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NT 238 – Ecologia de Populações de Plantas Prof. Dr. Flavio Antonio Maës dos Santos Aluna: Carolina Bernucci Virillo RA 005076 Influência do fogo sobre a demografia de espécies lenhosas de savana Introdução O termo savana tem sido utilizado para descrever diferentes tipos de formações vegetacionais, e até mesmo para nomear zonas climáticas onde os verões são chuvosos (Sarmiento 1984). Sarmiento (1984) elaborou um sumário com as formações que tem sido, por alguns autores, classificadas como savanas. Beard (1953 apud Sarmiento 1984) definiu savanas como formações abertas, localizadas em baixas latitudes, dominadas pelo estrato graminóide e em que árvores e arbustos, se presentes, são de importância fisionômica pequena. Walter (1971 apud Sarmiento 1984) definiu savanas como formações tropicais mistas compostas por um estrato graminóide associado a um estrato lenhoso, excluindo formações onde há apenas o estrato graminóide. Dansereau (1957 apud Sarmiento 1984) introduziu um conceito puramente fisionômico, definindo como savana formações mistas em qualquer área geográfica. Neste trabalho foi escolhida a definição de Walter acima citada, já que a definição de Beard excluiria as formações de cerrado mais fechadas (como o cerradão, onde as espécies lenhosas são um componente importante da fisionomia) e a definição de Dansreau poderia incluir outras formações que não as tropicais. Os estudos em demografia estão focados na compreensão das taxas vitais de uma população como sobrevivência, crescimento e reprodução, e como alterações nestas taxas podem influenciar as tendências futuras da população. Segundo Henriques & Hay 2002, os padrões dos processos dinâmicos em savanas parecem depender de quatro fatores: água, nutrientes, herbivoria e fogo, e segundo Hoffmann & Moreira (2002), o impacto do fogo é suficientemente severo para que todas as taxas vitais sejam afetadas, incluindo sobrevivência, crescimento, reprodução sexuada e vegetativa e estabelecimento de sementes. O fogo é considerado uma característica comumente encontrada nas savanas, seja ele causado por ação antrópica ou pela ocorrência de relâmpagos na estação seca, que funcionariam como faísca sobre uma massa de combustível seco (Miranda et al. 2002). Assim, considerando o quanto o fogo é uma perturbação comum em savanas e o quanto ele pode influenciar os processos dinâmicos das populações, temos como objetivo para este trabalho avaliar de que maneira o fogo pode influenciar as taxas vitais das populações, através de trabalhos já publicados na literatura. Influência do fogo na germinação de sementes Em trabalhos realizados com espécies de acacia africanas, foi mostrado que o fogo pode causar um aumento na taxa de germinação das sementes. Mucunguzi & Oryem-Origa (1996), em um estudo com Acacia sieberiana e A. gerrardii, encontraram que para A. sieberiana breves exposições ao calor (ou ao fogo) estimulam a germinação, mas que altas intensidades de calor ou tempos longos de exposição a ele rapidamente reduziam a viabilidade das sementes. Os autores sugeriram que este aumento na taxa de germinação deve ser atribuído à quebra da dormência da semente devido a queima do seu envoltório, que resultaria em uma maior absorção de água e maior taxa de trocas gasosas, aumentando assim a taxa de germinação. Para A. gerrardii, a germinação das sementes não foi estimulada pela passagem do fogo, e sua sobrevivência ao fogo foi significativamente menor do que A. sieberiana, mostrando que dentro de um mesmo gênero pode haver variação entre as espécies quanto a sua adaptação ao fogo. O trabalho de Sabiiti & Wein (1987) também encontrou aumento nas taxas de germinação para as sementes de Acacia sieberiana quando expostas ao fogo, porém este aumento não foi atribuído a quebra da dormência das sementes, e sim ao fato de que o fogo mataria um predador muito comum das sementes desta espécie, as larvas dos besouros bruchídeos. A taxa de germinação neste caso seria aumentada se a intensidade do fogo fosse alta o suficiente para matar a larva mas que não matasse o embrião da semente. Assim, a passagem do fogo aumentaria as taxas de germinação das sementes, mas de maneira indireta. * No trabalho de Mucunguzi & Oryem-Origa (1996), as sementes infestadas fora descartadas, e no experimento foram utilizadas apenas sementes intactas. Miyanishi & Kellman (1986), em um estudo com Miconia albicans e Clidemia sericea na Guatemala, não observaram dormência das sementes, e a germinação pareceu não ser dependente do fogo. Porém, os autores não testaram se a passagem do fogo inviabiliza as sementes ou se elas apresentam resistência a ele. Além disso, citam que nos casos em que o fogo aumenta a germinação das sementes, isso deve ser devido a remoção da serapilheira, aumento da disponibilidade de luz no nível do solo e um enriquecimento de nutrientes minerais temporário na superfície do solo. A partir destes trabalhos podemos concluir que o fogo pode afetar a germinação de sementes de diversas maneiras, aumentando sua germinação de forma direta ou indireta ou mesmo inviabilizando suas sementes devido a queima. Influência do fogo no estabelecimento de plântulas Miyanishi & Kellman (1986) encontraram que para Miconia albicans e Clidemia sericea na Guatemala o fogo aumentaria o estabelecimento de plântulas pela criação de “locais seguros” através da remoção da serapilheira e exposição do solo. Porém, os autores ressaltam que as plântulas são sensíveis ao fogo até uma determinada altura (43-75 mm), e que as freqüências de fogo devem ser curtas o suficiente para permitir ondas periódicas de estabelecimento de plântulas mas longas o suficiente para que as plântulas desenvolvam resistência ao fogo. Por outro lado, Hoffmann (1996) encontrou que, no cerrado, o estabelecimento de plântulas é significantemente menor em áreas recém queimadas para sete das doze espécies estudadas, mas a partir do segundo ano após a queimada o estabelecimento retornou aos níveis do experimento controle. A explicação que o autor fornece é de que o fogo reduz a serapilheira e o cobertura de dossel, que atuariam como fatores atenuantes do estresse hídrico. Porem, para Miconia albicans o autor encontrou que a serapilheira teria um efeito negativo no estabelecimento das plântulas, como também foi encontrado por Miyanishi & Kellman (1986) para esta mesma espécie. Influência do fogo na reprodução Altas freqüências de fogo impõe sérias restrições a reprodução sexuada: se a espécie não possui adaptações que protejam as sementes do fogo, para que a reprodução seja bem sucedida ela deve florescer e produzir sementes e as plântulas devem atingir um tamanho em que sejam resistentes ao fogo dentro do curto intervalo de tempo entre as queimadas (Hoffmann & Moreira 2002). Isso pode explicar o fato de Hoffmann (1998) ter encontrado que queimadas freqüentes têm um impacto negativo na reprodução sexuada, favorecendo a reprodução vegetativa. Cinco das seis espécies por ele estudadas apresentaram uma redução na formação de sementes nos anos seguintes à queimada, provavelmente através da redução do tamanho individual das plantas (que levaria a uma menor capacidade reprodutiva) e, para três das espécies, reduzindo o valor reprodutivo específico de cada tamanho. A única espécie que apresentou aumento na produção de sementes após a passagem do fogo foi Piptocarpha rotundifolia. O autor explica que a vantagem da reprodução vegetativa em detrimento da sexuada vem do fato de, além do custo da reprodução vegetativa ser menor do que o da reprodução sexuada, a prole provinda da reprodução vegetativa atinge tamanhos maiores que das plântulas de mesma idade e também são mais resistentes a estresse ambiental, e que a tolerância ao fogo seria atingida mais rápido pelos brotos do que pelas plântulas (Hoffmann1998). Influência do fogo na sobrevivência das plantas A sobrevivência de plantas de cerrado quando submetidas ao fogo é semelhante a observada em outras savanas tropicais, e consideravelmente maior do que a observada em florestas tropicais (Hoffmann & Moreira 2002). As características que contribuem para esta capacidade de sobreviver ao fogo são, entre outras, casca grossa, grande investimento em reservas de carboidratos e nutrientes e capacidade de rebrotar através de gemas ou botões dormentes (Hoffmann & Moreira 2002). Diversas espécies lenhosas de savanas apresentam um alto grau de suberização em seus troncos e ramos, o que resultaria em um isolamento térmico dos tecidos internos da planta; porém, as plantas diferem grandemente quanto a sua tolerância ao fogo e a sua capacidade de recuperação (Miranda et al. 2002). Por outro lado, os indivíduos menores não apresentam esta suberização, apresentando uma taxa de mortalidade da parte aérea mais elevada que os maiores indivíduos quando submetidos às queimadas (Hoffmann & Solbrig 2003). Franco et al. (1996) encontraram que para Dalbergia miscolobium, o fogo é um fator de mortalidade importante para plântulas no primeiro ano de vida, mas que após este período apresentam uma alta taxa de sobrevivência ao fogo. Para Simarouba amara também foi encontrado que os menores indivíduos sofrem uma maior mortalidade quando expostos ao fogo, e os autores indicam que a altura mínima que um indivíduo deve ter para sobreviver a um incêndio é de 3 m (Raw & Hay 1985). Além disso, o regime de queima pode alterar as taxas de mortalidade. Silva et al. (1996) encontraram que, no caso de duas queimas prescritas no cerrado, a taxa de mortalidade foi significativamente maior na segunda, sendo que muitos dos indivíduos mortos na segunda queimada haviam sofrido danos na primeira, indicando que queimadas muito freqüentes, cujos intervalos não são suficientemente longos para permitir o estabelecimento das rebrotas, podem impedir a regeneração da vegetação. Por outro lado, Sato & Miranda (1996) encontraram taxas de mortalidade semelhantes em queimadas realizadas no início da estação seca (junho), auge da estação seca (agosto) e início da estação chuvosa (setembro) em uma área de cerrado protegida do fogo por 18 anos. Para as espécies de Acacia africanas foi encontrada uma grande variação quanto a sobrevivência ao fogo, tanto entre diferentes espécies como entre classes de tamanho de uma mesma espécie (Midgley & Bond 2001). De maneira geral, os incêndios nas savanas africanas causam morte da parte aérea das plantas mais altas com posterior rebrota, mas há evidências de que o fogo também pode causar mortalidade real das plantas, mesmo para os maiores indivíduos (Midgley & Bond 2001). Influência do fogo no crescimento das plantas O crescimento da planta é afetado pelo fogo, já que muitos indivíduos não morrem mas têm parte de sua parte aérea queimada, resultando em um crescimento negativo de tamanho. Sabendo-se que grande parte das taxas de crescimento, sobrevivência e reprodução são determinadas pelo tamanho da planta, é de se esperar que a redução no tamanho individual tenha impactos negativos no futuro crescimento populacional (Hoffmann & Moreira 2002). Além disso, Hoffmann & Solbrig 2003 chamam a atenção para os efeitos da morte da parte aérea das plantas na cobertura lenhosa de uma vegetação. Argumentam que os menores indivíduos, que não possuem tronco suberizado, sofrem morte da parte aérea quando expostos a queimadas; porém, se as queimadas são freqüentes, estes indivíduos menores podem rebrotar mas não conseguir crescer até as classes de tamanho maiores, permanecendo indefinidamente em um tamanho reduzido e freqüentemente não reprodutivo. Então, estes indivíduos permanecerão neste estágio até que um período sem queimadas suficientemente longo permita que eles cresçam até um tamanho suficiente para que não sofram mais queima de sua parte aérea. Assim, a redução no tamanho da planta devido a morte da parte aérea pode ter conseqüências importantes para o futuro crescimento populacional (Hoffmann & Solbrig 2003). Em um outro trabalho, Hoffmann (2002) compara os efeitos diretos e os efeitos indiretos do fogo no crescimento radial de duas espécies de cerrado (Rourea induta e Roupala montana). Ele argumenta que a queimada teria um efeito negativo direto no crescimento das plantas através da queima das folhas, mas que poderia ter um efeito positivo indireto através da diminuição da competição devido a redução na densidade de árvores como efeito de queimadas freqüentes. Ele encontrou que o crescimento das plantas diminui no ano seguinte a queimada, mas que retorna a suas taxas anteriores a queimada após um ano, e que o crescimento radial das plantas foi maior nas áreas de fisionomia mais aberta. Ele conclui que o efeito da densidade e o efeito do fogo no crescimento destas espécies são de mesma magnitude, sugerindo que apenas queimadas anuais teriam efeitos tão negativos quanto a densidade da vegetação no crescimento. Porém, o autor ressalta que estes resultados devem ser considerados com cuidado, já que eles valem apenas para os indivíduos grandes (já que os pequenos geralmente tem sua parte aérea morta nas queimadas), e que os efeitos de incêndios repetidos devem ser bem mais severos que incêndios individuais (já que acabariam por reduzir muito as reservas de carboidratos e nutrientes das plantas devido a constante rebrota), e também que os efeitos negativos da densidade no crescimento das plantas devem ser significativos apenas em densidades extremamente altas. Considerações finais Apesar de o fogo ocorrer naturalmente nas savanas, acredita-se que ele ocorreria em uma freqüência muito menor na ausência de ação antrópica (Eiten & Goodland 1979 apud Hoffmann 1998). Nos cerrados brasileiros a freqüência de fogo comumente observada é a cada 1 a 3 anos; acredita-se que sob ocupação indígena (anterior à colonização) o intervalo entre os incêndios seria de 3 a 10 anos (Eiten & Goodland 1979 apud Hoffmann 1998). Sendo assim, espera-se que as plantas estejam adaptadas a intervalos maiores entre as queimadas, e reduzir este tempo pode fazer com que as populações não consigam regenerar de maneira eficiente (isto é, apesar de os adultos muitas vezes conseguirem sobreviver, as plantas novas não tem tempo suficiente para atingir um tamanho em que seja resistente ao fogo). Então, se é desejável que as populações continuem se regenerando nestas áreas, deve-se adotar uma postura de combate às queimadas mais severa, tanto na prevenção como no combate aos incêndios. Perspectivas futuras de estudo Para os cerrados brasileiros, os trabalhos encontrados se concentraram na área do Distrito Federal, não tendo sido encontrados trabalhos que tratassem dos cerrados de outras regiões (por exemplo, todos os trabalhos de Hoffmann ou Hoffmann e colaboradores citados aqui foram realizados em duas áreas do DF). Além disso, estes trabalhos se concentraram em estudar algumas poucas espécies. Considerando a extensão deste bioma no Brasil, torna-se importante conhecer a demografia de espécies de cerrado em outras áreas, permitindo uma comparação sobre os fatores que possam estar influenciando as taxas vitais das populações em áreas diferentes. Para as espécies de savana africanas, há uma relativa abundância de estudos (principalmente quanto a influência de herbívoros), mas eles estão concentrados em algumas poucas espécies de Acacia, e deve-se tomar cuidado com generalizações, mesmo tratando-se de espécies congenéricas. Para as savanas australianas e asiáticas não foram encontrados trabalhos publicados que considerassem a influência do fogo na demografia de espécies lenhosas. Referências Bibliográficas FRANCO, A.C., SOUZA, M.P. & NARDOTO,G.B. 1996. Estabelecimento e crescimento de Dalbergia miscolobium Benth. em áreas de campo sujo e cerrado no D.F. In: Miranda, H.S., Saito, C.H. & Dias, B.F.S. (orgs.) Impactos de queimadas em áreas de cerrado e restinga. Universidade de Brasília, Brasília. HAW, A. & HAY, J.D. 1985. Fire and other factors affecting a population of Simarouba amara in “cerradão” near Brasília, Brazil. Revista Brasileira de Botânica 8: 101-107. HENRIQUES, R.P.B. & HAY, J.D. 2002. Patterns and dynamics of plant populations. In: Oliveira, P.S. & Marquis, R.J. (eds). The cerrados of Brazil: ecology and natural history of a neotropical savanna. Columbia University Press, New York. HOFFMANN, W. 1996. The effects of fire and cover on seedling establishment in a neotropical savanna. 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NT 238 – Ecologia de Populações de Plantas Influência do fogo sobre a demografia de espécies lenhosas d Introdução Influência do fogo no estabelecimento de plântulas Influência do fogo na reprodução Influência do fogo na sobrevivência das plantas Influência do fogo no crescimento das plantas
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