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Antecedentes da Revolução de Outubro na Rússia

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ANTECEDENTES A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO: A ANÁLISE DO MARX 
TARDIO E O DIÁLOGO COM O POPULISMO CLÁSSICO RUSSO 
Rafael Watanabe 
RESUMO 
Quais as possibilidades de uma revolução socialista no final do século em uma Rússia, cujas 
características principais refletiam em “atraso” industrial, econômico e social, se pensada 
em comparação com a dita Europa evoluída? Tal revolução realizar-se-ia? Quais rumos 
tomaria em um país de bases majoritariamente agrárias? De que forma tal revolução poderia 
lograr a Emancipação Humana? Estas, dentre outras, foram as questões colocadas, em 
diversos momentos, a Marx, em fins do século XIX. O presente trabalho tem por objetivo 
debater as análises efetuadas sobre estas questões nos últimos anos de vida de Marx, aonde 
este aparece enquanto “um Marx herético, crítico do marxismo e de si mesmo”; ao mesmo 
tempo, em que visa clarificar um diálogo cuja importância singular só é superada pela 
obnubilação e “esquecimento” de suas premissas. Tratar-se-á, fundamentalmente, da relação 
dialógica do fundador do materialismo histórico crítico dialético com N. K. Michailovski 
que foi, o mais divulgado e amplamente conhecido expositor do pensamento prático-político 
do populismo russo em sua fase clássica, ou seja, na década de 70. 
Palavras chave: Marx Tardio; Antecedentes da Revolução de Outubro; Populismo Clássico 
Russo 
 ABSTRACT 
What are the possibilities of a socialist revolution at the end of the century in a Russia, whose 
major features reflected in industrial, economic and social "backwardness", if compared to 
the so-called evolved Europe? Would such a revolution take place? What course would you 
take in a country with mostly agrarian bases? How could such a revolution achieve Human 
Emancipation? These, among others, were the questions posed at various times to Marx in 
the late nineteenth century. The purpose of this paper is to discuss the analysis of these issues 
in the last years of Marx's life, where Marx appears as "a heretical Marx, a critic of Marxism 
and himself"; At the same time, to clarify a dialogue whose singular importance is only 
overcome by obnubilation and "forgetting" of its premises. It will be, fundamentally, the 
dialogical relationship of the founder of dialectical critical historical materialism with N. K. 
Mikhailovsky who was the most widely publicized and widely known expositor of the 
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practical-political thinking of Russian populism in its classical phase, that is, in the decade 
of 70. 
Keywords: Late Marx; Background to the October Revolution; Russian Classic Populism 
 
I. INTRODUÇÃO 
Como é manifesto tanto Marx quanto Engels dedicaram-se em momentos diversos a 
análises acerca das formas das sociabilidades históricas. Entre os escritos que enredam as 
concepções de nossos autores, cabe ressaltar: A Ideologia Alemã, Miséria da Filosofia, os 
artigos sobre a Colonização Britânica na Índia; Futuros Resultados da Dominação Britânica 
na Índia; Formações Econômicas Pré-Capitalistas; 1 O Capital; as Notas Etnológicas de 
Karl Marx, Engels, que por sua vez expressou suas percepções sobre a história nos escritos: 
Anti-Dühring; A Marca; A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado e, por 
fim a antologia denominada Escritos sobre a Rússia. 
Com o intuito de desmistificar a estrutura da sociedade burguesa, e dar resposta a 
questão que consiste em que a redigir O Capital, pois para o autor “a anatomia da sociedade 
burguesa deve ser procurada na Economia Política” 2 tal obra teve sua primeira tradução a 
uma língua estrangeira foi feita pelo notório economista russo Nikolai Frantsevitch 
Danielson3 que, ao contrário da edição francesa lançada em fascículos entre 1872 e 18754, 
editou e publicou em russo a obra do socialista alemão de maneira integral em 1872, para 
surpresa do próprio Marx5. 
Tal obra gerou um profundo impacto e serviu enquanto corrente problematizante 
junto aos narodniks, ou seja, os populistas russos6 que a estudaram e discutiram-na de forma 
 
1 Para uma análise da concepção materialista da história em Marx até a década de 60 consultar: 
PETRONZELLI, D. L. O conceito de formações sociais pré-capitalistas na obra de Karl Marx, entre 1845 e 
1858. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/view/12704394/o-conceito-de-formacoes-
sociais-pre-utp, consultado 16/08/2017. 
2 MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Tradução e introdução de Florestan Fernandes, – 
2. ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2008, p.47. 
3 Para um exame acerca da tradução d’O Capital ao russo, os entraves desde sua primeira tentativa de tradução 
pelo revolucionário russo German Lopatin em 1868, com o caso Nechaevaté sua completa tradução e impressão 
em 1872 por Danielsón, consultar o epistolário organizado por: ARICÓ, J. (org.) Correspondencia 1868 - 
1895: Karl Marx; F. Danielson; Friedrich Engels. México, siglo XXI, 1981. Principalmente as cartas p.1; 7; 
19-20; 25 e 28-9. 
4 MARX, K. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. (trad. Rubens 
Enderle). – São Paulo: Boitempo, 2013, p.93. 
5 . MARX, K. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. 7ª edição, São Paulo, Paz e Terra, 2002, p.248. Consultar 
também: ARICÓ, J. op. cit., 1981, p. XVI. 
6 Na língua autóctone um narodnik (populista) podia significar, desde um socialista revolucionário que elegeu 
o regicídio como tática política, estudantes, intelectuais até um grande latifundiário filantropo. Cf. SHANIN, 
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entusiástica, principalmente o capítulo acerca da acumulação primitiva. Jj A partir deste, a 
interpretação e compreensão da gênese histórica estrutural7 do desenvolvimento do modo de 
produção capitalista era apreendida sob a ótica marxiana8 e, colocada em articulação com o 
problema central dos populistas russos, isto é, com a crença de que havia na passagem de 
uma forma de sociabilidade histórica a outra, em função de ritmos e itinerários diferentes, a 
possibilidade de consecução da emancipação humana, isto é, em lograr o “imperativo 
categórico de alterar todas as relações nas quais o homem é um ser rebaixado, subjugado, 
desamparado e desprezível”9, pois o povo russo poderia “saltar” as fases intermediárias do 
modo de produção capitalista, porquanto este ainda não estava arraigado em seu cerne social. 
II. A CONSTITUIÇÃO DO POPULISMO CLÁSSICO RUSSO ENTRE 1870-80 
Por estes anos houve uma importante transformação de natureza conjuntural na 
Rússia, cuja paulatina, porém progressiva industrialização levou, por um lado à 
proletarização de amplas parcelas do campesinato e, a fortiori, levou narodniks a instituir 
novas estratégias e postulados teóricos e práticos. A crescente disseminação das ideias de 
Marx na Rússia deveu-se a germinação do modo de produção capitalista naquele país, 
articulada à ampla difusão de suas obras em fins dos anos 60 e, por fim, a viragem ocorrida 
quando o movimento revolucionário russo e seus elementos mais ativos, a intelligentsia, se 
concentraram em torno das cidades em detrimento do campo. 
Por suposto a grande massa de populistas não possuía senão um 
conhecimento de segunda mão da obra; creio, entretanto, que a influência 
de Marx alcançou inclusive aqueles populistas que jamais leram algum de 
seus livros; que a descrição que fez Marx das atrocidades da acumulação 
primitiva e da Revolução Industrial na Inglaterra, sua teoria da mais-valia 
e sua crítica do caráter “formal” da “democracia política burguesa”, foram 
 
T. “El ultimo Marx: dioses e artesanos.” In: SHANIN, T. (org.). El Marx Tardio y la via Rusa. Marx y la 
periferia del capitalismo. Madrid, Editorial Revolución, 1990, p.21. Há substanciais diferenças entre o 
populismo oriental e ocidental. O primeiro se fez contra e externamente ao Estado, era dirigido ao campesinatopor intelectuais que propunham um programa revolucionário e socialista, o último fez-se intrínseca e a partir 
do Estado voltado, sobretudo, aos trabalhadores urbanos, liderado por caudilhos que buscavam reformar o 
capitalismo. Consultar: FERNANDES, R. C. Dilemas do Socialismo. A controvérsia entre Marx, Engels e os 
Populistas Russos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 15. 
7 Para o conceito de gênese genético estrutural cf. ZELENY, J. La estructura lógica de “El Capital” de Marx. 
Ediciones Grijalbo, España.1974. 
8 Para a distinção de conceitos como marxismo, marxiano etc., consultar: HAUPT, G. “Marx e o Marxismo” 
In: HOBSBAWM, E et. alii. (orgs.). História do marxismo. Vol. I O marxismo no Tempo de Marx. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 1983. cap. IX, p.347-71 
9 MARX, K. apud. DEMIROVIC, A; MAIHOFER, A. “Crise múltipla e crise das relações entre gêneros.” In: 
Crítica Marxista, n.40, São Paulo: UNICAMP, 2015, p.10. 
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adaptadas de imediato ao pensamento populista e convertidas em parte 
integral dele.10 
O ano de 1869 foi um momento de crucial importância para o movimento socialista 
revolucionário moscovita devido ao surgimento de três obras que tornar-se-iam três 
documentos fundantes do Populismo Clássico Russo11. O recorte deste artigo, nos leva a 
limitarmo-nos a uma análise do artigo de Michailovski “O que é o progresso?”12 e no 
fragmento de um artigo à revista Otechestvenyae Zapiski (Anais Patrióticos)13. 
A tentativa em encontrar uma forma de sociabilidade histórica distinta da via 
capitalística europeia era o que se propunham a responder. Tal possibilidade estava dada, 
visto que a “ Rússia não vive isolada do mundo moderno, tampouco foi vítima de algum 
conquistador estrangeiro”14, portanto poderia apropriar-se do nível cumulativo de 
desenvolvimento das forças produtivas logrado pelo ocidente, isto é, dos progressos, 
tecnológicos e científicos, mecânicos e sociais, em suma de todo o savoir a faire próprio do 
modo de produção capitalista, sem estabelecer esta tipologia societária de organização, o 
grande problema gravitava em torno de como isto seria realizado? Suas respostas apontavam 
à “aceleração através do salto de fases históricas” conceito esboçado por Tchernichevski: 
Quando certos fenômenos sociais em determinada nação alcançam um 
estado avançado de desenvolvimento, a evolução dos fenômenos até este 
mesmo estado em nações atrasadas pode alcançar-se muito mais 
rapidamente que na nação adiantada [...] Esta aceleração consiste no fato 
de que o desenvolvimento de certos fenômenos sociais nas nações 
atrasadas, graças às influências das nações adiantadas, evitar-se-ia a etapa 
intermediária e saltar-se-ia diretamente de uma etapa inferior a outra 
superior.15 
Articulado a isto, a propriedade coletiva da terra, “livre dos elementos deletérios que 
lhe acossavam”; a posse dos instrumentos de trabalho que deveriam pertencer a todo o povo 
e, sem exceção, qualquer trabalhador teria o direito inalienável ao usufruto destes, figuravam 
enquanto reivindicações prementes e constantes, tanto nos artigos programáticos dos 
 
10 IONESCU, GHITA; GELLNER, ERNEST. (orgs.) Populismo: sus significados y características nacionales. 
Amorrortu editores, Buenos Aires, 1969, p.100. 
11 WALICKI, A. op. cit. 1971, p.25. 
12 A reprodução deste artigo pode ser consultada em: FERNANDES, R. C. op. cit., 1982, p.81-5. 
13 Os outros dois escritos são: o livro de Lavrov “Cartas Históricas” e livro de Flerovski, “A situação da classe 
trabalhadora na Rússia”, 
14 Cf. Marx em carta à populista Vera Zasulitch. MARX, K; ENGELS, F. Escritos sobre Rusia II. El porvenir 
de la comuna rusa. Cuadernos de pasado y presente. México, 1990, p.32. MARX, K; ENGELS, F. Lutas de 
classes na Rússia. São Paulo: Boitempo, 2013, p.89-90 
15 Tchernichevski apud. Haruki Wada: “Marx y la Rusia revolucionaria” In: SHANIN, T. (org.). El Marx 
Tardío y la vía Rusa. Marx y la periferia del capitalismo. Madrid, Editorial Revolución, 1990, p.69. 
5 
 
 
 
partidos, quanto na imprensa legal e clandestina – note-se de nesta última assinava como 
Groniar – cujo principal divulgador foi Michailovski; que expressava essencialmente as 
mesmas ideias, ou seja, as ideias dos socialistas revolucionários russos e, com seus escritos, 
logrou cooptar a opinião pública. 
Em sua conclusão sobre “o que é o progresso” considerou “que a única medida segura 
de progresso social era o incremento do nível de vida da maioria.”16 Dessarte os Populistas 
consideravam que o bem-estar dos produtores diretos, isto é, do povo laborioso consistia na 
“única (forma objetiva, real e efetiva) de medida do progresso”. A obchtchina, isto é, a 
comuna campesina rural era o centro das análises do Populismo Clássico Russo, “não 
impedir o livre desenvolvimento do princípio comunal” 17, constituiu o ponto nevrálgico na 
questão do populista no que tange ao eixo de reorganização socioeconômico. 
III. O DIÁLOGO ENTRE N. K. MICHAILOVSKI E O MARX TARDIO 
Baseados no vigésimo quarto capitulo de O Capital – uma narrativa que retrata a 
dramática história aonde cada vez mais os indivíduos foram repentinamente separados dos 
meios de produção de sua vida material, divorciados dos meios de sua subsistência através 
de violentos métodos da acumulação ordinária do capital, e enfim, tornados “livres”, isto é, 
livres para vender-se ao melhor preço ao mercado e além disso, dos meios mais básicos para 
produzir sua vida material – os populistas refletiam acerca da paulatina corrupção do Estado, 
sobre as leis sanguinárias que possibilitaram a massiva expropriação que engendrou a 
sociedade burguesa em Rússia etc. e, principalmente como aquela narrativa poderia clarificar 
o estágio histórico específico que viviam. 
Críticas positivas e originais surgiram em diversos periódicos russos18, contudo nem 
todas seguiram este viés, o economista liberal vulgar Juli Jukovski, fez, a partir de sua 
rudimentar interpretação da concepção materialista da história, severas críticas, em sua 
recensão: Karl Marx e seu livro O Capital.19 
 
16 SHANIN, T. op. cit., 1990, p. 23. 
17 Cf. Danielsón em carta à Marx de 10 (22) mai. 1873. In: ARICÓ, J, op. cit., 1981, p.70-1. 
18 Consultar as cartas de Danielson à Marx 20-25 jul. (1-6 ago.) 1872; 23 fev. (7 mar.) 1874. In: ARICÓ, J. op. 
cit., 1981, p. 30; 86-7 respectivamente. Em seu livro Karl Korsch reproduz a crítica de I. I. Kaufman – que, 
segundo Korsch, não pode de modo algum ser implicado como simpatizante do socialismo – surgida em maio 
de 1872 no Correio de Petersburgo onde se lê, entre outras coisas, que em O Capital: “[...] apesar da forma 
filosófica-idealista de sua exposição em sentido alemão, isto é, no mau sentido, Marx é de fato infinitamente 
mais realista que todos os seus predecessores em questões de crítica econômica”. Cf. KORSCH K, Karl Marx. 
Editorial Ariel España, 1975, p.74. 
19 Cf. SHANIN, T. (org.) op. cit., 1990, p.80. 
6 
 
 
 
N. K. Michailovski redator do periódico Otechestvenye Zapiski se envolveu neste 
debate como o ensaio Karl Marx sob o julgamento do Sr. Ju Jukovski. Nesta inicial e 
complexa fase dialógica desempenhou um papel de primeiro plano.20A sua intenção foi 
depreendida por seus pares como apologia de Marx, porém, uma defesa estruturada e 
articulada sob as posições doutrinárias do populismo russo, que pretendiam um 
desenvolvimento histórico distinto para Rússia daquele vivenciado pelos povos da Europa 
ocidental.21 “A sétima parte de O Capital é intitulada A Assim Chamada Acumulação 
Primitiva. Marx pretendia traçar aí um esboço histórico dos primórdios do modo de 
produção capitalista mas conseguiu muito mais: traçou toda uma teoria histórico-filosófica. 
É uma teoria muito interessante, particularmente para nós, russos.”22 
Quando descreveu a importância da obra dofilósofo alemão, e definiu-o como 
elaborador de toda uma “teoria histórico-filosófica”, Michailovski expressou-se com uma 
conceitualização extemporânea à Marx, todavia corrente em sua pátria e que não conotava 
um sentido negativo, porém foi entendida como uma designação depreciativa, o que, com 
efeito, engendrou uma dissonância, um imbróglio interpretativo entre eles.23 
A “crítica” de Michailovski e de outros narodniki, não sem razão se se aplica mal o 
princípio investigativo-demonstrativo crítico dialético de Marx, era a “crítica de um marxista 
a seu mestre, desde dentro, com respeito e simpatia”24 em relação a sua concepção histórica. 
Ou melhor, dirigia-se ao que ele, em parte, como também outras frações do populismo russo, 
acreditavam caracterizar o lapso na concepção marxiana, a saber: a falácia, muito difundida 
em solo moscovita, de que Karl Marx concebia o movimento social como um processo 
histórico evolucionista naturalista25. Sob esta “interpretação” que pressupunha um acordo 
essencial e um paralelismo íntimo entre o desenvolvimento teórico histórico de Marx e a 
evolução das espécies darwinianas26 o estudioso Andrzej Walicki objeta que estas distorções 
 
20 TVARDOVSAIA, V. A. op. cit., 1978, p. 33-34. 
21 DUSSEL, E. El Último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana. México, Siglo XXI, 1990. p.253. 
22 FERNANDES, R. C. op. cit., 1982, p.155. 
23 Cf. DUSSEL, E. op. cit., 1990, p. 246-69. 
24 Idem Ibidem., p.253. 
25 Idem Ibidem., p. 246. Em nota de rodapé Enrique Dussel chamou a atenção à publicação da revista populista 
Vietñiki levropi, e destacou que um dos aspectos que interessavam aos narodniki era o problema das “leis dos 
fenômenos” que os levava a concluir: “Marx concebe o movimento social como um processo de história 
natural.” Perspectiva sustentada por fileiras da II Internacional e metamorfoseada em cânone por Iossif Stalin 
e sua teoria dos “Cinco Estágios”. Consultar: DEL ROIO, M. (org.) Marxismo e Oriente: quando as periferias 
tornam-se os centros. – Marília: SP. Ícone, 2008. p.51-67. 
26 WALICKI, A. Populismo y marxismo en Rusia. Editorial Estela, España, 1971, p. 151. 
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ocorreram em decorrência das generalizações contidas no prefácio à primeira edição alemã 
de O Capital. 27 
Ao descrever o modo de apropriação capitalista, a propriedade privada como negação 
original da propriedade individual baseada em trabalho próprio, o sociólogo russo 
transcreveu longas passagens do vigésimo quarto capítulo d’O Capital para demonstrar 
“todas as crueldades da miséria, humilhação, opressão impostas às massas por este 
processo”28 e argumentou, ao tornar a citar Marx: “mas a produção capitalista gera sua 
própria negação, com a fatalidade de um processo natural”, não obstante, as pequenas 
oscilações de sua argumentação questionou constante e peremptoriamente a fatalidade 
determinista “em Marx”, laudatório concluiu em sua exposição: 
Está é, em síntese, a visão histórico-filosófica de Marx. Não é por acaso 
que ela foi registrada no capítulo sobre a “acumulação primitiva” e é 
corroborada por diversas passagens do imenso volume de O Capital, bem 
como por outros trabalhos de Marx. [...] É uma imagem provável, pois o 
perfil científico de Marx inspira, sem dúvida, a maior confiança, e a teoria 
exposta acima apóia-se em uma excelente fundamentação material, em 
termos lógicos ela é um todo bem ordenado e, por isso mesmo atraente.29 
De fato o sociólogo russo aceitou a exposição de Marx no que tange a acumulação 
originária do capital visto que em sua interpretação, aquela era a síntese exata do 
desenvolvimento histórico e do curso social que tomou a Europa ocidental ao evolucionar e, 
além disto, possível devenir à Rússia, porquanto definiu “o dilema do marxista russo”30 de 
tal modo que, em caso da Rússia não lograr seguir a via histórica de desenvolvimento 
ambicionada pelos narodniki, ou seja, a via socialista, sofreria os percalços e as demais fatais 
vicissitudes decorrentes do modo de produção capitalista. 
Conjunturas desanimadoras aos revolucionários russos que perscrutavam, através da 
obra de Marx, sua futura condição de uma vida alienada e subjugada “à máquina, pela 
mutilação dos organismos de mulheres e crianças, pela vida pesada, etc.”31, enfim, 
 
27 WALICKI, A. “Rusia”. In: IONESCU, G; GELLNER, E. (org.) op. cit., 1969, p. 107. 
28 FERNANDES, R. C. op. cit., 1982, p.161. 
29 FERNANDES, R. C. op. cit., 1982, p.161-2. 
30 Assim se denominava parte do texto de Michailovski publicado na revista Otechestvenye Zapiski nº10 de 
outubro de 1877. A esse fragmento Marx dedicou algumas linhas em resposta. Karl Marx recebeu este exemplar 
da revista, cerca de um mês após sua publicação. Cf. ARICÓ, J, op. cit., 1981, p. 92-5. Carta de 15 nov. 1877. 
31 Passagem de O Capital citada no artigo de Michailovski: “O Dilema do Marxista Russo.” In: FERNANDES, 
R. C. op. cit., 1982, p. 159. 
8 
 
 
 
vislumbravam a tétrica trajetória que os conduzia paulatinamente a semelhante “moinho 
satânico” que na Europa ocidental “triturou os homens transformando-os em massa”32 
Não somente técnica, mas sobretudo historicamente “atrasada”, as condições sociais 
russas diferiam qualitativa e quantitativamente de outros países, segundo a interpretação de 
Michailovski, se para Marx e para Europa, a mais árdua e degradante exploração já havia 
ocorrido, ou seja, encontrava-se em um passado relativamente distante, para Rússia se 
mostrava enquanto uma condição que invertia os termos da relação, isto é, mostrava-lhes ao 
invés do passado, um presente-futuro, aos quais os narodniki relutavam acolher33. 
Cabe ressaltar que o artigo, apesar de ser uma resposta específica a Ju Jukovski, ao 
mesmo tempo tinha também como função o debate teórico com outras vertentes do 
populismo, nomeadamente, os “lavrovistas” que conclamavam a necessidade de organização 
das massas camponesas, a restituição de suas terras, liberdade de palavra etc., portanto 
predicavam o retorno às tradicionais estratégias. Por outro lado, o artigo visava combater os 
demais vieses políticos que proferiam, supostamente embasadas em O Capital, a inelutável 
necessidade em desenvolver o modo de produção capitalista na Rússia, pressupondo a 
inexpugnável “necessidade histórica” de todos os povos, sem exceções, em percorrer todos 
e os mesmos estágios de desenvolvimento histórico, e somente após isto, impetrar graus mais 
elevados de desenvolvimento social.34 Tal exegese atribuía, necessariamente, à concepção 
materialista da história uma unilateralidade intransigente, por sua vez “Michailovski, com 
seu habitual sarcasmo e escárnio esquivou-se de tais exames reducionistas e considerou-os 
típicos da posição liberal”35 disto sua observação irônica: 
O seu ideal, se é um discípulo de Marx, inclui, entre outras coisas, o 
princípio de que o trabalho deve ser harmonizado com a propriedade, de 
que a terra, as ferramentas, os meios de produção devem pertencer aos 
operários. Ainda mais, se é um discípulo de Marx e se compartilha de sua 
visão histórico-filosófica, deve alegrar-se com o advento da separação 
entre trabalho e propriedade, com o rompimento dos vínculos entre os 
operários e as condições de produção, pois estes são os primeiros passos 
necessários a um processo que, no final das contas, é moralmente positivo. 
Deve, portanto, conformar-se com a negação dos princípios do seu próprio 
ideal. Naturalmente, este conflito entre o sentimento moral e a necessidade 
histórica deve ser revolvido em favor da necessidade. Alguém pode 
revoltar-se moralmente até mesmo contra a morte, contudo há de chegar o 
momento em que será jogado com todo o seu protesto moral dentro de uma 
 
32 POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. 2.ed.- Rio de Janeiro: Compus, 2000, 
p.51. 
33 Cf. Michailovski “O Dilema do Marxista Russo.” In: FERNANDES, R. C. op. cit., 1982, p.163. 
34 DUSSEL, E. op. cit., 1990, p.245 e ss. 
35 TVARDOVSKAIA, V. A. op. cit., 1978, p.161. 
Comentado [RW1]: Continuar revisão a partir deste ponto 
9 
 
 
 
cova igualzinha àquelas em que são jogados os que nunca pronunciaram 
uma palavra de protesto. Mas o problema é que é preciso ter uma certeza 
total de que o processo histórico é de fato e inevitavelmente como 
apresenta Marx. Em breve veremos que ele pode ser corrigido a partir das 
ideias do próprio Marx.36 
Ao “naturalmente” observar as conjunturas históricas da realidade concreta, a 
problemática questão sobre o que fazer encontrava sua solução no axioma em que: “se o mal 
existe é preciso combatê-lo com meios brutais, com o terror. Pisotear a liberdade pessoal, a 
dignidade pessoal do homem é sempre o maior dos males e o mais grave dos crimes.”37 
Dessarte e, segundo as conclusões do Populismo Clássico Russo que fazia sua a opinião 
expressa por Michailovski, havia a necessidade inadiável em modificar de modo radical 
aquela sociedade na qual imperavam desmedidas e atrozes imposições ditadas pelo Estado 
e classes dirigentes que “durante séculos haviam considerado o camponês como bestas de 
carga cuja única função era servi-los”38 portanto não se tratava de interpretar o mundo e se 
indignar com estas barbáries, senão tratava-se transformá-lo.39 
Ainda sobre a “questão moral” mencionada por Konstantinovitch, aquelas parcas 
linhas são os reflexos dos intensos debates no cerne do movimento narodniki que pouco 
tempo depois culminariam no cisma de Zemlia i Volia. Com relação às duras determinações 
tzaristas contra os populistas, tal como a primeira corte marcial contrarrevolucionaria40 e, 
em antítese aos “apóstolos da revolução pacífica” que preconizavam a elevação do grau da 
consciência do povo, afirmavam: “O governo nos declara guerra e queiramos nós ou não nos 
aniquilará.” Sua conclusão lógica: “Naturalmente, podemos inclusive não nos defender, mas 
me atreveria em dizer que, até agora ninguém ganhou nada com esse tipo de posição. Nosso 
interesse é passar à ofensiva e eliminar de nosso caminho esse molesto obstáculo que não 
nos permite movermos como deveríamos.”41 Esta questão por si só é um tácito indicativo da 
premência à luta política, assim como, da percepção de um conjunto original de problemas, 
da necessidade de novas estratégias à práxis narodniki, por fim, representou a crítica dos 
velhos dogmas como a crença no espírito revolucionário inato do camponês russo. 
Esta nevrálgica “questão moral” deveu-se, segundo Tvardovskaia, principalmente ao 
fato de alguns dos populistas aproximaram-se da vida real e confrontaram o seu programa 
 
36 FERNANDES, R.C. op. cit., 1982, p.164. 
37 MICHAILOVSKI apud. TVARDOVSKAYA, V. A. El Populismo Ruso. Siglo XXI Editores, España, 1978, 
p.35. 
38 TVARDOVSKAIA, V. A. op. cit., 1978, p.196. 
39 Uma opinião que lembra em muito a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach. 
40 TVARDOVSKAIA, V. A. op. cit., 1978, p.24. Processo contra os populistas de Odessa de 2 de agosto 1878. 
41 Idem ibidem., p.131. 
10 
 
 
 
político com as exigências da realidade material, outros por sua vez se esforçavam 
tenazmente para adaptar a realidade ao programa e recusavam em bloco toda manifestação 
fenomênica que dele diferisse, Michailovski observou: “a maioria não tem mais que um 
desejo: bater-se a fundo contra o poder estatal”, entretanto para outros “a teoria tem um peso 
muito superior a da lógica dos fatos: eles, naturalmente, não compartilham essa posição”.42 
Ao convidar-nos a imaginar um russo que “não viva nas esferas das abstrações puras” 
que “não seja indiferente aos aspectos práticos” da realidade concreta e, com efeito, tenha 
percebido que o “processo de sociabilização do trabalho”, em outras palavras, o 
desenvolvimento do modo de produção capitalista na Rússia, havia feito “poucos 
progressos” até então, fez clara crítica à fileira dos “populistas puros”, Michailovski 
procurou fazê-la “a partir de Marx” quando mencionou de maneira depreciativa Herzen 
enquanto “beletrista que descobriu a comuna rural russa não na Rússia, mas no livro do 
conselheiro de Estado prussiano Haxthausen” criticou o mimetismo dos primeiros que se 
aproximavam do ocidentalismo de Herzen.43 
Tendo em vista que a determinação essencial que regia os ideais da vanguarda dos 
populistas revolucionários russos sempre foi a transformação da estrutura social por meio da 
práxis revolucionária, ou seja, a concepção comumente aceita entre os narodniki de que “o 
revolucionário não prepara a revolução, ele a faz”,44 para Michailovski: 
[...] não é difícil entender como Marx deve se posicionar diante das 
tentativas dos russos para encontrarem um caminho de desenvolvimento 
para a sua pátria diferente daquele que foi e é seguido pela Europa 
Ocidental. (tentativas para as quais, como já se disse muitas vezes, não é 
necessário ser filoeslavo, nem manter uma fé mística na pretensa 
característica única e sublime da alma nacional russa, basta aproveitar as 
lições que nos são dadas pela história da Europa). Estas mesmas 
afirmações de Marx podem ser interpretadas justamente para explicar a 
necessidade que temos de insistir nestas tentativas.45 
O artigo do sociólogo russo para a revista Otechestvenye Zapiski evidenciou as 
imanências formativas da ala mais herética do populismo russo, a saber: a recusa em aceitar 
de maneira mecânica a teoria materialista histórica, a rejeição do predicado retorno ao 
“populismo ortodoxo de direita” e seu corolário programático de “conscientização das 
 
42TVARDOVSKAIA, V. A. op. cit., 1978, p.44. 
43 Nicolau Konstantinovitch Michailovski cita uma menção de Karl Marx a Herzen que consta no prefácio à 
primeira edição alemã de O Capital. 
44 TVARDOVSKAYA, V. A. El Populismo Ruso. Siglo XXI Editores, España, 1978, p.214. É notável a 
proximidade com a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach. 
45 FERNANDES, R.C. op. cit., 1982, p.163. 
11 
 
 
 
massas”, a fortiori, recusaram de modo taxativo a suposta necessidade em desenvolver o 
capitalismo em terras moscovitas. A reprodução do transcurso histórico da Europa ocidental 
à Rússia, isto é, o determinismo fatalista que pressupõem que todos os povos devem 
percorrer os mesmos e idênticos estágios históricos de desenvolvimento foi veementemente 
negado pelo próprio Karl Marx em missiva escrita, entretanto nunca enviada, à redação de 
Otechestvenye Zapiski.46 Carta esta que compõe mais um dos importantes documentos 
históricos, imprescindíveis à reconstrução da teoria materialista histórica crítica dialética, 
que parece ter sido deixado por ditos “marxistas” “à crítica roedora dos ratos”. 
Após estudar cuidadosa e minuciosamente a conjuntura russa Marx chegou ao 
resultado, expresso nos esboços que serviriam enquanto resposta à Otechestvenye Zapiski: 
“se a Rússia prosseguir no rumo tomado depois de 1861, ela perderá a melhor chance que a 
história jamais ofereceu a um povo, para, em vez disso, suportar todas as vicissitudes fatais 
do regime capitalista”.47 A missiva não informa as condições necessárias para livrar-se deste 
caminho capitalista, as breves analogias, assim como a propositada obscuridade se deviam 
a situação de legalidade em que era publicada a revista, portanto, não se poderia falar 
abertamente em revolução proletária. 
Contudo em carta a Sorge datada de setembro de 1877 há algumas observações 
pertinentes ao possível desenrolar das conjunturas russas que, infelizmente, não se 
realizaram como o previsto. Não obstante, Karl Marx delineou o quadro que ensejou a 
Revolução de Outubro, ou seja, a situação belicosa e a desorganização interna do Estado 
russo em consequência da guerra entre outrosfatores: 
Esta crise é uma nova viragem à história da Europa. A Rússia – eu estudei 
a situação deste país com base em fontes originais em língua russa, oficiais 
e não oficiais – tem estado durante um longo período às margens da 
revolução. Todos os fatores para a revolução já estão presentes. Os valentes 
turcos, com o valente golpe que tem assestado não só ao exército e as 
finanças russas senão também a dinastia que comanda o exército..., tem 
adiantado em muitos anos a data da explosão. A mudança começará com 
uma comédia constitucional. [Logo haverá confusão e desordem] Se a Mãe 
Natureza não for extremamente dura conosco, talvez vivamos para ver o 
delicioso dia da cerimônia. Desta vez a revolução começa no Oriente, o 
mesmo Oriente que até agora temos considerado como apoio invencível e 
reserva da contrarrevolução.48 
 
46 Marx não chegou enviar a carta à redação da revista por, segundo Engels, acreditar que seu nome poderia 
dificultar ou até mesmo colocar em perigo a existência do periódico, que era publicado de forma legal em São 
Petersburgo. Cf. MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 2013, p.58; FERNANDES, R.C. op. cit., 1982, p.158. 
47 MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 2013, p.66. 
48 Marx em missiva à Sorge apud., SHANIN, T. (org.) op. cit., 1990, p.78-9 
12 
 
 
 
Por outro lado, Karl Marx na carta engavetada, foi taxativo quando negou a criação 
de uma teoria histórico-filosófica de validade universal cujo corolário, segundo o filosofo 
alemão caracteriza-se por uma rígida e intransigente unilateralidade do evolver histórico. 
No entanto, que aplicação para a Rússia pode fazer meu crítico deste 
esboço histórico? Apenas isto: se a Rússia tende a se tornar uma nação 
capitalista, a exemplo dos países da Europa Ocidental, e, certamente, nos 
últimos anos tem estado muito agitada para seguir esta direção, não 
conseguirá sem transformar primeiro em proletários boa parte de seus 
camponeses; e, em consequência, depois de chegar ao coração do sistema 
capitalista vai experimentar suas leis impiedosas como outros povos 
profanos. Isso é tudo. Mas não é para meu crítico. Ele se sente obrigado a 
metamorfosear meu esboço histórico da gênese do capitalismo na Europa 
Ocidental em uma teoria histórico-filosófica da marcha geral que o destino 
impõe a todos os povos, sejam quais forem as circunstâncias históricas em 
que se encontrem, de modo que eles podem finalmente chegar à forma da 
economia, que vai garantir, juntamente com a expansão das forças 
produtivas, do trabalho social, o desenvolvimento do homem em todos e 
cada um de seus aspectos. Isto me traz demasiada honra, e ao mesmo 
tempo, demasiado escárnio.49 
Estas breves indicações constituem parte importante da missiva em resposta ao artigo 
do sociólogo russo; Karl Marx prosseguiu com a desmistificação do vigésimo quarto 
capítulo de sua opus magnum e apresentou as correções feitas no ano de 1875 à versão 
francesa e complementou: 
O capítulo sobre a acumulação primitiva visa exclusivamente traçar a rota 
pela qual, na Europa ocidental, a ordem econômica capitalista saiu das 
entranhas da ordem econômica feudal. Portanto, ele acompanha o 
movimento que divorciou o produtor de seus meios de produção, 
transformando o primeiro em assalariado (proletário, no sentido moderno 
da palavra) e os últimos em capital. Nessa história, “o que faz época é toda 
revolução que serve de alavanca para o avanço da classe capitalista em 
formação [...], sobretudo aquelas que, despojando grandes massas de seus 
meios de produção e de subsistência tradicionais, lançam-nas de modo 
imprevisto no mercado de trabalho. Mas a base de toda essa evolução é a 
expropriação dos agricultores. Ela só se realizou de um modo radical na 
Inglaterra [...]. Mas todos os outros países da Europa ocidental percorrem 
o mesmo processo etc.”50 
Ao argumentar que a passagem acerca da acumulação primitiva visa tão somente 
delinear as formas segundo as quais, na Europa ocidental, a ordem econômica capitalista 
formou-se a partir dos interstícios da ordem econômica feudal, Marx categoricamente 
 
49 MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 1990, p.64. 
50 MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 2013, p.66-7. MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 1990, p.63-4. Consultar 
igualmente: 50 MARX, K. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 
(trad. Rubens Enderle). – São Paulo: Boitempo, 2013, p.787-8. 
13 
 
 
 
limitou seu esboço das conjunturas e transformações sociais à Europa ocidental e a fortiori 
expôs seu concludente argumento quando acrescentou: 
Ao final do capítulo, a tendência histórica da produção capitalista se reduz 
a isto: “engendra a sua própria negação com a mesma fatalidade que 
conduz as metamorfoses da natureza”, que ela mesma criou os elementos 
de uma nova ordem econômica, proporcionando ao mesmo tempo o maior 
impulso às capacidades produtivas do trabalho social e ao desenvolvimento 
integral de todo produtor individual e que a propriedade capitalista, 
baseada de fato já num modo de produção coletivo, só pode transformar-
se em propriedade social.51 
Ao demonstrar historicamente que, também os camponeses da antiga Roma eram 
livres, cultivavam suas próprias glebas etc. e, quando foram separados dos meios de 
subsistência e de produção não se tornaram assalariados, senão uma turba, o socialista 
alemão coloca em relevo que: 
[...] acontecimentos de uma analogia que salta aos olhos, mas que se 
passam em ambientes históricos diferentes, levando a resultados 
totalmente díspares. Quando se estuda cada uma dessas evoluções à parte, 
comparando-as em seguida, pode-se encontrar facilmente a chave desse 
fenômeno. Contudo, jamais se chegará a isso tendo como chave-mestra 
uma teoria histórico-filosófica geral, cuja virtude suprema consiste em ser 
supra-histórica.52 
Apesar dos mal-entendidos de ambas as partes, é notável e claramente perceptível 
que Marx acabou por legitimar a perspectiva do Populismo Clássico Russo, que buscava 
uma via autônoma e diferenciada para o desenvolvimento sócio-histórico da Rússia. Em 
outros escritos, esboçados em resposta à Zasulitch, o fundador do socialismo científico 
taxativamente adverte “aqui não se trata mais de um problema a resolver; trata-se pura e 
simplesmente de um inimigo a derrotar. Para salvar a comuna russa é preciso que haja uma 
revolução russa”.53 
 
51 MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 2013, p.67. MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 1990, p.64. 
52 MARX, K; ENGELS, F. op. cit., 2013, p.69. Alguns anos mais tarde Marx, em notas-comentários que não 
foram originalmente redigidas para serem publicadas, nega inclusive que tenha arquitetado um sistema: 
“Segundo o senhor Wagner, a teoria do valor de Marx é ‘a pedra angular de seu sistema socialista’. Como eu 
nunca construí nenhum ‘sistema socialista’, trata-se, evidentemente de uma fantasia dos Wagner, Schäffle e 
tutti quanti.” Cf. MARX, K. Glosas marginais ao “Tratado de Economia Política” de Adolfo Wagner. Trad. 
Evaristo Colmán. Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/280944441/Notas-Marginais-a-Adolph-Wagner. 
Consultado em: 06/09/2015. Cabe ressaltar uma observação de Karl Korsch: “Até o final de sua vida, Marx 
lutou contra as incompreensões de suas investigações sobre o valor, incompreensões que veem ela como algo 
diferente do que o estudo das relações burguesas.” Cf. KORSCH K, Karl Marx. Traducción castellana de 
Manuel Sacristán. Editorial Ariel Barcelona, 1975, p.84. 
53 MARX, K. ENGELS, F. op. cit., 2013, p.100; 102. MARX, K. ENGELS, F. op. cit., 1990, p.43. 
14 
 
 
 
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A partir dos escritos do último período da vida de Marx, o qual dois estudiosos 
ingleses caracterizam como “um recurso fundamental e escandalosamente abandonado pelos 
socialistasde hoje”54, podemos depreender as vicissitudes na concepção materialista da 
história, aonde nos deparamos com um Marx que rompe com todo determinismo e fatalismo 
históricos. Marx jamais interpretou o movimento da História como uma trajetória rígida e 
unilinear. Conquanto as especificidades históricas55 inerentes às formas de sociabilidade 
carregam em si particularidades dissonantes que poderiam desenvolver-se de maneira 
diametralmente opostas umas às outras. 
Sua importância é concomitantemente histórica e política, ao passo que nos auxilia a 
“compreender e situar melhor uma etapa decisiva no pensamento e na ação de Marx e Engels, 
além disto, reincorpora e instala em um lugar privilegiado uma massa de materiais que 
formam parte da história do marxismo e que, sem a qual toda nova tentativa de reconstrução 
resultaria falida.”56 
 
 
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54 SAYER, D; CORRIGAN, P. El ultimo Marx: continuidad, contradicción y aprendizaje. In: SHANIN, T. 
(org.). El Marx Tardío y la vía Rusa. Marx y la periferia del capitalismo. Madrid, Editorial Revolución, 1990, 
p.121. 
55 KORSCH, K. op. cit., 1975, p.25-41. 
56 Ib. Ibid. p.XIV. 
15 
 
 
 
KORSCH K, Karl Marx. Traducción castellana de Manuel Sacristán. Editorial Ariel 
Barcelona, 1975. 
KORSCH, Karl. Karl Marx. Editorial Ariel España, 1975. 
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