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Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 1 PÓS-GRADUAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA DISCIPLINA Princípios da Administração Pública Prof.º Renerio Castro Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 2 A Faculdade Focus se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). A instituição, nem os autores, assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. 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Coliseo - Centro Cascavel - PR, 85801-050 Tel: (45) 3040-1010 www.faculdadefocus.com.br Este documento possui recursos de interatividade através da navegação por marcadores. Acesse a barra de marcadores do seu leitor de PDF e navegue de maneira RÁPIDA e DESCOMPLICADA pelo conteúdo. http://www.faculdadefocus.com.br/ mailto:secretaria@faculdadefocus.com.br. http://www.faculdadefocus.com.br/ Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 3 Palavra do Diretor Prezado Acadêmico da Faculdade Focus! Aprender requer organização e disciplina. O estudo a distância pode ser ainda mais proveitoso que o presencial, desde que você se dedique, crie o hábito de estudo e mantenha uma rotina diária, com horário específico, em local silencioso e que garanta boa concentração. A liberdade de poder estudar onde e como quiser é, de fato, um diferencial para sair na frente e alcançar as suas metas. Não procrastine o seu sucesso, pois somente uma boa educação é a garantia de uma carreira bem-sucedida. As portas do mercado de trabalho estão cada vez mais seletivas, por isso, ter a oportunidade de se aperfeiçoar sem sair de casa é uma chance importante para poder alçar novos voos e vislumbrar novas posições na carreira. O modelo de ensino a distância é um recurso tecnológico que não elimina a interação. Muito pelo contrário. O curso possibilita a todo momento canais de comunicação com seus tutores estão à disposição para sanar qualquer dúvida. A sala de aula só passou do físico para o campo virtual. No entanto, é bom estar atento que nessa modalidade você é o protagonista, visto que é o aluno o principal responsável para ser seu guia na rotina de estudos. É você que vai definir quando e como vai estudar, por isso, assuma as rédeas e aja focado no seu objetivo. Desejo a você uma excelente jornada de aprendizagem! Ruy Wagner Astrath Diretor Geral da Faculdade Focus Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 4 Coordenador do Curso Olá, acadêmicos da Faculdade Focus! Os cursos de pós-graduação da Faculdade Focus são resultado da união entre a solidez acadêmica de uma das melhores Faculdades privadas do Brasil e a experiência de profissionais do mercado que são referência nas suas áreas de atuação. Os cursos de especialização foram desenvolvidos a partir das principais tendências e temáticas da atualidade e do futuro, sendo que nosso modelo oferece alto padrão de ensino, corpo docente de grande relevância, plataforma intuitiva e materiais de apoio atrativos e diferenciados, aliados a um excelente custo-benefício. 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Prof. Helton Kramer Lustoza Coordenador do Curso Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 5 Sumário Palavra do Diretor ----------------------------------------------------------------------------------------------- 3 Coordenador do Curso ------------------------------------------------------------------------------------------ 4 Sumário ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 5 1 Regime Jurídico da Administração -------------------------------------------------------------------- 7 1.1 Regime Jurídico de Direito Privado Aplicável à Administração Pública ----------------------------------- 8 1.2 Conteúdo do Regime Jurídico Administrativo ----------------------------------------------------------------- 11 1.2.1 Interesse público primário e secundário ------------------------------------------------------------------------------------ 11 1.2.2 Supremacia do interesse público---------------------------------------------------------------------------------------------- 12 1.2.3 Indisponibilidade do interesse público -------------------------------------------------------------------------------------- 16 2 Princípios Constitucionais Expressos ---------------------------------------------------------------- 20 2.1 Legalidade ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 20 2.1.1 Legalidade estrita, legitimidade e juridicidade ---------------------------------------------------------------------------- 23 2.1.2 Deslegalização ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 25 2.2 Impessoalidade --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 27 2.3 Moralidade -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 30 2.3.1 Vedação ao nepotismo ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 32 2.4 Publicidade -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 34 2.5 Eficiência ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 38 2.5.1 Eficiência, eficácia e efetividade ----------------------------------------------------------------------------------------------- 38 2.5.2 Princípio da eficiência nos diversos dispositivos constitucionais ----------------------------------------------------- 39 3 Princípios Implícitos e/ou Infraconstitucionais --------------------------------------------------- 40 3.1 Razoabilidade e Proporcionalidade------------------------------------------------------------------------------- 41 3.2 Princípio da razoabilidade ------------------------------------------------------------------------------------------- 42 3.3 Princípio da proporcionalidade ------------------------------------------------------------------------------------ 43 3.4 Princípio Da Autotutela ---------------------------------------------------------------------------------------------- 45 3.4.1 Prazo decadencial para o exercício da autotutela ------------------------------------------------------------------------ 45 3.4.2 Contraditório e ampla defesa na autotutela ------------------------------------------------------------------------------- 48 3.5 Princípio da Tutela ou Controle ------------------------------------------------------------------------------------ 49 3.6 Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos -------------------------------------------------------------- 49 3.7 Princípio da Segurança Jurídica ------------------------------------------------------------------------------------ 51 3.8 Princípio da Confiança e Boa-Fé ----------------------------------------------------------------------------------- 54 3.9 Princípio da Motivação ----------------------------------------------------------------------------------------------- 56 3.9.1 Motivação contextual e aliunde ----------------------------------------------------------------------------------------------- 57 3.9.2 Motivo x motivação --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 58 Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 6 Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 7 1 Regime Jurídico da Administração Muitas vezes, no estudo do direito, começamos nossas investigações tomando por pressupostos conceitos que, nem sempre, são tão claros. Por isso, achamos oportuno trazer aqui o que se entende por “Regime Jurídico”. Essa expressão designa o conjunto de regras, de princípios, normas e categorias que regem o funcionamento de um instituto ou, como no caso, de um ramo do direito (Celso de Mello). A primeira coisa que você deve ficar atento para estudar este assunto é que, a expressão "Regime Jurídico da Administração" é o gênero, que comporta duas espécies: o Regime de Direito Privado e o Regime Jurídico Administrativo (regras e princípios de Direito Público). Assim, o regime jurídico adotado pela Administração Pública não é formado somente por normas de Direito Público, isso porque nem sempre a Administração se acha em posição de superioridade (unilateralidade, supremacia) sobre os administrados. Como esclarece muito bem Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a expressão Regime Jurídico da Administração Pública é utilizada para designar em sentido amplo, os regimes de direito público e de direito privado a que pode submeter-se a Administração Pública. Importante mencionar que a doutrina mais moderna do direito administrativo entende como ultrapassada uma separação binária e excludente entre esses dois regimes. Isso porque a administração, a depender da atividade que desempenha, poderá ora valer-se predominantemente de regras e institutos do direito público, ora do direito privado (Diogo de Figueiredo). Por sua vez, a expressão “regime jurídico administrativo” é reservada tão somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 8 Portanto, a expressão “Regime jurídico da Administração” tem sentido genérico, abrangendo os dois regimes jurídicos a que se submete o Poder Público, o de Direito Privado e o de Direito Público. Noutro passo, a expressão “Regime jurídico administrativo” tem sentido restrito, servindo para designar tão somente o regime jurídico de Direito Público aplicado à Administração. Portanto, deixemos os conceitos muito bem esclarecidos: • Regime jurídico da Administração: são as normas aplicáveis para a Administração Pública, comporta duas espécies: o Regime de Direito Privado e o Regime Jurídico Administrativo; • Regime de Direito Privado: são as normas de Direito Privado aplicáveis à Administração, ocorre em situação em que o Poder Público atua em condições de relativa paridade com os particulares, por exemplo: contratos de Direito Privado firmados pela Administração (aluguel de prédio) ou vendas de produtos ou serviços por empresas estatais que concorrem com empresas privadas; • Regime jurídico administrativo: são as normas de Direito Público aplicáveis à Administração, gera um conjunto de prerrogativas e de restrições não identificadas comumente nas relações entre particulares, que podem potencializar ou mesmo restringir as atividades da Administração Pública. 1.1 Regime Jurídico de Direito Privado Aplicável à Administração Pública Para que não reste nenhuma dúvida quanto ao modo como as normas de Direito Privado são aplicados para a Administração Pública, vejamos o parágrafo § 1º do art. 173 da CF/88: Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 9 § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (...) Veja, quando o inciso II fala em “sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas”, o constituinte está deixando claro que as empresas estatais (que são partes da administração indireta, como veremos no capítulo 04) estão sujeitas ao regime de Direito Privado, “inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Assim, o Estado não possui a faculdade de optar pelo regime jurídico que melhor atenda às suas necessidades. Caso esteja atuando na exploração de atividade econômica, submeter-se-á obrigatoriamente às regras de direito privado, nos termos do art. 173, § 1º, II, da CF/1988. Contudo, deve ficar bem claro que o regime jurídico a que se sujeitam as empresas públicas e as sociedades de economia mista é de natureza híbrida. Isso porque estas empresas também devem obediência aos princípios do art. 37 da CF/88 e vários outros preceitos de Direito Público. Por exemplo: estão obrigadas a realizar concurso público para contratar empregados; também devem se submeter às regras licitatórias, nos termos da Lei 8.666/93. Sistematizando esse assunto da aplicação do regime de Direito Privado ou de Direito Público, podemos afirmar que: I – O regime jurídico público será: Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 10 • sempre adotado pelos os órgãos que irão compor a administração direta (não existe órgão de regime privado, nem de regime misto); • sempre adotado pelas as autarquias, incluindo as comuns, as especiais e as agências reguladoras (não existe autarquia de regime privado, nem de regime misto); • Adotado pelas fundações públicas de regime público, talcomo a FUNAI ou a Biblioteca Nacional; • em regra, adotado pelas associações públicas decorrentes dos consórcios públicos, regidos pela Lei nº 11.107/05. II – O regime jurídico privado será: • sempre adotado pelas as empresas públicas e sociedades de economia mista, com base no já citado art. 173, § 1º, II, da CF/88; • Adotado pelas fundações públicas de regime privado (por exemplo, PROCON e Fundação Casa). Para fechar o tópico, esclareça-se que as empresas estatais não precisam licitar para firmar os contratos relativos a sua atividade-fim (o Banco do Brasil, por exemplo, não precisa licitar para abrir contas correntes para seus clientes), nesse sentido, veja o seguinte acórdão do Tribunal de Contas da União: Assim, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU – as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços devem se submeter aos princípios básicos da licitação da Lei 8.666/1993. Podendo, contudo, deixar de licitar para a contratação de bens e serviços que constituam sua atividade-fim. (TCU. Acórdão 1344/2015 – Plenário) Esse assunto será bem aprofundado quando analisarmos a Lei 13.303/16 (Lei das empresas estatais), por agora, sigamos em frente com o estudo do regime jurídico administrativo. Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 11 1.2 Conteúdo do Regime Jurídico Administrativo É justamente no regime jurídico administrativo que a Administração dispõe de prerrogativas do Direito Público (supremacia sobre os particulares). Isso ocorre em razão do papel que o Estado exerce: ser responsável pelo cumprimento dos interesses públicos. Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que o regime jurídico administrativo é formado por duas “pedras de toque”, em função dos quais se originariam todos os demais princípios que conformam a atividade administrativa. Tais “pedras de toque” são: supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público, bases fundamentais do regime jurídico-administrativo, que estabelecem prerrogativas e sujeições à atividade administrativa. 1.2.1 Interesse público primário e secundário Antes de partirmos para o estudo pormenorizado da supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público, é preciso compreender o que a doutrina moderna entende por interesse público, especialmente a distinção entre o primário e o secundário. Regime jurídico da Adminsitração Regime de Direito Privado Horizontalidade; Sem prerrogativas; Ex: Banco do Brasil Regime jurídico administrativo (Direito Público) Verticalidade; Com prerrogativas e restrições; Ex: INSS e ministérios Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 12 Por interesse público primário entende-se a necessidade de satisfação de necessidades coletivas (justiça, segurança e bem-estar) por meio do desempenho de atividades administrativas prestadas à coletividade (aquelas atividades extroversas que vimos no capítulo 01: serviços públicos, poder de polícia, fomento e intervenção na ordem econômica). Por interesse público secundário entende-se o interesse do próprio Estado, enquanto sujeito de direitos e obrigações. Esse tipo de interesse tem relação com a noção de interesse do erário e é implementado por meio de atividades administrativas instrumentais necessárias para o atendimento do interesse público primário. Em síntese, o interesse secundário é entendido como a pretensão de a Administração lograr vantagens para si (satisfazer interesses próprios, de ordem econômica, política, administrativa, etc.). A proteção desse interesse ocorre internamente à Administração (atividade-meio), por meio do gerenciamento de finanças públicas, da nomeação de servidores ou da terceirização de serviços, por exemplo. A partir dessa distinção, pode-se afirmar que o interesse público primário não coincide, necessariamente, com o interesse secundário que será sempre interno ao Estado. É isso que ocorre quando o Poder Público age de modo a maximizar seus ganhos em detrimento da sociedade. Nesse caso podemos afirmar que o Poder Público está buscando o interesse secundário, mas não o interesse público primário. De olho nessa diferença entre interesse público primário e secundário, analisemos o princípio da supremacia do interesse público. 1.2.2 Supremacia do interesse público Também conhecido como “princípio da finalidade pública”, é o mais característico princípio do Direito Administrativo, sendo o alicerce dessa disciplina juntamente com o princípio da indisponibilidade do interesse público, dos quais decorrem os outros princípios. Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 13 Importante registrar que existe certa controvérsia quanto ao fundamento constitucional desse princípio. É certo que o constituinte não o previu ao lado dos demais princípios que regem a Administração Pública (art. 37, caput). Mesmo sem a menção expressa, autores como Daniel Wunder Hachem defendem que esse princípio seria uma decorrência lógica do art. 3°, IV e art. 66, §1 da Carta Constitucional. Essa, no entanto, é uma posição minoritária, que não deve prevalecer em provas objetivas, mas pode ser mencionada em uma prova oral ou discursiva. A despeito da dúvida quanto ao assento constitucional desse preceito, é certo afirmar sua previsão infraconstitucional, expressa na Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/99): Art. 2°. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (...) A supremacia do interesse público traz como efeito uma relação de verticalidade entre o particular e a Administração. Desse modo, haveria uma presunção de preponderância dos interesses defendidos pela Administração - tidos como públicos ou gerais - sobre aqueles defendidos por particulares. Esta supremacia serve de justificativa para a posição superior (com prerrogativas diferenciadas) de que desfruta a Administração na prática de alguns atos e negócios jurídicos. Como exemplo, citam-se a desapropriação, as cláusulas extravagantes típicas dos contratos administrativos, os atributos especiais dos atos administrativos (presunção de legitimidade, autoexecutoriedade, imperatividade e tipicidade), etc. Em suma, o princípio da supremacia do interesse público significa que a Administração Pública é colocada em posição vertical (diferenciada) em relação aos Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 14 particulares. No caso de confronto entre o interesse individual e o público, este é que, em regra, prevalecerá, já que, teoricamente, corresponde ao benefício da coletividade e não de uma pessoa. É interessante notar que o princípio da supremacia do interesse público, embora seja fundamental no Direito Administrativo, não goza de previsão expressa na CF/88. Vale notar que, como aponta Celso Antônio Bandeira de Melo, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é do que a dimensão pública dos interesses individuais. Em outras palavras, o interesse público seria o interesse de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade, cuja expressão jurídica é o próprio Estado. Portanto, na defesa dos interesses coletivos, o Poder Público poderá limitar o exercício dos direitos individuais por exemplo, quando utiliza do poder de polícia administrativa (veremos este poder no próximo capítulo) para fechar restaurantes que não estejam obedecendo àsnormas da vigilância sanitária. Veja, ter um restaurante e servir comida ao público é um direito individual (livre iniciativa), contudo, o Estado pode limitar esse direito para resguardar o interesse público (saúde coletiva). Contudo, você precisa estar muito atento (especialmente em provas discursivas e orais) ao fato de que o princípio da supremacia do interesse público vem sendo contestado pela doutrina administrativista e constitucionalista mais moderna. Esse movimento gerou o que se convencionou chamar de “relativização do princípio da supremacia do interesse público”. Para exemplificar as críticas doutrinárias, Daniel Sarmento diz que “supremacia do interesse público” consubstancia uma cláusula muito geral de restrição de direitos fundamentais. Essa generalidade excessiva seria uma ameaça aos princípios Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 15 democrático e da reserva de lei, já que deixa a cargo da Administração a tarefa de fixar, no caso concreto, o limite para o exercício dos direitos fundamentais. Pelo mesmo motivo, restaria prejudicada a atividade jurisdicional de controle dos atos administrativos, já que os juízes não teriam parâmetros objetivos de controle. Ou seja, para autores como Daniel Sarmento, é inadequado falar em supremacia do interesse público sobre o particular. Seria preferível falar em princípio da tutela do interesse público, para explicitar o fato de que a Administração não deve perseguir os interesses privados dos governantes, mas sim os pertencentes à sociedade. Assim, não se admite que aprioristicamente se assegure a prevalência do interesse defendido pela Administração Pública em detrimento dos particulares. Nesse contexto, há situações específicas em que o próprio ordenamento jurídico estabelece direitos e garantias fundamentais que protegem interesses individuais, inclusive em face da atuação do Estado. Nessa linha, tem-se que, em uma leitura constitucional do Direito Administrativo, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado deve ser relativizado em face de direitos e garantias individuais. Especialmente se estivermos diante do núcleo essencial destes princípios ou do princípio da dignidade da pessoa humana. De maneira mais “esquematizada”, vejamos os argumentos elencados por Rafael Carvalho Rezende Oliveira para explicar as críticas ao princípio ora estudado: 1. o texto constitucional, em diversas passagens, partindo da dignidade da pessoa humana, protege a esfera individual (ex.: arts. 1.º, 5.º etc.), não sendo lícito afirmar, a partir da interpretação sistemática das normas constitucionais, a existência de uma prevalência em favor do interesse público; 2. indeterminabilidade abstrata e objetiva do “interesse público”, o que contraria premissas decorrentes da ideia de segurança jurídica; Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 16 3. o interesse público é indissociável do interesse privado, uma vez que ambos são consagrados na Constituição e os elementos privados estariam incluídos nas finalidades do Estado, como se percebe, v.g., a partir da leitura do preâmbulo e dos direitos fundamentais; e 4. incompatibilidade da supremacia do interesse público com postulados normativos consagrados no texto constitucional, notadamente os postulados da proporcionalidade e da concordância prática. No mais, fique atento que, mesmo para aqueles que reconhecem a existência e validade atual do princípio da supremacia, apenas o interesse público primário goza desta supremacia, ou seja, o interesse secundário jamais poderá se sobrepor ao interesse dos administrados. 1.2.3 Indisponibilidade do interesse público Em contrapartida à supremacia, a indisponibilidade do interesse público faz com que o Poder Público, por intermédio de seus agentes, não possa agir como bem entender, devendo seguir os ditames do ordenamento jurídico, já que seu papel é satisfazer a vontade de terceiros, quais sejam, a coletividade, a sociedade. Nessa perspectiva, a Administração funciona como uma espécie de gestora de interesses alheios, que tem um poder-dever de atuar para satisfazer o bem comum. Não por acaso, uma vez que a lei estabeleça determina competência para um agente público, ele não pode simplesmente renunciá-la. Claro que se pode renunciar ao cargo público, mas não às competências do cargo, justamente porque o agente público não pode dispor do interesse consubstanciado na competência que lhe foi acometida. No mais, a indisponibilidade do interesse público traz como efeito a impossibilidade de livre transigência, por parte do Administrador, dos interesses públicos tutelados. Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 17 De acordo com o princípio da indisponibilidade, os bens e interesses públicos não pertencem ao gestor ou mesmo à Administração, cabendo aos agentes administrativos geri-los e conservá-los, em prol da coletividade. Assim, por ter sempre que atuar na busca da consecução de interesses coletivos, a Administração não pode, por óbvio, abrir mão desses fins públicos. Em outras palavras, ao agente público não é lícito, sem lei que o autorize, transigir, negociar, renunciar, mitigar, ou seja, de qualquer forma dispor de interesses públicos, mesmo daqueles cujos equivalentes na seara privada seriam considerados disponíveis (como o direito de cobrar um crédito de aluguel). Ressalte-se que, em uma leitura moderna deste princípio, não se deve criar obstáculos para a solução consensual de conflitos sob a alegação de que se estaria transigindo com o interesse público indisponível. Para resolver a questão, observe a doutrina do processualista Freddie Didier, para quem há certo dissenso na prática forense em relação à possibilidade de conciliação nas causas que envolvem a Administração Pública. Existe uma confusão em se relacionarem tais causas com suposto interesse público, a não permitir a realização de qualquer espécie de autocomposição. Trata-se, ainda segundo Didier, de equívoco lamentável. São inúmeras as hipóteses de autocomposição envolvendo interesse de ente público, não sendo temerário afirmar, por exemplo, que a maior parte dos conflitos fiscais se resolve por acordo de parcelamento firmado perante a repartição pública, longe das mesas de audiência do Poder Judiciário. A lei, inclusive, prevê expressamente a possibilidade de conciliação em demandas que dizem respeito aos entes federais. Em regra, são situações em que a cobrança integral do valor é muito dispendiosa, se comparada com o seu possível resultado. Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 18 A renúncia ou transação acaba sendo a melhor forma de preservar o interesse público. Portanto, é plenamente possível o acordo em tais causas. De fato, a interpretação antiga que vedava a transação em causas judiciais envolvendo a Fazenda Pública sob o fundamento de que o princípio da indisponibilidade do interesse público a proibia vem sendo paulatinamente derrubada pelo legislador. Alguns exemplos podem ser mencionados: a) Nos Juizados Especiais Federais os representantes da Fazenda Pública são autorizados a conciliar e transigir sobre os interesses discutidos na demanda (art. 10, parágrafo único, da Lei n. 10.259/2001); b) Passou a ser permitida a utilização de mecanismos privados para resolução de disputas, inclusive a arbitragem, exclusivamente nos contratos de concessão de serviço público e nas parcerias público- privadas (arts. 23-A da Lei n. 8.987/95 e 11, III, da Lei n. 11.079/2004); c) A Lei 13.140/15 autoriza a mediação como meio de solução de controvérsias no âmbito da administraçãopública. Inclusive, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública; d) A Lei 13.964/19 (Lei ou pacote Anticrime) inseriu, na Lei de Improbidade Administrativa, a admissão de celebração de acordo de não persecução cível, com possibilidade de requerimento, pelas partes ao juiz, de suspensão do prazo de contestação, para criar ambiente favorável às tratativas. Vale mencionar que STJ entende ser possível a aplicação da arbitragem em contratos administrativos. Com efeito, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, além disso o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente. (STJ. REsp 904813 / PR – Ministra NANCY ANDRIGHI – 3ª Turma – DJe 28/02/2012) Princípios da Administração Pública | Regime Jurídico da Administração www.faculdadefocus.com.br | 19 Atente-se, também, que desde a importante alteração legislativa com a Lei 13.129/15, que alterou a Lei 9.307/96, foi estabelecido de forma expressa que a Administração Pública poderá estabelecer convenção de arbitragem, por meio da autoridade competente para a realização de acordos e transações, para dirimir conflitos relativos a direitos disponíveis. Assim consta do artigo 1º da Lei 9.307/96: Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. Por fim, não devemos nos aprofundar no assunto das possibilidades de solução consensual de conflitos envolvendo a Fazenda Pública para não fugirmos do escopo deste livro, apenas saiba que no âmbito da Advocacia-Geral da União existe a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal (CCAF), que busca solucionar extrajudicialmente os conflitos existentes, evitando a judicialização das questões que possam ser resolvidas no âmbito da Câmara. Há previsão expressa dessa Câmara na Lei 13.140/15 (art. 32 e seguintes). No mais, interessante notar que a Lei 13.448/17, que trata da prorrogação e relicitação dos contratos de parceria, estabelece, expressamente, exemplos de direitos patrimoniais suscetíveis de arbitragem ou outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias: § 4º Consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, para fins desta Lei: I - as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; II - o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 20 concessão; e III - o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes. Pois bem, vistos os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, devemos agora nos focar nos princípios constitucionais da Administração Pública. 2 Princípios Constitucionais Expressos A CF/88 estabeleceu expressamente que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: A doutrina denomina tais princípios de “princípios constitucionais expressos da Administração Pública”. Vejamos cada um deles. 2.1 Legalidade Este princípio é inicialmente previsto pelo constituinte, quando estabelece, no art. 5°, II, da CF/88. Que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. No Direito Privado, de acordo com este princípio, ao particular é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. A norma prevista no art. 5º, II, tem o nome de “legalidade constitucional” e tem aplicabilidade tanto para o Direito Público, quanto para o Privado. Já a legalidade prevista no caput do art. 37 (conhecida como “legalidade administrativa”) tem um Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 21 âmbito de atuação mais restrito, referindo-se especificamente à Administração Pública e, por isso, atuando apenas no Direito Público. No âmbito específico do Direito Administrativo, pela doutrina tradicional, existe uma dupla subordinação da ação do administrador, em função do que estabelece a lei, de forma que ele só pode agir nos moldes e limites estabelecidos pela legislação. Nesse toar, a dupla subordinação significa que o administrador, assim como o particular, não pode fazer o que a lei proíbe. Mas não é só isso, a segunda subordinação impõe ao Poder Público agir somente quando e conforme o determinado pela lei. Ou seja, a legalidade aqui serve de limite negativo (não se pode fazer o que a lei proíbe) e positivo (a administração deve fazer exatamente o que a lei manda). Assim, nas relações públicas, o princípio da legalidade envolve a ideia de que a Administração Pública só pode atuar quando autorizada ou permitida pela lei. A norma deve autorizar o agir e o não agir dos sujeitos da Administração Pública, pois ele é integralmente subserviente à lei. Conforme ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a legalidade no Direito Administrativo comporta dois importantes desdobramentos: a) supremacia da lei: a lei prevalece e tem preferência sobre os atos da Administração; e b) reserva de lei: o tratamento de certas matérias deve ser formalizado necessariamente pela legislação, excluindo a utilização de outros atos com caráter normativo. Em alguns casos, a reserva legal é absoluta, já que nem mesmo medidas provisórias poderão tratar da matéria. O princípio da supremacia da lei relaciona-se com a doutrina da “negative Bindung” (vinculação negativa), segundo a qual a lei representaria uma limitação para a atuação Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 22 do administrador, de modo que, na ausência da lei, poderia ele atuar com maior liberdade para atender ao interesse público. Já o princípio da reserva da lei encontra-se inserido na doutrina da “positive Bindung” (vinculação positiva), que condiciona a validade da atuação dos agentes públicos à prévia autorização legal. Sem prejuízo do princípio da legalidade, existem situações, previstas na própria CF/88, em que se autoriza o administrador a atuar valendo-se de ato diverso da lei (decretos e medida provisória). Parte da doutrina entende que esses casos caracterizariam uma exceção ao princípio da legalidade. No entanto, à luz da moderna noção de juridicidade (que será melhor explorada em seguida), podemos dizer que não há verdadeira exceção, já que o agir da administração, ainda que prescinda de lei, tem amparo na própria constituição. Vejamos alguns exemplos: • Medidas Provisórias: são atos do Presidente da República, expedidos em casos de relevância e urgência, gozando de “força de lei”, perdendo a eficácia se não convertidas em lei pelo Congresso Nacional dentro do prazo de 120 dias (art. 62 e parágrafos, da CF/88);• Estado de Defesa: medida decretada pelo Presidente da República, depois de serem ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, destinada a preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza (art. 136, da CF/88). Dentre as medidas previstas na Constituição Federal possíveis de serem adotadas no estado de defesa estão as de restrição aos direitos de: 1) reunião, ainda que exercida no seio das associações; 2) sigilo de correspondência; 3) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; • Estado de Sítio: decretado pelo Presidente da República, após serem ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional e após autorização do Congresso Nacional, nos casos de: I) comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 23 durante o estado de defesa; e II) declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (art. 137, da CF/88). No estado de sítio podem ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas restritivas de direitos individuais: 1) obrigação de permanência em localidade determinada; 2) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; 3) restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; 4) suspensão da liberdade de reunião etc. • Extinção de funções ou cargos públicos: o art. 84 da CF/88 estabelece que o Presidente da República pode estabelecer, mediante decreto, dentre outros temas, sobre a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. A tal figura dá-se o nome de decreto autônomo. 2.1.1 Legalidade estrita, legitimidade e juridicidade Estes três conceitos podem ser considerados “irmãos”, havendo quem não trace diferenciações entre os mesmos, contudo, a doutrina majoritária atual (ainda que com leves diferenças entre os autores) traz um conteúdo próprio para cada um destes conceitos, justificando a importância de bem compreendê-los. • Legalidade estrita. Essa noção de legalidade administrativa nasceu com o pensamento do Estado Liberal, influenciado pela preocupação com as arbitrariedades do período absolutista, do que resultou a ideia de restringir a atuação administrativa à mera execução das regras dispostas pelos representantes do povo. Assim, a legalidade estrita surgiu como um instrumento de proteção, um princípio limitador à atuação do Poder Público, a qual seria possível, apenas, dentro dos limites determinados pelas normas aprovadas pelos representantes do Povo. • Legitimidade. O avanço do modelo democrático de Estado e o enfraquecimento do positivismo tornaram insuficiente o raciocínio segundo o qual bastaria que a conduta administrativa fosse legal. Assim, passou-se a permitir o controle do ato administrativo, mesmo quando a conduta fosse aparentemente compatível com a lei. Assim, além de legal, o ato precisa ser legítimo, ou seja, precisa estar conforme os Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 24 princípios da Administração Pública (especialmente moralidade e finalidade pública). Preste atenção que a concepção de legitimidade permite uma maior amplitude ao controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário, que pode avaliar sua adequação à finalidade pública e aos princípios que regem a Administração Pública, como a moralidade. Sob esse aspecto, o avanço da legalidade, para o conceito de legitimidade, amplia a vinculação negativa, que não se dá, apenas, em relação à Lei, mas às normas jurídicas pertinentes. Lembrando, como faz Alexandre Mazza, que a possibilidade de controle, pelo Poder Judiciário, da legitimidade dos atos praticados pela Administração Pública, justificaria a existência do princípio da sindicabilidade, a partir da premissa constitucional de que "a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito". • Juridicidade. Para a validação da ação administrativa, não basta a conformidade a lei, é necessário que se apresente em conformidade com os princípios da Administração Pública. A exigência de que a lei predetermine de forma completa e absoluta toda a atuação da Administração é incompatível com a realidade posta, sendo indispensável a existência de uma margem decisória importante de ponderação e concretização das normas constitucionais. A juridicidade é apresentada por Raquel Carvalho como um conceito mais amplo que a simples legalidade, extrapolando a compreensão tradicional da legalidade estrita. Com efeito, esse princípio vincula a Administração Pública ao ordenamento jurídico como um todo (formado não apenas pelas leis, mas também pela Constituição e pelos princípios jurídicos), permitindo uma margem maior de autonomia, dentro dos limites apresentados pelo ordenamento constitucional, para a satisfação das diretrizes apresentadas por ele. Assim, a legalidade não é o único parâmetro da ação estatal que deve se conformar às demais normas consagradas no ordenamento jurídico. A legalidade encontra-se inserida no denominado princípio da juridicidade que exige a submissão da atuação Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 25 administrativa à lei e ao Direito (art. 2.º, parágrafo único, I, da Lei 9.784/99). Em vez de simples adequação da atuação administrativa a uma lei específica, exige-se a compatibilidade dessa atuação com o chamado “bloco de legalidade”. Confira a redação da Lei 9.784/99: Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito; (...) Nesse contexto, o princípio da juridicidade confere maior importância ao Direito como um todo, daí derivando a obrigação de se respeitar, inclusive, a noção de legitimidade do Direito. Como ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a atuação da Administração Pública deve nortear-se pela efetividade da Constituição e deve pautar-se pelos parâmetros da legalidade e da legitimidade, intrínsecos ao Estado Democrático de Direito. O crescimento em importância da concepção de juridicidade acarreta novos debates e a releitura de antigos dogmas do Direito Administrativo, tais como a discussão quanto à viabilidade da deslegalização em nosso ordenamento. 2.1.2 Deslegalização A deslegalização consiste, basicamente, em uma amenização do princípio da legalidade. Por esse fenômeno, o Poder Legislativo tem a possibilidade de tirar determinadas matérias de sua competência, para que possam ser tratadas por Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 26 regulamentos, sem a necessidade de se percorrerem os trâmites burocráticos do processo legislativo. Assim, ocorre deslegalização quando o Legislativo rebaixa hierarquicamente determinada matéria (que antes era tratada por lei) para que ela possa vir a ser tratada por regulamento, por exemplo. É, nesse sentido, um instituto que visa a dar uma releitura ao princípio da legalidade, trazendo maior flexibilidade à atuação legiferante, com a alteração do conteúdo normativo, sem necessidade de se percorrer o demorado processo legislativo ordinário. Este conceitofoi expressamente mencionado pela Ministra Cármen Lúcia durante o julgamento da ADI 4568 quando o plenário analisava a possibilidade de uma norma permitir reajuste e aumento do salário-mínimo por decreto (que, até então, necessitava de Lei). Neste julgado, o STF definiu que a utilização de decreto presidencial, definida pela Lei n. 12.382/2011 como instrumento de anunciação e divulgação do valor nominal do salário mínimo de 2012 a 2015, não desobedece o comando constitucional posto no inc. IV do art. 7º da Constituição do Brasil. (STF. ADI 4568, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2011) Ou seja, foi aceito que, desde que contando com autorização expressa da lei, um decreto presidencial poderia fazer algo que a Constituição definiu como matéria exclusiva de lei. No mais, como bem ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a CF/88 relaciona alguns casos de deslegalização: • art. 96, I, a (que desloca para o Judiciário o poder de dispor sobre a competência e funcionamento de seus órgãos); Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 27 • art. 207, caput (que transfere do Legislativo para as universidades o poder de dispor sobre matérias didático-científicas); e • art. 277, I (que estabelece o poder das entidades desportivas, dirigentes e associações de dispor sobre sua organização e funcionamento). Ainda no assunto deslegalização, cabe uma pergunta: é possível cogitarmos uma inovação jurídica por meio de atos normativos do Executivo? O professor José Santos Carvalho Filho defende a possibilidade no campo das agências reguladoras. Nesse toar, essas entidades gozariam de um poder técnico expandido, haja vista que o legislador seria incapaz (na verdade, inapto) de disciplinar todas as questões particulares afetas aos objetivos institucionais daquelas entidades autárquicas especiais. Contudo, deve ficar registrado que, na ADI 1668/DF, o STF fixou a orientação de que o poder normativo da ANATEL (agência reguladora que trata das telecomunicações) é de natureza estritamente regulamentar, devendo, por isso, observância aos parâmetros legais. Na oportunidade, afastou-se a tese de deslegalização para agências reguladoras. É claro que esse cenário está sujeito a constantes atualizações, mas, hoje, podemos afirmar que o STF reconhece a tese da deslegalização quando a lei, expressamente, transfere para um ato infralegal a regulamentação de determinado assunto (ADI 4568); no entanto, não reconhece a citada tese quando se das atribuições normativas das agências reguladoras (ADI 1668). 2.2 Impessoalidade O princípio constitucional da impessoalidade visa eliminar favoritismos e restrições indevidas, exigindo tratamento equânime e marcado pela neutralidade. Quando realiza a função administrativa, o gestor não age nem deve agir em nome próprio, mas em nome do Poder Público. Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 28 Como aponta a doutrina, especialmente a obra de Lucas Rocha Furtado, existem aspectos diferentes e complementares para o princípio ora estudado: • Dever de isonomia. A Administração Pública deve prestar tratamento impessoal e isonômico aos particulares, com o objetivo de atender a finalidade pública, sendo vedada a discriminação odiosa ou desproporcional. Assim, a atividade administrativa deve se dar segundo critérios de bom andamento do serviço público, afastando-se favoritismos ou perseguições. • Conformidade ao interesse público. A impessoalidade veda que o agente público utilize seu cargo para a satisfação de interesses pessoais. Assim, não pode o agente público utilizar seu cargo para se promover pessoalmente, para beneficiar pessoa querida ou prejudicar um desafeto, por conta de interesses pessoais. Como materialização desta face do princípio temos o precedente do STF, segundo o qual, é compatível com o princípio da impessoalidade, dispositivo de Constituição Estadual que vede ao Estado e aos Municípios atribuir nome de pessoa viva a avenida, praça, rua, logradouro, ponte, reservatório de água, viaduto, praça de esporte, biblioteca, hospital, maternidade, edifício público, auditórios, cidades e salas de aula. (STF. ADI 307/CE, relator Ministro Eros Grau, 13.2.2008) • Imputação dos atos dos atos praticados pelo agente público diretamente ao órgão ao qual está vinculado. A impessoalidade deve ter repercussão na relação jurídica do ato administrativo praticado. Quando realiza a atividade administrativa, o agente público age em nome do Poder público, de forma que os atos e provimentos administrativos não são imputáveis ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública. Como será visto no capítulo pertinente à responsabilidade civil do Estado, a materialização desse aspecto da impessoalidade ocorre com a vedação à imputação direta de responsabilidade civil ao agente público. Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 29 Embora tal agente possa ser responsabilizado pela prática de ato de improbidade (quando cabível), sofrer ação regressiva por parte da Administração ou mesmo sanção administrativa, ele deve estar protegido da responsabilização civil direta. Caso contrário, restaria aberto um caminho para permitir a restrição às atividades administrativas que afetem fortes grupos de interesse, já que os agentes públicos poderiam ter receio ao desempenhar suas tarefas temendo a responsabilização judicial promovida por aqueles que tivessem suas pretensões contrariadas. Nas palavras do STF, a determinação constitucional da responsabilidade objetiva do Estado consagra uma dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando- lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. (STF. RE nº 327.904/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 8/9/06) Seguindo os ensinamentos de Cyonil Borges e Adriel Sá, vejamos algumas interessantes aplicações práticas do princípio da impessoalidade: • § 1º do art. 37 da CF/1988: “§ 1.º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.” • Art. 18 da Lei 9.784/99: regras de impedimento e suspeição em procedimentos administrativos. Isso porque, para evitar a parcialidade no julgamento, é conveniente que o agente público se reconheça impossibilitado de julgar (em suspeição ou impedimento, conforme o caso), evitando-se, inclusive, eventual responsabilização administrativa. • Atos praticados por agente de fato: é o caso do particular que ingressou na Administração Pública de forma irregular (agente putativo). Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 30 De acordo com a teoria da aparência, seus atos praticados serão considerados válidos perante terceiros de boa-fé. • Art. 1° da Lei 6.454/77: dispositivo proíbe que a União atribua a bem público, de qualquer natureza, o nome de pessoa viva ou que tenha se notabilizado pela defesa ou exploração de mão de obra escrava. Sobre o tema, o CNJ revogou a Resolução 52/2008, a qual abria exceção para as pessoas vivas aposentadas, afinal, o poder normativo do CNJ não pode ampliar o previsto em lei. •Art. 100 da CF/88: a sistemática de pagamentos por precatórios é uma clara aplicação do princípio da impessoalidade, especialmente no aspecto da isonomia. Isso porque, com o pagamento por precatórios, todos os particulares entram em uma fila para recebimento de seus créditos, sendo vedada e designação de pessoas ou casos especiais. Ressalve-se que o estabelecimento de critérios de preferência para créditos alimentares não afeta o caráter isonômico do instituto. 2.3 Moralidade O princípio da moralidade exige que a atuação administrativa, além de respeitar a lei, seja ética, leal e séria. Nesse sentido, o art. 2.º, parágrafo único, IV, da Lei 9.784/99 impõe ao administrador, mormente nos processos administrativos, a “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”. A moralidade se apresenta como um valor fundamental das atividades do Poder Público, de forma que, verificada a ofensa a este princípio, mesmo que uma conduta seja aparentemente compatível com a lei, deve ser invalidada. Tal ideia está relacionada à mutação da noção clássica de legalidade para uma ideia de legitimidade, que, como vimos quando do estudo da legalidade, além do cumprimento das regras jurídicas, abarca também a moralidade e a finalidade pública. Assim, a moralidade é requisito de validade do ato administrativo. Assim, a conduta imoral, à semelhança da conduta ilegal, também pode trazer como consequência a Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 31 invalidade do respectivo ato, que pode ser decretada pela própria administração (autotutela) ou pelo Poder Judiciário. O controle judicial da moralidade administrativa está consagrado no art. 5.º, LXXIII, da CF/1988, que trata da ação popular, ao dispor que: Art. 5º. (...) LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. No mais, a ideia de moralidade pode se dividir em duas acepções: 1º) Moralidade comum: é a conduta adequada às regras da moral – diz respeito à conduta externa do agente; 2º) Moralidade Administrativa: é mais rigorosa e está relacionada com as condutas de boa administração, ou seja, há de ser um bom administrador, devendo buscar as melhores políticas administrativas – diz respeito à conduta interna do agente e corresponde ao conjunto de regras tiradas da disciplina interna da Administração. Interessante notar que o princípio da moralidade goza de autonomia frente ao princípio da legalidade, ou seja, ainda que legal, um ato pode ser invalidado por ser imoral. Nesse sentido, o STJ já firmou entendimento segundo o qual a Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultados ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. (STJ. REsp 724.559/RS, relator Ministro Francisco Peçanha Martins – DJe 07/03/2006) Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 32 Há, ainda, um tipo de imoralidade administrativa qualificada cuja gravidade é tão acentuada que recebeu tratamento próprio na constituição Federal, trata-se da improbidade administrativa, que, uma vez reconhecida, redundará na retirada do ato do ordenamento jurídico e na imposição ao sujeito que a praticou das seguintes consequências: perda da função pública, indisponibilidade dos bens, ressarcimento ao erário e suspensão dos direitos políticos (CF/88, art. 37, § 4.º). Quando falamos em moralidade, é essencial conhecer os detalhes do entendimento jurisprudencial quanto à vedação ao nepotismo. 2.3.1 Vedação ao nepotismo Nepotismo, é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos. Assim, o Nepotismo ocorre quando um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes. O nepotismo é vedado, primeiramente, de forma implícita pela própria CF/88, pois contraria os princípios da impessoalidade e moralidade. Interessante notar que não há uma lei nacional que vede o nepotismo, o que não é, na verdade, necessário. A vedação ao nepotismo não exige edição de lei formal, pois a proibição é extraída diretamente dos princípios constitucionais que norteiam a atuação administrativa. Para bem analisarmos o assunto, devemos começar pela Súmula Vinculante nº 13: Súmula vinculante 13-STF: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 33 Note, no mais, que a vedação ao nepotismo abrange todos os entes federativos e todos as entidades da administração, inclusive as autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista. Outro importante entendimento que se pode extrair da própria leitura da súmula é a vedação ao nepotismo cruzado. Essa modalidade ocorre quando há “ajuste mediante designações recíprocas” entre autoridades públicas. Por exemplo: o juiz nomeia a esposa do procurador enquanto o procurador nomeia o filho do juiz, ou seja, ninguém nomeou seu próprio parente, mas por meio de uma combinação os cargos foram ocupados por parentes “cruzados”, desse modo, ficam igualmente feridos os princípios da moralidade e da impessoalidade. Por se tratar de norma extraída diretamente da CF/88, as leis estaduais não podem criar exceção ao nepotismo, sendo inconstitucional lei estadual ou municipal que excepcione a vedação da prática do nepotismo. (STF. Plenário. ADI 3745/GO, rel. Min. Dias Toffoli, 15/5/2013) Vale dizer que as leis que vedam o nepotismo são de interesse de toda a Administração, logo de iniciativa concorrente e não apenas do Chefe do Executivo. (STF. RE 570392, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/2014, repercussão geral). No mais, a jurisprudência do STF criou três exceções à aplicação da vedação ao nepotismo (muita atenção, tema cobrado com grande frequência): • Norma que impede nepotismo no serviço público não alcança servidores de provimento efetivo: o STF afirmou que a vedação ao nepotismo não pode alcançar os servidores admitidos mediante prévia aprovação em concurso público, ocupantes de cargo de provimento efetivo, haja vista que isso poderia inibir o próprio provimento desses cargos, violando, dessa forma, o art. 37, I e II, da CF/88, que garante o livre acesso aos cargos, funções e empregos públicos aos aprovados em concurso público (STF. Plenário. ADI 524/ES, rel. orig. Min. Sepúlveda Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 34 Pertence, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/5/2015); • Não é nepotismo se a pessoa nomeada possui um parente no órgão, mas sem influência hierárquica sobre a nomeação: segundo o STF“a incompatibilidade da prática enunciada na SV 13 com o art. 37 da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público, mas de presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionado à pessoa com relação de parentesco com quem tenha potencial de interferir no processo de seleção” (STF. 2ª Turma. Rcl 18564/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 23/2/2016); • Não é nepotismo a nomeação para cargos de natureza política: o STF tem posição consolidada no sentido de que a Súmula Vinculante 13 não se aplica às nomeações para cargos de natureza política, como nos casos de secretários ou ministros de Estado (STF. Rcl 22339 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/9/2018). Quanto à nomeação para cargos de natureza política, fique atento que caracterizará nepotismo caso fique demonstrada a inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado. (STF. 1ª Turma. Rcl 28024 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/05/2018) 2.4 Publicidade O princípio da publicidade exige que a Administração Pública torne públicos seus atos, na forma prevista na norma. Mais que isso, não basta a publicação dos atos administrativos, ela deve ser feita de forma clara, permitindo que os cidadãos possam exercer fiscalização social sobre os atos e negócios praticados pelos gestores públicos. Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 35 A publicidade, portanto, não existe como um fim em si mesmo, ou como uma providência de ordem meramente formal. O seu primeiro objetivo é assegurar transparência ou visibilidade da atuação administrativa, possibilitando o exercício do controle da Administração Pública por parte dos administrados e dos órgãos constitucionalmente incumbidos de tal objetivo. Além disso, a publicidade também viabiliza o controle, a fiscalização dos atos praticados pelo Poder Público, seja pelos interessados diretos ou pelo povo em geral. São meios constitucionais para tanto: os remédios constitucionais (mandado de segurança, ação popular e habeas data), a ação civil pública, o direito de petição, a representação às autoridades competentes e o pedido de informações. No mais, conforme entendimento de Hely Lopes Meirelles, a publicidade não é elemento formativo do ato, mas sim requisito ou condição para eficácia e moralidade do ato. Uma vez publicado o ato no Diário Oficial, presume-se que todos os administrados dele tomaram conhecimento. Matheus Carvalho ressalta, ainda, a importância de não se confundir "publicidade" com "publicação", que é uma das formas para se garantir a publicidade. Nem sempre é a publicação em diário oficial, o instrumento necessário para respeitar-se o princípio da publicidade. Assim, importante perceber que o princípio da publicidade não impõe, apenas, a divulgação das decisões administrativas; ele exige transparência em toda a tramitação processual, resguardando o direito dos administrados de ter conhecimento sobre documentos e acesso a informações, durante o processo de tomada de decisão. Nesse sentido, vale conhecer o enunciado 15 da I Jornada de Direito Administrativo que estabeleceu a necessidade de ser dar a devida publicidade às arbitragens: Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 36 Como você já deve estar cansado de saber, não existe direito absoluto, por isso o direito de acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral pode ser ressalvado nas hipóteses em que o sigilo seja ou permaneça imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Da mesma forma, a lei pode restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, o princípio da publicidade deve ser harmonizado com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Sobre o tema, o STF declarou inconstitucional dispositivo de lei que previa a obrigatoriedade de publicação dos custos dos atos do Executivo efetuados em jornais ou veículos similares (ADI 2.472/RS). Aliás, a própria CF/88 afirma que o princípio da publicidade não é absoluto e que deverá ser assegurado o sigilo se a informação a ser divulgada puder gerar riscos à segurança da sociedade e do Estado: Art. 5º. (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; Os critérios para definição das informações essenciais à segurança da sociedade encontram-se regulamentados pela Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11). Há, no mais, um importante julgado do STJ em que foi decidido que o Ministério das Relações Exteriores não pode sonegar o nome de quem recebe passaporte diplomático. Com efeito, o nome de quem recebe um passaporte diplomático emitido por interesse público não pode ficar escondido do público. O interesse público Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 37 pertence à esfera pública e o que se faz em seu nome está sujeito ao controle social, não podendo o ato discricionário de emissão daquele documento ficar restrito ao domínio do círculo do poder. A noção de interesse público não pode ser linearmente confundida com "razões de Estado", e, no caso concreto, é incompatível com o segredo da informação. (STJ. MS 16.179/DF, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 09/04/2014) Para fechar o tópico, é importante que vejamos o relevante entendimento do STF acerca da disponibilização pública dos valores dos vencimentos dos servidores públicos. Foi decidido que é legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. (STF. ARE 652777, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015) Interessante observar que, com a Lei nº 12.527/2011 (conhecida como Lei de Acesso à Informação), foi determinada justamente a divulgação de uma série de informações de interesse público. Ocorre que a referida Lei não dispõe que os órgãos e entidades são obrigados a divulgar a relação das remunerações dos servidores públicos. Apesar disso, a União editou decreto determinando que a remuneração dos servidores deverá ser divulgada, não havendo qualquer inconstitucionalidade nessa prática. Por fim, o STF entende que, por força do princípio da publicidade, embora o Congresso Nacional deva se guiar pelo princípio da colegialidade, o parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo, nos termos do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal e das normas de regência desse direito. (STF. Plenário. RE 865401/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 25/4/2018, repercussão geral) Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 38 2.5 Eficiência Chegamos ao último princípio constitucional expresso, o da eficiência. Esse princípio foi inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional 19/98 e, portanto, é o único dos princípios expressos que não faz parte da redação original da CF/88, ainda assim, a maior parte doutrina considera que a eficiência já estava implícitano texto original. O objetivo da inserção da eficiência nesse rol de princípios foi substituir a Administração Pública burocrática pela Administração Pública gerencial. O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional, sua aplicação orienta e serve de fundamento para a construção de uma concepção de Administração Pública gerencial. Em termos gerais, o princípio da eficiência impõe a adoção, no âmbito da Administração Pública, das mais modernas técnicas de gerenciamento há muito utilizadas na iniciativa privada, produzindo efeitos diretos em relação aos agentes públicos (imposição de avalição periódica de desempenho, por exemplo) e entidades e órgãos administrativos. No mais, o conteúdo do princípio da eficiência diz respeito a uma administração pública que prime pela produtividade elevada, pela economicidade, pela qualidade e celeridade dos serviços prestados, pela redução dos desperdícios, pela desburocratização e pelo elevado rendimento funcional. 2.5.1 Eficiência, eficácia e efetividade José dos Santos Carvalho Filho, em lição lapidar, afirma que eficiência, eficácia e efetividade são expressões com significados distintos. Para o autor, a eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Princípios da Administração Pública | Princípios Constitucionais Expressos www.faculdadefocus.com.br | 39 Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas; sobreleva nesse aspecto a positividade dos objetivos. É claro que o ideal é que tais qualificações caminhem simultaneamente, mas é possível que existam condutas administrativas produzidas com eficiência, embora não tenham eficácia ou efetividade. Ao mesmo tempo, também pode a conduta não ser muito eficiente, mas, em face da eficácia dos meios, acaba por ser dotada de efetividade. Até mesmo é possível admitir que condutas eficientes e eficazes acabem por não alcançar os resultados desejados; em consequência, serão despidas de efetividade. 2.5.2 Princípio da eficiência nos diversos dispositivos constitucionais A CF/88, em várias passagens, faz referência expressa ou implícita à observância do princípio da eficiência, vale a pena conhecer: ➢ Art. 37, § 8º (contrato de gestão e contrato de desempenho): “a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I - o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III - a remuneração do pessoal”; ➢ Art. 37, § 3º, I (serviços públicos): “a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de Princípios da Administração Pública | Princípios Implícitos e/ou Infraconstitucionais www.faculdadefocus.com.br | 40 atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços”. ➢ Art. 74, II (sistema de controle interno da Administração Pública): “Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado”; ➢ Art. 144, § 7º (segurança pública): “a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades”. ➢ Nepotismo (Súmula Vinculante 13): como já dito anteriormente, a súmula do STF proíbe a contratação de parentes até o 3º grau para cargos comissionados. É uma aplicação direta dos princípios da moralidade e da impessoalidade. O STF reconheceu, também, a ofensa ao princípio da eficiência, pois a nomeação recai, na maior parte das vezes, em pessoas despreparadas e descompromissadas com o interesse público, as quais não contribuem para o bom rendimento da Administração Pública. Pois bem, analisados todos os princípios constitucionais expressos, é hora de vermos os diversos princípios implícitos que fundamentam o ordenamento jurídico administrativo. 3 Princípios Implícitos e/ou Infraconstitucionais Ainda que não encontrados expressamente na CF/88, há princípios que podem ser desta extraídos. São exemplos: princípio da razoabilidade (inc. LXXVIII do art. 5º), princípio da licitação (inc. XXI do art. 37), princípio da probidade (§ 4º do art. 37), princípio do concurso público (inc. II do art. 37) e outros. Vejamos cada um deles. Princípios da Administração Pública | Princípios Implícitos e/ou Infraconstitucionais www.faculdadefocus.com.br | 41 3.1 Razoabilidade e Proporcionalidade Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são considerados implícitos, pois não estão positivados no texto da CF/88. Entretanto, destaca-se que vários dispositivos jurídicos os consagram em seus respectivos textos. É o caso da Lei do Processo Administrativo Federal: Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parte da doutrina afirma que os dois princípios são sinônimos (Maria Sylvia Zanella Di Pietro), outros, porém, defendem que proporcionalidade e razoabilidade não se confundem (Celso Antônio Bandeira de Melo). Segundo Rafael Carvalho Rezende Oliveira, apesar da polêmica quanto à existência ou não de diferenças entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tem prevalecido a tese da fungibilidade entre os citados ambos, já que os dois se relacionam com os ideais igualdade, justiça material e racionalidade, consubstanciando importantes instrumentos de contenção dos possíveis excessos cometidos pelo Poder Público. Independentemente dessa divergência, o fato é que tais princípios possuem funções axiológicas e teleológicas essenciais, permitindo o controle dos atos administrativos. A jurisprudência tem cobrado o respeito a esses princípios, invalidando excessos na prática de atos administrativos. Assim, embora o Judiciário não possa substituir a Administração na punição do servidor, pode determinar, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, a aplicação de pena menos severa, compatível com a falta cometida e a previsão legal. (STF. RMS 21791/DF. Relator Min. Carlos Brito. DJE 11.02.2005) Princípios da Administração Pública | Princípios Implícitos e/ou Infraconstitucionais www.faculdadefocus.com.br | 42 3.2 Princípio da razoabilidade O princípio da razoabilidade aparece como relevante instrumento de controle da atividade legislativa, bem como de aplicação no exercício da discricionariedade administrativa, servindo como garantia da legitimidade da ação administrativa, evitando-se a prática de atos arbitrários e com desvio de finalidade Em outras palavras, por força do princípio da razoabilidade, os atos administrativos discricionários devem obedecer a critérios
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