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ISLAMISMO AULA 3 Prof. Emílio Sarde Neto 2 CONVERSA INICIAL Do Alcorão oral ao escrito: o mundo por meio do Islã Nesta aula estudaremos a escrita e a codificação do Alcorão, e faremos uma breve comparação entre os conhecimentos do islã e as outras religiões monoteístas. Também abordaremos a influência do Alcorão como código de conduta para a vida no que mais tarde originará os códigos de leis baseados na sunna. Estudaremos ainda a importância do conhecimento ilm na vida dos muçulmanos e suas conexões com Alá. Para finalizar, trabalharemos a história dos dois grandes impérios islâmicos responsáveis pelo formato da cultura árabe islamizada, as dinastias dos omíadas e dos abássidas. TEMA 1 – A ESCRITA E A CODIFICAÇÃO DO ALCORÃO Alcorão, em português, significa “recitação”. Ele foi transmitido por Alá ao profeta Maomé por meio do Arcanjo Gabriel. As primeiras revelações foram recebidas numa gruta no monte Hira. Maomé continuou recebendo as revelações, que normalmente ocorriam durante a noite. Durante o dia, expunha seu conteúdo aos discípulos, que registravam tudo e tiravam dúvidas. As anotações eram feitas em pergaminhos de couro e papel. Abu Bakr, o primeiro califa, reuniu os escritos, mas sem uma ordem cronológica. Mais tarde, duas décadas depois, o terceiro califa – Uthman ibn Afann – delegou a organização das revelações para um grupo de eruditos da nova fé. Mesmo sem organização cronológica, essa compilação, toda na língua árabe (o idioma das revelações), foi considerada a oficial do islamismo. O Alcorão passou a constituir a grande fonte de inspiração, sendo considerado o caminho para a salvação da alma, pois o juízo final estava se aproximando e os atos de demonstração da fé contidos na recitação expressavam a fidelidade dos muçulmanos, sendo necessário que todo fiel auxiliasse na expansão e defesa da nova fé. Na medida em que a religião crescia e o tempo passava, mais estudiosos se espalhavam pelo mundo, objetivando compreender os significados dos versos 3 misteriosos. Assim, já no Século XIV são registradas inúmeras escolas islâmicas abertas que difundiam as palavras atribuídas a Alá. Da mesma maneira, como em textos sacros pertencentes a outras religiões, muitos versos possuem significação que permite duplo entendimento; a partir disso surgem grupos que passam a competir entre si pela aproximação da verdade nas interpretações corânicas. O Alcorão não menciona hierarquias entre os muçulmanos, porém, as relações de poder na religião criaram várias interpretações que justificavam a criação de líderes supremos em nome da religião. Mais adiante, com o advento da modernidade surgem os grupos extremistas como resposta às inovações da época. Não se pode negar que as palavras reveladas no Alcorão delinearam as trajetórias históricas de muitas civilizações. Na atualidade, continua com grande importância na maneira de pensar dos povos, sendo as mensagens portadoras de fé, esperança e amor; porém, é utilizado por alguns grupos para alcançar objetivos específicos. TEMA 2 – AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS E O ALCORÃO Assim como para as outras religiões abraâmicas, a proposta do Alcorão é a redenção do mundo, com a paz mundial e todas as necessidades humanas sanadas. Porém, isso só ocorrerá quando todos aceitarem as verdades reveladas no Alcorão por Maomé e converterem-se ao islã. No mesmo sentido, os judeus esperam o Messias – acreditam que ele ainda virá para instalar seu reino de amor, justiça e verdade. Como profetizado na torá, o Messias, será descendente da casa de Davi, e trará um período em que todas as guerras, a fome e a maldade deixarão de existir. Para os cristãos, o messias já esteve entre as pessoas na terra: Jesus de Nazaré, que revelou o caminho da redenção nos evangelhos, foi condenado, morto e ressuscitou. Dessa maneira, a crença permanece no retorno de Jesus, momento de redenção de todas as criaturas. O islamismo, apesar de identificar-se com judeus e cristãos, os considera equivocados em vários aspectos históricos e doutrinários. Para os muçulmanos, os judeus mentem quando afirmam que Abraão foi até o monte Moriá para sacrificar Isaac; na verdade, Ismael, filho mais velho do patriarca e um dos pais dos povos árabes, seria o verdadeiro personagem dessa história. 4 Sobre o cristianismo, afirmam que Jesus foi somente um profeta, sendo Maomé o último e maior deles. Os cristãos e a igrejas também deturparam as palavras de Alá: o homem não é a imagem e semelhança do criador, Jesus não ressuscitou e nem retornará para redimir a terra, mas o enviado era Maomé, que transmitiria as palavras do Alcorão. As maiores divergências doutrinárias estão em relação ao cristianismo, como a unicidade de Alá, crença compartilhada junto com judeus, sendo a trindade um grande engano inventado pela igreja católica. Jesus não é o filho unigênito, Deus encarnado, mas, assim como os outros profetas, teria sido criado por um sopro de Alá transferido para Maria, e não passava de um homem. Sendo Jesus um profeta enviado de Alá, não poderia morrer numa cruz; provavelmente foi arrebatado, e outra pessoa teria sido crucificada no lugar. Em seu poder, Alá não permitiria que um dos seus enviados fosse capturado e morresse de maneira tão vergonhosa, a exemplo de Moisés e o próprio Maomé. Diferente dos judeus e cristãos, não existe um messias e nem Maomé retornará. Com a morte do profeta, seus substitutos empreendem a conquista dos territórios vizinhos, inclusive os dominados pelo Império Romano do Oriente. Tomaram Jerusalém, a cidade considerada santa para as três religiões. Abdal Malique (646–705 d.C.), para concretizar sua vitória e definir de uma vez por toda a região como parte do mundo islâmico, construiu sobre as ruínas do antigo templo dos judeus uma a Mesquita da Cúpula da Rocha. TEMA 3 – CORÃO COMO CÓDIGO DE CONDUTA PARA A VIDA Na cultura árabe islâmica, o Alcorão é a palavra de Alá, e possui um caminho que deve ser seguido. Esse é a sunna, que em português significa “caminho”. A tradição seria a maneira correta de se fazer algo. No islamismo, constitui o conjunto de ensinamentos, profecias, ditos, ações e maneiras de proceder. Todo o comportamento dos adeptos do islamismo está estipulado no Alcorão; nenhuma comunidade ou família estará isenta dessas leis. Porém, como já mencionamos anteriormente, os vários grupos religiosos organizam seus costumes de acordo com o entendimento que fazem das passagens corânicas. As crenças fundamentais do islã estão refletidas na máxima “Alá é o único Deus e Maomé é o profeta de Alá”, sendo considerado muçulmano todo aquele 5 que professa publicamente essa crença. Dessa maneira, o crente declara ser “submisso a Alá”. A prática da religiosidade exige a realização de atitudes denominadas cinco pilares, tema a ser aprofundado em outra oportunidade. Apesar da grande semelhança com as outras religiões abraâmicas, são muitos os diferenciais com outras religiões: a shahada, profissão de fé, crença fundamental do islã; a salat, as cinco orações diárias, a zakat, caridade; o saum, jejum de Hamadam, e o hajj, a peregrinação para Meca. TEMA 4 – A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO – ILM O conhecimento é de suma importância para a religião islâmica, sendo sua representação relacionada ao termo ilm. Em português, a palavra é de difícil tradução, mas pode ser algo como “a verdade é uma”. Ainda sobre esse termo, no Alcorão (58:11) o conceito é entendido como Deus elevará em muitos graus a quem de vocês tiver chegado a crer, e perceber a realidade com certa certeza, com as ferramentas do saber, do conhecimento. Os conhecimentos são adquiridos no nosso dia a dia com as experiências captadas pelos sentidos e selecionados pela inteligência; porém, parte desses saberes são organizados pelo coração, querdizer, pelas emotividades. O ilm é a verdade concebida e exposta no Alcorão, são os conhecimentos sobre as realidades que envolvem os seres humanos, da religiosidade e da espiritualidade, da obra da criação realizada por Alá, sendo a obrigação do muçulmano a ciência dessas bênçãos compiladas no Alcorão. O profeta Maomé, nas súplicas dirigidas a Alá, pedia com muita fé que fosse aumentada sua ilm, pois, ele precisava compreender mais as pessoas para melhor orientá-las. Em resposta, as orientações que recebia dos anjos era a de simplesmente se dedicar ao estudo das revelações que obtivera. A ilm é um dos atributos de Alá; da mesma maneira, somente o criador consegue entender verdadeiramente o modo de aprendizagem das criaturas e seus motivadores. Somente ele possui o conhecimento dos mecanismos que produzem a aprendizagem. O tempo de vida de uma pessoa é considerado efêmero, deve ser bem aproveitado no estudo do Alcorão, pois, o ilm se extingue com o fenômeno da morte. Assim, o início da construção do ilm se dá logo após o nascimento, pois, a criança de imediato vai tendo sensações e aprendendo no meio onde ela está 6 inserida. Os povos árabes dividem o conhecimento em várias categorias, porém, a origem do conhecimento deriva daquele considerado “homem sábio”, detentor da consciência dos benefícios dados por Alá. Para o muçulmano, o conhecimento é um dos nomes de Alá, é intrínseco a Ele, portanto. Entender seus desígnios é a parte mais importante no desenvolvimento do ilm. Essa sabedoria conduz à percepção e ao entendimento do mundo ao redor, das criaturas e de si próprio. A sabedoria de Alá está refletida em todas as coisas da criação, da chuva que cai e alimenta as plantas e proporciona vida aos seres humanos e animais ao vento que transporta a areia do deserto; da reprodução animal e a fecundidade das plantas ao arco-íris, às águas do mar e ao próprio ser humano. TEMA 5 – O IMPÉRIO OMÍADA E ABÁSSIDA Após a morte de Maomé, o islamismo uniu todos as tribos e cidades da península arábica. Em pouco tempo conquistou vastas regiões, estendendo as fronteiras do império, que passou a ser governado pelos califas, os sucessores do mensageiro de Alá. Mais tarde, estes delegaram poderes de governo para as províncias dos territórios. De 661 d.C. a 750 d.C., o império foi governado pelos omíadas, nome derivado de mu’awiya, governador da Síria e primeiro califa que encerra o período dos rashidum, primeiros substitutos de Maomé. É o início do governo sucedido pelas dinastias. Ao subir ao poder, transfere a capital do império de Medina para Damasco. A localização da nova capital permitia aos omíadas controlarem as terras conquistadas mais para o Leste e o mar Mediterrâneo. O período do governo dessa dinastia é considerado de apogeu da cultura árabe islâmica, contexto em que conseguiram organizar o império ao criar uma burocracia e se desvincular- se das antigas tradições tribais. Na administração omíada, trabalhava grande quantidade de funcionários persas e bizantinos. A padronização da língua e da moeda foi fundamental para preservar o poder durante algum tempo. Nessa dinastia foi construído o Domo da Rocha sobre as ruínas do templo de Jerusalém. Essa nova civilização buscou conciliar o poder dos árabes em relação à grande diversidade do império, porém esbarrou em grandes dificuldades, dentre 7 elas a cobrança de impostos e um sistema fiscal que diferenciava árabes muçulmanos de povos de outras crenças. A decadência do califado ocorreu em decorrência da insuficiência de órgãos que conseguissem organizar o império de modo a superar as diferenças existentes. Mesmo com leis baseadas no Alcorão que colocassem em pé de igualdade muçulmanos árabes e muçulmanos convertidos, na prática isso não ocorria, levando à desestabilização do império. As antigas tradições tribais ainda permaneciam fortes, e o governo era baseado em muitos acordos políticos e, principalmente, econômicos. Dentre os grupos opositores também se encontravam os abássidas, que conseguiram reunir vários grupos descontentes para defender o direito do califado nas mãos dos descendentes de Abas, tio do profeta Maomé. Os partidários de Ali, os últimos dos rashidum, ainda não haviam se conformado com o que eles denominavam de usurpação do poder. O descontentamento passou a causar conflitos militares, e as duas tendências que se formavam buscavam desestabilizar o governo para mudar o califa e conseguir mais poder. Em meio aos conflitos surge Abu Muslim, líder militar que conseguiu reunir uma coalizão. Ele formou um grande exército e rumou para a capital do império para destituir o califa e formar um novo governo. Saiu vitorioso em suas campanhas até que, em 749 d.C., o último dos omíadas fugiu para o Egito e no ano seguinte foi assassinado. Entre 750 d.C. e 1258 d.C., o império foi governado pela dinastia dos abássidas, descendentes diretos do profeta Maomé, sendo o primeiro desses califas Abu Abas. Dentre as realizações, no califado de al-Mansur, que governou de 754 d.C. a 775 d.C., a capital do império islâmico foi transferida para uma nova cidade, construída especificamente para abrigar o governo: Bagdá, no atual Iraque, região mais central, objetivando facilitar a governabilidade do império que também abrangia as regiões do Extremo Oriente. No governo dessa dinastia, as populações convertidas tiveram mais participação nas atividades do império, com destaque para os povos persas e os turcos, ocasionando em maior crescimento econômico, social e cultural do islamismo. Esse período foi considerado a era de ouro da cultura islâmica: seus califas, além do poder militar, destacavam-se pela pompa e pela formação de 8 uma corte para expressar seu poder. Estes passaram a investir mais ainda na burocracia e na diplomacia, e dividiram o império em departamentos, como órgãos públicos. Mesmo tendo causado a unificação cultural no Oriente Médio islamizado, divergências internas entre os governadores das províncias mais ricas como Irã, Egito, Magreb, Palestina, Síria e penínsulas arábica e ibérica ocasionaram a fragmentação do império e o aparecimento de vários califados independentes. NA PRÁTICA Leia o terceiro capítulo do livro da disciplina islamismo e resolva as atividades, depois organize um quadro com informações sobre as três religiões abraâmicas. FINALIZANDO Nesta aula trabalhamos como se deu a escrita e a codificação do Alcorão e exploramos as relações das antigas religiões monoteístas com a religião islâmica. Também apontamos o Alcorão como sendo o caminho a ser seguido pelos muçulmanos, sendo convertido em códigos de conduta do islã. Ainda na aula abordamos a importância da sabedoria (ilm) para compreender a vida e a própria essência de Alá. Finalizamos narrando um pouco da história da expansão do islamismo refletida nos grandes impérios omíada e abássida, responsáveis pela configuração da cultura árabe islâmica. 9 REFERÊNCIAS AZEVEDO, M. S. de. Mística islâmica: atualidade e convergência com a espiritualidade cristã. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. BARBOSA, E. S. A encruzilhada das civilizações: católicos, ortodoxos e muçulmanos no velho mundo. São Paulo: Moderna, 1997. BENDRISS, E. Y. Breve historia del islam. Madri: Nowtilus, 2013. BRANCA, P. Pagine di letteratura araba. Milano: Educatt, 2009. EL-HAYEK, S. O Alcorão sagrado. Foz do Iguaçu: Centro Cultural Beneficente Árabe Islâmico de Foz do Iguaçu, 2016. HAMIDULLAH, M. Introdução ao islã. Rio de Janeiro: Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, 1993. HOURANI, A. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. HUSAIN, S. O que sabemos sobre o islamismo? São Paulo: Callis, 1999. SARDAR, Z.; MALIK, Z. A. Muhammad for beginners. 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