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DIREITOS POLÍTICOS COMO DESDOBRAMENTO DA DEMOCRACIA. 1. Origens históricas democráticas Tanto o conceito como a palavra Democracia se originam da Grécia antiga (Atenas): já entendida como o poder exercido pelo povo. Porém, mesmo em Atenas, este poder nunca representou um governo exercido diretamente e exclusivamente pelo povo. A chamada democracia clássica, representada pela vitória das idéias de liberdade contra o absolutismo, surgiu fundamentalmente de três movimentos/marcos: Revolução Inglesa (“Bill of Rights” – 1689), em que John Locke, por exemplo, pregava na obra “Dois Tratados de Governo”, os limites ao poder do monarca, com o estabelecimento de uma divisão de poder estatal, em que pudesse existir a participação popular na gestão governamental através de sua representatividade. Além de tal manifestação, ocorreram ainda em meados do século XVII no direito anglosaxão outros marcos, como: “petition of rights” e o próprio advento do “habeas corpus” (“act of habeas corpus”), que marcaram o surgimento originário do moderno entendimento acerca da cidadania e da titularidade de direitos fundamentais; Revolução Americana (Declaração de Independência das 13 Colônias 1787), quando houve o estabelecimento do Estado de Direito e a criação da primeira Constituição moderna, que instituiu o federalismo, a república, a separação dos poderes (por influência de Locke e Montesquieu), a nãointervenção exacerbada do Estado nas relações privadas, bem como outros limites e bases para o exercício do poder estatal, como a garantia da participação popular na gestão governamental pelo voto (“one man one vote”); Revolução Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789), com a manifestação dos ideais constitucionalistas do abade Emmanuel Joseph Siéyes apresentados basicamente na obra “O que é o Terceiro Estado”, que funcionaram como fundamentos do citado movimento revolucionário, os quais, pautados nas idéias contratualistas de J.J. Rousseau (“Contrato Social”), e fundamentalmente na igualdade entre os chamados três “Estados Franceses” (1º o clero, 2º a nobreza e 3º o povo, este chamado de nação), pregavam a liberdade, a fraternidade e a igualdade através da participação políticoeleitoral dos nacionais (eleitores), em prol do estabelecimento de um governo democrático representativo. Posteriormente, surgem os ideais democráticos oriundos do chamado Estado Social (“Welfare State” ou Estado Providência), com os movimentos revolucionários e respectivas Constituições do México (1910/1917) e Alemanha (1919). Já no período pós I Guerra Mundial, os novos ideais democráticos pregavam a garantia dos direitos sociais, isto é, dos direitos de 2ª geração que não foram contemplados na democracia clássica nem ao menos no anterior modelo estatal liberal, que apenas buscava a tutela dos direitos individuais, ou seja, de 1ª geração e uma total separação do Estado das relações privadas. Em uma terceira fase, pós II Guerra Mundial, ocorre a expansão do regime político democrático no mundo, fortalecendo o modelo atual de Estado Democrático de Direito, cuja relação entre Direito e poder político é que caracteriza a existência ou não de equilíbrio no exercício do poder governamental e na tutela dos direitos fundamentais, correspondendo, assim, à efetividade ou não da cidadania. 2. Visão conceitual de democracia Conforme destacamos, podemos perceber que a democracia dos antigos (ateniense), fundada na participação do cidadão (mesmo com as restrições a participação direta do povo), influenciou na construção do conceito aceito de democracia nos dias de hoje e, assim, da construção de nosso Direito Eleitoral moderno. Em sentido formal, democracia pode ser definida como forma de governo em que o povo é o detentor de seu próprio destino, ou seja, o povo governa a si mesmo. Este governo, ou ocorre diretamente mediante as técnicas de consulta popular, ou indiretamente através dos representantes dos cidadãos, os quais têm a responsabilidade e a obrigação de manifestar o pensamento e a vontade dos próprios representados. No entanto, embora a palavra democracia seja portadora de uma longa e inacabada história de dois mil e quinhentos anos, à época moderna só tardiamente ela superou uma antiga conotação negativa – associada às imagens de utopia, arcaísmo e desordem – e passou a ser usada, principalmente (embora não exclusivamente), para designar um regime político fundado no princípio da soberania do povo e um decantado elenco de arranjos institucionais e regras, hoje bem conhecidos e altamente consensuais. A democracia moderna tem suas raízes no século XVII, fundado em valores fundamentais da pessoa humana – liberdade e igualdade. A democracia consiste numa identificação de regime político, participativo ou representativo, que supõe como fundamentos a liberdade e a igualdade, princípios cujas bases são encontradas no espírito de solidariedade e no respeito às diferenças que existem entre as pessoas. Em um sentido mais amplo, também podemos perceber a democracia como um ambiente de vida social cujos pilares de sustentação encontramse na admissão, na garantia e na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana, cujos fundamentos são: legalidade e legitimidade. CONCLUSÃO: TRATASE A DEMOCRACIA de um REGIME POLÍTICO participativo ou representativo que supõe, como fundamentos, a liberdade e a igualdade, através da legalidade e da legitimidade. 3. Fundamentos da democracia moderna Considerando os mencionados fundamentos da democracia (legalidade e legitimidade), tão propalados por Norberto Bobbio em seus escritos, como por exemplo em “O Tempo da Memória: De Senectute e Outros Escritos Autobiográficos (1997), podemos verificar que: “Direito e poder são duas faces da mesma moeda. Uma sociedade bem organizada precisa das duas. Nos lugares onde o Direito é impotente, a sociedade corre o risco de se precipitar na anarquia; onde o poder não é controlado, corre o risco oposto, do despotismo. O modelo ideal do encontro entre o Direito e poder é o Estado democrático de direito, isto é, o Estado no qual, através das leis fundamentais, não há poder, do mais alto ao mais baixo, que não esteja submetido a normas, que não seja regulado pelo Direito, e no qual, ao mesmo tempo, a legitimidade do sistema de normas derive, em última instância, do consenso ativo dos cidadãos”. OBSERVAÇÃO CONCLUSIVA IMPORTANTE: podemos concluir que, diante dos variados prismas da cidadania antes analisados, e da aplicabilidade e efetividade dos apontados fundamentos da democracia, nunca existiu democracia plena no Brasil, seja por uma forte legalidade institucional pregada à época do regime militar no país, onde, diante da máxima do “ império da lei” (base existencial da legalidade na democracia), se identificava uma espécie de democracia relativa, pois inexistiu legitimidade naquele período, seja pela atual democracia relativa em que vivemos, eivada de excessiva legitimidade, mas carente de acertada e preservada legalidade. Nesta virada de século, as sociedades contemporâneas vivem um quadro de perplexidade provocado pelas profundas transformações sociais, políticas, econômicas, culturais, científicas e tecnológicas, agravado pelos efeitos da chamada “lógica econômica neoliberal da globalização”, que vêm conduzindo à supressão da solidariedade com a idéiade diminuição da figura e atuação estatal. Tais realidades, na verdade, contribuem para o enfraquecimento de muitos regimes democráticos em prol da hegemonia de grandes potências, fundamentalmente a norte americana, ferindo fatalmente diversos direitos fundamentais e a própria gestão participativa na condução do poder público. Neste contexto, o problema da exclusão políticosocial aparece como um tema chave para a compreensão da sociedade contemporânea. A referida exclusão é apresentada como mácula para a redefinição dos modelos teóricos e para a reconstrução dos mecanismos de gestão social, tão importantes nos regimes políticos democráticos, diretamente relacionados com o Direito Eleitoral. 4. Classificações e institutos democráticos: a) Democracia capitalista – predominante em todas as sociedades, necessita fazer um reexame de seus princípios básicos, pois, a democracia não se limita ao processo eleitoral, nem deve ser exercida apenas pela ação dos políticos, mas sim, por toda a sociedade; b) Democracia política – a grande maioria dos brasileiros vota pensando somente nos seus interesses particulares ou regionais (infelizmente), raramente com uma visão nacional; c) Democracia dinâmica – as mudanças que ocorreram com o decorrer do tempo fizeram novas necessidades surgirem e, com isso, a democracia deve passar por uma fase adaptativa. A democracia não mais deve ser classificada somente como uma forma de governo em visão “lato sensu”, mas deve ser vista, especificamente, como um regime político participativo ou representativo de fato; d) Democracia representativa: se caracteriza pela delegação do direito de gerenciamento do Estado, por outorga do poder popular através do mandato político representativo, conferido por pleitos eleitorais àqueles que apresentam as condições de alistabilidade e elegibilidade; e) Democracia participativa: marcada pela participação direta do povo no exercício do poder, ou seja, da decisão ou gestão governamental popular direta, possibilitada, basilarmente, pelos institutos do plebiscito, referendo e da iniciativa popular, além do chamado veto popular e do recall. OBSERVAÇÃO: os institutos do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular estão elencados nos incisos I , I I e II I do art. 14 da CRFB/ 88, regulamentados pela Lei 9709/ 98 e que serão analisados posteriormente neste estudo. f) Democracia e igualdade – é invenção do Estado Moderno que pode ser encarada em dois sentidos, a igualdade formal e a igualdade material: · formal – a lei é uma só para todos (povo, nobreza, clero), ou seja, as pessoas são iguais entre si; · material – sentido jurídico, pessoas ou situações são iguais ou desiguais de modo relativo, conforme já pregava Rui Barbosa acerca da igualdade entre os iguais e a desigualdade entre os desiguais. Nossa ordem jurídica normativa apresenta, dentre outras previsões atinentes à igualdade material, a proibição de o juiz fazer distinção entre situações iguais na aplicação da lei e, por exemplo, a proibição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais (credo religioso 5º,VII,VI e idade na forma do 7º,XXX ambos da CRFB/88), é a chamada isonomia “real”. g) Democracia e liberdade – poder do homem de buscar sua realização pessoal. É na democracia que o homem alcança sua maior atuação, cujos axiomas estão elencados no art.5º da CRBF/88: liberdade de locomoção (inciso XV), pensamento (incisos VI e VII) e escolha profissional (inciso XIII), entre outras previsões. 5. Formas e exercício do poder democrático (soberania popular): a) Democracia direta – povo exerce por si os poderes governamentais. Para a existência de uma democracia direta, o homem precisava ocuparse, tãosomente, dos negócios públicos, conservando sempre aceso o interesse pela cidadania e pela causa da democracia. Na verdade, para o exercício de uma democracia direta, o Estado deve ser muito pequeno quanto ao número de cidadãos e quanto a extensão territorial, cuja existência em nossos dias é praticamente impossível; b) Democracia Indireta para solucionar o problema da forma de governo nos grandes Estados, realizouse a transição da democracia direta para a democracia indireta (representativa) e para a democracia semidireta. A democracia indireta ou representativa é aquela em que o povo é a fonte primária do poder, não dirigindo o Estado diretamente, e sim, por delegação à representantes. IMPORTANTE: dizia Montesquieu, um dos primeiros teóricos da democracia moderna, que o povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar. Precisava o povo, portanto, de representantes, que iriam decidir e querer em seu nome. Principais características da democracia indireta: soberania popular como fonte de poder legítimo do povo; vontade geral; o sufrágio universal, com pluralidade partidária e de candidatos; distinção e separação dos poderes; regime presidencialista; limitação das prerrogativas do Estado e a igualdade de todos perante a lei. c) Democracia semidireta já a democracia semidireta é a modalidade na qual se alternam as formas clássicas da democracia representativa. Seu berço foi a Suíça. Nesta forma de democracia, a soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual esta soberania é exercitada, pertence ao elemento popular no que diz respeito às matérias mais importantes da vida pública. IMPORTANTE: existem alguns institutos representativos da democracia semidireta que até hoje são conhecidos e praticados: o referendum; o plebiscito; a iniciativa popular; o veto popular e o recall, que caracterizam o exercício do poder realizado diretamente pelo povo e não por seus representantes. 6. Mecanismos de participação popular na atividade governamental: a) Sufrágio universal – tratase de mecanismo de controle de índole eminentemente política. Em nosso país, o sufrágio está previsto no art. 14 “caput” da CRFB/88, que assegura ainda o voto direto e secreto, de igual valor para todos (princípio da universalidade do sufrágio). Constituise no direito de escolha dos representantes e de ser escolhido pelos seus pares, visando a escolha de pessoas para atuar em nome do povo, através de mandatos com períodos determinados; b) Plebiscito – é o primeiro dos instrumentos de democracia participativa posto à disposição do povo (art.14, I, da CRFB/88). Consiste na possibilidade de o eleitorado decidir uma determinada questão de relevo para os destinos da sociedade, pelo voto, com efeito vinculante para as autoridades públicas atingidas, funcionando como uma espécie de consulta popular prévia à pratica de certos atos administrativos ou legiferantes. Sua previsão e prática caracteriza a espécie de democracia semidireta, pois o povo decide diretamente, sem intermediários ou representantes; c) Referendo – o referendum também importa na participação do povo, mediante voto, mas com o fim específico de confirmar, ou não, um ato governamental. A decisão do referendo, assim como a do plebiscito, tem eficácia vinculativa, não podendo ser desrespeitada pelo administrador. É procedimento formal regulado em lei, pois a Constituição assim o determina (Lei 9709/98), o qual apresenta finalidade específica de confirmação de ato do corpo legislativo e, como o plebiscito, funciona como instrumento probatório de uma democracia semidireta. d) Iniciativa popular – este procedimento consiste no desencadeamento do processo legiferantefeito diretamente pelo povo, mediante proposição de determinado projeto de lei ou emenda constitucional apoiada e apresentada por certo número de eleitores, na forma do inciso III do art. 14 e do § 2ºdo art. 61 da CRFB/88, bem como de acordo com os preceitos da Lei 9709/98; e) Veto popular – representado pelo prazo de 60 dias dado aos eleitores, após a aprovação de um projeto pelo Legislativo, para que requeiram sua aprovação popular; f) Recall – revogação de uma eleição, por exemplo, identificada na forma dos artigos 212, 222 e 224 da Lei 4737/65 (Código Eleitoral), ou caracterizada pela revogação de mandato de legislador, por exemplo, na forma do art. 55 da CRFB/88; g) Ação popular: instrumento processual próprio da democracia participativa, estabelecido pelo inciso LXXIII, do art. 5º da CRFB/88 e regulamentado pela Lei 4717/65 (Lei da Ação Popular), onde diretamente o cidadão (eleitor) objetiva garantir a proteção da “res pública”, como forma de exercício e garantia da soberania popular. 7. Espécie democrática brasileira: devido a existência de mandatos políticos representativos (democracia representativa), associados à possibilidade da aplicação do voto em plebiscito e referendo popular, afora a existência na seara política do instituto da iniciativa popular e da possibilidade do veto popular bem como do “recall” no Brasil (democracia representativa), nossa espécie democrática está identificada como semidireta.
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