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Globalização e Neoliberalismo

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6 Universidade Estadual de Campinas – 17 a 23 de maio de 2004
 Muitos observadores viram na
reunião da Organização Mundial
do Comércio (OMC), realizada há
um mês em Cingapura [em dezembro
de 1996], um significado especial
para o balizamento das relações in-
ternacionais. O senhor partilha
dessa opinião?
Michel Debrun – Sem dúvida. O
que se celebrou em Cingapura foi a
globalização crescente do comércio
exterior. Ou seja, não apenas o co-
mércio exterior em si, o qual, por en-
volver uma pluralidade de nações,
tem por definição uma característica
globalizante. Mas sobretudo o fato
de que o comércio exterior ocupa um
lugar cada vez maior nas atividades
econômicas e no Produto Interno
Bruto de um número crescente de
nações. Isto é bem evidente no caso
dos Estados Unidos, que até há bem
pouco tempo estavam basicamen-
te voltados para si mesmos, sua par-
te das transações internacionais sen-
do proporcionalmente reduzida. De
modo geral, era o caso das grandes
nações, com exceção do Japão – desde
os anos 60 essencialmente voltado
para fora – e em grau menor da Ale-
manha. Só nações mirins do tipo
Cingapura faziam do desenvolvi-
mento do comércio exterior sua ra-
zão de ser. Agora trata-se de esten-
der ao resto do mundo a primazia
desse tipo de comércio, com a idéia
(da qual compartilho) de que isto de-
verá proporcionar um rápido au-
mento da riqueza mundial e a espe-
rança (desta vez especificamente
neoliberal, e da qual não comparti-
lho) de que a médio prazo deverá
também acarretar uma melhor dis-
tribuição da renda.
 Há quem ache que neoliberalismo,
globalização, capitalismo avançado
e imperialismo são termos equivalen-
tes ou, para usar uma expressão po-
pular, farinha do mesmo saco. O se-
nhor concorda?
De fato muita gente pensa assim,
particularmente uma certa esquer-
da ainda presa a velhos chavões.
Não se dão ao trabalho de analisar,
de esmiuçar as noções. Se o fizessem
veriam que globalização, neolibera-
lismo etc correspondem a fenôme-
nos factuais ou ideológicos muito re-
ais, mas que não mantêm entre si,
necessariamente, relações orgâni-
cas no seio de uma totalidade de pen-
samento, como teria dito Althusser.
Pode ser que, em vez disso, tais fatos
e ideologias se encontrem ou se de-
sencontrem em determinado mo-
mento e lugar. Ou seja, juntam-se e
colaboram entre si conforme o caso,
conjugando seus efeitos, positivos
ou deletérios. Ou então se disjuntam,
e aqui podem surgir coisas curiosas
para quem está acostumado a rea-
lizar um amálgama confuso (embo-
ra de forte impacto emocional) entre
noções conceitualmente diferentes.
Voltando à conferência de Cinga-
pura, vou dar um exemplo. Não é cu-
rioso que a delegação norte-ameri-
cana não tenha exigido uma conde-
nação formal da superexploração
do trabalho humano (o infantil em
particular) em certos países, especi-
almente os tigres asiáticos? Tal con-
denação, acompanhada de suges-
tões de sanções, teria ido diretamen-
ichel Debrun
pertenceu à
linhagem de
intelectuais franceses que,
como Lévi-Strauss, Roger
Bastide e Blaise Cendrars,
dedicaram parte
considerável de sua vida ao
esforço de tentar
compreender e explicar o
Brasil. Essa busca, no caso
de Debrun, começou em
1957, quando ele aportou
no Rio de Janeiro para
incorporar-se ao grupo de
ideólogos do antigo Iseb
(Instituto Superior de
Estudos Brasileiros), e
prosseguiu até sua morte
quarenta anos depois.
Desde aquela época ele veio
se dedicando à questão da
identidade nacional e, na
década de 90, ao estudo do
Na última entrevista, Debrun diss
te ao encontro dos princípios neo-
liberais formulados por instituições
como o FMI e o Bird. Afinal essas ins-
tituições pregam a livre concorrên-
cia dos capitais, das mercadorias e
dos homens, desde que essa liberda-
de “total” não seja selvagem nem
anti-ética. Fatores como a explora-
ção do trabalho em condições
subumanas, a livre aplicação, a la-
vagem internacional e a transferên-
cia de um país para outro do dinheiro
oriundo do tráfico de drogas ficam
fora das regras do jogo. Como se
sabe, o FMI tem propalado sua pre-
ocupação crescente com este último
aspecto da questão. Ora, os america-
nos (tão neoliberais e ao mesmo tem-
po éticos em relação ao resto da pau-
ta da conferência) não deram apa-
rentemente muita atenção a essa es-
pécie de contradição. Possivelmente
porque a delegação americana tinha,
em outros assuntos, algum interesse
em contemplar os tigres asiáticos e,
ao mesmo tempo, negar apoio às de-
legações européias, em particular a
seus sindicalistas obcecados com os
baixos preços das mercadorias asi-
áticas. Assim o neoliberalismo saiu
vencido num ponto específico mas
importante num encontro em gran-
de parte consagrado a fazer aumen-
tar a penetração e a aceitação de se-
us princípios, bem como a fazer dele
próprio, neoliberalismo, uma mani-
festação palatável da globalização.
 Nesse caso, não havendo esse
entrosamento orgânico entre globali-
zação e neoliberalismo, o bicho-pa-
pão pode não ser tão feio quanto pa-
rece. Logo o futuro, visto por muitos
como catastrófico, pode ser que se a-
presente em cores mais amenas?
Não se trata absolutamente de
negar eventuais perigos trazidos
por esses diversos fenômenos, ou
por associações entre eles, mas de
identificá-los e de qualificar o peso
de cada um. É possível, inclusive, que
a curto e a médio prazo o conjunto
das desvantagens trazidas pelo
conjunto desses fenômenos ou pela
globalização tomada isoladamente
seja maior do que a soma das vanta-
gens. O que eu recuso, apenas, são
certas afirmações “globalizantes”
sobre a globalização e quejandos. Do
seguinte tipo: globalização mais
neoliberalismo mais imperialismo
formam um bloco e esse bloco é res-
ponsável por todos os males do
mundo atual, desde o agravamento
do fosso entre ricos e pobres (inclu-
sive nos Estados Unidos) até o des-
mantelamento do estado de bem-
estar social, o Welfare State que se ti-
nha espraiado no mundo desenvol-
vido a partir da Segunda Guerra
Mundial. Outra afirmação “globa-
lizante”, desta vez do lado da ex-
trema-direita francesa, é a seguin-
te: globalização mais esquerdismo
mais invasão da França pelos imi-
grantes árabes foram um bloco e es-
se bloco é responsável por todos os
males da França, desde o cresci-
mento do desemprego até a deca-
dência do estado nacional. São a-
málgamas desse gênero, concretiza-
dos na imagem do bicho-papão, que
devemos procurar superar.
Colocada em termos distintos do
neoliberalismo e do antigo imperialis-
mo, como o senhor definiria, a rigor, a
globalização?
Eu diria que a palavra globaliza-
ção é hoje utilizada em três sentidos
diferentes, cada sentido correspon-
dendo a uma categoria de fenôme-
nos reais. Mas no discurso corrente,
oral ou escrito, nenhum desses sen-
tidos é explicitado. É só olhando pa-
ra o contexto que chegamos a recons-
tituir o sentido ou os sentidos que
alguém dá à palavra, que sem dúvi-
da é um dos vocábulos mais grafa-
dos e pronunciados do momento.
 Não seria este o seu momento de
fama antes de envelhecer e passar para
o museu léxico?
Pode ser, mas presentemente ela é
mais que uma palavra e corresponde
a uma realidade bem pal-
pável. Num primeiro sen-
tido a globalização é o que
dissemos aqui a respeito da
extensão do comércio in-
ternacional. Ou seja, há
globalização quando um fe-
nômeno (econômico, social,
cultural etc) é reproduzido
num número crescente de
exemplares no mundo in-
teiro. Vamos pensar, por
exemplo, na disseminação
do uso do computador. Ca-
da vez mais, um número
crescente de pessoas, empresas e ins-
tituições já não pode dispensar os ser-
viços informatizados, a tal ponto que,
muitas vezes, esse uso se torna um fim
em si mesmo. Direi, então, que esse fe-
nômeno de natureza tecno-social é u-
ma manifestação da globalização por
homogeneização. Ou, se você preferir,
que ele resulta numa homogenei-
zação crescente entre os homens; ou,
ainda, que estamos diante de um pro-
grama de produção que se aproxima
da “clonagem” generalizada.
 Muitos creditam o fenômeno da
mundialização ao desenvolvimento
vertiginoso dos processosde comuni-
cação e informação. O que há de ver-
dade nisso?
Este é o segundo sentido que fre-
qüentemente se atribui ao termo
globalização. Na verdade, ela tem a
ver mais propriamente com a trans-
missão da informação que, emitida
de uma fonte A, tem um efeito dire-
to sobre um receptor B. Não se tra-
ta, aqui, da simples reprodução ou
do uso da informação que se dá nu-
ma infinidade de exemplos diários,
mas da própria informação enquan-
to manifestação de uma globaliza-
ção específica. A informação é intrin-
secamente globalizante no sentido
de que, independentemente da fre-
qüência de seu uso, ela conecta por
definição todos os pontos do mun-
do – potencial ou efetivamente. E o
faz instantaneamente. É essa glo-
balização comunicacional que, sen-
do o suporte por excelência da glo-
balização financeira, permitiu que
ocorresse a catástrofe mexicana de
fins de 1994. Algumas informações
concernentes a certos aspectos, re-
ais ou supostamente negativos, da
situação econômico-financeira des-
se país foram retransmitidas num
primeiro instante a todas as praças
financeiras do mundo. E, num se-
gundo instante, havendo livre cir-
culação de capitais flutuantes no
mundo inteiro, urdiu-se a retirada
maciça desses capitais, forçando a
degringolada do peso mexicano. Pu-
nia-se assim um país que até aque-
le momento era visto como o aluno
modelar do FMI e de Washington. Di-
gamos, então, que a globalização fi-
nanceira é um derivado, uma conse-
qüência da globalização da informa-
ção ou da comunicação.
O senhor falou num terceiro senti-
do do termo globalização...
Num terceiro sentido temos o que
eu chamaria de globalização por di-
ferenciação no seio de um todo já mais
ou menos homogêneo ou unificado.
Essa unificação prévia pode resultar
do trabalho de uma ou de outra das
duas primeiras globalizações. Mas
pode também consistir num equilí-
brio que se estabeleceu com o tempo
entre pólos (econômicos,
políticos, culturais, mili-
tares etc) que eram inici-
almente indiferentes en-
tre si ou mesmo inimi-
gos. Tal seria, por exem-
plo, o equilíbrio quase
institucional alcançado
nos tempos da guerra fria
entre Estados Unidos e
União Soviética. Então a
idéia é a seguinte: redu-
zindo os pólos a dois, pa-
ra simplificar, eu diria
que qualquer novidade
ou diferença importante que surja no
pólo A cria imediatamente uma nova
situação favorável ou desfavorável
ao pólo B – mesmo que não haja pres-
são de A sobre B ou qualquer outra
forma de interação. E isso pode ser
visto como uma forma de globali-
zação, já que os dois pólos vão ficar
agora soldados um ao outro, embo-
ra à distância (já que no primeiro mo-
mento não interagem), pelos própri-
os problemas e situações que um
traz para o outro. Naturalmente,
quanto maior for a distância entre
eles em termos de espaço físico, eco-
nômico, político, cultural etc, tanto
maior será a globalização. E ainda:
quanto maior a situação de depen-
dência ou de inferioridade que pode
vitimar um dos pólos, tanto maior
será o grau de globalização.
Poderia exemplificar?
Sim. O afundamento da URSS no
final dos anos 80 trouxe, como se
sabe, uma imediata superioridade
dos Estados Unidos e a possibilida-
de de expansão de sua hegemonia
sobre o resto do mundo. Observe
que os Estados Unidos não precisa-
ram agir militarmente para isso,
apenas forçaram a URSS a uma cor-
rida armamentista que ela não po-
dia sustentar. Outro exemplo é a que-
da do muro de Berlim e a unificação
inesperada das duas Alemanhas.
Esses fatos desequilibraram a união
da Europa Ocidental e levaram a
França a adotar políticas cautelares
contra uma possível reativação do
expansionismo alemão. Quanto à
dissimetria que se cria (e se cria sem
parar, devido à rapidez do progresso
tecnológico), ela constitui o exemplo
predileto dos críticos da globali-
zação. Não apenas como fonte prin-
cipal da onda de desemprego que
varre a maioria dos países, mas
também como uma ameaça perma-
nente sobre qualquer tipo de empre-
go e ainda por exigir uma capacidade
de reciclagem constante. Tudo isto,
por definição, é incompatível com a
cultura do emprego garantido (que
reinava no leste europeu) ou quase
garantido, que prevalecia no oeste,
particularmente na Alemanha.
O senhor distinguiu três formas de
globalização. Elas caminham autono-
mamente ou há pontes entre elas?
É evidente que a primeira, a glo-
balização uniformizante, e a segun-
da, a globalização comunicacional,
têm uma tendência natural a cres-
cer juntas e a se reforçar mutuamen-
te. Quanto à terceira, a globalização
por diferenciação, sugeri que ela
pressupõe uma homogeneização ou
unificação prévia, que ela destrói. É
fácil entender isso voltando aos pó-
los A e B: se os dois não pertencessem,
antes de qualquer cotejo, a um mes-
mo espaço econômico, social, cultu-
ral etc, não haveria como dizer que
uma relação assimétrica se criou
entre eles. Ficariam apenas distan-
tes e indiferentes. Por exemplo, an-
tes da exploração (no duplo sentido)
do Extremo Oriente pelos ocidentais
e do conhecimento que chineses e eu-
ropeus adquiriram uns dos outros,
não fazia sentido afirmar que os pro-
gressos tecnológicos dos europeus
implicaram automaticamente um
rebaixamento político, econômico
ou mesmo tecnológico dos chineses.
Voltando ao neoliberalismo. Em
que ponto ele engrena, se é que engre-
na, na temática da globalização?
Boa parte das análises neoliberais
se dedica à globalização do comér-
cio exterior, visto como motor prin-
cipal do desenvolvimento das eco-
nomias modernas, de acordo com a
fórmula “as importações de hoje fa-
zem as exportações de amanhã”. A
teoria neoliberal procura mostrar
que, uma vez impulsionado e gene-
ralizado o comércio exterior por de-
cisões governamentais ou intergo-
vernamentais, sua globalização
crescente tende a se processar por
automovimento, uma tendência
endógena que dispensa, ou mesmo
repele, a intervenção de fatores ex-
ternos como a dos estados nacionais.
As condições do automovimento
seriam, em particular, a liberdade
total das decisões econômicas dos
participantes (refiro-me a institui-
ções e empresas, não a países) e uma
transparência do processo para
esses participantes, o que seria asse-
gurado por uma intensificação dos
fluxos informacionais. Em síntese:
uma globalização do tipo homoge-
neizante ou unificador, segundo a
minha nomenclatura, seria propul-
sada por uma globalização do tipo
M
EUSTÁQUIO GOMES —
eusta@unicamp.br
Estamos diante
de um programa
de produção que
se aproxima da
“clonagem”
generalizada
7Universidade Estadual de Campinas – 17 a 23 de maio de 2004
processo de globalização
das economias e à
conseqüente inserção do
país na corrente dessas
transformações. Concedida
a Eustáquio Gomes e
publicada originalmente
no Correio Popular de
Campinas, em 11 de janeiro
de 1997 – menos de três
meses antes do acidente
vascular cerebral que o
levaria em 9 de março do
mesmo ano – esta foi a
última entrevista
concedida por Debrun.
Nela, ele expressa a crença
de que o Brasil, na linha
“antropofágica” que
sempre o caracterizou,
seria capaz de assimilar as
transformações em curso e
“emergir” nas primeiras
décadas do século 21.
run disseca a globalização
comunicacional. Além
disso o processo, precisa-
mente por ser “auto” e
não comandado de cima
para baixo, comportaria
possibilidades de auto-
correção, garantindo, a
médio prazo, o pleno em-
prego (ou quase) dos fa-
tores econômicos envol-
vidos. Pode ser que seja
assim em vários casos e,
para esses casos, o neoli-
beralismo pode ser con-
siderado como a teoria
verdadeira da globalização. O que
ele não vê, porém, é que ao lado des-
sa globalização “suave” existe e se es-
praia uma globalização “selva-
gem”, enquadrada no terceiro tipo
da nomenclatura que mencionei.
 É possível fazer frente a essa face
selvagem da globalização sem entrar
em conflito direto com as forças que
hoje determinam as relações interna-
cionais?
Vou dar dois exemplos de nature-
za oposta. Nos Países Baixos o pri-
meiro ministro Wim Kok, antigo lí-
der sindicalista social-democrata,
adotou o lema “jobs,jobs, jobs”. Isto
queria dizer prioridade absoluta
para o emprego, para a multipli-
cação dos empregos, cada indiví-
duo adquirindo, senão a garantia vi-
talícia desse emprego, pelo menos a
quase garantia de um emprego. Tra-
tava-se de neutralizar, de antemão,
o impacto trabalhista da globali-
zação tecnológica, seja qual for sua
evolução. Para tanto se inventou
uma parafernália, aliás bem-suce-
dida, que inclui desde macetes neo-
liberais como a redução ou a elimi-
nação das taxas sobre empresas ou
a diminuição consensual de certos
salários, passando pela adoção da
semana de 36 horas em vários ramos
e pela destinação dos ganhos de pro-
dutividade das empresas à forma-
ção polivalente de jovens trabalha-
dores ou à reciclagem dos mais ve-
lhos. Trata-se, para além do estado
de bem-estar perdido, de instaurar
algo mais enxuto, uma economia so-
cial de mercado. A melhoria da pro-
dutividade faz o restante, isto é, per-
mite enfrentar vitoriosamente a
concorrência internacional. Em sín-
tese, o caso holandês representa um
caso de resistência suave, mas in-
transigente, às condições dos novos
tempos. Bem diferente do volunta-
rismo tenso do governo francês –
este é exemplo oposto – que, face à re-
sistência do conjunto da população
a qualquer mudança substancial do
estado de bem-estar, tenta desespe-
radamente manter as coisas como
estão, disposto até a lançar mão de
uma eventual desvalorização do
franco frente ao dólar e ao marco.
Nesse contexto, como fica o Brasil?
O Brasil é um terceiro caso, inter-
mediário entre a França e os Países
Baixos. Aparentemente mais perto
destes, já que procura, como eles,
meios de absorver ou contornar
suavemente os fluxos neoliberais.
Mas com maior vontade de auto-a-
firmação nacional do que os Países
Baixos, que admitem sem maiores
restrições sua integração na Comu-
nidade Européia e são defensores
incondicionais da moeda única. Es-
tão também prontos para uma
eventual ordem interna-
cional sem fronteiras.
Nesse ponto, o Brasil me
parece mais próximo da
posição francesa, como fi-
cou claro em Cingapura,
onde as posições da dele-
gação brasileira nem
sempre coincidiram com
as exigências neoliberais
e com as posições norte-
americanas.
 Mas o impacto dessas
transformações pode ser
maior do que qualquer capacidade de
resistência que o Brasil possa vir a de-
monstrar. Não lhe parece?
 Para contextualizar o Brasil e to-
mar seu pulso nesse processo, talvez
fosse bom recordar à linha “antro-
pofágica” que, partindo de Oswald
de Andrade, passa por Gilberto
Freyre e chega a Darcy Ribeiro. O que
essa linha diz, sob uma linguagem
por vezes irônica, por vezes ufanis-
ta, é o seguinte: o Brasil tem uma ca-
pacidade fantástica de deglutir,
rearranjar ou mesmo neutralizar
tudo o que vem de fora, mesmo que
de início possa parecer um recipien-
te passivo, como no caso das tábu-
as da lei do FMI. Na verdade o Bra-
sil faz como fazia o general Kutusov,
que em 1812 permitiu que Napoleão
avançasse pelas estepes russas para
em seguida apanhá-lo na armadilha
do inverno e da fome. Vejo o Brasil
como um dos três países-continen-
tes que provavelmente vão emergir
nas primeiras décadas do próximo
século [século XXI]. É o caso da Chi-
na e talvez da Rússia, se esta for ca-
paz de escapar ao caos econômico,
social, político, militar e ético em que
se acha mergulhada. Se levarmos
em conta a existência dos Estados
Unidos, do Japão (ou da esfera asiá-
tica) e da Comunidade Européia, pa-
rece-me que a dinâmica mundial
não vai se dar no sentido projetado
ou mesmo anunciado como certo
pelo neoliberalismo. Não acredito
que as nações, pelo menos as macro
ou supra-nações, tendam a desapa-
recer, mesmo que homogeneizações
setoriais possam se multiplicar.
 Em sua opinião, o governo brasileiro
[de Fernando Henrique Cardoso] está
reagindo adequadamente a esse pro-
cesso?
Apesar de me considerar um na-
cionalista brasileiro, permaneço
cidadão francês e como tal não me
sinto no direito de opinar sobre a
conjuntura política brasileira. Direi
apenas que o Real, sejam quais forem
os prós e contras que se possam ali-
nhavar para avaliar sua
performance, está se constituindo,
enquanto mito coletivo, num formi-
dável filme inaugural da nacionali-
dade. Mais exatamente da nação
sócio-política, já que, a meu ver, a
nacionalidade sócio-cultural (o fu-
tebol, o carnaval, a música popular
e sobremaneira essa agregação di-
ária em torno da novela) existe já faz
tempo. Contanto que o Real perdu-
re e seu mito seja alicerçado, o Bra-
sil me parece capaz de enfrentar os
perigos da globalização e até apro-
veitar suas eventuais benesses atra-
vés de políticas que não sejam, em
parte ou na totalidade, forçosamen-
te neoliberais.
Fotos: Antoninho Perri/ AAN
Michel Debrun em 1991 (acima) e em janeiro de 1997, três meses antes de sua morte
Não acredito
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