-Jato visava realmente a combater a corrupção, e não 
a instrumentalizar a luta contra a corrupção em nome dos interesses do capital 
internacional e atendendo as expectativas ideológicas da alta classe média (Boito 
Jr., 2018). Por sua vez, o PSTU e uma das alas do PSOL foram atraídos pela La-
va-Jato, nesse caso movidos inclusive pelo erro político de eleger o reformismo 
do PT como inimigo principal a ser combatido. Em grau maior ou menor, parte 
da esquerda e da centro-esquerda tampouco percebeu que a crítica à velha política 
era e é a crítica à política parlamentar, isto é, à própria democracia burguesa – o 
grupo neofascista aspira governar por decreto.
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Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 117
A base de massa do movimento fascista cria uma situação complexa quando 
tal movimento assume o governo, o que ocorre graças à sua cooptação pela bur-
guesia e particularmente por uma das frações burguesas que disputam a hegemonia 
no bloco no poder. Hitler e Mussolini tiveram de se desvencilhar, para cumprir 
a função de organizar a hegemonia do grande capital monopolista, da chamada ala 
plebeia do fascismo, chegando, como é sabido, a eliminar fisicamente a liderança 
dessa ala; além disso, tiveram de alterar – no caso de Mussolini – ou tornar letra-
-morta – no caso de Hitler – o programa original do movimento (Guerrin, 1965; 
Poulantzas, 1970; Togliatti, 2010; Shirer, 2017). Em escala menor, Bolsonaro é 
levado, para atender prioritária mas não exclusivamente aos interesses do capital 
internacional e da burguesia associada, a entrar em conflito com os segmentos da 
classe média que aspiram ao fim daquilo que denominam “velha política” e com o 
movimento dos caminhoneiros, seus apoiadores que se sentem traídos pela política 
de preços dos combustíveis que atende aos interesses dos investidores internacionais.
A crise política que gera o fascismo original é mais grave que a crise política 
brasileira que gerou o neofascismo. Ambas possuem elementos gerais comuns: 
estão articuladas com uma crise econômica do capitalismo; apresentam uma crise 
de hegemonia no interior do bloco no poder – disputa entre o grande e o médio 
capital, num caso, e disputa entre a grande burguesia interna e grande burguesia 
associada ao capital internacional, no outro; comportam uma aspiração da bur-
guesia por retirar conquistas da classe operária; são agravadas pela formação 
abrupta de um movimento político disruptivo de classe média ou pequeno burguês; 
comportam uma crise de representação partidária da burguesia; são marcadas 
pela incapacidade dos partidos operários e populares de apresentarem solução 
própria para a crise política – os socialistas e comunistas foram derrotados antes 
da ascensão do fascismo ao poder (Poulantzas, 1970) e o movimento democrático 
e popular no Brasil vem sofrendo uma série de derrotas desde o impeachment de 
Dilma Rousseff e revelando incapacidade de reação (Boito Jr., 2018; 2019). Essa 
semelhança entre as duas crises é muito forte e é de importância maior para carac-
terizar o fascismo e explicar a sua origem nas sociedades capitalistas (Poulatazas, 
1970). Há, contudo, um componente fundamental que diferencia a crise política 
na qual nasceu o fascismo original da crise política na qual nasceu o neofascismo. 
E essa diferença nos leva de volta para a questão da base de massa do fascismo.
A “esquerda” que o fascismo original enfrenta é um movimento operário de 
massa, organizado em partidos socialista e comunista, e esforça-se, porexigência 
da luta política de então, para replicar esse tipo de organização, criando, como 
sucedâneo das células e sessões, as milícias. O seu inimigo é mais ameaçador e 
poderoso. Já o neofascismo, esse tem pela frente uma “esquerda” que é representada 
por um reformismo burguês – o neodesenvolvimentismo dos governos do PT – que 
se apoia numa base popular desorganizada. O inimigo do neofascismo é menos 
ameaçador e é politicamente mais frágil. Nessa situação, o neofascismo organi-
zou-se fundamentalmente por intermédio das redes sociais. No caso do fascismo 
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118 • Crítica Marxista, n.50, p.111-119, 2020.
original, multiplicaram-se as ações de bandos fascistas promovendo agressões 
físicas, assassinatos políticos, incêndios de sedes das organizações operárias, contra 
judeus, ciganos, comunistas, contando, sempre, com a condescendência do aparelho 
judiciário (Shirer, 2017). No caso do neofascismo, tivemos as agressões verbais e 
as ameaças em locais públicos ou pelas redes sociais, as manifestações ostensivas 
de preconceito contra a população do Nordeste, os negros e a população de baixa 
renda, contando com a colaboração do aparato judicial e policial para ameaçar 
reuniões dos movimentos democráticos e populares e prender as suas lideranças.
Hoje, o neofascismo dá mostras de incompetência organizativa. As duas ma-
nifestações convocadas para defender o governo foram fracas. O próprio governo 
hesitou na convocação e acabou recuando. O ideólogo desse movimento, Olavo de 
Carvalho, deu-se conta dessa debilidade e está conclamando a malta a se organizar 
para poder defender o governo. Não está descartada a hipótese de esse movimento 
declinar e o seu grupo dirigente ser absorvido pela democracia deteriorada que 
contribuíram para criar no Brasil. É preciso ter em mente a sábia observação de 
Palmiro Togliatti: pode-se ou não chegar a uma ditadura fascista em decorrência 
da situação econômica e da luta de classes e não apenas, nem principalmente, 
em decorrência da existência de ambições e projetos autoritários dos fascistas. 
E, acrescentamos nós, o movimento neofascista pode, no limite, se dissolver ou 
moderar o seu programa, do mesmo modo que, mudando o que deve ser mudado, 
um partido de esquerda pode moderar o seu programa e se descaracterizar com 
a finalidade de se manter no poder governamental. O que deve ser mudado aqui 
é o seguinte: o movimento neofascista tem como obstáculo a forma de Estado 
democrático burguesa, enquanto um movimento socialista tem como obstáculo 
o próprio Estado burguês.
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Disponível em: <http://laboratorios.ufrrj.br/lieri/wpcontent/uploads/sites/7/2019/05/
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governos do PT. São Paulo; Campinas: Unesp; Unicamp, 2018.
BORON, Atilio. Caracterizar o governo Bolsonaro como fascista é um grave erro. Brasil 
de Fato. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/01/02/artigo-or-
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ECO, U. Il fascismo eterno. Milão: La nave di Teseo, 2017.
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GERRIN, D. Fascisme et grand capital. 2.ed. Paris: François Maspero, 1965 [1936].
PAXTON, R. O. The anatomy of fascism. New York: Alfred A. Knopf, 2004.
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SHIRER, W. Ascensão e queda do Terceiro Reich. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 
2017.
TOGLIATTI, P. Corso sugli avversari: le lezioni sul fascismo. Torino: Einaudi, 2010.
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Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo • 119
Resumo
O fascismo original surgiu no século XX nos países centrais. Foi um mo-
vimento reacionário de massa predominantemente pequeno burguês, voltado 
contra o movimento operário socialista e comunista, que mobilizou uma crítica 
conservadora, típica do pequeno proprietário, à economia capitalista e à política 
parlamentar e chegou ao governo cooptado pelo capital monopolista. O neofas-
cismo surgiu no século XXI e, no caso brasileiro, na semiperiferia do sistema 
imperialista. É um movimento reacionário de massa com o predomínio da alta 
classe média voltado contra o reformismo burguês com base popular; mobiliza 
uma crítica conservadora, de classe média, à corrupção e à política democrática 
e chegou ao governo cooptado pelo capital financeiro internacional e pela fração 
da burguesia brasileira a ele integrada. Ambos os movimentos prestam serviços 
a frações da burguesia, mas sem se deixar reduzir a instrumentos passivos que 
essas frações manipulariam ao seu bel-prazer.
Palavras-chave: Brasil; governo Bolsonaro; fascismo; neofascismo.
Abstract
Original fascism arose in the twentieth century in the central countries. It 
was a mass reactionary movement of the petty-bourgeois against the socialist and 
communist workers’ movement that mobilized a conservative criticism, typical of 
the small owner, of capitalist economy and of parliamentary politics and came to 
the government co-opted by monopolist capital. Neo-fascism emerged in the 21st 
century and, in the Brazilian case, in the semi-periphery of the imperialist system. 
It is a reactionary mass movement of the upper middle class against a popular-
-based bourgeois reformism; it mobilizes a conservative middle-class critique of 
corruption and democratic politics, and has come to the government co-opted by 
international capital and the fraction of Brazilian bourgeoisie integrated into this 
capital. Both movements serve fractions of the bourgeoisie, but they are not reduced 
to passive instruments that these fractions would manipulate at their own pleasure.
Keywords: Brazil; Bolsonaro government; fascism; neofascism.
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