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A insuficiência da psicofísica segundo a filosofia de Bergson 
 
Psychophysics failure in Bergson’s philosophy 
 
 
Yago Antonio de Oliveira Morais1 
 
 
Resumo: Trata-se de apresentar a crítica à psicofísica na filosofia de Bergson, em sua primeira 
obra o “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência”. O que se pretende apresentar é a 
denúncia bergsoniana dos problemas metodológicos praticados pela psicologia científica. 
Iremos acompanhar as principais teses que o filósofo francês endereçou contra os argumentos 
da psicofísica. Nosso propósito é acompanhar, em primeiro lugar, a análise que Bergson faz da 
noção de “grandeza intensiva”, bastante utilizada no vocabulário da psicofísica. A intenção de 
Bergson é mostrar que a psicofísica empregava a noção de intensidade para os estados 
psicológicos de modo equivocado, confundindo o inextenso com o extenso. 
 
Palavras-chave: Consciência. Grandeza intensiva. Psicofísica. Psicologia 
 
Abstract: This article aims to present the criticism to psychophysics in the philosophy of 
Bergson, in his first work "Time and Free Will." This means putting forward the investigation of 
the Bergsonian complaint of methodological problems practiced by scientific psychology. We 
will follow the main arguments that the French philosopher addressed against the arguments of 
psychophysics. Our aim is to follow, in the first place, Bergson’s analysis about the notion of 
"intensive magnitude", widely used in the vocabulary of psychophysics. Bergson’s intention is 
to show that psychophysics employed the notion of intensity to the psychological states in the 
wrong way, confusing the unextended with the extensive. 
 
Keywords: Consciousness. Intensive greatness. Psychology. Psychophysics. 
 
 
* * * 
 
 
1. Uma confusão prévia 
 
Em 1889, o filósofo francês Henri Bergson publicou o Ensaio sobre os dados 
imediatos da consciência2. Trata-se, nesta obra, de abordar uma questão central e 
específica: o que é a consciência? Bergson realiza uma crítica à psicofísica – psicologia 
científica – procurando demonstrar que esta disciplina descreve de modo equivocado a 
consciência e seus estados. Grande parte do problema, segundo Bergson (1945), ocorre 
graças à confusão que há em torno da noção de “intensidade”. 
 
1 Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de 
Marília. Bolsista PIBIC/CNPq (modalidade sem bolsa). Orientador: Prof. Dr. Paulo Cesar Rodrigues. E-
mail: yag.morais@gmail.com. 
2 Doravante será chamado apenas de Ensaio. 
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Volume 9, 2016. 
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 Desde a publicação do Ensaio, Bergson preocupou-se com os procedimentos 
metodológicos adotados pela psicologia de seu tempo, como é possível notar em outras 
obras do autor3. O cuidado de Bergson com a conduta da psicologia de sua época, isto é, 
a psicologia científica que emergia no fim do século XIX, deve-se à forte tendência a 
naturalizar a consciência que dominava aquele momento. A expansão do método das 
ciências naturais, exaltada meio século antes de Bergson, por Auguste Comte4, 
influenciava fortemente a maneira de apreender a consciência. 
A psicofísica possui uma postura científica mediante a abordagem da 
consciência. Isto significa dizer que a psicofísica entende a consciência como algo fora 
do âmbito metafísico, recusando, por exemplo, qualquer tipo de abordagem 
introspectivista. Neste sentido, o psicofísico é aquele que irá observar a consciência no 
laboratório, atentando-se sempre aos “fatos”, ao que é objetivo e, por isso, precisa 
recusar qualquer subjetividade, qualquer coisa que extrapole a observação empírica. 
Sendo assim, é necessário que a psicofísica separe o subjetivo do objetivo para dar 
conta de sua proposta, a saber, investigar a consciência exteriormente. Esta separação, 
segundo Bergson, parece comprometer a verdadeira natureza da consciência, pois, 
segundo ele, não podemos negar que há algo interno a nós e que é objeto da metafísica. 
A concepção da consciência da psicofísica, bastante problemático na visão de Bergson, 
esquecia-se completamente do aspecto qualitativo na medida em que se exaltava 
somente o aspecto quantitativo, resultando, por conseguinte, em sua insuficiência. 
Algumas teses que evidenciam o propósito de Bergson de criticar a psicologia 
científica podem ser lidas logo no prefácio do Ensaio: “Exprimimo-nos necessariamente 
por palavras e pensamos quase sempre no espaço” (1945, p.13, tradução nossa). Esta 
passagem indica que a expressão de nosso pensamento dá-se sempre por palavras, 
através da linguagem. Entretanto, há uma restrição imposta por Bergson: pensamos 
“quase” sempre no espaço. Bergsonindica aqui a possibilidade de um pensamento que 
não é espacializado, um pensamento que não está preso à linguagem. A teimosia em 
colocar no espaço certos fenômenos que não ocupam o espaço indica o erro 
fundamental que a psicofísica e o senso comum cometem. 
O erro notável que ambos cometem, segundo Bergson (1945), é a confusão entre 
qualidade e quantidade, resultando na espacialização da consciência. Certamente, 
 
3Cf. A energia espiritual. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. Matéria e Memória: Ensaio 
sobre a Relação do Corpo com o Espírito. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Etc. 
4 Trata-se do Curso de Filosofia positiva, de 1848. 
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Bergson é considerado crítico da conceitualização em filosofia, na medida em que os 
conceitos recortam e privam a verdadeira realidade das coisas. Em um texto chamado 
Introdução à Metafísica (2006), isto fica explícito quando Bergson declara que há um 
filosofar bastante tradicional que eternizou um método de analisar a realidade, bastante 
problemática. Este método prende a realidade – entendida por Bergson como movente – 
e representa as coisas por meio de conceitos cuja função é reconstruir este movente – 
devir – simbolicamente; a filosofia bergsoniana parece ser uma recusa a este tipo de 
método. Faz-se necessário, na visão de Bergson, um caminho que inclua outra 
metafísica, cuja capacidade seja de renunciar os símbolos e instalar-se na duração pura, 
mostrando a verdadeira realidade das coisas. 
Portanto, a verdadeira natureza da consciência só pode aparecer se retirarmos a 
confusão prévia – entre o inextenso e o extenso – feita antes de qualquer investigação 
rigorosa. Devemos expurgar os conceitos problemáticos, pois são eles que causam 
confusão5. Deve-se evitar confundir e misturar arbitrariamente coisas que diferem por 
natureza: eis a advertência bergsoniana. O primeiro passo deve ser dado em direção à 
crítica à noção de grandeza intensiva. 
 
2. Crítica à noção de grandeza intensiva 
 
Bergson indicará que há o uso equivocado da noção de grandeza intensiva, 
certamente, na psicofísica do final do século XIX que afirmava que os estados 
psicológicos, tais como os sentimentos, sensações, esforços, paixões, etc., possuem 
diferentes graus de intensidade. Isto porque a psicofísica6 oitocentista “[...] se atribuiu a 
tarefa de determinar a relação existente entre um fenômeno físico, considerado como 
excitação causal, e o fenômeno psíquico” (MUELLER, 1968, p.346). Segundo as 
propostas da psicofísica, um sentimento, por exemplo, poderia aumentar ou diminuir, 
ser mais forte ou mais fraco, mais feliz ou menos feliz, mais corajoso ou menos 
 
5 Bergson nos diz em O pensamento e o Moventeque: “[...] se começamos por afastar os conceitos já 
prontos, se nos brindamos com uma visão direta do real, se subdividimos então essa realidade levando em 
conta suas articulações,os conceitos novos que de um modo ou de outro teremos de formar para nos 
exprimir serão desta vez talhados na exata medida do objeto: a imprecisão só poderá nascer de sua 
extensão a outros objetos que eles abarcam igualmente em sua generalidade, mas que deverão ser 
estudados neles mesmos, fora desses conceitos, quando se quiser conhecê-los por sua vez” (2006, p.25). 
6 Referimo-nos especialmente às ideias de Wilhelm Wundt (1832-1920) e Gustav Fechner (1801-1889), 
bem como às suas práticas psicológicas no campo da psicologia experimental. Ver, por exemplo: 
BORING, Edwin. G. A history of experimental psychology. New York, Appleton Century, 1950; 
SCHULTZ, D. P. & SCHULTZ, S. E. História da Psicologia moderna. Editora Cultrix, 1981. 
 
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corajoso, mais triste ou menos triste. Segundo Bergson, tanto a psicologia quanto o 
senso comum tratam os estados psicológicos conferindo-lhes a noção de “grandeza 
intensiva”. 
O que há no Ensaio, inicialmente, é o protesto contra as dificuldades 
concernentes a essa noção que pode ser encontrada na Crítica da razão pura7, de 
Immanuel Kant. Segundo o filósofo alemão (1997), a grandeza intensiva indica a força 
da afecção ou a intensidade de um objeto exterior sobre a sensibilidade vazia de certo 
sujeito. A ideia de grandeza intensiva supõe que o extensivo e o intensivo possuem o 
mesmo sentido, sendo que o segundo pode ser reduzido ao primeiro8. 
Para Bergson (1945), a ideia de grandeza intensiva está relacionada à noção de 
extensão, cuja principal marca é a sobreposição de objetos materiais. Podemos julgar 
que um objeto é maior que outro na medida em que operamos uma sobreposição de um 
objeto a outro. Tal método, que evidentemente, advém da própria Física, faz uso de 
medidas padrão. Contudo, conforme se julga que um objeto é maior que outro não se 
leva em conta os aspectos qualitativos. Estes permanecem irrelevantes para a Física, por 
exemplo. 
Essa noção de grandeza intensiva amalgama dois termos que não possuem 
correspondência: quantidade e qualidade. Ou seja, segundo Worms (1995), quantidade 
por ser uma categoria formal e qualidade por ser uma categoria ontológica. Segundo 
aponta Bergson: 
 
Representamos uma maior intensidade de esforço, por exemplo, como 
um maior comprimento de fio enrolado, como uma mola, que ao 
esticar-se ocupará um espaço maior. Na ideia de intensidade, e até na 
palavra que a traduz, encontraremos uma imagem de uma contração 
presente e, por conseguinte, uma dilatação futura, a imagem de uma 
extensão virtual e, se assim pudéssemos falar, de um espaço 
comprimido (1945, p.17, tradução nossa). 
 
A mensuração de dois corpos, por exemplo, se esgota apenas na quantidade, no 
número, no conceito. Além disso, há comparações de grandezas entre diferentes objetos, 
de naturezas bem distintas, como o tamanho de uma formiga comparado ao de um sofá, 
por exemplo. A proposta de Bergson é a de um exame crítico e rigoroso que irá mostrar 
a dificuldade que há em mensurar os estados psicológicos, demonstrando o caráter 
 
7Cf. “Antecipações da percepção”, p.201-208. 
8 Cf. “Frèdéric Worms, Les degrés de l’intériorité: La critique de la psychologie dans le chapitre premier 
de l’Essai. In: Le problem de l’espirit: psychologie, théorie de la connaissance et métaphysique dans 
l’œuvre de Bergson. V. I, Clerment Ferrant, 1995.” 
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insustentável da grandeza intensiva face à interioridade puramente qualitativa. A 
diferença que há entre duas sensações é de natureza e não de grau. Em geral, segundo 
Bergson, interpretamos de modo equivocado o progresso qualitativo que ocorre nos 
estados psicológicos devido à tradução errônea que a nossa linguagem opera. 
A experiência, segundo Bergson (1945), mostra-nos que a mensuração não pode 
ser aplicada aos estados psicológicos, assim como é aplicada aos objetos materiais. Se 
uma paixão é mais forte ou mais fraca do que outra, trata-se do mesmo sentimento, 
variando apenas quantitativamente, segundo a tese dos psicofísicos. No caso dos estados 
psicológicos, a experiência mostra que a sobreposição espacial danifica os aspectos 
qualitativos e obscurece a realidade psíquica. A noção kantiana de grandeza intensiva 
confunde e mistura duas concepções distintas, coloca o inextensivo e o extensivo no 
mesmo plano. Ora, segundo Bergson (1945) representamos na noção de grandeza 
intensiva, relações entre continente e conteúdo, entre mais e menos, maior e menor. Nas 
palavras do autor: 
 
A questão é saber como conseguimos formar uma série deste gênero 
com intensidades, que não são coisas que possam sobrepor-se, com 
que sinal reconhecemos que os termos desta série crescem, por 
exemplo, em vez de diminuir: o que equivale sempre a interrogar-nos 
por que é que uma intensidade é assimilável a uma grandeza (1945, 
p.16, tradução nossa). 
 
Para Bergson, no Ensaio, a confusão nos leva a indagar qual o conteúdo que se 
apresenta em nossa consciência através da noção kantiana de grandeza intensiva, muito 
utilizada pela psicologia do século XIX. O primeiro capítulo do Ensaio pode ser lido 
como uma reação à noção de grandeza intensiva utilizada de maneira equivocada e, 
portanto, uma crítica à psicofísica e seu modo de descrever os estados psicológicos. 
Ora, se a grandeza já pressupõe uma extensão, enquanto o intensivo não, 
Bergson se pergunta (1945, p.16-17): “como é possível aplicar o intenso no extenso?”. 
A contradição, segundo Bergson (1945) reside justamente aí, na quantidade inextensiva. 
Nesse sentido, a noção kantiana nos aponta a ideia da existência de um vínculo entre 
continente e conteúdo. Bergson diz textualmente que: 
 
Talvez a dificuldade do problema derive do fato de darmos o mesmo 
nome e representarmos da mesma maneira intensidades de natureza 
muito diferente, a intensidade de um sentimento, por exemplo, e a de 
uma sensação ou de um esforço (1945, p.19, tradução nossa). 
 
 
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De acordo com Bento Prado Jr. (1989), há uma identificação com a mesma 
preocupação das Meditações cartesianas, que por sua vez não reconhece a atividade de 
troca entre a res cogitans com a res extensa, isto é, entre o inextenso com o extenso. O 
que Bergson pretende com a crítica da noção de grandeza intensiva é mostrar que aquilo 
que é interpretado – pelo senso comum e pela psicofísica – como mudança de grandeza 
de um mesmo sentimento, na realidade é a mudança gradual entre formas 
qualitativamente diferentes, denominadas de “emoções fundamentais”. Ou seja, se 
aplicamos essa noção de intensidade aos estados psicológicos, irá ocorrer, segundo 
Bergson, a tradução ilegítima do inextenso (estados psicológicos) em extenso (objetos 
físicos distribuídos no espaço). Daí que a palavra “intensidade” ser aplicada de modo 
equivocado aos estados psicológicos, o que confere a esse conceito, nas palavras de 
Bento Prado Jr. (1989, p. 78) o aspecto de uma “noção híbrida”, “imagem espúria da 
extensão inextensa”; enfim, uma contradição. 
A crítica à psicologia empírica procura mostrar que a “intensidade” não pode ser 
assimilada como grandeza, isto é, como uma propriedade mensurável da consciência. 
Portanto, demonstrar que a intensidade psicológica é puramente qualitativa configura 
um primeiro passo em direção à defesa da especificidade da consciência e de sua radical 
diferença em relação ao domínio físico. 
 
3. Os sentimentos profundos 
 
Bergson (1945) irá mostrar como a intensidade psicológica é compreendida de 
modo equivocado, recorrendo à descrição de alguns sentimentos, separando aqueles 
conhecidospor “elementos internos” das “sensações periféricas”. Seu intuito é mostrar 
que os estados psicológicos não são quantificáveis – como pretendia a psicofísica – 
mas, ao contrário, são qualidades puras. 
Optar por descrever os sentimentos profundos e analisá-los produz alcance 
duplo. Em primeiro lugar, a descrição evidencia a insuficiência da exposição dos 
estados psicológicos – puramente qualitativos – à mensuração. Em segundo lugar, 
demonstra que o sentimento profundo não está ligado a nenhuma causa externa, isto é, 
ele não possui relação direta com o mundo externo9. Ademais, a investigação 
bergsoniana sugere algo mais, como nos diz um comentador de sua obra: 
 
 
9 Cf. “De l’intensité des états psychologiques” (1945, p.36). 
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O que se pretende mostrar é, também, e talvez principalmente, que o 
Eu significa antes de tudo esses estados psicológicos: eles é que são a 
marca do verdadeiramente humano, pois é por eles que nossa psique 
se distingue do complexo nervoso das demais criaturas (SILVA, 1994, 
p.120). 
 
Primeiro, ao descrever os sentimentos profundos, portanto, correspondentes aos 
“elementos internos”, ou seja, que não possuem relação com a sua causa exterior e 
bastam a si mesmos, Bergson conclui que na passagem de um sentimento de alegria 
para outro, por exemplo, não se trata de uma grandeza, graus diversos de intensidade. 
Bergson se vale de exemplos como o sentimento da piedade, os sentimentos estéticos, a 
tristeza, a esperança, etc., com o intuito de mostrar que o que é traduzido de forma 
ilegítima, como uma mudança de grandeza, inversamente, é na realidade uma mudança 
sucessiva e qualitativa de nossos estados psicológicos. 
Ao optar por descrever a alegria, cuja qualidade não pode em hipótese alguma 
ser descrita como quantidade, isto é, como grandeza, Bergson pretende esclarecer a 
impossibilidade de atribuirmos grandeza aos estados psicológicos. O problema em 
questão, segundo Bergson (1945), é que inserimos pontos de divisão no intervalo que 
separa duas formas sucessivas de alegria. Não se trata de diferenças puramente espaciais 
e, portanto, quantitativas10. 
Vejamos mais de perto o que os sentimentos profundos podem nos revelar. A 
graça, num primeiro momento, segundo Bergson, “[...] é apenas a percepção de um 
certo desembaraço, de uma certa facilidade nos movimentos exteriores” (1945, p.22, 
tradução nossa) e seguindo o raciocínio de Bento Prado Jr., é “[...] a interrupção da 
relação laboriosa com o mundo, suspensão imaginária do reino da necessidade e da 
inércia” (1989, p.82). Outros elementos entram nesse sentimento gracioso, como 
aponta Bergson (1945, p.23), constituindo um progresso qualitativo. Desse modo, ele 
exibe o que acontece quando praticamos o erro de confundir a mudança qualitativa com 
mudança quantitativa: 
 
É este progresso qualitativo que interpretamos no sentido de uma 
mudança de grandeza, porque gostamos das coisas simples, e porque a 
nossa linguagem está mal feita para traduzir as sutilezas da análise 
psicológica (BERGSON, 1945, p.23-24, tradução nossa). 
 
 
10 É preciso lembrar sempre dos mistos mal analisados, dos quais nos falava Deleuze (1999, p.27-36). Em 
tais mistos se colocam de maneira arbitrária coisas que diferem por natureza. O que ocorre, no 
sentimento de alegria, é o andamento gradual de formas sucessivas, de qualidades diferentes. 
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O sentimento do belo, também é analisado por Bergson no Ensaio. Para 
compreender como este sentimento pode operar, vejamos, a seguir, o exemplo do poeta: 
 
O poeta é aquele para quem os sentimentos se desdobram em imagens, 
e as próprias imagens em palavras, dóceis ao ritmo, para os traduzir. 
Vendo repassar diante dos nossos olhos estas imagens, 
experimentaremos da nossa parte o sentimento que, por assim dizer, é 
o seu equivalente emocional; mas estas imagens não se realizariam tão 
fortemente para nós sem os movimentos regulares do ritmo, pelo qual 
a nossa alma, embalada e adormecida, se esquece, como num sonho, 
para pensar e ver com o poeta (1945, p. 24-25, tradução nossa). 
 
E a conclusão a que Bergson chega mediante essas análises é descrita da 
seguinte maneira: 
 
[...] o sentimento do belo não é um sentimento especial, mas que todo 
o sentimento por nós experimentado se revestirá de um caráter 
estético, contanto que tenha sido sugerido, e não causado (1945, p. 26, 
tradução nossa). 
 
Outro exemplo que Bergson nos fornece e que visa demonstrar a impossibilidade 
da aplicação da noção de grandeza intensiva aos estados psicológicos, diz respeito aos 
sentimentos morais. A respeito da piedade, por exemplo, Bergson afirma que não há 
aumento de quantidade e que “a intensidade crescente da piedade consiste, pois, numa 
progressão qualitativa, numa passagem do desgosto ao temor, do temor à simpatia, e da 
simpatia à humildade” (1945, p.28, tradução nossa). 
A tristeza, o desejo e a esperança também fazem parte dos sentimentos 
profundos, analisados por Bergson. Fica claro, ao fim da sua exposição, que os estados 
psicológicos não comportam a noção de extensão, de quantidade. Como procurará 
demonstrar Bergson ao longo do primeiro capítulo do Ensaio, eles são qualidades puras. 
 
4. As sensações periféricas 
 
Os sentimentos relacionados ao corpo não ficam de fora da análise de Bergson, 
pois eles também sofrem com a confusão que a linguagem espacializada nos impõe. 
Com a descrição dos sentimentos que possuem relação com a sensação corporal, 
correspondentes às sensações periféricas, ou seja, que têm certa relação com a causa 
exterior, ligada aos movimentos exteriores, Bergson pretende mostrar que ainda há 
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também uma confusão de linguagem, partilhada pela psicofísica, privilegiando a 
quantidade em detrimento da qualidade. 
 Vejamos um exemplo. O crescimento do esforço muscular é, em geral, 
entendido como crescimento de um estado psicológico exclusivo que por sua vez estaria 
coligado a uma parte do corpo. Conferir grandeza não sucede da apreensão da vivência 
psicológica, mas, ao contrário, decorre das mudanças físicas relacionadas a tal vivência. 
Portanto, a consciência do aumento do esforço muscular só pode se originar da 
percepção de maior número de sensações periféricas e de uma mudança qualitativa. Nas 
linhas do Ensaio, Bergson diz que: 
 
Parece-nos que a força psíquica, aprisionada na alma como os ventos 
no antro de Éolo, espera aí apenas por uma oportunidade para sair; a 
vontade vigiaria esta força e, de tempos a tempos, abrir-lhe-ia uma 
saída, proporcionando uma descarga para o efeito desejado. Refletindo 
bem, veremos até que esta concepção tão grosseira do esforço entra, 
em larga medida, na nossa crença nas grandezas intensivas. Como a 
força muscular que se desenrola no espaço e se manifesta mediante 
fenômenos mensuráveis nos dá a impressão de ter preexistido às suas 
manifestações, mas com um menor volume e, por assim dizer, em 
estado comprimido, não hesitamos em restringir cada vez mais este 
volume e, por fim, julgamos compreender que um estado puramente 
psíquico, não ocupando espaço, tenha, apesar de tudo, grandeza (1945, 
p.28-29, tradução nossa). 
 
Pelo fato do esforço muscular apresentar-se à consciência – inicialmente – como 
um aumento de quantidade, surge, mais uma vez, a confusão entre duas coisas distintas: 
qualidade e quantidade. A intensidade desse sentimento corresponderia à multiplicidade 
qualitativa dos estados que, aos olhos de Bergson, nossaconsciência discrimina de 
modo confuso. Ora, a questão de Bergson (1945, p.31) é justamente identificar e 
mostrar em que consiste a percepção da intensidade de sentimento. 
Entre os esforços superficiais e os sentimentos profundos há os estados 
intermédios, onde reside uma ilusão em nossa consciência, a saber, a confusão entre o 
orgânico e a ideia. O que há é uma confusão que nos leva a definir a intensidade de um 
esforço superficial como se fosse o de um sentimento profundo da alma (1945, p.32). 
Para Bergson (1945), alguns estados psicológicos são afetados por contrações 
musculares e sensações periféricas. 
A atenção, por exemplo, é acompanhada de movimentos. Textualmente, Bergson 
(1945, p.33) diz que a “[...] atenção não é um fenômeno puramente fisiológico; mas não 
se pode negar que é acompanhada de movimentos. Tais movimentos não são nem a 
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causa nem o resultado do fenômeno”. Contudo, a atenção não é estritamente um 
fenômeno fisiológico; não se deve esgotá-la ao fisiológico. Reduzir o sentimento do 
esforço de atenção “num órgão dos sentidos”, assim como fez Fechner, como indica 
Bergson (1945, p.33) é um grande erro. 
A intensidade do esforço diz respeito à ideia advinda do âmbito da consciência, 
isto é, do espírito. Todo o esforço muscular, por exemplo, é coordenado por uma ideia, 
ou seja, por algo que pertence àquilo que é inextenso, segundo aponta Bergson (1945). 
A intensidade dos sentimentos profundos e dos sentimentos violentos, segundo 
Bergson, “[...] consiste sempre na multiplicidade dos estados simples que a consciência 
aí discrimina confusamente” (BERGSON, 1945, p.36, tradução nossa). 
Para ilustrar como o psíquico é descrito através do fisiológico, isto é, da relação 
que há entre ambos, da tensão muscular que acompanha uma emoção, Bergson (1945) 
se vale de algumas passagens de Charles Darwin. Em uma de suas obras, A expressão 
das emoções no homem e nos animais, Darwin apresenta uma descrição rigorosa e 
detalhada das diversas reações fisiológicas causadas pelas emoções. O acompanhamento 
da descrição da emoção da fúria nos homens pode nos auxiliar na compreensão do 
pensamento darwinista. 
 
Sob essa poderosa emoção, a ação do coração se acelera muito, ou 
pode ser bastante perturbada. O rosto fica vermelho, ou roxo pelo 
sangue impedido de refluir, ou pode ainda ficar pálido de morte. A 
respiração é forçada, arqueando o peito e com tremor e dilatação das 
narinas. Muitas vezes o corpo todo treme. A voz é afetada. Cerram-se 
os dentes e o sistema muscular é geralmente estimulado a uma ação 
violenta, quase frenética (DARWIN, 2009, p.70). 
 
Não deve haver, de modo algum, segundo a proposta bergsoniana, a confusão 
entre a sequência desses elementos com o resultado de uma soma entre eles. Para 
Bergson, não se trata de interpretar os estados psicológicos como a soma do coração 
acelerado, do rosto vermelho ou roxo, da respiração forçada. É claro que a descrição 
fisiológica é válida e proveitosa, como Bergson deixa claro no Ensaio11, mas não é 
suficiente para descrever os estados psicológicos. Há sempre um elemento psíquico 
irredutível ao físico, do qual não há apreensão imediata através das descrições 
fisiológicas, segundo a proposta do pensamento bergsoniano. 
 
 
 
11 Cf. “De l’intensité dês états psychologiques” (1945, p. 33-36). 
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5. Sensações subjetivas 
 
Além destas sensações analisadas, Bergson analisou também outras que sofrem 
do mesmo problema: privilégio da quantidade que prejudica a qualidade. Para tanto, 
Bergson cita as chamadas sensações subjetivas – ou sensações simples - que estão 
diretamente conectadas ao mundo externo: calor, frio, luminosidade e o peso, etc. Assim 
como nos outros casos, é dada a atenção à quantidade em detrimento da qualidade, 
devido a estreita relação que há entre a causa física com a sensação psíquica. Isto 
ocorre, pois, a causa exterior implica em nós movimentos12. 
Acostumamo-nos, como aponta Bergson (1945), a relacionar certa qualidade de 
uma sensação à quantidade de sua causa. Atribuímos, a partir do objeto exterior, uma 
grandeza à sensação – transfere-se para o efeito a quantidade da causa. Com clareza, 
Bergson nos diz que: 
 
Associamos então a uma certa qualidade do efeito a ideia de uma certa 
quantidade da causa; e finalmente, como acontece com toda a 
percepção adquirida, pomos a ideia na sensação, a quantidade da 
causa na qualidade do efeito. Precisamente nesta altura, a intensidade, 
que era apenas um certo cambiante ou qualidade da sensação, 
transforma-se numa grandeza (1945, p.43-44, tradução nossa). 
 
Nas sensações de calor, por exemplo, a ideia de grandeza iria associar-se ao 
estímulo externo. Colocamos na vivência psicológica as sensações e propriedades de 
extensão das causas físicas, a qual nos afasta da sua verdadeira natureza que é 
puramente qualidade. É exatamente isto que faz a psicofísica, segundo Bergson. Em 
uma fórmula: o fenômeno psíquico resulta do fenômeno físico, tomado como excitação 
causal. 
Sobre o som, Bergson (1945, p.45) analisa quando falamos da intensidade de um 
som e se questiona se as diferenças são quantitativas. Podemos ler em seu texto a 
confusão que há ao tentarmos perceber a acuidade de um som: 
 
Esquecei o que a física vos ensinou, examinai a ideia que tendes de 
uma nota mais ou menos alta, e dizei se não pensais muito 
simplesmente no maior ou menor esforço que o músculo tensor das 
vossas cordas vocais teria de fornecer para, por sua vez, dar a nota? 
Como é descontínuo o esforço pelo qual a vossa voz passa de uma 
nota à seguinte, representais as notas sucessivas como pontos do 
espaço que esperaríamos, um após outro, por saltos bruscos, 
 
12 Cf. “De l’intensité des états psychologiques”, 1945, p. 41-43. 
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transpondo de cada vez um intervalo vazio que os separa: e é por isso 
que estabeleceis intervalos entre as notas da pauta (BERGSON, 1945, 
p.45-46, tradução nossa). 
 
As palavras de Bergson nos indicam que se retiramos o esforço muscular 
podemos perceber o som como qualidade pura. Se colocarmos as notas sucessivas no 
espaço, operamos confundindo a intensidade como grandeza, pois, como aponta 
Bergson (1945, p.46), nos embaralhamos acreditando que a nota é mais alta porque ela 
se encontra mais elevada no espaço. 
Entre o pesado e o leve também há confusão. Textualmente, Bergson nos diz o 
seguinte: “[...] a diferença de qualidade se traduz aqui espontaneamente por diferença de 
quantidade, devido ao esforço mais ou menos extenso que o nosso próprio corpo 
fornece para levantar um dado peso” (1945, p.48, tradução nossa). Ora, para Bergson, 
ao introduzirmos a ideia de grandeza na sensação de levantamento de peso13, por 
exemplo, não percebemos que a sensação da consciência imediata é de ordem 
qualitativa. 
 
6. A psicofísica e sua insuficiência 
 
No Ensaio, há um intenso diálogo implícito entre Bergson e alguns de seus 
contemporâneos14. Weber, Fechner e Wundt, os principais, se enquadram no grupo de 
psicofísicos, ao qual Bergson endereça suas principais críticas. O que há no coração 
desta psicofísica, portanto, é um equívoco conceitual. Isto é, ela toma como homogêneo 
o mundo natural e a vida psicológica. 
O fisiólogo e anatomista E.H. Weber (1795-1878), conduzido por pesquisas a 
respeito das sensações – sobretudo tácteis e visuais – que conseguiu passar do domínio 
da fisiologia ao da psicologia. Em síntese, a conclusão de Weber foi que a quantidadede excitação necessária para discernir uma primeira sensação de uma segunda deve estar 
em relação constante e determinável com a sensação inicial. Se a quantidade aos poucos 
vai aumentando, a sensação inicial permanece inalterada. Para o sujeito perceber este 
aumento, ou que perceba uma sensação diferente – sinalizando a transposição de um 
limiar da consciência – é preciso que ocorra um aumento de certa importância, que seja 
proporcional à quantidade da primeira sensação. Daí a “lei” de Weber, segundo a qual: a 
 
13 Cf. La sensation du poids, 1945, p.48. 
14 Também encontramos no Ensaio (1945, p.53-56) uma passagem sobre a psicofísica de Jean Delboeuf. 
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excitação cresce ou decresce de forma contínua, a sensação de forma descontínua e, a 
quantidade de excitação equivalente a um limiar diferencial encontra-se numa relação 
fixa com a excitação inicial. 
Bergson endereçou uma crítica, no Ensaio, ao psicólogo alemão G. T. Fechner 
(1801-1887)15, que por sua vez foi quem partiu da lei dada por Weber.A fórmula de 
Weber poderia ser descrita da seguinte maneira: dada certa excitação que provocaria 
uma sensação, a quantidade de excitação que é preciso acrescentar à primeira, de modo 
com que a consciência perceba uma mudança, estará com ela em uma constante relação. 
Ora, as sensações não podem ser medidas, entretanto, é possível medir seus estímulos 
causadores. Ao determinar o limite diferencial das sensações – de uma menor para uma 
maior, por exemplo – utilizamos duas sensações que são diferentes somente 
perceptivelmente. Tal diferença perceptível, Fechner chamou de unidade de medida da 
sensibilidade. 
A psicofísica encontra-se justamente na seguinte passagem, a saber: a passagem 
de uma relação entre a excitação e seu acréscimo mínimo, à equação que estabelece 
relação entre a quantidade da sensação com a excitação equivalente. Em síntese, para 
Bergson, o erro de Fechner é o mesmo: tomar a qualidade de uma sensação como 
quantidade. Cometer este erro significa juntar noções que são heterogêneas: extensão e 
inextensão, quantidade e qualidade, etc. Além disso, a psicofísica confunde, segundo 
Bento Prado Jr. (1989), a “sensação de crescimento” com o “crescimento da sensação”. 
Há uma forte tensão entre aquilo que pertence ao subjetivo e o que pertence ao 
objetivo. Do modo contrário, como pensa Bergson, para os psicofísicos a experiência 
psicológica deve corresponder ao “objetivo”, aos fatos, ou seja, àquilo que pode ser 
mensurável. Tal procedimento, na visão de Bergson, representa uma conduta 
inadequada, ou seja, um modo impreciso de descrever a consciência. 
Com efeito, a prática dos psicofísicos faz desaparecer a subjetividade, bem como 
a qualidade dos estados psicológicos. Sobre esta tensão e suas implicações, o 
comentador de Bergson nos diz que: 
 
A subjetividade deixa de ser pura presença interna, para tornar-se 
paradoxalmente, em objeto, realidade externa inabarcável, cujo 
reconhecimento é tarefa infinita, isto é, susceptível de uma 
perfectibilidade sempre aberta e futura. [...] O psicólogo, ao recorrer a 
esse tipo de causalidade, ausenta-se da experiência interna e tematiza 
 
15 Cf. La psychopsysique ( 1945, p.56-60). Pode-se ler no Ensaio uma cuidadosa e rigorosa análise de 
Bergson a propósito das fórmulas de Fechner, bem como de algumas de suas propostas. 
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justamente o que está necessariamente ausente da consciência direta. 
Ele dissolve a carne da experiência no ácido do esquematismo 
mecanicista e a reduz ao tênue universo dos conceitos da física 
(PRADO JR., 1989, p.80). 
 
O psicofísico recorre ao laboratório para comprovar suas teses, permanecendo 
sempre no plano objetivo, conferindo apenas a possibilidade da observação exterior, 
esquecendo-se do subjetivo, da qualidade. Daí que a tensão entre subjetivo e objetivo 
torne-se cada vez mais incessante. 
 
7. Considerações finais 
 
A crítica à psicofísica realizada por Bergson resulta em algumas conclusões. Em 
primeiro lugar, o diagnóstico de Bergson a respeito da má conduta da psicofísica, 
denuncia que esta disciplina é insuficiente para descrever os estados psicológicos. A 
crítica de Bergson, nesse sentido, se dá no âmbito metafísico, procurando mostrar que, a 
psicofísica atuando no plano da consciência, isto é, do psíquico, demonstra uma 
incompatibilidade entre o método e o seu objeto. Para Bergson é evidente que a 
consciência deve pertencer ao âmbito da psicologia metafísica e não da psicologia 
empírica; razão disto é que a metafísica seria o conhecimento da pureza. A consciência 
é considerada um objeto privilegiado, na medida em que ela “apresenta-se” com mais 
facilidade: conhecemos com maior facilidade a nossa própria consciência. 
Segundo, o alcance filosófico resultante da crítica à psicofísica é de grande 
relevância, porque ao mostrar a insuficiência da psicofísica, Bergson proporciona um 
novo modo de compreendermos a consciência, a saber, como “multiplicidade 
qualitativa” (1945). Em face de uma tradição que, na visão de Bergson, compreendia a 
consciência de modo problemático, a redefinição bergsoniana da consciência apresenta-
se como uma novidade na filosofia. Na medida em que Bergson (1945) propõe a 
consciência como “multiplicidade qualitativa” ou “progresso qualitativo”, instala-se a 
concepção de duração (durée). A duração é a realidade que designa a sucessão temporal 
da consciência. Ou seja, a duração é uma sucessão qualitativa dos estados da 
consciência que, solidariamente, se interpenetram constantemente. 
Em suma, a duração é a essência da consciência (1945). A consciência, segundo 
o pensamento de Bergson, é o movimento de sucessão dos estados psicológicos que se 
dá, reciprocamente, em interpenetrações: um estado misturando-se com outros. A 
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duração bergsoniana é oposta a concepção de tempo homogêneo. O tempo homogêneo 
caracteriza-se como algo que possui conjuntos de elementos suscetíveis de 
decomposição. Este movimento, ao qual Bergson chama de duração, é algo heterogêneo 
e é algo que possui uma continuidade. Apesar de a vida psíquica possuir o aspecto de 
continuidade, há uma multiplicidade que não se identifica com a multiplicidade 
numérica. De acordo com Bergson (1945), a duração, no momento em que dividi-se, 
muda de natureza e, portanto, não identifica-se com a homogeneidade. Neste sentido, a 
duração bergsoniana consegue unificar duas noções aparentemente inconciliáveis: 
continuidade e heterogeneidade. Na duração tudo se modifica o tempo todo e, 
justamente por isso, ela é um processo dinâmico. Nas palavras de Bergson: 
 
Considerados em si mesmos, os estados da consciência profundos não 
têm nenhuma relação com a quantidade, eles são qualidade pura; 
misturam-se de tal maneira que não se pode dizer se são um ou vários, 
nem sequer examiná-los sob este ponto de vista sem logo os 
desnaturar. A duração que assim criam é uma duração cujos 
momentos não constituem uma multiplicidade numérica (1945, p.110, 
tradução nossa). 
 
Concluímos que a crítica à psicofísica na filosofia de Bergson possui um alcance 
de grande relevância para a filosofia. Foi possível perceber, ao longo das análises de sua 
obra, o Ensaio, que sua crítica não permanece presa e reduzida ao interior da psicologia 
empírica. Ao invés disto, a crítica à psicofísica abre para repensarmos a consciência de 
um novo modo. Esta novidade consiste justamente em pensar a consciência como 
duração. 
 
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