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UMICAMP U N I V E R S I D A D E ESTADUAL DE C A M P I N A S Reitor F E R N A N D O FERREIRA C O S T A C o o r d e n a d o r Geral da Universidade EDGAR SALVADORÍ DE D E C C A C D 1 T o R 3 | U N 1 c A M P | Conse lho Editorial Presidente PAULO F R A N C H E T T I A L C I R P É C O R A - ARLEY R A M O S M O R E N O JOSÉ A . R . G O N T I J O - J O S É R O B E R T O Z A N M A R C E L O K N O B E L - M A R C O A N T O N I O Z A G O SEDI H I R A N O - YARO B U R I A N J Ú N I O R C h r i s t o p h T ü r c k e S O C I E D A D E E X C I T A D A F I L O S O F I A D A S E N S A Ç Ã O T R A D U Ç Ã O A n t o n i o A. S. Z u i n Fábio A . D u r ã o Francisco C . F o n t a n e l l a M a r i o Frung i l lo E D I T O R A U H I C A H P F I C H A C A T A L O G R A F I C A E L A B O R A D A P E L O S I S T E M A DE B I B L I O T E C A S DA U N I C A M P D I R E T O R I A DE T R A T A M E N T O DA I N F O R M A Ç Ã O Tiircke, Chriscoph, 1948-. T843S Sociedade excitada: filosofia da sensação / Christoph Türcke; Tradutores: Antonio A. S. Zuin... [et ai.]. - Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1010. 1. Filosofia. 2. Teologia. 3. Senridos e sensações. 4. Fisiologia. s- Teoria crítica. I. Zuin, Antonio Álvaro Soares. II. Título. CDD 100 230 151.1 612 ISBN 978-85-268-0856-0 301.04 índices para catálogo sistemático: 1. Filosofia 100 2. Teologia 250 3- Sentidos e sensações 1 52.1 4- Fisiologia 612 S- Teoria critica 301.04 Título original: Erregte Gesdlschafi Copyright © by Verlag C. H. Beck o H G , München 2002 Copyright © by Christoph Türcke Copyright © 201 o by Editora da Unicamp Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 - Campus Unicamp CEP 13083-892 - Campinas - SP - Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br - vendas@editora.unicamp.br A G R A D E C I M E N T O S Do autor: Reiner Stach acompanhou o manuscrito da primeira até a última página. Ele foi sua espinha dorsal e sua consciência. RalfJohannes deu impulsos importantes para a concepção total, assim como Gerhard Schweppenhàuser proporcionou conselhos refrescantes nos períodos de seca. Andreas Gruschka e Oliver Decker ajudaram com anotações para alguns capítulos. Detlef Felken leu e corrigiu com grande cuidado. Mas talvez nada teria sido possível sem o amor de Angelika. Dos tradutores: agradecemos as colaborações de Claudia Gerth, Maj-Lis Strunk Costa, Markus Lasch e Oswaldo Giacóia jr. http://www.editora.unicamp.br mailto:vendas@editora.unicamp.br SUMÁRIO P R E F Á C I O 9 1 P A R A D I G M A D A S E N S A Ç Ã O 13 2 L Ó G I C A D A S E N S A Ç Ã O 87 3 F I S I O T E O L O G I A D A S E N S A Ç Ã O 121 4 S E N S A Ç Ã O A B S O L U T A 173 5 S U B S T I T U T O D A S E N S A Ç Ã O 2 3 3 Í N D I C E O N O M Á S T I C O 321 — PREFÁCIO O R I G I N A L M E N T E , S E N S A Ç Ã O S I G N I F I C O U nada mais do que percepção. Nos dias atuais, entende-se principalmente como sensação aquilo que, mag- net icamente , atrai a percepção: o espetacular, o chamativo. Deslocamento, condensações e contrações de significado fazem parte do cot idiano de cada língua viva. Evento significou primeiramente um acontecimento totalmente geral. Até o m o m e n t o a palavra é empregada para acontecimentos totalmen- te especiais: atos do Estado, entrega de prêmios, estreias, vemissages, concer- tos etc. Cada assunto comum era antigamente um ajfair, antes de ser adotado como um assunto delicado de Estado ou de amor. Vício, ou dependência, sig- nificou principalmente doença. Nos dias atuais, tal palavra é aplicada apenas em relação a determinados estimulantes. Também o deslocamento na palavra "sensação" — da percepção totalmente comum para a percepção do incomum e finalmente para este próprio incomum — seguiu este padrão: do geral para o particular. Mas mesmo isso não é nada especial, ou seja, é apenas um de mui- tos exemplos em relação a como a língua se especializa, afia, enfatiza — um caso especial da lingüística. Só que neste caso o pequeno deslocamento de significado é a abreviação lingüística para deslocamentos, rejeições, descartes e revoluções sociais em maior escala. A sociedade moderna se ara como nenhu- ma sociedade anterior. Seu progresso tecnocientífico minou tudo aquilo que pareceu ser natural: relações estabelecidas de trabalho, de propriedade e patri- moniais, hábitos superados, rituais, fundamentações de crenças, ri tmos e ex- tensões de vida comuns, velocidade, formas de pensamento e de percepção. Nada é óbvio mais. Somente o inconstante se tornou constante: o estado de uma inquietude geral, de excitação, de efervescência. Esse estado teve na sua aurora, nos séculos XVIII e XIX, algo de extremamente promissor. C o m boas PREFÁCIO O R I G I N A L M E N T E , S E N S A Ç Ã O S I G N I F I C O U nada mais do que percepção Nos dias atuais, entende-se principalmente como sensação aquilo que, mag- ne t icamente , atrai a percepção: o espetacular, o chamativo. Deslocamento, condensações e contrações de significado fazem parte do cot idiano de cada l íngua viva. Evento significou primeiramente um acontecimento totalmente geral. Até o m o m e n t o a palavra é empregada para acontecimentos totalmen- te especiais: atos do Estado, entrega de prêmios, estrelas, vernissages, concer- tos etc. Cada assunto comum era antigamente um affair, antes de ser adotado como u m assunto delicado de Estado ou de amor. Vício, ou dependência, sig- nificou pr incipalmente doença. Nos dias atuais, tal palavra é aplicada apenas em relação a determinados estimulantes. Também o deslocamento na palavra 'sensação" — da percepção totalmente comum para a percepção do incomum e finalmente para este próprio incomum — seguiu este padrão: do geral para o particular. Mas mesmo isso não é nada especial, ou seja, é apenas um de mui- tos exemplos em relação a como a língua se especializa, afia, enfatiza — um caso especial da lingüística. Só que neste caso o pequeno deslocamento de significado é a abreviação lingüística para deslocamentos, rejeições, descartes e revoluções sociais em maior escala. A sociedade moderna se ara como nenhu- ma sociedade anterior. Seu progresso tecnocientífico minou tudo aquilo que pareceu ser natural: relações estabelecidas de trabalho, de propriedade e patri- moniais, hábitos superados, rituais, fundamentações de crenças, ritmos e ex- tensões de vida comuns, velocidade, formas de pensamento e de percepção. Nada é óbvio mais. Somente o inconstante se tornou constante: o estado de uma inquie tude geral, de excitação, de efervescência. Esse estado teve na sua aurora, nos séculos XVIII e XIX, algo de extremamente promissor. Com boas razões, esse estado pôde ser visto como um sinal de que a humanidade come- çava a sair de sua "menoridade autoculpável". Em toda a miséria que a Revolu- ção Industrial trouxe consigo, abriu-se, concomi tan temente , a perspectiva de uma nova época direcionada pela razão, na qual as pessoas agiriam coletiva- mente de forma solidária e produtiva, tal como demons t ram as muitas partes entrelaçadas de uma grande engrenagem maquinai . N o século XX, essa perspectiva se fechou . Mas a efervescência geral não d iminuiu . Pelo contrário, ela se congest ionou. Porém, quan to mais lhe falta a grande válvula, cuja abertura coletiva ela poder ia acionar, mais dif ici lmente se pode suportá-la, mais faz com que todos procurem com suas forças encontrar aquilo que proporc iona alívio, e tudo que fascina, que encanta, serve para tal. Existe or ientação, apoio e realização, mesmo que seja apenas um m o m e n t o higaz. Mas, para inflacionar esse m o m e n t o até o infinito, coloca-se à disposição um repleto aparato visual.Ele deixa passar nas telas incontáveis momen to s e direciona a percepção para aqueles mais persistentes, os que "fazem sensação", os quais se destacam tanto que provocam uma percepção que permanece. Há uma torrente de estímulos dos meios de comunicação de massa que competem para fazer parte dessas sensações. N inguém consegue dominá-los. N e m o mais dis t into intelectual que torce o nariz consegue fechar-se d iante dos estímulos, de tal m o d o que o sentido de sua atenção, a escolha dos temas e das palavras, o t empo e o r i tmo de seus pensamentos não conseguem permanecer sem ser po r eles molestados de alguma forma. Em curtas palavras, é chegado o m o m e n t o de se falar de uma sociedade da sensação. Entre tanto , essa palavra não sugere a ent rada da human idade n u m a nova época, tal como fizeram as palavras "sociedade pós-industrial", "pós-moderna", "de risco", ou "da informação", todas palavras chamativas e desviantes. Só porque a sociedade altamente "tecnificada" não apresenta mais as características tais como máquinas que ofegam e que exalam vapor e trabalhadores suados, não significa que ela não seja mais uma sociedade industrial, mas sim que penetra microeletroni- camente, com sua produtividade múltipla e refinada, em todas as áreas de trabalho. Isso também não significa que uma sociedade, que diar iamente moderniza seu arsenal técnico e seu design, e cada vez mais rap idamente p roduz seu capital, não seria mais moderna só porque ela afrouxou suas formas de organização, de relação e de expressão, não mais constrói como a Bauhaus, não mais comunica como a burguesia e o movimento operário ou não mais cultiva o estilo de vida, o gosto, o o t imismo pelo progresso da geração dos avós. C o m o se esses riscos imponderáveis fossem algo especial de nosso t empo e não de sociedades arcai- cas que foram expostas aos animais selvagens, às epidemias e à fome. C o m o se a informação importasse somente desde o final do século XX, como se a for- maçao de um sistema de notícias confiável já não acompanhasse a criação de um comércio à distância ou como se hoje fôssemos até mais "sábios" do que ant igamente apenas porque somos continuamente inundados com impressões audiovisuais. Recentemente, a palavra da "sociedade pós-secular" circula sob a impressão de uma ofensiva global fundamentalista. C o m o se a secularizaçào fosse, em algum lugar do mundo, um fato já decidido que faz agora um rollback, jum recuo forçado religioso. C o m o se a secularizaçào, direta e exclusivamente tivesse provocado o bota-fora da religião do contrato social, e não ela mesma já se tivesse, desde o início, obstaculizado, estabelecendo, desta forma, uma nova instância do destino, a qual descarta e aceita, vez por outra, de forma tão inescrutável, como se fosse um deus calvinista, que divulga o seu próprio culto e seu incensório: o mercado mundial. A pressão de proclamar novos tipos de sociedade é uma característica da sociedade da sensação, e ela não é nova, pois há séculos já se trama. Ela também já foi nomeada A sociedade do espetáculo. Guy Debord, o cabeça da "Interna- cional Situacionista", que representou, com sua ligação oblíqua de Marx e a vanguarda estética, um verdadeiro acento colorido no marxismo cinzento dos anos 50 e 60 do século passado, marcou a ferro e fogo, sob esse título, o espetá- culo midiático como espetáculo de feira transformado, o chamativo audiovi- sual como p ropaganda alavancada de mercadorias, o culto imagético como fet ichismo da mercadoria estetizado, o moderno como o apogeu do arcaico1. E, assim, ele compõe uma lista de temas do tópico posto aqui em discussão. Entretanto, isso ocorre na forma de um projeto que tangencia, de modo genial, 0 espaço, o t empo e a história, e que raramente aprofunda a análise, como se isso não fosse necessário, como se o trabalho de base da crítica social já tivesse sido teito e bastasse saber o que são o capitalismo e o fetiche da mercadoria e a única coisa que restasse fosse descobrir seus disfarces mais recentes. Isso é mui to ingênuo. Tão certo se deve ter um conceito de capitalismo para concei- tuar suas mudanças, tampouco sua estetização espetacular é apenas uma nova roupagem que se precisa tirar para "desmascará-lo" como um velho conhecido. Essa estetização aderiu ao capitalismo, é a sua pele, e não seu envoltório — e urge, até mesmo os conceitos, os quais são conhecidos, pegá-lo de forma mais 1 G. Debord . Die Gesellschafi eles Spektakels. Hamburgo, 1978 [1967]. precisa, redefini-lo. Fe t ichismo não é mais aqui lo que Foi q u a n d o insiste na fixação do sensorio h u m a n o no espetacular. A lixiviação desse sensório por meio do rufar de t ambor audiovisual muda consideravelmente o significado da exploração. E se esse rufar do tambor final- men te começa a revolucionar as potências de conexões neurais elementares, as quais fo rmam a base elementar de toda cul tura, então a palavra "revolução" adquire uma nuança que nunca fora prevista no vocabulário socialista. Tudo isso está incluso no preço do espetáculo e demanda tanto uma i luminação neurofi- siológica, psicanalítica e teológica quanto filosófico-histórica e teorético-social. Na verdade, este livro começa a sério com a Sociedade do espetáculo. Ele elabora o proje to de mesmo nome, mas de uma forma que dele quase nada restará. O primeiro capítulo mostra um panorama dos atuais fenômenos de sensação. Tão efêmeros eles podem ser, mas têm uma longa preliminar. Para compreender o que se expressa e eclode do acumulado e conges t ionado, deve-se começar, naturalmente, pelo início. Por isso, o segundo capítulo segue o gradativo estrei- tamento de significado do conceito de sensação da Renascença até a Revolução Francesa e constata nisso um processo de const i tuição social, ou seja, como a sociedade moderna se formou numa massa de excitação. O que parece, do pon to de vista moderno, um movimento progressivo social enfático e semântico, revela- se, entretanto, inesperadamente, um retrocesso aos remotos tempos cinzentos, quando se volta mais ainda e se considera uma perspectiva histórico-humana. ' O terceiro capítulo trata disso. Apenas po r conta do que provoca sensações, do que chama a atenção, das sensações primevas que penet ram na carne e no osso, pôde-se formar o sensório h u m a n o específico. A violência dessas sensações, tão abaladora quan to const i tuinte, tem um n o m e teológico: epifania do sagrado. O quar to capítulo mostra como essa epifania se mult ipl ica e se inflaciona na modernidade até chegar a se tornar irreconhecível, ou seja, na forma dos choques audiovisuais. Eles são aplicados como injeções, tal como se mostra no qu in to capítulo. Eles fazem o sis tema ne rvoso d e p e n d e n t e e vic iado de sensações. O vício deseja mais do que o mater ia l viciante pode dar- lhe. Na m e d i d a em que o vício se t r ans fo rma n u m a cons t i t u i ção social geral, tem de ser com- p reend ido , teológica e mess ian icamente , c o m o re fúg io da u top ia . Nada é mais frontal e abissal do que as sensações. Q u e m deseja decifrar suas ar t imanhas é, afinal, sugado até "às últ imas coisas". P A R A D I G M A DA S E N S A Ç Ã O Alta pressão de notícias "O BILD FOI o PRIMEIRO A FALAR COM O CADÁVER": esta era a brinca- deira que se fazia nos anos 1970 a respeito de um jornal popular alemão, cujos repórteres, já à época, eram bem eficientes para estar na hora em todos os aci- dentes, crimes, escândalos e catástrofes naturais, sendo mestres do excesso. A piada daqueles tempos já há muito não existe — não é nem mesmo mais um exagero digno de menção. Desde o momento em que reféns são entrevistados ao vivo, enquanto seus seqüestradores apontam um revólver para a sua cabeça, ou desde quando as lágrimas, os gritos e balbucios de feridos de morte ou em estado de choque começaram a penetrar live as salas deestar, não se entrevistam, é verdade, cadáveres, mas sim pessoas fadadas a morrer e à beira da morte . Apresentar a mor te para um público curioso, mostrando as faces nas quais ela se reflete, e fazendo audíveis as vozes que diante dela tremem, representa um dos excessos mais repugnantes da reportagem moderna. O problema é que não se trata aqui de deslizes, mas de pontos culminantes. A própria associação al- tamente tecnologizada das mídias leva a isso. Dever-se-ia pensar que pelo me- nos a televisão já estaria tão estabelecida, tão presente em todos os lugares, que não mais precisaria ficar de olho no gosto do público por conteúdos sensacio- nalistas — não fossem os muitos outros repórteres, redatores, entretenedores, canais e veículos de comunicação. Eles não permitem que ninguém que deseje permanecer no mercado descanse. Sob condições concorrenciais, a tendência crescente de espetacularização é tão pouco evitável quanto a inovação técnica pe rmanen te . Por certo, n inguém é pessoalmente forçado a tomar par te no desenvolvimento de novos aparelhos e no planejamento de cenários sensacio- nalistas. C a d a u m é aprox imadamente tão livre para não par t ic ipar quan to Odisseu era para não sucumbir ao canto das sereias. Segundo Homero , ele só o conseguiu po rque se fez atar ao mast ro de seu navio e n q u a n t o seus com- panheiros remavam, com os ouvidos tapados, pelos rochedos das sereias. Mas como seria possível fazer parar uma corrente que atua 24 horas por dia, que não deixa que se reme contra ela e que cons tan temente põe a questão silenciosa sobre se seria possível de fato suportar um desl igamento do fluxo geral de in- formação, uma estagnação profissional, uma desolação da alma ou o desempre- go, apenas para opor sua força de atração? Para quê? As sensações estão a pon to de se tornar as marcas de orientação e as batidas do pulso da vida social como um todo. Para alguns ramos profissionais, já o são há mui to tempo. É sabido que jornalistas e redatores se dedicam a divulgar notícias, e isso significa selecionar notícias. Relatar é algo que se p o d e fazer em relação a muitas coisas: que ontem choveu granizo, que uma bolsa estava nos achados e perdidos, que o prefeito chegou atrasado para um encont ro de conselho, que na Rua Sete de Setembro um pastor alemão quase foi atropelado. Mas a quem isso interessaria, senão aos envolvidos ou a seus parentes ou a um ou outro colecionador insano? A ninguém. De um p o n t o de vista jornalístico, estas não são notícias — são ocorrências sem valor para serem di fundidas para um público mais amplo por meio de jornal, rádio, televisão ou Internet . E isso significa, na razão inversa: o nome "notícia" só merece rigorosamente ser dado àquilo que vale a pena ser comunicado . E o que satisfaz esse requisi to , sem sombra de dúvida? Aquilo que diz respeito a todos, que se chamarespubl ica , em latim: a coisa pública. Sem dúvida, o conceito era visto d i ferentemente na Roma antiga, onde surgiu, do que é hoje. "Todos" eram tão somente as pessoas livres, ou seja, os cidadãos aptos ao serviço militar, que tinham domínio absoluto sobre a unidade familiar, que consistia em terras, gado, escravos, dependentes e parentes. E aquilo que dizia respeito a todos era na realidade bem pouco. Por um lado, consistia em algumas leis que cuidavam para que os deuses recebessem os devidos sacrifícios, que os cidadãos garantissem a integridade da unidade familiar, esperando a benevolência dos primeiros, dos últ imos exigindo o ser- viço militar e as contr ibuições para os oferecimentos coletivos de sacrifício; por ou t ro lado, consistia na aplicação o mais habil idosa possível dessas leis contra ameaças elementares por parte de inimigos e forças naturais. A reunião em conselho dos cidadãos livres era, assim, o meio através do qual a res publica era tratada. O existencial que ressoa nessa expressão quase não pode mais ser percebido hoje. O que concerne a todos vai ao cerne da coletividade. Guerra e paz, violaçao da lei e do estado de direito, catástrofe e salvamento: estas são as formas primordiais da res publica. Não sem habilidade, foi a isso que a teologia existencial do século XX se associou. Deus, assim o define Paul Tillich, "é aquilo que necessariamente nos diz respeito"'. Mesmo quem se sente ateísta o suficiente para achar que Deus não lhe diz respeito, tem, no entanto, que conceder que a idéia de forças divinas iradas e salvadoras tem sua origem em questões de vida e mor te - e que o cristianismo soube como nenhuma outra religião utilizar, do pon to de vista de uma teoria da notícia. Evangelium é a palavra grega para mensagem, que pretende ser a res publica, em um sentido muito mais amplo e p ro fundo do que tudo aquilo que assim era chamado na Roma antiga. Ela diz respeito literalmente a todos, representa a pura notícia: a única que salva o ser h u m a n o da perdição eterna. De qualquer forma, foi com essa crença que os missionários do cristianismo primitivo se puseram em marcha, e algo da sua consciência de transmissão ainda permanece nas conquistas pioneiras da ra- diofonia sem fio. Reginald Aubrey Fessenden, um filho de padre, posicionou-se diante de um microfone na noite de Natal de 1906, tocou ele mesmo Oh Holy Night ao violino e leu histórias natalinas tiradas do livro de Lucas. Esta foi a primeira transmissão radiofônica2. Os modernos confeccionadores de notícias precisam freqüentemente decidir, em questão de minutos, ou mesmo segundos, quais notícias querem veicular. Eles têm pouca opor tunidade para preocupar-se com as fundações teológicas de sua atividade. Mas, mesmo que saibam que a res publica há muito não cor- responde àquilo que poderia ser vislumbrado em uma reunião de conselho, mas que se desdobrou em uma colcha de retalhos de milhares de parágrafos, ações, opiniões e interesses, que por sua vez são filtrados e refletidos centenas de vezes pelas mídias; mesmo que saibam que alcançam uma clientela limitada e que não atingem da mesma maneira sem-tetos e corretores da bolsa de valores, donas de casa e professores universitários, nenhum deles deixa de ter alguma idéia do que seja uma notícia pura e simples. Caso contrário, não poderiam fazer a menor distinção entre o que é mais e menos digno de ser veiculado. E fazem-no continuamente. Nenhum estabelecimento jornalístico funciona sem pressupor que haja a notícia imprescindível, a que deveria ser veiculada e a que poderia sê-lo; nenhum que não possua um consenso de base a respeito daquilo que uma notícia deve de qualquer maneira realizar: sobressair3. Todos os debates 1 I'. Tillich. Systemaliscbe Ibeologie. Scuccgarc, 1956, vol. 1, p. 19. 2 Cf . D. Daniels, Kunst ais Sendung. Munique , 2002. 3 Cf. F. Marcinkowski, Publizistik ais autopoctisches System. Opladen, 1993. p. 10-». de redação giram apenas em torno de como isso se dá ou deveria dar-se, e aqui também há um mínimo denominador c o m u m : a notícia tem que ser nova. Notícias em inglês são chamadas de news. A visita de Estado de on t em não se encaixa mais hoje nas news, mesmo que nem todos se t enham inteirado dela a não ser que tenha resultado em um escândalo e que leve a desdobramentos que por sua vez só possam ser entendidos se remetidos a ela. Ser, porém, me- ramente nova não é suficiente. O novo tem t a m b é m que ser compreensível . Uma descoberta da biolog ia molecular ou celular pode ser a mais surpreenden- te possível — ao público de massa falta o conhec imen to para avaliar seu valor de novidade. É, antes de qualquer coisa, algo para especialistas. N o entanto, se levar à manipulação genética de alimentos, à clonagem de seres vivos, ou se seu descobridor receber o Prêmio Nobel, então é algo que tende a dizer respeito a todos — uma notícia. Sua novidade é, assim, compreensível apenas na medida em que haja uma capacidade de apreensão para ela:algo já conhecido, confiá- vel, em relaç ào ao qual poderá ser experimentada como se sobressaindo seja o conhecimento que se necessita ter para julgar uma luta de boxe, um concer- to ou uma teoria como fora do comum, seja a capacidade para empatia que faz com que acidentes aéreos ou terremotos possam ser vistos como algo que pode acontecer a qualquer um, seja a familiaridade para com a região mais próxima, na qual a imprensa local aposta quando noticia sobre o assalto n o novo bairro ou sobre a missa de calouros na igreja matriz. Especialmente bem compreen- sível é aquilo que se deixa quantificar ou visualizar. índices da bolsa de valores e resultados do futebol, números da loto ou de desempregados, estatísticas de trânsito ou de mortes por drogas ocupam, assim, postos permanentes no no- ticiário. E quando se consegue compreender algo tão in t r incado como o p ro - cesso de paz no Oriente Médio em uma só imagem - a d o aper to de mão entre Rabin e Arafat - , então se atinge o máx imo de abrangência . U m pro- cesso político altamente complicado condensa-se em uma notícia insuperavel- mente palpável. Porém justamente ela está na f rontei ra da falsificação. C o m o os números que, de acordo com o contexto no qual são postos, levam a resultados diferentes, o enfático aperto de mão para os fotógrafos pode tan to expressar uma virada política quanto conjurá-la ou simplesmente simulá-la. Q u e a metamorfose de conteúdos em notícias o mais palpáveis possível não se possa dar sem estilização, redução e distorção, é um velho problema das mídias. Normalmente , lida-se com ele no âmbito da ética jornalística, cujo teor é o de que, justamente porque as noticias são construídas, e não meramente transmitidas, a responsabilidade de seu produtor , seu compromisso com a veracidade, exatidão e justeza se- riam par t icularmente grandes4 . Mas o problema é mui to mais p ro fundo . Os c o n f e c c i o n a d o s de notícias representam apenas aqueles que vão à frente. A obngaçao à compreensibilidade, sob a qual trabalham, está a ponto de tornar-se uma coerçao generalizada da percepção - graças ao salto qualitativo pelo qual passou o desenvolvimento das mídias na segunda metade do século XX. A i n d a que as notícias desde sempre tenham sido construídas, primeira- mente, vale nisso o que se chama "primazia do objeto" em Adorno^: o primá- rio é o acon tec imento considerado como digno de divulgação. Era por sua causa que as mídias entravam em ação: pr imeiramente mensageiros, depois, nos pr imórdios da tipografia, jornais de uma folha, que no começo apareciam somente esporadicamente, ou seja, quando acontecia algo que valia a pena ser comunicado . Esse algo podia então ser exagerado e ornado o quanto fosse, o seu caráter explosivo estava garantido de antemão. Era ele o imperativo da di- vulgação. "A ser comunicado, porque importante": eis a lei de base da lógica da notícia. Até hoje há eventos suficientes que obedecem a ela. C o m o concerne a todos se tropas inimigas cruzaram as fronteiras, ou se os reservatórios de água estão infectados com arsênico, ambos os acontecimentos devem ser noticiados. Q u e m delegasse tais informações a jornais científicos, com a justificativa de que nem todos se interessam por política ou química, deixaria no ato de ser membro da redação. Mas desde o século XVII, quando os panHecos esporádicos foram gradual- mente se to rnando jornais com tiragem regular, 011 seja, quando se tornaram empresas que iriam à falência se o material noticiável se exaurisse, iniciou-se uma reviravolta significativa. O meio precisa ser semanalmente, depois dia- riamente, a l imentado com matérias dignas de serem noticiadas, para que ele possa continuar a existir e, quando se torna questionável se os eventos correntes dizem respeito a todos, é necessário que st faça que digam. Assim, a confecção de notícias recebe uma nova ênfase. Não mais representa apenas a ornamen- tação de acontecimentos explosivos, mas também o fazer explosivo dos acon- tecimentos. A lei de base da lógica da notícia conduz à sua própria inversão: "A ser comunicado, porque importante" superpõe-se a "Importante, porque comunicado" Essa superposição é o tr ibuto sistêmico que o estabelecimento de empresas de notícias e seu gradual crescimento em uma rede de informação 4 Cf. M. HaIler c H. I lolzhcy, Medicn-Ethik — Bescbreibungen, Analyscn, Konzepuftirden deutschsprachi- gen Journalisrnus. Opladcn, 1992. 5 Th. W. Adorno, Nega tive Dialektik — Gesavimclte Schrijien. Frankfurt, 1973. vol. 6, p. 185. abrangente custou. Pode-se chamá-la de perversão da lógica de notícia. Porém não se pode esquecer que nenhum sistema de notícias mode rno cont inuar ia a existir sem ela. Sob todas as condições sociais, um comunicado ganha um peso adicional por haver sido trazido por um mensageiro. Sob todas as circunstân- cias o livro impresso causa impacto. A imprensa não pode existir sem rotular com "importante" aquilo que divulga. Inflar o banal, simplificar o complicado, chamar a atenção pública para de terminados conteúdos e desviar de out ros : isso pertence a ela como a transpiração, ao corpo. Ambos exigem uma higiene imperiosa, mas nenhuma higiene os abole. E é assim que não mais é possível deparar-se com a lei de base da notícia sem a sua inversão. Foi apenas por meio desta última que conseguiu manter-se — colocando-se c o m o uma segunda camada de um filme sobre a primeira e fazendo com que desde então as duas se fundissem até ficarem indiscerníveis. O alcance total desse acontecimento, sem dúvida, ainda não se pod i a evi- denciar enquanto a imprensa estava a inda em vias de se to rnar um meio de massa. Primeiramente, sua au tonomização em um sistema vivendo de notí- cias, permanentemente faminto por notícias, mostrou acima de t u d o seu lado emancipatório. Ela levou à libertação da censura estatal e ao estabelecimento de uma livre circulação de notícias e de pensamento, cont r ibu indo , dessa forma, para a realização dos mais caros direitos civis e humanos . Q u e o processo de emancipação da burguesia e a au tonomização da imprensa estavam indisso- ciavelmente ligados, quem pod ia pensar nisso logo n o começo? Q u a n t o de violência intrínseca os meios de massa podiam assumir não veio à tona enquanto a imprensa era única. É verdade que já no começo do século XX era possível a monstruosidade de que uma guerra mundial tendesse a ser mais um espetáculo da imprensa, do que a imprensa ser a exposição dos terrores da guerra, como Karl Kraus caracteriza com ultraje. "É a imprensa um mensagei ro? N ã o o acontecimento. Uma fala? Não, a vida." "De novo o i n s t r u m e n t o nos subiu a cabeça. Colocamos aquele que tem que comun ica r o i ncênd io [...] acima do mundo, acima do fogo e da casa, acima do fato e de nossa imaginação"6 . So que a imprensa não é um inst rumento, mas um meio cuja au tonomização nao pode ser impedida, apenas domada. Nesse pon to , até Kraus, para quem o poder da .mprensa não podia ser superest imado, subes t imou a imprensa. Os ultimas dias da humanidade, que viu nascer em uma guerra mundial , tornada palatavel pela imprensa e avidamente engolida po r um públ ico excitado por 6 K. Kraus. Wchgcricht. I.cipzig. 1919. Nova ed ição: F r a n k f u r t . 1988. vol. I. p. 15. sensações, mais parece, em vista das guerras do Vietnam, do Golfo ou de Ko- sovo, como pálidos exercícios preliminares para as matanças midiáticas, nas quais nao apenas as telas de televisão preparavam, em cores, o público para a guerra, mas também se transformaram elas mesmas, enquanto telas de radares, em fatos determinantes para a guerra. As telas televisivas representam em geral uma grande cesura. Só quando, na segunda metade do século XX, penet raram nos domicíl ios pelo menos tão p ro fundamen te como antes apenas os jornais, as sementes realmente germina- ram, sementes queestavam de antemão na recíproca superposição de tese e antítese, do "porque diz respeito a todos, é comunicado" e "porque algo é comu- nicado, diz respeito a todos". Por um lado, a técnica de transmissão audiovisual abriu um imenso arsenal noticioso. Tudo aquilo que era passível de sobressair sonora ou visualmente era potencialmente material para notícias. Por outro, o crescimento acelerado das matérias brutas também fez com que se aumen- tasse o número de canais para a veiculação de notícias e deu origem a uma alta pressão noticiosa quali tat ivamente nova, que se faz sentir de três maneiras: como pressão para a escolha imediata, em uma avassaladora superoferta de notícias possíveis, daquelas que sejam adequadas; como pressão de impor-se com sua própria seleção contra a concorrência; por fim, como a pressão com a qual as noticias devem ser disparadas para o público, para que possam aderir a ele e não se dissolver no fluxo de informação. E essa tríplice pressão da pro- fissão do jornalista é transferida de tal forma ao público como um todo, que gradualmente se t ransforma em uma pressão existencial do aparato sensorial moderno . Hoje em dia, todos que queiram permanecer atualizados precisam, por sua vez, selecionar rapidamente o material relevante a partir de uma supe- rabundãncia de notícias, precisam permanecer constantemente atentos para que sua escolha esteja no nível da concorrência, e expor-se, para esse fim, a um tiroteio midiático. Sob tal pressão a saliência das notícias recebe um novo sen- t ido literal. Não é mais suficiente que os acontecimentos sejam por si só ex- plosivos, confeccionados de forma chamativa, ou que tenham as manchetes gritadas como nas edições extras de outrora; o meio audiovisual necessita mo- bilizar todas as forças específicas de seu gênero e ministrar a notícia com toda a violência de uma injeção multissensorial, de forma que atinja o ponto que almeja: o aparato sensorial ultrassaturado dos contemporâneos . Sob essas cir- A palavra 'audiovisual" presta-se a equívocos; cia coloca o ouvir antes do ver. Na realidade, a hierarquia dos sent idos c inversa. Já cm Cícero isso está presente : Podemos melhor representar aqui lo que nos é t r a n s m i t i d o pelos sen t idos c que os marca; porém o sen t ido mais agudo é a facu ldade visual. Por isso cunstâncias, o sentido teológico e político daquilo que "necessariamente nos atin»e" é enfraquecido; o sentido fisiológico da expressão entra em cena de forma renovada. O que atinge, toca, comove é aquilo que, enquan to injeção, foi agudizando o suficiente o nosso sistema nervoso e, ainda que seja apenas por um instante, chama a atenção. Sensação hoje, na linguagem coloquial, quer dizer s implesmente "aquilo que causa sensação". Quando a palavra passou do latim para as línguas nacionais européias, representava bem genericamente a primazia fisiológica do sentimento ou da percepção — sem nenhuma conotação espetacular. E o que é mais notável é que, justamente a alta pressão noticiosa do presente, que quase automaticamente associa "sensação" a "causar uma sensação", não apenas se sobrepõe ao sentido fisiológico antigo de sensação, mas também o movimenta de uma nova maneira. Ou seja, se tudo o que não está em condições de causar uma sensação tende a desaparecer sob o fluxo de informações, praticamente não sendo mais percebido, então isso quer dizer, inversamente, que o rumo vai na direção de que apenas o que causa uma sensação é percebido. A percepção do que causa uma sensação converte-se na percepção tout court, o caso extremo da percepção em instância normal. Por certo, estamos apenas no princípio dessa tendência, mas a pressão econômica da concorrência global cuida para que ela se acelere — uma tendência que na alta pressão noticiosa só faz manifestar-se mais evidentemente. Propaganda desenfreada A pressão concorrencial pertence ao capital ismo assim c o m o a pressão san- güínea, ao corpo. Em si, é uma velha conhecida. Porém, no fim dos anos 1970, recebeu um empurrão da alta tecnologia, cuja extensão apenas gradualmente se fez notável. Começou nos Estados Unidos. Mesmo lá, na terra industrialmente mais desenvolvida, os precursores e advogados de uma economia de mercado livre sempre haviam contado um tanto de vantagem. Serviços de infraestrutura elementares estatais como a telecomunicação, o correio, o sistema de transpor- te ferroviário, rodoviário e aéreo escapavam de fato à concorrência geral. Os é possível manter de fo rma mais fácil o que se ouve se aqui lo que é regis t rado pela aud ição ou pe lo en ten- d imen to t ambém lor t razido à consciência pela mediação dos olhos" (Cícero , De oratore/Über den Redner. Trad. H . Merkl in . Stutcgart , 1997, p. 435). O decl ín io do rádio na era da televisão representa uma com- provação tardia disso. Só faz assim consol idar indus t r i a lmen te o que há mi lên ios já se prat icava. Q u a n d o se falar de "audiovisual", pensar-sc-á sempre no p r i m a d o d o ót ico , mesmo q u a n d o ele n ã o tor m e n c i o n a d o explici tamente. funcionários desses setores possuíam contratos fixos de trabalho e uma renda garantida, assim como benefícios de seguridade social — mesmo quando a rentabilidade das empresas deixava a desejar e o contribuinte tinha que pagar a diferença. Sob uma perspectiva estritamente mercadológica, isso não pode acontecer, como, por sinal, Engels já notara quase um século antes. Ele vivenciou na época como "as grandes iniciativas de transporte: os correios, telégrafos, as vias férreas" eram estatizados por toda parte e ofereceu a seguinte interpretação: se o Estado não tem outra opção senão tomar ele mesmo a liderança nesses empreendimentos, para poder garantir à economia capitalista de mercado as condições estruturais estáveis para seu desenvolvimento, então ele não apenas fortalece a si mesmo, mas também mina a si próprio. Sua ação significa tanto "progresso econômico", em seu sentido capitalista, quanto "atingir um estágio prel iminar para a tomada, por parte da própria sociedade, de todas as forças produtivas"8. Lênin levou adiante esse pensamento e não teve pudores de con- siderar "o correio como o padrão da economia socialista"; o mecanismo social dc condução da economia já está disponível aqui. Derrubem-se os capitalistas; quebre-se, com o punho de aço dos trabalhadores armados, a resistência desses exploradores; aniquile-se a maquinaria burocrática do Estado moderno — e teremos diante de nós um mecanismo altamente desenvolvido tecnicamente, livre dos "parasitas", e que os próprios trabalhadores unidos podem muito bem pôr em movimento9. Ora , por volta de 1980 os Estados Unidos não estavam verdadeiramente ameaçados por nenhuma revolução socialista dos correios e outras "grandes firmas de transporte". Mesmo assim, causavam desconforto. Porém o respon- sável pelo desconfor to não era algum movimento social, mas o "milagre" no Silicon-Valley cal i fomiano: o desenvolvimento de uma estonteante nova tec- nologia, que em seus primórdios já deixava entrever que em breve por toda a extensão das unidades produtivas, da administração e do setor de serviços, inúmeros empregados seriam substituídos por computadores de desempenho incomparável. Esse "milagre" foi percebido pelo governo Carter, acima de tudo, do ponto de vista da política externa: como a miraculosa arma final na Guerra Fria. Finalmente acenava a dianteira técnica que o opositor socialista nao mais 8 R~Eiigels! Anli-Dührhiig. MF.W - Marx-Engels Wcrke [Obras de Marx e Engels], Berlim. .975 [1894], 9 und Revolution. Wcrke [Obras] , Berlim. 1972 [ 1917), vol. 25, P . 439. recuperaria, não mais poderia enfrentar. E, à luz dessa opor tun idade histórica, os empreendimentos estatais que davam prejuízo q u a n d o p roporc ionavam benefícios de infraestrutura, e que cuidavam para que todos tivessem à dispo- sição cartasque fossem entregues, meios de t ranspor te a preços razoáveis, ca- bines telefônicas, acesso básico à educação e a serviços de saúde, apareceram, de uma hora para outra, como ilhas de má administração, como relíquias da- quele socialismo não rentável, que estava a p o n t o de ser exorcizado, e que ad- quiriu ele mesmo, como um espectro expulso do corpo, os traços de um para- sita. Por que mesmo deveriam o correio e as empresas de t ransporte e telefonia ser privilegiados — perguntava tr iunfalmente, e com um gesto de justiça social, a administração política — e não trabalhar sob as mesmas condições de mer- cado como a General Moto r s ou a IBM? E assim começava, já no governo Carter, e depois com mais vigor sob o Reagan, o processo global de "desregu- Iamentação"1": a privatização de firmas estatais; o a f rouxamento de contra tos fixos de trabalho; o declínio dos benefícios de seguridade social; a substi tuição de grupos inteiros de secretárias, telefonistas, t ipógrafos, impressores, enge- nheiros, especialistas até os níveis médios da administração, po r softwares in- teligentes ; a redução de uma parte considerável da classe média a empregos de curta duração, ou mal remunerados n o setor de serviços; a expulsão de indiví- duos há muito ativos até então para o desemprego de longa duração, o tráfico de drogas e a criminalidade - e uma bela recompensa para o quar to ou quin- to grupos na parte de cima, que conseguiram galgar à posição de "realizadores" de uma nova economia , cujo t ruque é prosperar , apesar d o desemprego em massa, ou por causa dele. Sua fórmula mágica: joblessgrowth. Mesmo antes de a desregulamentação ter-se impos to nos Estados Unidos, e bem antes de ter tomado a Europa Ocidental e o Japão nos anos 1980, trazen- do a falência da economia estatal-socialista de comando , que diante do p o d e r econômico elevado da microeletrônica não tinha, por fim, a menor chance, ela ja visava a uma mudança de mental idade - romper um tabu que duran te um século e meio se havia firmado na base do capitalismo paula t inamente , como um calo, e que havia ao mesmo tempo consol idado e restringido o sistema: o de que determinados empreendimentos estatais de base seriam direito de todos, 1 ° Z S , N ° S E S C . a d ° S U n Í d ° S ' P ° r « C m P l o « ú m e r o de prescrições, na real idade, n ã o es u u T X Í L s n , p a l m C 7 ' , n ° V a < Ó C S « « » » necessitam f r eqüen t emen te de regulação para a te lecomun ic ^ H como, por exemplo, na concessão de feqténdb, v c T ç ã o Í t a t a T n o S ' d l c r t ™ t e dos setores de saúde, segur idade e m e i o a m b i e n t e a inter- tom 1 erltercr der Globalmerung. H a m b u r g o . 1999. p. 82.) merecendo, assim, uma proteção categórica contra as leis de mercado. Agora, ISSO já não era mais evidente. Por que deveria haver serviços não rentáveis? C o m essa simples pergunta desconcertante iniciou-se a desregulamentação. Sob seu pon to de vista, nenhuma instituição, nenhuma firma, nenhum grupo tem direi to a existência se não estiver em condições de se manter economica- mente - eis por que desde então nenhuma escola, nenhuma clínica ou prisão escapa de análises administrativas que lhes apontem o que podem economizar em termos de pessoal e material empregados. Não que com isso todas as insti- tuições sociais se tornem firmas, mas se deixa bem claro a todas que a firma é o modelo que doravante devem seguir e o padrão pelo qual serão medidas. Que empresas como o M c D o n a l d s e a Coca-Cola financiem o equ ipamento de escolas inteiras, de forma a poder oferecer seus produtos aos alunos no recreio; que grupos como a Microsoft e a Intel forneçam computadores sob condições especiais, influenciando, assim, de forma determinante as bases e o direciona- mento do programa educacional como um todo, já é há muito uma rotina na vida escolar dos Estados Unidos - e é algo tido como exemplar para além dos Estados Unidos. Na Alemanha, circulam modelos segundo os quais os direto- res de escola devem recrutar por conta própria o pessoal apropriado, de forma a supervisionar os alunos durante as aulas canceladas e após o término do pe- ríodo, até que seus pais estejam em casa de volta do trabalho. No perfil de ap- tidão dos postos administrativos mais altos penetram cada vez mais as quali- dades do manager. Quem considera o tesouro como a contabilidade de uma empresa e cons tantemente procura saber como reduzir suas despesas — por meio da racionalização ou eliminação de processos ineficientes de trabalho, pela captação de recursos e pessoal não estatais —, este será o funcionár io público do hituro, responsável e competitivo. A captação de firmas privadas e de patrocinadores significa, porém, a sua adulação — significa fazer propaganda em prol da própria instituição, apresentá-la de maneira que os patrocinadores doem apoio a ela e não a outras. E isso quer dizer também oferecer novo espa- ço aos adulados para a sua própria propaganda. Dessa maneira, a propaganda penet ra direta e legalmente em uma parte da esfera pública, à qual até então t inha o acesso oficialmente interditado. Ela transforma-se em um fermento da administração estatal, sem o qual setores inteiros da formação e manutenção, dos serviços médicos e assistencial mais cedo ou mais tarde dificilmente serão funcionais; torna-se um item cada vez mais imperativo da qualificação profis- sional — e com isso, em um fator central do comportamento social geral: um critério principal para a "competência comunicativa". Justamente nesse uso recentíssimo reemerge o significado mais antigo da pa- lavra "propaganda" [Werbung]. O Werben do alemão arcaico é definido noDeuts- cbem Wôrterbuch dos irmãos Grimm como "girar-se" — mais especificamente, -irar em torno de algo. Pode ser um ponto na água, ao redor do qual gira um redemoinho, uma articulação, uma dobradiça ou um eixo, mas t ambém uma mulher quando cortejada por u m homem [umwerben], um indivíduo quando alistado em um Exército [anwerben], ou mesmo um bem valioso, cuja aquisição profissional e venda não por acaso levam o n o m e de "indústria" [Gewerbe]. Werben — rodar em torno de algo, ou cuidar de algo, procurar saber, lidar com algo ou com alguém, comerciar, negociar — t inha na Alta Idade Média uma <;ama de significados similarmente vasta ao que se chama hoje "ação comunica- tiva". A restrição do sentido da palavra ao campo comercial, a nada mais do que à preconização astuta de mercadorias, corresponde a um estreitamento do sécu- lo XIX, e principalmente do XX — e não é sem ironia que justamente em u m estado de extrema limitação o significado de Werbung se converta de maneira renovada em algo universal. Exatamente como para "sensação!" a propaganda de produtos torna-se a propaganda pura e simples; como a percepção do sen- sacional se torna a percepção pura e simples. Mais do que nunca a propaganda persegue um único fim banal: fazer as mercadorias falarem um "compre-me" irresistível. Porém, precisamente por causa disso, tal "compre-me" se configu- ra em um ponto crucial em torno do qual toda uma nova cultura comunicativa é formada. Em outras palavras, quanto mais desenfreadamente a propaganda persegue seu objetivo final, tanto menos se absorve nele sem deixar vestígios. Sem dúvida, esse ponto só é atingido por completo na época da desregula- mentação. Em especial, isso pode ser estudado na Europa dos anos 1980, quan- do, seguindo o modelo norte-americano, o sistema televisivo e de radiodifusão público foi colocado sob pressão pela concorrência com o setor privado, que se financiava exclusivamente por comerciais , e que forçou as estações esta- tais a entrar na luta por patrocinadores e níveis de audiência" , acelerando, assim, a mudança de sentido de propaganda [ Werbung] e sensação, o que talvez 11 "A mudança para um sistema mis to começou na Itália; cm ou t ros paises dcu-sc mais len tamente . S. Bcr- lusconi, o magnata da televisão pr ivada na Itália, 6 c o m o F. Bouygues , o p r inc ipa l p rop r i e t á r i o da T F I francesa, um es t ranho no ramo. A m b o s vieram da c o n s t r u ç ã o civil e d ã o prova , com suas aquis ições de canais de televisão, de sua grande atrat ividade econômica . [...] C o m a T F 1, BouygUCS c o m p r o u a estação, não mais rentável para o Estado, p o r causa de uma esperança just if icada de lucro. U m paradoxo? Apenas aparentemente . O s canais estatais são regidos p o r restr ições aos anúnc ios m u i t o mais severas d o que os privados. O Es tado vende uma emissora p o r estar no v e r m e l h o , ao passo que o c o m p r a d o r cm p o u c o t empo atinge altos lucros. É a p ropaganda que torna isso possível. " ( R . Kloepfer e H . Landbeck , Àsthetik der Werbung — Der Femsehspol in Europa ais Symptom neuer Macht. Frankfurt , 1991, p. 30.) represente um dos emblemas mais eloqüentes desta virada de século. Faz uma diferença decisiva se a propaganda é apenas um acessório no ramo das comu- nicações, ou se consti tui sua condição de existência; se seus comerciais são apenas um tapa-buraco entre os programas, ou se representam sua força unifi- cadora básica. E quando uma tal força passa a funcionar com certeza de si, então todas as leis de restrição à propaganda ficam anuladas, então a propagan- da assume o papel de estabelecedora de um trend para a ação comunicativa e para a expressão estética. Não é por acaso que, na era da desregulamentação, renomados diretores de cinema comecem a filmar comerciais: Polanski para cerveja , Zeff i re l l i para casacos, Fellini para bebidas alcoólicas, G o d a r d para jeans — um fato que não pode de forma alguma ser meramente reduzido à corrupção e à decadência da imagem do artista-crítico para um formador de imagens comercial-conformista. Por mais que possam ter estado de olho no dinheiro, eles perceberam também que o comercial, a concentração de efeitos audiovisuais em um espaço mínimo de tempo, representa um desafio estético de primeira grandeza. O atrativo é mais ou menos aquele que sentiu Nietzsche q u a n d o escreveu que "minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer out ro diz — o que qualquer outro não diz em um livro [...]" i :. Transposto, um século depois, para a visão desregulamentada de um businessman da mídia, o chefe da Gallimard-Jeunes, esse dito significa: "Se existe um gênio da escrita de hoje, ele é a concisão, a concentração, a pegada. Desse ponto de vista, mui- tos dos fazedores de propaganda podem figurar entre os maiores escritores de nosso tempo"1 3 . E a trabalhosa avaliação de 8.500 propagandas de televisão da Europa Ocidental apresentada por Rolf Kloepfer e Hanne Landbeck mos- tra bem onde o gênio da concisão e da pegada melhor floresce. "A França tem uma cultura de propaganda própria, que já em 1985 tinha um nível que a Ale- manha só alcançaria vários anos depois." O estilo, agtig, a agudeza, a idéia certeira, o efeito, a novidade - todas elas categorias discursivas - caracterizam o comercial [...] E nada é mais excitante do cue o eros que aparece como infinitamente conjugável; cutânea e tecnológica, uto- picamente em uma França high-tecb e nas horas do amor na dance France, ubiquo- urbano-eletrizante, de forma que o olho fique sobrecarregado, e repentinamente em uma proximidade atemporal, na admiração de um detalhe: a eternidade de um 12 F. Nie tzsche, Góetzen-Ddêmmerung. Kritische Studienausgabe (KSA) [Edições críticas]. Munique : Col l i / Mon t ina r i . 1988, vol. 6, p. 153. 13 A p u d 11. Kloepfer e H . Landbeck , Àsthetik der Werbung, p. 127. instante, o sublime da paisagem de um corpo, a infinitude de um azul cambiante de um fechar de pálpebras. O comercial francês apresenta um número extremo de cortes. [...] Aqui, joga-se com tudo que é bom e caro: todas as técnicas combinadas de câmera, de som, de meios eletrônicos, todos os gêneros televisivos e de outras mídias, todas as artes e todas as formas de refinamentos lingüísticos são empregados para, através da respectiva melhor maneira de dizer, economizar tempo". O corte e o desperdício entram aqui em uma relação explosiva. Anunciar um produto da melhor forma possível significa mui to mais do que meramente preconizá-lo: ensaiar toda uma forma de percepção na qual o preconizado tem seu lugar assegurado. Apenas assim se exaurem todas as capacidades do meio audiovisual. Em comparação com isso, parecem chinf r ins e caseiros aqueles comerciais (por mui to tempo usuais na Alemanha) nos quais o p rodu to é ape- nas mostrado, imóvel, e alguém em posição de autoridade — dentista, piloto, playboy ou dona de casa — argumenta que ele é prat icamente imprescindível. Quando se descortina, em contrapart ida, como praticado de maneira precur- sora pela indústria do cigarro, um mundo mágico de pores do sol, desfiladeiros, cavernas, contornos ondulosos de corpos ou carros chiques, barcos, helicóp- teros, e uma atmosfera é criada em que se acredita que se possa cheirar, tocar e provar, então o meio audiovisual começa a mover-se em seu ambiente próprio. E quando, por fim, "o homem do Camel encontra o do Marlboro ao pé de uma fonte de água e ambos resolvem o problema dos dentes amarelados por meio de um determinado creme dental"15, esse m u n d o mágico já se coloca como um padrão perceptivo a partir do qual se podem até criar novos efeitos em tom de brincadeira. A propaganda torna-se autorreferencial1 6 , autoirônica, não mais concebe o espectador como um tolo, ou des lumbrado ingênuo a ser esclareci- do, mas como um apto compar t i lhador de conhec imen to , um copensador , alguém com quem só se terá sucesso se o comercial adiantar algo do prazer que 14 Idcm. op . cic., p. 123. 15 I d e m . o p . cit., p. 215. 16 "A nova tomada do comercial de sopa encon t ra uma ut i l ização para a p r o p a g a n d a de càmeras fo tográhcas ; a malha branca e preta com u m a forma enigmát ica , ut i l izada p o r u m jornal i ndependen t e , é ut i l izada em poucas semanas para uma barra dietética." " O car taz de u m comercial longo converte-se , ao t é r m i n o desse processo, cm um anúnc io para o u t r o comercial." " O desenvo lv imento ex t r emo de memór i a s art if iciais não apenas permi te um esquec imento maior , mas t a m b é m possibil i ta que o q u e foi a r m a z e n a d o seja p rodu t i - vamente variado, t ransformado, distanciado, seja c o m p o s t o com toda espécie de material arquivado. • ( Idcm, op. cit., pp. 232-3). a compra do produto promete. Um comercial está então no ápice de seu meio quando preenche o requisito daquilo que em francês é chamado nerveuxr1 — quan- do excita o sistema nervoso como um todo, prazerosa e eletrizantemente, em uma estrutura sensorial na qual o produto em questão se encontra firmemente inserido. Entretanto, deve-se ter cuidado com as conclusões eufóricas precipitadas decorrentes dessa constatação. Que o comercial surja como cada vez mais opu- lento, eletrizante e pretensioso, é sem dúvida uma tendência, mas não tem ca- ráter excludente. C o m o sempre, para determinados produtos e níveis de con- sumidores usam-se as pessoas de sempre, que se tornaram queridas do público, e os mesmos padrões, que simples e continuamente inculcam o nome e a imagem do produto, com um mínimo de variações. Além disso, o comercial pretensio- so de forma alguma torna o sentido automaticamente mais "estético"18, ou seja, sempre mais sublime, rico em vivências e mais prazeroso. Essa superolerta de refinamento estético não pareceria, ao contrário, corresponder a uma tentativa desesperada para combater uma perda crescente da capacidade de ter prazer? Não é menos impertinente declarar o comercial pretensioso como contribuição à emancipação, apenas porque aprendeu a exigir do espectador e a bajulá-lo, em vez de tão somente lhe inculcaro nome e a forma do produto? Não representa antes um aumento de sua tutela, quando gentilmente se submerge em estrutu- ras inteiras e formas de percepção, em vez de receber produtos separados a marteladas? Finalmente, o fato de que o comercial produz uma alta eletrizaçao estética, de que se tornou um dos principais centros de intercâmbio entre arte e comércio, de forma que grandes cineastas nele se aventuram e publicitários vestem as roupas de cineastas, de maneira alguma permite que se chame o ge- nero como um todo de uma "forma artística nova e especial""'. Sem duvida, acontece de um comercial ter uma qualidade artística. Porém ele a possui por- que anuncia um produto ou apesar disso? Na medida em que taz o anúncio ou na medida em que faz mais do que anunciar? O comercial é ele mesmo uma forma artística ou apenas seu material e estímulo? Não fazer tais questões, mas ignorar a imensa quantidade de desperdício que a produção de comerciais traz consigo, é apenas outra forma de se deixar enganar pelos comerciais. 2 vivenciar c o m o a lguém capaz de ver, ouvir. r o sen t ido de algo. ou mesmo o desenvolve, .sso e estét.co ( tdem. o p . « , P- -6 ) . 19 ldcm, op . cic.» p- 15. Tanto mais pesa o comercial como nova forma de comunicação e de percep- ção. Em nenhum outro lugar fica tão claro o que é alta pressão de notícias do que nele — econômica, estética e fisiologicamente. Normalmente uma companhia recebe uma fração de minuto como tempo de emissão, paga por isso dezenas ou centenas de milhares de euros, dependendo do nível de audiência do canal em questão, e precisa exprimir sua cara mensagem nos poucos segundos que tem à sua disposição. Por isso é preciso maquinar o mais precisamente possível quais imagens e sons são capazes de criar ins tantaneamente uma atmosfera de confor to , f rêmito , ânsia ou inveja, quais signos e quais cor tes intensif icam, bar ram ou descarregam os afetos — em suma, a imensa pressão de cus to e de t empo faz do comercial audiovisual um laboratór io estético-psicológico- fisiológico para o teste das formas comunicacionais mais pregnantes . Q u e m seria capaz de expressar de improviso o que jaz em seu coração tão equil ibrada e precisamente quan to um comercial bem-sucedido? Era inevitável que ad- quirisse um caráter modelar. "A mudança qualitativa reside no fato de que os comerciais não apenas copiam as notícias, mas apontam o caminho de como a informação pode ser transmitida em sua forma mais econômica, porque mais intensiva"-0. Os políticos anseiam por comunicar, com a brevidade, concisão, e veemência do comercial, aquilo que desejam realizar. Programas de notícias passam a ser medidos pelo parâmetro de quanto são capazes de satisfazer esse ideal; todo um gênero de curta-metragem — noticiários, esportivos, documen- tários — surgiu tendo o comercial como modelo. Sob condições econômicas de desregulamentação, o comercial converte-se em regulador da informação. Sob uma alta pressão generalizada de notícias, é ele que marca o padrão da comunicação de efeito mais forte. Teoria de sistema deficiente Mas propaganda e notícias ainda assim não são a mesma coisa! Isso não é di to apenas pelos planejadores de programas, não é apenas sugerido pelas revistas de televisão; a teoria dos meios de comunicação de massa de L u h m a n n apela para todos os registros da teoria dos sistemas para fazer essa proposição plau- sível. Ela concebe as notícias, a p ropaganda e o e n t r e t e n i m e n t o como "três categorias de programa", que devem ser "tratadas separadamente", e vislumbra 20 Idem, op. cit., p. 229. apenas "empréstimos mútuos" entre elas, por exemplo, quando "informações objetivas são utilizadas como roupagem da propaganda". "Mesmo as reporta- gens são enriquecidas, do ponto de vista do estilo ou dos planos-sequência, com momentos do entretenimento, para não entediar. Entretanto, é normal- mente [...] fácil reconhecer a que campo de programa o produto se dirige"21. Natura lmente , isso está correto — superficialmente. Ainda há certos critérios externos de diferenciação. Até as crianças notam usualmente que o homem do cigarro Camcl, o apresentador do Jornal Nacional e os personagens da novela das oito per tencem a tipos diferentes de programas, dos quais se tem expectativas diferentes. Das notícias exige-se que comuniquem o que de fato aconteceu ou está acontecendo. Da propaganda não. Ela "procura manipular, funciona sem sinceridade e pressupõe que isso já está suposto". Ela "declara seus motivos. Ludibria e esconde muito freqüentemente seus meios". Seu receptor "reconhe- cerá, então, que se trata de uma propaganda, mas não como ele é influenciado. Sugere-se a ele que possui a liberdade de escolha, e isso inclui que ele queira por si aquilo que na realidade de forma alguma queria"22. A perspicácia de Luhmann, tanto em sua avaliação da propaganda quanto em sua separação em relação ao jornalismo, desaparece, porém, assim que passa a lidar com o entretenimento. Chama-o de "uma segunda realidade", "dissociada da realidade normal"23 e "marcada óptica ou acusticamente"2 ' como um campo especial. Isso quer dizer aparentemente que aqui não impera nem a pressão de venda da propaganda nem a pressão de realidade do jornalismo, mas sim que se abre uma esfera de textos e de seqüências de imagens ou sons que é desobrigada e descomprometida, na qual se pode entrar e da qual se pode sair ao seu bel-prazer, em que é possível se perder e depois se reencontrar. O problema é apenas que já há mui to t empo se pode agir exatamente assim em relação ao jornalismo e à propaganda. A diferenciação entre realidade "normal" e "segunda" não tem seletividade alguma, e mui to menos a seguinte definição: "O entretenimento possibilita um autoposicionamento de si no mundo representado"21, Isso po- deria ser válido, sem nenhuma modificação, para a arte, a ciência, o direito ou a polít ica. Estes representam, porém, de acordo com Luhmann, sistemas pró- prios, estr i tamente separados do entretenimento. O que constitui um sistema 21 N . L u h m a n n , Die Re,üil.ü der Missenmedien. 1' cd. Opladen , 1996, p. 117. 22 Idem, op . cit., pp . 85-6. 2 3 Idem, op . cit., p. 97 . 24 Idem, op . cit., p. 98. 25 Idem, op . cit., p. 115. não pode caracterizar outro; o que pertence a um não pode, ao mesmo t empo e sob o mesmo pon to de vista, ser aplicável a outro. De imediato, coloca-se um problema que segue a teoria de sistemas, assim como a sombra segue a luz. Se os programas jornalísticos se assemelham aos comerciais ou os comerciais, aos programas jornalísticos, o que deriva disso? Deriva que aparentemente um desvio sistêmico ocorreu. Dete rminados ele- mentos de um sistema se deslocaram para outro, e este out ro foi capaz de in- corporá-los a seu "campo operacional" 2 6 .Com efeito, tais desvios, segundo Luhmann, pertencem à formação e preservação dos sistemas assim c o m o as lascas, à plaina. Mais do que isso: certos sistemas não são capazes de existir sem outros. O sistema "sociedade", por exemplo, necessita dos sistemas "vida" e "consciência"2". Porém, quando determinados fenômenos são encontrados tanto em um quanto em outro sistema, então se torna apenas uma questão de ponto de vista saber a qual podem e devem ser atribuídos. Como, por exemplo, no caso da propaganda e da economia. A propaganda é sem dúvida um mercado próprio do sistema econômico, com organizações próprias, orientadas para mercados especiais. Mas não é apenas isso. Pois a propaganda precisa submeter seus produtos à dinâmica própria do sistema social dos meios de comunicação de massa [...] Consequentemente, no campo da propaganda a economia é remetida ao sistema das mídias, assim como este a ela; e não é possível estabelecer-se, como é típico para o caso de acoplamentos estruturais, nenhuma assimetria lógica dos campos, nenhuma hierarquia. É possívelsomente, como em um termostato, determinar um círculo cibernético, no qual fica dependendo do observador se ele quer que o aquecimento regule, com o auxílio do termostato, a temperatura do ambiente, ou se a temperatura do ambiente regule, com o auxílio do termostato, o funcionamento do aquecimento28. Também depende do observador saber se o cachorro dá voltas com o rabo, ou se o rabo dá voltas com o cachorro; entretanto, é possível decidir qual pon- to de vista é o mais acertado. Exatamente como o termostato, por sinal, que sem dúvida é parte integrante do aquecimento , mas não da tempera tura do ambiente. O círculo cibernético, de que o te rmosta to representa o exemplo questionável, notadamente já não se ajusta à relação entre economia e meios 2 6 N . L u h m a n n , SozialeSysteme — Grundrifi einer allgertuinen 'lheorie. F rankfu r t , 1987, p. 295. 2 7 Cf . idem, op. cit., p. 297. 28 N . L u h m a n n , Die Realitiit der Massenmedien, p. 122. de massa, porque ele oculta sua pré-história, de forma alguma simétrica. Luh- mann conhece-a mui to bem29, mas não leva em conta onde ela se apresenta como um estorvo. Pensar sistematicamente parece significar não poder pensar genealogicamente em pontos decisivos. Sua concepção simplesmente não en- contra nenhum uso para o fato de que é apenas sob as condições econômicas do capitalismo precoce, ou seja, do estabelecimento dos jornais como firmas, com efetivos inteiros alimentando-se do abastecimento permanente de notícias, bem como de pressão concorrencial sob a qual isso se dava, que pode ocorrer a emancipação da imprensa, seu "fechamento operativo", como se diz em lin- guagem técnica, em um sistema de comunicação de massa. Esse sistema tem, sem dúvida, uma lógica própria, crescentemente vigorosa, mas ela é uma forma fenomenal , especificação, expressão da coerção de forças econômicas mui to mais abrangentes. "Sobre a carne que falta a vocês na cozinha / não se decide na cozinha", diz Brecht" . Da mesma maneira, não é nos meios de massa que se decide sobre seu funcionamento autônomo. Eles mantêm-se funcionando enquanto forem mantidos funcionando — através da pressão econômica, que preserva a sociedade unida e que, por sua vez, é preservada em alta atividade pelo sistema nervoso dos indivíduos que lhe são subordinados. A lógica própria dos meios de comunicação de massa é assim também uma lógica extrínseca. Sob um pon to de vista, ela é algo em si próprio, sob outro, apenas emprestada; em um, real, em outro , tão somente aparência, porém não como um mero engodo, mas como fenômeno de algo que ela mesma não é, mas que nela vem à tona. Esse ser-um e ser-diferente simultâneo do mesmo e do estranho, do ser e da aparência, do fenômeno e daquilo que nele vem à luz, nele manifesta-se e esconde-se, satisfaz as condições da dialética31. Ela é, para a forma sistêmica 29 Idem, op . cit., p. 98. 30 B. Brccht , Die Aíulter, cena 1. 31 Q u a s e não sc ousa mais mencionar esse conceito comprometedor , mas não se consegue livrar-se dele — as- sim c o m o d o concei to de " fenômeno" [Erscheimmg], que, no m o m e n t o em que a filosofia lhe dava adeus, t r o c a n d o - o p o r "construção", volta com toda a força no Corporate Desig,n. Q u a l q u e r firma e inst i tuição exige hoje uma imagem de aparência [Erscheinungsbild\. Assim, a dialética está inegavelmente de novo na o r d e m do dia. Q u e m tala de fenômeno pode dizer o que quiser, mas não conseguira evitar pressupor algo do qual o fenômeno é f enômeno . N ã o se quer dizer de forma alguma com isso que esse "algo corresponda a uma "essência" ou "cm-si" mais elevada, p ro funda ou eterna, que o m u n d o fenomèmco cobre como um véu fugaz. Deve-se admit i r , a dialética foi P o r mui to t e m p o pensada dessa maneira . Mas .sso representa sua h i p o t e c a his tór ica , não seu nervo. É jus tamente nas novas semiót ica e h losoha da l inguagem. que cons ide ram a dialética um velho peso m o r t o metafísico, que isso poderia ser most rado. Palavras e signos m_.tv.iv» iiiuica pode Sw* » , . • i J a l tamente dialético, sem o que o "significado" teria, assim, que ser ligado a qualquer a t r ibuto mais elevado, c o m o o scr-em-sí ou a e ternidade. de pensamento, aproximadamente o que a água benta é para o diabo; toca-lhe em seu credo de que a consti tuição do sistema seria a única forma compreen- sível de consti tuição da realidade. Sempre que a dialética descobre estruturas sistêmicas, isto é, que se au toa l imentam e se au to r reproduzem, a exposição de tais es t ru turas representa seu g rande méri to — ela encont ra-se t a m b é m em status confessionis: na crença de pisar sobre o chão firme de u m a realidade consistente. Q u e essa realidade, a única que se toma por d inhei ro vivo, pudesse ser, sob determinado pon to de vista, falsa moeda , disso tal teoria não quer sa- ber. Consequentemente , a teoria considera a p ropaganda p ron tamen te como aquilo que resultou da restrição ao comercial de p rodu tos , en t r e t en imen to , não quest ionando o que sob esse rótulo func iona como campo programát ico, sem pensar por um instante nas nuanças econômicas presentes na expressão "ser entretido", ou na origem daquilo que deve entreter, no jogo, no espetáculo, festival ou ritual, ou sem levantar a menor dúvida a respeito da au tonomia do sistema dos meios de comunicação de massa. C o m a teoria dos sistemas é possível apreender prat icamente tudo ; meca- nismos sistêmicos estão presentes em quase todos os lugares. E seria possível ser um discípulo fiel de Luhmann, agindo do p o n t o de vista lógico, de forma alguma equivocadamente, se se determinasse o credo cristão como uma redução de complexidade, o nacional-socialismo como um fechamento do povo alemão, a Sboah como processo de seleção, as relações amorosas como acop lamen to ou o nascimento como desacoplamento . Porém o que se apreende com isso dos respectivos fatos concretos? Uma armadura estrutural que possui traços em comum com incontáveis outros fenômenos orgânicos e sociais, mas que justamente não contém aquilo que consti tui sua part icularidade, aquilo que é móvel e significativo, sem dúvida, o que é essencial para o func ionamen to do objeto em questão, mas de forma alguma o própr io objeto3 2 . 32 A teoria dc sistemas não defende este ú l t imo p o n t o , mas flerta c o n s t a n t e m e n t e com ele. Seu gesto modes- to, de n ã o fazer senão descrever tão p rec i samen te q u a n t o possível processos s is têmicos d e t e r m i n a d o s , possui out ra face, nada despretensiosa, de que t u d o que n ã o se deixa abarcar nessas descrições n ã o seria senão incompreensível : sem es ta tu to de real, não cient íf ico, sem sen t ido fac tual , sobre o qual bem é possí- vel bazofiar, mas, por isso mesmo, é me lho r se calar. E isso significa, inversamente , que os fa tos g a n h a m sen t ido , base c f u n d a m e n t o por m e i o dc seus m e c a n i s m o s s is têmicos . A estes, p o r sua vez. f a l t am u m "porquê" e um "para quê"; não existem senão para si p rópr ios ; n ã o significam nada, estão s implesmente lá. Sua f o r m a de p roces samen to não possui n e n h u m sen t ido super ior , p o r q u e ela m e s m a é o s e n t i d o — o único dado realmente compreensível c real. Em outras palavras: o sent ido é sistêmico. A teoria dos sistemas constata-o, o sistema cria-o. Nesse p o n t o , correlacionam-se c o m o teologia e Deus . A visão da teor ia d o s sistemas ajusta-se fo rmidave lmente a isso. Sua f u n ç ã o "reside em disponibi l izar reduções úl t imas e basais, que t r ans fo rmem a inde te rminação c inde te rminabi l idade do ho r i zon te do m u n d o em de te rminação ou, pelo menos, em de te rminab í l idade de um estilo indicável." ( N . L u h m a n n , "Rel ig ion ais System", in K.AV. A teoria de sistemas compreende de tudo algo; com issodeixa escapar o que é decisivo em muito. Por exemplo, no que há de específico da alta pressão jornalíst ica, seu instrumental não consegue alcançar-lhe o cerne. Atribuí-la ao sistema dos meios de comunicação de massa eqüivale a ignorar sua origem econômica; classificá-la sob a economia significa deixar de fora suas formas de manifestação midiáticas, estéticas e fisiológicas. Sem dúvida, trata-se, por um lado, tão somente da velha pressão concorrencial capitalista, mas em que forma modificada! Através da desregulamentação em âmbito mundial, ela adquiriu um novo grau de intensidade, ao mesmo tempo multiplicando-se, por meio do explosivo desenvolvimento de novas mídias, e traduzindo-se em uma pres- são comunicativa e sensorial, sob a qual se encontram os aparatos midiáticos, não menos do que o sistema nervoso daqueles que a eles estão conectados. D a h m , N . L u h m a n n e D . S tood t . Religion — System und Sozilalisation. D a r m s t a d t e Neuwied , 19T2, p. 11). Vista desse prisma, a religião sempre fez aquilo que os sistemas fazem: segregou-sc, por processos dc seleção e redução de complexidade, de um m u n d o ao redor demasiado complexo e exper imentado como d i fu so , fechou-se ope ra t ivamente e au tonomizou-se em um processo que real imenta em si mesmo e se au todi fc renc ia con t inuamente . Sistemas sociais são pr imeiramente religiosos. O sistema religioso é o sis- tema por excelência — sua forma original, a mais abrangente, decer to também a menos diferenciada e a mais infant i l . O ambien te a par t i r do qual atua não é qualquer um, mas o própr io hor izonte dc mundo , não apenas algo inde te rminado , mas o inde te rminado puro e simples: aqui lo que se chama o apeiron em A n a x i m a n d r o . Ele, po rém, t a m b é m é o es t ranho, o ameaçador por excelência. O esforço teológico de " t ranspor tá - lo" para a "determinabi l idade" representa a tentativa de penetrar nesse mons t ruoso hor izonte de m u n d o para , d e n t r o dele, encontrar um reinar divino, universalmente abrangente e seguro. Deus não supo r t a um meio ambiente . Ele é o tohuwabobu que tem de desaparecer na Criação divina. Nada pode pe rmanece r de exterior. O sistema não pode ser algo no mundo , mas a total idade mesma do mundo . C o m isso, o sistema religioso excede-se e debilita-se. As suas fantasias de onipotência não podem durar. C o m o Urano e Cronos , a religião tem sua potência roubada por seus próprios filhos, o que se origina em conseqüên- cia de seu crescimento, t ambém chamado de "diferenciação": a política, o direito, a economia , a ciência. Assim que d e s m a m a m e começam a andar com suas próprias pernas sistêmicas, começam a desmentir o ex t remo sen t ido universal religioso e a promover a redução a um sentido parcial mais modesto, porém mais durável . O sen t ido fica res t r i to ao a u t o f u n c i o n a m e n t o sistêmico, que a l imenta a si mesmo e por conta p rópr ia se estabiliza — independen temente de seu conteúdo . N o entanto , o sent ido restrito permanece, não obs tante , um sent ido de m u n d o — o único sentido a existir no mundo. E assim, a teoria dos sistemas p r o d u z uma espécie de Deus uhsconditus invertido. Não o Deus ocul to de Lutero, que habita em uma luz J impenetrável , inalcançávcl pela faculdade de compreensão da razão humana e apenas revelada pelo Evange- lho e pela fé, mas um Deus demasiado tangível. Ele confunde-se tão comple tamente com a racionalidade sistêmica, que sequer mais se nota o tanto que cont inua a ser Deus . Esconde-se tão per fe i tamente em seu ser-manifes to c o m o "A Car t a Roubada" de Poe. Sem dúvida, somente consegue levar a cabo tao bem essa ob ra -p r ima da au to -ocu l t ação p o r q u e é um sent ido de m u n d o restr i to ao ext remo: um esqueleto de s. p rópr io . O r a . a engenhos idade da teoria de sistemas consiste apenas em con t rapor tal esqueleto a todas as p re tensões de sen t ido metafísicas t radicionais , c o m o um sinal de t r iunfo , c o m o o único sent ido de m u n d o sus tentável : In hoc signo vinces. É só assim que se torna compreensível a ambição da obra de L u h m a n n c o m o um todo , em sua es tonteante erudição, de colocar Hegel de cabeça para baixo: nao no chão ince r to do social ismo, c o m o quer ia Marx, mas no sistêmico, eficaz na realidade E nele que, sem mais precisar dos precários concei tos metafísicos c o m o Deus, espírito, essência ou substancia, a teoria deveria finalmente se t o r n a r o que Hege l apenas rec lamou para a h losoha : apreender seu t e m p o em pensamen to" (G. W . F. Hegel . Grundlinien der Philosopbie des Rechts. Werke [Obras] . F rankfu r t : Mol- d e n h a u e r / M i c h e l , 1970. vol. 7, p. 26). Acontece que. no sent ido de m u n d o sistêmico, o inchado sentido metaf í s ico não desaparece, mas é s implesmente encolhido. Deus, espírito, substância con t inuam a sorrir para o le i tor : c o m o caveiras. Sob cal pressão, a relação entre jornalismo e propaganda começa a inverter-se. Justamente o comercial, ao qual é permi t ido lidar com fatos e com a verdade muito pouco precisamente, se torna o campo de experimentação para as formas comunicacionais mais pregnantes. Naturalmente, não de acontecimentos reais, mas sim de imagens, atmosferas, humores, associações — daquele outfit que fornece a cor, a plasticidade, o caráter marcante aos simples e pálidos fatos, sem os quais estes pareceriam completamente desamparados, órfãos de pai e mãe. A informação que almeje veicular meros fatos corre o risco de desaparecer. Por isso requer-se o infotainment: o en r iquec imen to do factual com o valor do en t re ten imento , sem o qual o discurso não t em i m p o r t â n c i a a lguma. Mais do que nunca os fatos precisam do outfit que os faça sobressaírem d ian te de seus similares. E em nenhum outro lugar isso é tão bem feito quan to na propa- ganda. Na mesma medida em que a roupa faz o homem, o outfit faz os fatos, e o comercial determina os parâmetros da informação. O anúncio pode simular um noticiário, quando isso promete ser eficaz. O jornal ismo tem de almejar os padrões de precisão mediais do comercial, se ainda quiser atingir o público. E com isso, dever-se-ia acreditar em dois campos programáticos independentes e de mesmo peso, que ocasionalmente fizessem "empréstimos" um ao out ro? Transformação da indústr ia cultural É necessário esforçar-se consideravelmente para ignorar o desnível de força entre o jornal ismo e a p ropaganda . C o m a desregulamentação ele adqui r iu uma nova intensidade, porém já estava inserido no capitalismo como formação social desde o começo. À exposição de mercadorias pertence, agora, seu louvor a altos brados. E quando o mercado, onde isso acontece, deixa de ser u m lugar para a troca de bens para tornar-se uma instância central de socialização, sob a qual as relações inter-humanas e o trato pessoal começam a ser regulados, então é apenas uma questão de t empo para que a preconização das mercadorias se autonomize em uma própria forma de c o m p o r t a m e n t o comunicat ivo. Não é nenhuma coincidência que esse compor t amen to tenha espantado t an to dois emigrantes judeus alemães, quando, morando nos Estados Unidos, vivenciaram com toda intensidade aquilo que nos anos 1940 chamaram de indústria cultural-. o estágio de desenvolvimento social no qual os bens culturais não mais apenas circulam como mercadorias, mas já são produzidos em massa, tal qual pãezinhos ou lâmpadas — com tremendas conseqüências para a economia pulsional, para a percepção e para as formas de pensamento e de interação humana, das quais não se pode mais ignorar a propaganda. Na medida em que a pressão do sistema obrigou todo produto a utilizar a téc- nica da publicidade, esta invadiu o idioma, o "estilo" da indústria cultural [...] Nas mais importantes revistas norte-americanas, LÃfe
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