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Conselho Editorial Abílio da Costa Rosa Álvaro Santos Simões Junior Ana Claudia Inocente Garcia Carlos Alberto Sampaio Barbosa Ciro Cesar Zanini Branco Eduardo José Afonso Gabriela Kvacek Betella Gustavo Henrique Dionísio Juliana De Oliveira Karin Adriane H. Pobbe Ramos Karina Anhezini de Araujo Lucia Helena Oliveira Silva Lucineia dos Santos Marcio Roberto Pereira Maria Laura Nogueira Pires Paulo Cesar Gonçalves Pitágoras da Conceição Bispo Rozana Ap. Lopes Messias Sandra Aparecida Ferreira Sílvio Yasui Vania Aparecida Marques Favato Zélia Lopes Da Silva Conselho Consultivo Adilson Odair Citelli (USP) Antonio Castelo Filho (USP) Carlos Alberto Gasparetto (UNICAMP) Durval Muniz Albuquerque Jr (UFRN) João Ernesto de Carvalho (UNICAMP) José Luiz Fiorin (USP) Luiz Cláudio Di Stasi (IBB – UNESP) Oswaldo Hajime Yamamoto (UFRN) Roberto Acízelo Quelha de Souza (UERJ) Sandra Margarida Nitrini (USP) Temístocles Cézar (UFRGS) Faculdade de Ciências e Letras de Assis Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP Encontro do CEDAP (7.: 2014: Assis, SP) E56a Anais do 7 Encontro do CEDAP: culturas indígenas e identi- dades, Assis, SP, 23 a 25 de abril de 2014 [ recurso eletrônico] / Zélia Lopes da Silva (Org.). Assis: UNESP - Campus de Assis, 2014 324 p. : il. Vários autores ISBN: 978-85-66060-09-6 1. Índios. 2. Índios na literatura. 3. Cultura. 4. Imagem. 5. Etnologia. I. Silva, Zélia Lopes da. II. Título. CDD 301.2 572 Zélia Lopes da Silva (Org.) Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades Período: 23 a 25 de abril de 2014 ISBN : 978-85-66060-09-6 Unesp Assis Câmpus de Assis 2014 Apoio: CAPES Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Marilza Vieira Cunha Rudge Vice-Reitora no Exercício da Reitoria da Unesp Pró-reitora de Extensão Universitária Mariangela Spotti Lopes Fujita Faculdade de Ciências e Letras de Assis Ivan Esperança Rocha Diretor Ana Maria Rodrigues de Carvalho Vice-diretora Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Profª Drª Anna Maria Martinez Corrêa – Cedap Zélia Lopes da Silva Supervisora Karina Anhezini de Araújo Vice-supervisora Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades Período: 23 a 25 de abril de 2014 Zélia Lopes da Silva (Org.) Conselho Científico Dr. Alvaro Santos Simões Junior Dr. Benedito Antunes Drª Karina Anhezini de Araújo Profª Drª Silvia Maria Azevedo Profª Drª Tania Regina de Luca Profª Drª Zélia Lopes da Silva Equipe de trabalho Preparação dos originais Renato Crivelli Duarte - Cedap Capa e diagramação Lucas Lutti Unesp Assis 2014 Apresentação Os textos reunidos nestes Anais são resultantes das apresentações de pesquisadores que se inscreveram nos Simpósios Temáticos ocorridos nos dias 23 a 25 de abril de 2014, durante o VII Encontro do Cedap que discutiu o temário “Culturas indígenas e identidades”. Os autores, ora apresentados por ordem alfabética, são discentes da Pós- Graduação das áreas de História e de Letras, bem como professores que integraram os diferentes fóruns de debates no decurso do evento e trouxeram para os demais participantes os resultados de suas pesquisas. Essa sistemática de organização dos Anais levou em consideração a multiplicidade de assuntos desses registros acadêmicos, ressaltando-se que apenas nove dos vinte e oito textos discutem questões sobre os povos indígenas. Para a organização desses Anais, os trabalhos aqui reunidos foram submetidos aos professores membros do Conselho Científico e que organizaram os simpósios temáticos que, nessa fase, passaram a ser os responsáveis pelo exame dos textos visando sua publicação. Alguns dos escritos, como já assinalado anteriormente, abordam diferentes facetas referentes aos povos indígenas, mas existem aqueles que enfocam temas variados cujas fontes são as imagens fixas e em movimento — fotografia, documentário, caricatura —, a imprensa, a escrita epistolar, a produção literária (romance), que são os suportes para as reflexões de seus criadores que evidenciam os conhecimentos resultantes de suas investigações. No primeiro bloco de discussão, evidencia-se a multiplicidade de temas envolvendo os povos indígenas que vão das inspirações para as formulações da identidade do país, a sua música, as suas práticas escultóricas, os projetos voltados para as práticas escolares destinadas a esses povos, até os que capturam o imaginário criado em torno da libertação do corpo nos dias dedicados a Momo, sob aquela inspiração. Os demais textos dividem-se entre os que abordam dimensões da produção literária, veiculadas na imprensa diária ou no formato ficcional, o periodismo e suas múltiplas facetas — literária, política, científica, etc. —, as redes de sociabilidade do mundo acadêmico, as folias de reis e seus fundamentos, o estrangeiro e suas múltiplas significações, os excluídos no Asilo-colônia Aimorés. Enfim, esses trabalhos exibem aos leitores um caleidoscópio de metódicas e de considerações teóricas que corroboram os caminhos seguidos pelos autores que esperamos sejam instigantes para futuras pesquisas. Zélia Lopes da Silva Assis, 4 de julho de 2014 SUMÁRIO Da pré-colonização à independência: Análise do “Canto à Independência do Brasil”, de José Maria Velho da Silva. Adriana DUSILEK A representação do índio na construção da memória nacional brasileira. Aline Rafaela Portílio LEMES Humor e crítica nas narrativas epistolares de O Pirralho. Beatriz RODRIGUES Refazendo a história, preservando tradições: Inspiração indígena na produção cerâmica de Mestre Raimundo Cardoso. Camila da Costa LIMA Modernidade e trabalho no filme de divulgação Asilo-colônia Aimorés. Carla Lisboa PORTO Monteiro Lobato nos Estados Unidos e as primeiras negociações envolvendo o processo siderúrgico Smith. Celso CARVALHO JUNIOR A abordagem da imprensa nas Copas do Mundo de Futebol de 1934 e 1938 no Brasil. Cibele Cordeiro CARRARA De Curitiba à Paris e vice-versa: Amizade e relações acadêmicas na troca de correspondências entre pesquisadores de história. Daiane MACHADO “Indígenas” nos carnavais de rua do Rio de Janeiro (1939 e 1964). Danilo Alves BEZERRA A personagem Peninha em Reinações de Narizinho, de Lobato. Denise Maria de Paiva BERTOLUCCI Helena, de Machado de Assis: do Brasil para o mundo e para os brasileiros. Ederson Murback ESCOBAR As fantasias indígenas e a sensualidade feminina nos carnavais das décadas de 1960 e 1970. Ellen Karin Dainese MAZIERO Figurações do índio na literatura juvenil: Uma análise da obra Lendas e mitos dos índios dos índios brasileiros, de Waldemar de Andrade e Silva. Eliane Aparecida Galvão Ribeiro FERREIRA e Penha Lucilda de Souza SILVESTRE Imagens da Revolução: Imprensa e comunismo visual nas páginas do El Manchete (México, 1920-1930). Fábio de Souza SOUZA 07 16 28 39 48 60 73 90 104 115 125 136 145 156 A imprensa como objeto de estudo da História: Problemas e possibilidades. Fábio Alves SILVEIRA A “Revista da Associação Tipográfica Baiana” e a história do trabalho. Humberto Santos de ANDRADE Biografia e política: Panteonização e iconoclastia em narrativas de Raimundo Magalhães Junior. João MUNIZ JUNIOR Um plano civilizacional para os indígenas na formação do Estado Nacional brasileiro. Jucelino PEREIRA NETO Imigração italiana, religião, política e os espaços de diversão no Brasil na obra“Anarquistas graças a Deus”. Kassiana BRAGA Brô Mc's: música indígena intercultural. Laura Cristhina Revoredo COSTA e Edgar Cézar NOLASCO Interculturalidade e o Ensino de História Indígena: Os avanços e entraves das políticas públicas na temática indígena. Lilian Marta Grisolio MENDES Documentos e memória na escrita do “Fundamento Histórico” de Cláudio Manoel da Costa. Marcela Verônica da SILVA José Verissimo: Experiência e Valores. Marcio Roberto PEREIRA As representações dos indígenas nas propostas curriculares de História do sudeste brasileiro. Maria Cristina Floriano BIGELI Fotografias do Brasil em Amando Fontes. Natália de Souza MARTINS A imagem fotográfica como fonte histórica: possibilidades e dificuldades. Rafaela Sales GOULART Um olhar sobre a Revista O Ocidente-Revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro. Rita de Cássia Lamino de ARAUJO Revista brasileira de Psychanalyse (1928): a primeira tentativa de difusão da ciência psicanalítica no Brasil. Roger Marcelo Martins GOMES 166 179 190 204 214 224 238 247 257 270 279 289 299 310 7 DA PRÉ-COLONIZAÇÃO À INDEPENDÊNCIA: ANÁLISE DE “CANTO À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL”, DE JOSÉ MARIA VELHO DA SILVA Adriana DUSILEK1 O “Canto à Independência do Brasil”, de José Maria Velho da Silva (1811-1901), foi publicado na 404ª edição da Revista Semana Ilustrada, em 6 de setembro de 1868, ocupando quase todo o número do periódico2. Na apresentação, o Dr. Semana, pseudônimo e personagem que aparece em todas as edições da Revista, e é considerado o “alter ego” do editor alemão e também caricaturista Henrique Fleiuss (1824-1882), parabeniza os leitores porque ao “inspirado cantor da pátria” é cedido o espaço das colunas “Pontos e vírgulas” e “Chronica para-lamentar”3. Afirma Dr. Semana: Quase à última hora disse-nos o poeta: “Eu cantei a aurora da nossa liberdade, eu saudei o sol de 7 de setembro; aqui está o canto; aqui está a saudação”. Venha a inspirada lira do mestre; solte aos quatro ventos o hino da pátria livre: as livres florestas lhe respondem, e os livres corações o aplaudem (DR. SEMANA, 06 set.1868, p. 3226). Esse estilo laudatório do editor na apresentação ao Canto pode ser vinculado à amizade existente entre Henrique Fleiuss e o Imperador, já que o poema exulta os heróis da pátria e a monarquia. A Semana Ilustrada, apesar de ser uma revista caricatural, cujo lema é “Ridendo castigat mores”4, é acrítica ao governo, deixando transparecer um tom conservador, e colhendo, por sua opção ideológica, terminantes juízos de outros periódicos. Sua posição, porém, não o impedia de fazer ferozes críticas aos costumes sociais. Como escreveu Herman Lima (1897-1981), no segundo volume da História da Caricatura no Brasil: O lápis habilíssimo de Henrique Fleiuss ensinou-nos, como Santo Agostinho, a amar e poupar os homens para somente criticar os costumes sociais, rindo-nos com eles dos nossos próprios defeitos. Era a grande 1 Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp – Univ. Estadual Paulista, Campus de Assis – Av. Dom Antonio, 2100, CEP: 19806-900, Assis, São Paulo – Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: adrianadusilek@uol.com.br 2 Normalmente a Revista conta com 8 páginas, sendo 4 de ilustração (nas primeiras, quartas, quintas e oitavas páginas). Nesse número, há 10 páginas, com mais duas ilustradas, como Suplemento da Semana. O poema “Canto à Independência do Brasil” ocupa a maior parte da segunda página, além da terceira, da sexta e a maior parte da sétima página da edição 404. Além do canto, fazem parte da edição, afora as ilustrações, a apresentação do Dr. Semana ao Canto e um poema curto intitulado “A desaparição de uma estrela”, a respeito da atriz Aimée, que após 4 anos no Brasil, no elenco do Alcazar Lírico, volta à França. 3 “Pontos e vírgulas” é assinado por Dr. Semana, e “Chronica para-lamentar” é subscrito por “Agnus Populi”. 4 Molière (1622-1673) teria colocado essa frase em Tartufo, mas essa máxima parece ter sido cunhada pelo poeta francês Jean de Santeuil (1630-1697) a propósito da máscara de Arlequim, cujo busto decorava o proscênio da Commédie Italienne, de Paris. Essa ideia de divertir e instruir ao mesmo tempo já estava, porém, na Arte Poética, de Horácio (65 a.C- 8 a.C). mailto:adrianadusilek@uol.com.br 8 máxima do Diligite homines interficite errores – aplicada à caricatura. (LIMA, 1963, p.746). Ainda na apresentação ao poema, Dr. Semana comenta sobre o tema da independência e a fama do poeta: “Assunto é este que faz heróis e faz poetas. Se o Dr. Velho da Silva não gozasse de há muito a pública estima, agora a conquistara” (DR. SEMANA, 06 set. 1868, p. 3226)5. Termina a recomendação de forma não menos elogiosa: “Quem, ao escutar o CANTO À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL não exclamará: ‘Conheço esta voz; conheço-a: vem do Pantheon’” (DR. SEMANA, 06 set. 1868, p. 3226). Em sentido literal, acreditaria Dr. Semana que o poeta entraria no cânone dos grandes poetas. Claro está, porém, que tal expressão sugere apenas uma exagerada gentileza do editor. Segundo a Enciclopédia de Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e José Galante de Sousa, o poeta José Maria Velho da Silva, autor deste Canto, foi ainda romancista, autor de obras didáticas, orador, doutor em Medicina, professor de poética e literatura, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), cavaleiro da Ordem da Rosa e da Ordem de Cristo (1989, p. 1247)6. Como informa Roberto Acízelo de Souza em O império da eloquência: retórica e poética no Brasil oitocentista (1999), o nome de José Maria Velho da Silva quase foi excluído de seu livro em razão da redundância de seu compêndio em relação aos demais. Acízelo, no entanto, optou por incluí-lo porque: “[...] como esse médico e catedrático do Colégio Pedro II também teve seu livro inscrito entre os oficiais daquele estabelecimento acabamos concluindo que merecia tratamento idêntico ao dispensado aos outros autores” (SOUZA, 1999, p. 79). Afirma ainda o crítico que o nome de Velho da Silva, com exceção de Laudelino Freire (1923, p. 187-189), só é mencionado de forma brevíssima por Sílvio Romero (1888), José Veríssimo (1916), Nélson Werneck Sodré (1938), Afrânio Coutinho (1955-59) e Antônio Cândido (1959), e que sua tese para a cátedra de retórica, poética e literatura nacional não passa de uma apresentação simplória de um ponto do programa escolar. Sustenta ainda que Velho da Silva também seria um poeta menor, e só não seria tão insignificante como professor, decorrendo de sua notoriedade no magistério a adoção de suas Lições de retórica pelo sistema de ensino. 5 Não se sabe o porquê da estima pública ao Dr. Velho da Silva: se como médico ou poeta e professor. O que se sabe é que até 1868 ele ainda nada publicara, e inclusive na Semana Ilustrada só há mais duas referências a ele, e posteriores a 68: em 9/01/1876 noticia o romance Gabriela, como “interessantíssimo” e “bem escrito”, transcrevendo as considerações preliminares do autor (Semana Ilustrada, p.6295, “Publicações”); e em 16/01/1876, também em “Publicações”, entre outros anúncios comenta em três linhas O Silabário, “livrinho para a primeira infância”. “Recomendamo-lo” é o que o editor escreve a respeito (Semana Ilustrada, p. 6303). 6 Há algumas confusões quanto à biografia de José Maria Velho da Silva, pois há algumas informações de que este teria sido também mordomo da casa imperial, de 1846 a 1854. No entanto, são pessoas diferentes. Há o mordomo e conselheiro, nascido em 1795 e falecido em 1860, e o escritor, médico e retórico, autor deste poema. Outro equívoco também acontece: este escritor não é filho do outro José Maria, como informam algumas fontes. Há uma informaçãode que o engenheiro José Maria da Silva Velho seria filho do médico e amigo íntimo do imperador, e neto do conselheiro e mordomo. Mas o conselheiro teve um filho advogado e uma filha. E pelas datas de nascimento de ambos, o conselheiro não poderia ser pai do escritor, professor e médico José Maria. Importante para o esclarecimento dos fatos foi o Esboço biográfico do Conselheiro José Maria Velho da Silva (1861), este, sim, o mordomo da casa imperial. 9 Sobre a classificação do poeta dentro da poesia brasileira, Roberto Acízelo expõe: Sílvio Romero, sem lhe conceder maior atenção, o instala no grupo do que chama poetas de transição, entre classicismo e romantismo (1888, v.3, p.774-5); Afrânio Coutinho o cita entre os pré-românticos (1955-59, v.2, p.20); Péricles Eugênio da Silva Ramos o situa como epígono da primeira geração (1965, p.16), sendo contudo o único autor contemporâneo de antologias a distingui-lo com um lugar no seu Poesia romântica. (SOUZA, 1999, p. 80). Cita ainda José Veríssimo, que depois de mencionar vários poetas secundários, entre eles Velho da Silva, emitiria o seguinte juízo: Publicistas, políticos, diplomatas, advogados, médicos, funcionários públicos, poetas o são apenas ocasionalmente, inconsequentemente, mais de recreio que de vocação, e a sua obra de amadores sobre escassa, o que lhes revê a inópia do estro, é em suma insignificante. (1916, p. 162 apud SOUZA, 1999, p. 80). Roberto Acízelo não deixa dúvidas quanto ao lugar de José Maria Velho da Silva na história da literatura brasileira: ao contrário do que diria Dr. Semana, o poeta nem de longe poderia fazer parte do panteão dos grandes poetas; a não ser que fosse um outro tipo de panteão: o panteão dos ilustres desconhecidos, já que na própria Semana Ilustrada é possível encontrar outras espécies de panteões, como, em tom galhofeiro, se menciona o “Pantheon dos maridos dedicados” (DR. SEMANA, 27 mar. 1864, p. 1374). Galhofas à parte, é mister não confiar em sentença alheia, mas sempre rever os pareceres dados, principalmente se estes foram feitos há muito tempo. Embora tudo indique que os críticos estejam corretos, é importante situar o contexto de tais medíocres produções, ou mesmo apontar o porquê da exatidão e da atualidade de tais juízos. O “Canto à Independência do Brasil” é a primeira obra que se tem notícia do poeta. Dividido em três partes, o poema narra desde a época anterior à vinda dos portugueses ao Brasil, até a comemoração da independência, com elogios aos heróis da pátria e ao Imperador. Tendo ao todo 57 estrofes, a composição é muito desigual, não apenas na estrutura, como na abordagem. A primeira parte é constituída por 14 quartetos hendecassílabos, em rimas pobres e alternadas7. Logo no início, aparece a imagem do “gigante que dorme”. I. Incauto, tranquilo, dormia o gigante À sombra dos cedros das matas que tem; Nem cuida imprevisto, nem pensa um instante 7 O poema abre com a seguinte epígrafe, de John Sanderson: The memory of those eminent personages who proclaimed the Independence of America, by the memorable events and haperishable records, to which their names are associated, is secure from the injuries of time. 10 N’ardente cobiça dos povos d’além. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3226). Essa imagem do “gigante que dorme” e do “gigante que acorda”, e que estará presente ao longo do poema, refere-se ao próprio país. Assim, o Brasil é “gigante pela própria natureza” e está “deitado eternamente em berço esplêndido”, como consta na letra definitiva do Hino Nacional Brasileiro, de 1922. Ou seja, não apenas o país é extenso, mas está situado num berço esplêndido, numa terra cheia de riquezas naturais. E essa ideia do “país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza”, contida ainda na música de Jorge Ben, faz parte do mito fundador da identidade nacional brasileira. O Brasil era representado como o próprio paraíso perdido, o Jardim do Éden. Essa imagem, repetida desde a carta de Caminha, e confirmada por outro símbolo nacional, a bandeira do Brasil, aparece amiúde nesse poema. A representação do “gigante dormindo” também remete à mitologia grega. Por terem se rebelado contra Zeus, os gigantes foram por este aniquilados e transformados em montanhas, ilhas e montes. Dessa forma, a declaração de que o gigante acordou relaciona- se, ao mesmo tempo, com a volta ao estado anterior do gigante/natureza, e, num sentido figurado e metonímico, com o povo habitante dessa natureza, que passa a ter uma consciência mais crítica. As manifestações populares no Brasil em junho de 2013 são um exemplo dessa última acepção. Voltando ao poema de José Maria Velho da Silva, na primeira estrofe da primeira parte do poema o gigante dorme tranquilo e nem pensa “na cobiça dos povos d’além”; na segunda estrofe novamente ele “nem sonha que raças estranhas“ “demandem seus ínvios palmares”: Em torno vigiam-lhe altivas montanhas Os rios, os campos, as selvas, os mares, Por isso nem sonha que raças estranhas Afoitas demandem seus ínvios palmares; (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3226). E após duas estrofes de descrição da rica natureza que esconde “tesouros sem fim”: Os plainos, os vales, as serras erguidas, Os bosques frondosos, as límpidas fontes, O ouro das terras, as gemas luzidas, Seu sol que matiza seus púrpuros montes, O centro das matas, as brenhas sombrias, As grutas que guardam a opala e o rubim; O dorso alteroso de mil penedias, Que escondem no seio tesouros sem fim. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3226). 11 Mais uma vez aparece o gigante que “jaz indolente” e que “nem sonha que a terra lhe venham tomar”: Incauto o gigante, lá jaz indolente Zombando das fúrias das águas do mar; Das selvas incultas na vida inocente Nem sonha que a terra lhe venham tomar. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3226). Mais seis vezes aparecerá a imagem do gigante: no fim da primeira parte, após resumir o que aconteceria aos índios, que de “filho das matas, outr’ora feliz” passa a definhar nos “ferros de vil servidão”, desperta o gigante “do sono maldito”, não gosta do que vê e volta a adormecer; na primeira estrofe da segunda parte, em que o gigante teria dormido “a longa noite de 300 anos”, sem saber o que eram “liberdade e porvir e nome e glória”; na segunda estrofe da segunda parte surge o verso: “os gigantes do bosque, ei-los por terra”, sugerindo a devastação da natureza para exploração de riquezas e para o surgimento de povoados; já na terceira parte, na primeira estrofe, em vez de “gigante” o poeta usa o termo “colosso” para se referir à transformação do país: “Em áureo pedestal que afronta as eras/um colosso se ergueu [...]”; já na 26ª estrofe o gigante é o próprio D. Pedro I, proclamando a Independência: E gigante se ergueu dos céus n’altura, E com a voz do trovão pelas montanhas Soltara o brado – Independência ou morte – Independência ou morte – muito tempo Reboou nas abóbadas do espaço. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3231). Por fim, na estrofe seguinte, novamente o gigante se confunde com a natureza, que acorda e também grita a independência: O gigante acordou, ergueu-se, ergueu-se E sobre o Equador, bradara aos polos – Independência ou morte – o rio, a serra De espaço a espaço o brado repetiam Como quem d’um letargo abrira os olhos Sonhando prantos, despertando em risos. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3226). Algo que chama a atenção na leitura desse extenso poema é a mudança de tom que nele há, com contradições e oscilações, tanto estruturais quanto ideológicas. Começando com as contradições e oscilações ideológicas, é possível observar que, num primeiro momento, o índio é retratado, na primeira parte, como inocente, filho das 12 matas, outr’ora feliz, que com a invasão dos povos d’além passa adefinhar “nos ferros de vil servidão”. É inofensivo, arredio, e passa a vaguear sem pátria, medroso, “ou verga entre ferros, cativo, a gemer”. E ao retratar a vinda dos portugueses fala em “ardente cobiça”, “gente atrevida”, “voraz ambição”. Na segunda parte, após falar da devastação da natureza para exploração da terra, e do surgimento de povoações, ao se referir ao índio agora usa o adjetivo “ignavo”, que quer dizer “preguiçoso, indolente, covarde”: Nos entresseios das florestas virgens Onde repousa em paz o índio ignavo, Foi astuto chatim sorver-lhe o ouro E em troco os ferros lhe lançou de escravo (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3227). Apesar de criticar o modo como tudo aconteceu, há a seguir o elogio do português, homem de ação, em contraste com a inércia do índio. Além disso, faz a apologia da catequização indígena: Só é grande o Levita!...a unção nos lábios, Na dextra o breviário, e a cruz erguida, Co’a doutrina demove e arranca às trevas Da humana raça à geração perdida; (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3227). Mártir da fé, afoito afronta as setas, Desarma as tribos co’a palavra santa; Dos ídolos a um Deus, do erro à verdade, Da terra ao céu, os bárbaros levanta; (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3227). Chamando, assim, aos índios não-cristãos de “geração perdida” e “bárbaros”, justifica a imposição da fé ocidental. Também contrapõe a morada e a cultura do índio ao povo civilizado: Sobre os destroços das extintas selvas Templos se alçaram, ruas se estenderam, Às tabas do gentio inculto e rude Populosas cidades sucederam; Dispersados os íncolas da terra, Das mantilhas do berço ergueu-se um povo Repleto de vigor, sonhando as glórias Do ridente porvir d’um mundo novo. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3227). 13 Além disso, ao falar do brado retumbante de D. Pedro, dá a entender que tal brado só acontece após a interferência do anjo do Brasil. Sendo assim, apesar de querer elogiar o Imperador, tira-lhe o mérito. Sejam vistas as estrofes 5 a 16 da terceira parte: Entre a augusta família, inda na infância um herói do porvir, príncipe egrégio, era a arca santa de propícios fados, em cujo seio, próvidos arcanos, o anjo das nações guardado havia como o germe em crisálida formosa, que em flórido jardim se apraz de aromas e após longo torpor, o seio abrindo, deixa livre adejar em torno às flores, borboleta gentil que ao sol doideja. Em nuvem, como um trono recamado De telas iriantes que balouçam Da brisa ao perpassar, em tarde estiva; Envolto em roçagantes, soltas vestes De verde esmeraldino e listras d’ouro, E uma esfera armilar na dextra, erguida, O anjo tutelar de nossos fados, Circundado de luz; do céu baixara E do leito do Príncipe acercando-se, Da noite na mudez, por voz do Eterno Em fatídico sonho, assim lhe fala: “Sabe, que guardo os términos famosos Da vasta região que a nau demanda, Dessa Terra da Cruz, que a insânia do homem Por falace ambição – Brasil – chamara. Ali num céu d’anil sereno e puro Um sol animador dá vida aos prados. À noite a lua prateando os lagos Empresta às águas dardejantes lumes. Milhões de estrelas lúcidas recamam Vasto manto d’azul sem mancha leve. O bosque, o monte, o prado, os arvoredos De roupagens virentes se adereçam De estação a estação floridos sempre. Do seio das montanhas pont’agudas, Que se banham no mar e o céu devassam Tolhendo ousadas o voar das nuvens; Brotam torrentes que espumando rolam Bramindo de furor e após se adunam Em rios colossais, que em vastos leitos Rompem as terras, disputando aos mares, Em luta de leões, domínio e força. Seus tesouros vastíssimos reparte Com generosa mão, provida a terra, Quando seus ferros sotopostos cofres, Da guardada riqueza à cópia cedem; Dos fechos de diamantes incendidos Rebentam-se os firmais, fende-se o solo 14 E correm como areia entre fraguedos Em veios perenais, regatos d’ouro. O lúcido brilhante, o ametisto, O topázio, o rubim, a vária opala, Como estrelas de rubidos fulgores Dardejam luz nas furnas das montanhas. Ali os homens são leais e crentes, Dóceis por gênio, bravos por instinto; Amar a Deus, ao rei, à pátria, à glória É-lhes dogma, é-lhes lei, preceito e crença Da independência o amor ferve-lhes n’alma Como a lava em vulcão, ardendo oculta Enquanto na expansão não rompe os diques. Um dia surgirá, almo e risonho, D’um povo nos anais, fastoso dia! Seu Gênesis será: o livro sacro De sua criação. Só vive um povo Quando rompendo a rígida tutela Livre caminha e glorioso alcança Direitos, nome e pátria e liberdade. Tal será o país que vos confio Nesse dia feliz que o céu destina. Esta esfera, meu símbolo de glória; As cores deste manto, hei de entregar-vos; Elas serão os nobres, respeitáveis, Vividouros troféus de um povo ilustre. Eternos lhe serão, Deus lh’os outorga E promessas de um Deus jamais faltaram”: Disse, ergueu-se e voou, após deixando Longo esteiro de luz, que desde os mares Se ia engastando n’amplidão do espaço. De um êxtase divino arrebatado O Príncipe desperta, e após instantes Entre raios de luz divisa ainda Do manto as cores, a armilar esfera Que a celeste visão tão alto erguera. Desde então no sacrário de seu peito, Do anjo a predição guardou-se inteira. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p. 3227-3228). Palavras difíceis são aqui bastante empregadas como prova de erudição, mas não funcionam na composição, que também carece de harmonia. É possível ver no poema o professor de retórica, que nem de longe possuía o engenho e a arte de Castro Alves, que, no mesmo dia 7 de setembro de 1868, estava fazendo uma apresentação pública de “Tragédia no mar”, que depois ganharia o nome de O Navio Negreiro (1869). O poeta, com as oscilações que há entre métrica, rimas e estrofes, quis certamente compor três movimentos que, num crescendo, terminaria com a apoteose do louvor à independência, mas o resultado não foi o esperado, pois que ecoa truncado e desarmônico. 15 Assim como Roberto Acízelo considerou os manuais de Velho da Silva apenas uma repetição de livros anteriores, o poeta, mais do que da Silva, soa Velho. Sobrando clichês e faltando talento, José Maria Velho da Silva deve ser estudado mais histórica que poeticamente. Referências COUTINHO, Afrânio; SOUSA, José Galante de (Orgs.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. V.2. Rio de Janeiro: FAE, 1989. DR. SEMANA. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, n. 172, p. 1374, 27 mar. 1864. DR. SEMANA. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, n.404, p. 3226, 06 set. 1868. FREIRE, Laudelino. Classicos brasileiros: breves notas para a historia da literatura filológica nacional. Rio de Janeiro: Ed. da Revista de Lingua Portuguesa, 1923. v. 1. LIMA, Herman. Henrique Fleiuss. In: LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963. p.746. SOUZA, Roberto Acízelo de. O império da eloquência: Retórica e poética no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Eduerj/EdUFF, 1999. VELHO DA SILVA, José Maria. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, n. 404, p. 3226-3231, 06 set. 1868. 16 A REPRESENTAÇÃO DO ÍNDIO NA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA NACIONAL BRASILEIRA Aline Rafaela Portílio LEMES1 Todas as nações buscaram e buscam se afirmar por meio da criação de uma memória nacional. A construção dessa memória visa homogeneizar a população em torno do conceito de nação, apagando quaisquer tipos de diferenças que possam existir de fato. Muitas vezes esse trabalho é bem sucedido, e mitos nacionais perpetuam-se. A utilização do índio, no caso brasileiro, é exemplar. Após a emancipação política de Portugal, especialmente em meados do século XIX, ocorrem acaloradas discussões entre os homens de letras imperiais a respeito do nacional. A obra de José de Alencar é profundamente permeada por essas questões, em especial seus romances indianistas. À vista do exposto, realizaremosreflexões iniciais a respeito dos conceitos de memória e nação para, em seguida, pontuar algumas questões a respeito da utilização do índio na construção da memória nacional brasileira. Memória e identidade nacional A memória é um elemento presente em todos os indivíduos, seja na sua forma pessoal de memória individual, seja na sua forma social de memória coletiva. Como a primeira, imprescindível para a construção do indivíduo, a memória coletiva é indispensável à constituição da identidade de determinado grupo, formando um vínculo. Segundo Araújo, Os indivíduos compartilham da construção da memória coletiva, sentem-se parte do mesmo grupo, pois têm a mesma história, uma memória comum a todos, composta por acontecimentos vivenciados ou que lhes foram contados como se fossem suas, passando então, a fazer parte do seu imaginário. Vê-se que a memória coletiva, assim como a identidade social, é composta por dados objetivos e subjetivos. Uma memória também é preenchida por fatos criados a partir de interpretações que o grupo faz da realidade, cujo resultado permanece na memória. Todavia, ela não é composta por toda a realidade objetiva, ou seja, por todos os acontecimentos vividos pelo grupo. Alguns deles são preteridos na composição da memória e a escolha do que será privilegiado ou não pela memória está ancorada nos critérios subjetivos do grupo (1997, p. 204). 1 Mestranda - Programa de Pós-Graduação em História – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp – Univ. Estadual Paulista, Campus de Assis – Av. Dom Antonio, 2100, CEP: 19806-900, Assis, São Paulo – Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: arplemes@gmail.com mailto:arplemes@gmail.com 17 A memória coletiva, portanto, não se relaciona apenas com a realidade objetiva, mas também com as representações coletivas de determinado grupo. Segundo Le Goff (1990), a memória, propriedade de conservar determinadas informações, remete em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas. Assim, seu estudo abarca áreas como a psicofisiologia, a neurofisiologia e a biologia. Certos aspectos do estudo da memória nessas ciências podem evocar problemas relacionados à memória histórica e à memória social. Podem se estabelecer diálogos, portanto, entre o estudo da memória na sua esfera psicológica e na sua esfera das ciências humanas e sociais. Interessante pensar essas relações também por meio da amnésia, que pode relacionar-se à “[...] falta ou a perda, voluntária ou involuntária, da memória coletiva nos povos e nas nações” (LE GOFF, 1990, p. 425). [...] os psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimento [...], nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1990, p. 426). Le Goff realiza uma diferenciação entre as sociedades de memória essencialmente oral e as sociedades de memória essencialmente escrita, ressaltando também as fases de transição da oralidade à escrita. Segundo o autor, o aparecimento da escrita relaciona-se a uma profunda transformação da memória coletiva. Primeiramente, a memória transforma-se por meio da comemoração, da celebração por meio de um monumento comemorativo ou um acontecimento memorável – assumindo a forma de inscrição. Por outro lado, a memória transforma-se, por meio do documento escrito, em um suporte especialmente destinado à escrita. A escrita, no entanto, convive com a memória oral, e não é “[...] pura coincidência o fato de a escrita anotar o que não se fabrica nem se vive cotidianamente, mas sim o que constitui a ossatura duma sociedade urbanizada” (LE GOFF, 1990, p. 433). Essa transformação da memória relaciona-se a um aspecto da organização de um poder novo. Assim, é valendo-se da escrita que Le Goff localiza a instituição do mnemon e o desenvolvimento das mnemotécnicas. Extrapolando essas reflexões, Pierre Nora (1981) afirma a obsessão pela memória ser característica de uma sociedade na qual ela não existe mais, de uma sociedade marcada pela aceleração da história. 18 A curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este momento particular da nossa história. Momento de articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória porque não há mais meios de memória. (NORA, 1981, p. 7). Nora opõe, então, uma “memória verdadeira” à história: A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado [...]. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une [...]. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. (NORA, 1981, p. 9). A crítica histórica destrói, para Nora, a memória espontânea – ela a dessacraliza. Se a história conserva “museus, medalhas e monumentos” (um arsenal necessário ao seu trabalho), ela os esvazia daquilo que os faz lugares de memória. O ato de “historiografar” determinado acontecimento significa que não nos identificamos mais completamente com sua lembrança. Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais [...]. Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. (NORA, 1981, p. 13). Ocorre o que Nora chama de uma “metamorfose contemporânea”, na qual a necessidade de memória é, na realidade, uma necessidade da história. É uma memória que não é mais memória, e sim história; possui a necessidade de suportes exteriores e de referências tangíveis – daí a obsessão pelo arquivo. Não mais uma prática social, mas uma memória que nos vem do exterior e é interiorizada como uma obrigação. À medida em que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais visíveis do que foi, como se esse dossiê cada vez mais prolífero devesse se tornar prova em que não se sabe que tribunal 19 da história. O sagrado investiu-se no vestígio que é sua negação. (NORA, 1981, p. 15). É uma memória arquivo, dever e distância: “O passado nos é dado como radicalmente outro, ele é esse mundo do qual estamos desligados para sempre” (NORA, 1981, p. 19). É colocada em evidência toda a extensão que dele nos separa. Não se busca maisuma gênese, mas destaca-se a diferença, “[...] o deciframento do que somos à luz do que não somos mais” (NORA, 1981, p. 20). “A nação-memória terá sido a última encarnação da história-memória” (NORA, 1981, p. 12). A expansão da memória coletiva, segundo Le Goff, ocasionada na Renascença pela imprensa – já que “[...] não só o leitor é colocado em presença de uma memória coletiva enorme, cuja matéria não é mais capaz de fixar integralmente, mas é freqüentemente colocado em situação de explorar textos novos” (LE GOFF, 1990, p. 457) – explode na Revolução de 1789. O século XIX assiste a uma explosão do espírito comemorativo. A comemoração surge como uma necessidade de se alimentar, por meio da festa, a recordação da revolução. Com isso aparece também a manipulação da memória, bem como a aceleração do movimento científico destinado a fornecer à memória coletiva nacional seus monumentos de lembrança – não é ao acaso que a preocupação com a definição de políticas para a salvaguarda dos bens que conformam o “patrimônio cultural” remonte a essa época. A comemoração apropria-se de novos instrumentos de suporte: moedas, medalhas, selos de correio multiplicam-se. A partir de meados do século XIX, aproximadamente, uma nova vaga de estatuária, uma nova civilização da inscrição (monumentos, placas de paredes, placas comemorativas nas casas de mortos ilustres) submerge as nações européias. (LE GOFF, 1990, p. 464). Ocorre, no século XIX, portanto, uma significativa proliferação de mitologias revolucionárias que criam um determinado tipo de memória social. Isso não acontece apenas na Europa, mas também aparece de maneira significativa na América, em decorrência das revoluções que deram origem a novas nações. Assim, Os novos grupos governantes precisam fazer com que essas grandes convulsões sociais e políticas pareçam naturais, heróicas, legítimas e justas para permitir que a população em geral extraia algum sentido de suas experiências de guerra interna, desorganização social e morte. As práticas e instituições sociais pós-revolucionárias [...] colaboram para deixar a marca da inevitabilidade no violento desaparecimento do antigo regime e surgimento do novo. (YOUNG, 2008, p. 267). 20 Isto é, há a necessidade de construção de uma memória social que vise legitimar o novo regime. Isso implica, por outro lado, a seleção de determinados elementos e o silenciamento de outros: [...] o ato da recordação criativa implica também o esquecimento seletivo. Caminhos políticos não trilhados são apagados dos mapas da história oficialista, vozes dissidentes daquela época são silenciadas, grupos sociais inconvenientes são eliminados do quadro ou suas ações são reconfiguradas para entrar em harmonia com um cenário idealizado, mais perfeito. (YOUNG, 2008, p. 268). A construção de uma memória nacional pode ser um dos exemplos mais significativos de como se opera um projeto que visa harmonizar elementos diversos e por vezes contraditórios, numa teleologia da revolução nacionalista. Se podemos afirmar como fato a construção de uma memória nacional, os conceitos de nação e nacionalismo são mais controversos. Se Benedict Anderson (2008) descreve a nação como uma comunidade política imaginada, intrinsecamente limitada e soberana, e o nacionalismo como o nascimento de uma nova subjetividade, não é possível afirmar que tais sentimentos estivessem presentes no momento da emancipação política dos países americanos. Abordando especificamente o caso da independência mexicana, Young defende que, se é possível encontrar tal sentimento no discurso político da elite, o mesmo não ocorre com as visões subalternas da política. Isto é, o autor diferencia o “movimento nacionalista” – programa de um segmento muito restrito da população – do nacionalismo em si, entendido como uma identificação cognitiva e afetiva praticamente universal. Young argumenta que não havia uma subjetividade nacionalista no grosso populacional mexicano na década de insurreição na Nova Espanha, que resultou na independência mexicana em 1821. A crença no papel histórico do Estado-nação constituiu um ponto de convergência entre o pensamento da elite crioula e o pensamento revolucionário mais amplo do mundo Atlântico, dentro do qual as ideias dos insurretos mexicanos crioulos em parte se formavam. Isso, no entanto, estava totalmente ausente das ideias políticas populares e das formas de identificação de grupos. O lugar central no pensamento das massas rurais mexicanas seria ocupado pela lealdade à comunidade natal e à realeza mística com matizes messiânicos. Do mesmo modo que com as formas constitucionais, porém, há poucos indícios comprobatórios de que as idéias crioulas sobre a nacionalidade, a soberania popular, a mexicanidade emergente ou a cidadania tivessem qualquer repercussão, a não ser as mais imperceptíveis, nos conceitos populares de identidade pessoal ou de comunidade. (YOUNG, 2008, p. 278). 21 A respeito dos Estados Unidos, Jack P. Greene (2008) mostra que a identidade que unia os colonos norte-americanos girava em torno de sua ligação com o Estado nacional da Grã-Bretanha. O povo predominantemente inglês que criou e organizou todas as colônias britânicas na América carregava consigo vínculos profundos com a cultura britânica e com a identidade nacional implícita nela. [...] um sentido de identidade nacional nítido e bem articulado foi um produto final da era elisabetana e início da jacobina, o período exato em que ingleses estavam começando a formar as primeiras colônias inglesas na América. O protestantismo e, cada vez mais durante o final do século XVII e o XVIII, a lenta expansão da superioridade comercial e marítima da nação inglesa eram componentes significativos dessa identidade. Muito mais significativo, porém, era o sistema inglês de justiça e liberdade. (GREENE, 2008, p. 100). Essa identidade compartilhada com os britânicos, no entanto, sempre foi mediada por um conjunto de “identidades coloniais”, que possuíam bases locais e sociais. Tais identidades foram determinantes quando as diversas medidas litigiosas entre as colônias e a Grã-Bretanha entre 1764 e 1776, aliadas a uma variedade de condições que há tempos já dificultavam as relações (tais como a distância física e os contrastes culturais e sociais), acabaram por gerar o que veio a ser conhecido como a Revolução Americana. [...] quando os colonos abandonaram sua ligação formal com a Grã- Bretanha, não se tratou tanto de eles terem renunciado a sua identidade britânica nacional, mas de reafirmarem sua adesão aos principais componentes daquela identidade, bem como seu uso como exemplo. Na segurança de suas diversas identidades provinciais, os líderes da resistência colonial podiam abandonar sua ligação com a Grã-Bretanha e transformar colônias em unidades políticas republicanas, sem medo de perder seu arraigado e psicologicamente importante sentido de si mesmos como povos protestantes, nascidos em liberdade, herdeiros legítimos das tradições britânicas do governo consensual e do Estado de direito. (GREENE, 2008, p. 103). Assim, os líderes revolucionários não buscavam romper com a tradição cultural do mundo britânico; pelo contrário, reiteravam a continuidade de sua identificação com tal universo cultural mais amplo, do qual se sentiam como genuínos repositórios. Por muito tempo a identidade nacional americana permaneceu embrionária e superficial, ao passo que a importância central residia nas identidades provinciais. Greene demonstra, então, como tais identidades representaram um desafio para aqueles que aspiravam criar uma união nacional durável. A união contingencial e orientada para a guerra que foi composta às pressas em 1775-76 pouco fez para promover uma profunda identidade nacional que rivalizasse com ela, e a Constituição de 1787 proporcionou 22 uma estrutura na qualas identidades dos estados poderiam facilmente coexistir com um emergente sentido de identidade nacional americana e até mesmo manter boa parte de sua vitalidade. (GREENE, 2008, p. 122). O índio e a construção da memória nacional O que nos interessa nas discussões mencionadas anteriormente é observar que a formação das nações não parte, necessariamente, de reivindicações étnicas ou nacionalistas. O caso da independência dos países americanos é impossível de ser explicado se partirmos desse pressuposto. As nações americanas possuíam um problema particular: criar uma nova nação a partir de uma antiga colônia europeia. Mais do que em ideias etnonacionalistas, a emancipação política dos países americanos baseou-se em queixas e interesses. Isso se torna claro quando observamos que a língua, as leis, as religiões e os costumes das novas nações americanas vieram, predominantemente, de suas antigas metrópoles europeias. Assim, na América – e, especialmente, na América Ibérica – o patriotismo e o nacionalismo tomaram rumos específicos. Já na época da independência, o nacionalismo desenvolvia-se como um subproduto do Iluminismo e buscava uma liberdade fundada em direitos universais (e teoricamente concedida por eles). Ele procurava o reconhecimento e a defesa desses direitos mas jamais os fundamentou em reivindicações de uma identidade especial. O modelo era o da Revolução Francesa, não o chauvinismo napoleônico, mas um nacionalismo cívico subjacente. O nacionalismo característico de Simón Bolívar, por exemplo, carecia de referências a dimensões étnicas ou culturais; e tornava de natureza política o critério máximo da nacionalidade. (DOYLE; PAMPLONA, 2008, p. 22). No entanto, a etnicidade é de suma importância para a formação da memória nacional. Isso pode ser observado no fato de que, uma vez formados os Estados-nação americanos, eles trataram de criar uma identidade nacional unificadora, ainda que se constituíssem por populações multiétnicas de indígenas, africanos, europeus e, mais tarde, asiáticos. Escreveram histórias heróicas e homenagearam heróis nacionais. Construíram memoriais para as vitórias da nação e lamentaram suas derrotas. Procuraram comprovação de uma cultura nacional distinta em sua literatura, música e culinária. Na realidade, a necessidade de construir uma identidade nacional comum era exatamente tão premente nas sociedades de imigrantes multiétnicas das Américas quanto em outros países, mas as nações de imigrantes pós-coloniais tiveram de trabalhar com materiais diferentes. (DOYLE; PAMPLONA, 2008, p. 24). 23 As tentativas de construção de uma identidade nacional não ocorriam a partir de uma exclusão da cultura europeia, mas baseavam-se nela. No caso brasileiro, particularmente, os relatos de viajantes e naturalistas europeus foram fundamentais para o escrever da nação. Eles elaboraram uma imagética a respeito dos costumes e hábitos da população brasileira, realizando um amplo inventário e ordenando as gentes pelo teor étnico e pelos costumes, perpassando sempre pela localidade. Assim criaram-se categorias como o paulista, o mameluco, o tropeiro, o homem dos pampas, entre outras. Parte considerável dessas memórias luso-brasileiras foi reeditada ao longo da primeira metade do século XIX, na forma de livretos ou em periódicos, circulando junto com uma acepção romântica de literatura nacional. Essas memórias também circulavam dentro do IHGB: No IHGB valorizava-se esse gênero de escrita – memória –, porque subsidiava a história na ausência do documento – como testemunho – sobre o fato, o personagem, o lugar, ou para preencher suas lacunas [...]. Essa acepção e uso das memórias coadunavam-se com a grande e imprescindível tarefa que o próprio IHGB se impunha de ordenar e fundar uma história válida e totalizante para o país, ao colligir e methodizar os documentos e ao definir o modo de escrevê-la. (SCHIAVINATTO, 2003, p. 627-628). A natureza e a gente do Brasil eram os assuntos preferidos desses viajantes. Não por acaso, portanto, serão também os dois grandes temas utilizados pelos homens de letras imperiais para explorar a construção de uma nacionalidade brasileira. Uma característica interessante da prosa alencariana é que a natureza empresta qualidades ao homem: Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. (ALENCAR, s/d, p. 12). O índio será também um dos principais temas do romantismo brasileiro, constituindo- se como reação política, social e literária contra Portugal e proporcionando um “retorno à verdadeira fonte do Brasil”, signo de brasilidade. Se para Montaigne era uma faceta da curiosidade humanista, ou ainda uma peça que utiliza para dar o xeque-mate na Inquisição, se para Anchieta era uma necessidade para a catequese, se para os viajantes [...] um desejo de divulgação, se para Rousseau o achado com que, mentalmente, poderia combater o faraísmo da sociedade parisiense [...], se para Chateaubriand finalmente uma abertura de fronteiras, o exotismo, – para o romântico brasileiro é uma bandeira político-social, é nacionalismo. Para o europeu, a 24 fuga; para nós, a afirmação final. Depois da independência política, a literária. (SANTIAGO, 1965, p. 57-58). Juntamente com a reação política, a reação filológica. Uma das características mais marcantes dos romances indianistas de Alencar é o manejo peculiar da língua portuguesa e a utilização de modismos brasileiros ou palavras indígenas. É inegável que Alencar possuísse conhecimentos de tupi-guarani, bem como a importância que o escritor dava a tais línguas. Essa ênfase pode ser comprovada pelas notas de rodapé presentes nos seus romances indianistas, que ilustram a preocupação do autor em realizar um retrato verossímil dos costumes indígenas e brasileiros. Demonstra, também, a importância estética que a língua indígena possuía para Alencar. Alencar possui consciência-estética do processo que desenvolve. Ele manipula conscientemente duas línguas que possuem uma estrutura diferente: a indígena, língua aglutinante, isto é, os vários afixos trazem significado quando se juntam ao formarem palavras; e a portuguesa, língua flexiva, na qual os afixos são meros condutores de conceitos. Se, por um lado, o índio e sua cultura possuem um papel determinante na prosa alencariana, são interessantes algumas observações a respeito de Iracema, romance publicado pela primeira vez em 1865. De caráter extremamente alegórico, o próprio subtítulo da obra – Lenda do Ceará – é revelador: o livro apresenta uma estrutura muito mais simplificada se o compararmos com o primeiro romance indianista de Alencar, O Guarani, publicado em 1857. [...] o filho de Iracema e Martim será “o primeiro cearense”, e o próprio nome de Iracema [...] mal disfarça um anagrama de América. Iracema era assim a alegoria do mundo virgem conquistado, fecundado e, de certa maneira, também destruído pela civilização, já que deste contato só sobrevivem o europeu, imutável ao longo do romance, e o seu filho, símbolo da nova raça, mas não Iracema/América, virgem que acolhera ao primeiro e gerara o segundo. Esta fora de fato aniquilada, e o que se via ao fim da história era já um mundo novo que, apesar de sua origem e natureza próprias, pertencia definitivamente à civilização. (CANO, 2001, p. 190-191). Iracema finaliza, então, com a supremacia da “civilização” sobre a “barbárie”, que possuía como destino inevitável a extinção; o único vestígioseria Moacir, filho do sofrimento, fruto do desencontrado. Enfim, Alencar conclui: “A jandaia cantava ainda no ôlho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sôbre a terra” (ALENCAR, s/d, p. 80). É explícita, portanto, a tensão que envolveu a construção da nacionalidade brasileira. Como assinala Wilma Peres Costa, 25 [...] no Brasil e em outras nações americanas a independência implicou um complexo equilíbrio de alianças e rupturas com metrópoles que eram fontes de identidade política e cultural. Essa situação envolveu um processo muito complicado de manutenção de alguns valores, destruição de outros e, ao mesmo tempo, reconstrução de novos laços com o mundo europeu e o sistema mundial de Estados-nação. Para conseguir isso, o Brasil, como outras novas nações americanas, teria de levar em conta referências que eram ao mesmo tempo distintas daquelas das antigas potências coloniais, mas que, ainda assim, precisavam permanecer ligadas à Europa e ser aceitas pelos padrões europeus. (2008, p. 299). Assim, “O movimento de identificação nacional, portanto, ao mesmo tempo em que realça o exótico da terra brasílica, o faz por meio de um código marcado pela modernidade parisiense” (DECCA, 2002, p. 92). A origem da nação, tanto no discurso histórico como no literário, parte de um contato fundador entre o elemento branco e o aborígene americano, no qual o segundo desaparece e o primeiro tem a supremacia cultural. Podemos afirmar que esse é um dos traços determinantes de O Guarani: o amor de um ameríndio por uma europeia servindo de metáfora para o encontro das duas raças que constituirão a nacionalidade brasileira. Segundo Decca (2002), o Brasil buscou se diferenciar de Portugal de duas maneiras: falando exaustivamente de si e ressaltando tudo o que é exótico, e buscando novas referências na cultura parisiense, uma Europa marcada pelos signos da modernidade. [...] vai se construindo uma tradição nacional a partir da figura do indígena, absolutamente degradado e destituído cultural e materialmente falando. No entanto, essa majestade é o elemento exótico mais importante de uma literatura que se pretende fundadora da nacionalidade. Nessa representação literária da realidade, o índio afigura-se ao mesmo tempo como tradição e como elo majestoso para uma modernidade a se instaurar distanciada da antiga identidade paterna, isto é, de Portugal. Os padrões estéticos parisienses que acabaram moldando as representações literárias e historiográficas brasileiras funcionaram como contrapontos à tradição lusitana. (DECCA, 2002, p. 96). A representação do índio como um elemento do passado se torna extremamente útil para uma sociedade crescentemente interessada na questão de terras. Se a princípio é reconhecido o direito de primazia dos índios sobre suas terras, ocorre, ao longo do século XIX, um processo de espoliação gradual. Toda a sorte de subterfúgios será usada. [...] começa-se por concentrar em aldeamentos as chamadas “hordas selvagens”, liberando-se vastas áreas, sobre as quais seus títulos eram incontestes, e trocando-as por limitadas terras de aldeias; ao mesmo tempo, encoraja-se o estabelecimento de estranhos em sua vizinhança; concedem- se terras inalienáveis às aldeias, mas aforam-se áreas dentro delas para o seu sustento; deportam-se aldeias e concentram-se grupos distintos; a seguir, extinguem-se aldeias a pretexto de que os índios se acham “confundidos com a massa da população”; ignora-se o dispositivo de lei que atribui aos índios a propriedade da terra das aldeias extintas e concedem- 26 se-lhes apenas lotes dentro delas; revertem-se as áreas restantes ao Império e depois às províncias, que as repassam aos municípios para que as vendam aos foreiros ou as utilizem para a criação de novos centros de população. Cada passo é uma pequena burla, e o produto final, resultante desses passos mesquinhos, é uma expropriação total. (CUNHA, 2012, p. 81-82). Fica claro, assim, como a representação do índio na construção da memória nacional brasileira se constitui como um exemplo expressivo dos conflitos, silêncios e esquecimentos presentes no processo de construção da nação. Embora Peri e Iracema sejam glorificados por meio de uma imagem majestosa, eles pertencem ao passado e tem sua cultura em estado de ruína, necessitando abdicar dela para poder integrar-se à nova nação que estava se constituindo. Por um lado, os índios são reconhecidos como personagens do passado; por outro, é ignorada e silenciada sua atuação no presente. Referências ALENCAR. José de. Iracema. São Paulo: Gráfica e Editôra EDIGRAF S. A., s/d. ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. ARAÚJO, Marivânia C. Considerações sobre o conceito de identidade social. 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As correspondências estiveram presentes durante a maior parte de existência do periódico, entre os anos de 1911 e 1917 e foram escritas em dialeto caipira, em macarrônicoitaliano e alemão. Numa ortografia quase fonética, os cronistas da cidade buscaram códigos alternativos que expressassem os acontecimentos do momento e que refletissem diretamente sobre a nova forma de vida da cidade de São Paulo. Com alto teor cômico e sarcástico, estes textos expressavam a integração do caipira e do imigrante na metrópole. Deste modo, propõe-se a análise das seções de correspondências de O Pirralho, destacando-se as que foram escritas em dialeto caipira. O Pirralho, periódico fundado em 1911 por Oswald de Andrade, possuía não somente um caráter humorístico como literário, social e até político, como afirma Brito Broca (2004, p. 311). Por meio de uma linguagem informal, ágil e pautada no humor, colocava em destaque o cotidiano da cidade de São Paulo. Circulando até o ano de 1917, procurou manter, em termos políticos e estéticos, um comportamento arrojado, o que na prática significou um embate contínuo, sobretudo entre figuras proeminentes do cenário político brasileiro. Ao percorrer as páginas irreverentes de O Pirralho, encontramos críticas artísticas e literárias, notas culturais, comentários políticos e esportivos, além de muitas caricaturas e fotografias. As seções de correspondências epistolares, que captavam as várias vozes presentes na metrópole em formação, eram não somente uma marca distintiva do semanário, mas também uma das melhores expressões e representações da belle époque paulistana. Para muitos autores, O Pirralho já antecipava muito do que seria proposto em termos ideológicos, estéticos e culturais pelo movimento modernista (CRESPO, 1990, p. 29). Calcado no humor, na ironia e na paródia, O Pirralho afastava-se do caráter sisudo e comedido de grande parte da imprensa da época. Poderíamos dizer que trafegou na contramão dos parâmetros estabelecidos pela norma letrada, na medida em que se utilizou 1 Mestranda - Programa de Pós-Graduação em História – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca – UNESP – Univ. Estadual Paulista, Campus de Franca - Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, CEP.14409-160 - Franca, São Paulo – Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: bia_sic@hotmail.com mailto:bia_sic@hotmail.com 29 de uma linguagem concisa, híbrida e irreverente.2 O próprio periódico assumia o caráter despojado e ironizava com os excessivos rebuscamentos e formalismos, como demonstra um de seus cronistas: “O Pirralho gosta muito de troça, de pagodeira. Apezar disso, frequenta tambem bôa sociedade, mesmo não tendo ainda educação suficiente, nem paciência p’ra’ essas coisas.” (O PIRRALHO..., 07 out. 1911, p. 07) De modo geral, havia por parte das revistas da época, a tentativa de acompanhar o movimento de expansão da imprensa, que sugeria que os periódicos tivessem uma escrita mais dinâmica. Houve uma crescente aproximação de conteúdos mais leves, de narrativas curtas, sintéticas, objetivas, contos-casos, textos-relâmpagos, caricaturas e textos humorísticos. No lugar de descrições áridas e os pesados artigos de fundo, entram quadrinhas, historietas, diálogos curtos e a crônica mais afeita ao linguajar do dia-a-dia e ao gosto do novo público que procura cativar. Personalidades políticas, grupos sociais diversos, figuras típicas da cidade são alegorizados em personagens com falas próprias. A gíria da moda, os estrangeirismos franceses e depois yankees penetram a crônica, os falares dos imigrantes são traduzidos em fala macarrônica e a presença das populações interioranas mostra-se através dos dialetos caipiras. (CRUZ, 2000, p. 111). O ritmo das mudanças na cidade transformava a própria linguagem dos periódicos e O Pirralho, por sua vez, promoveu aquilo que Paula Janovitch (2006, p. 184) denominou de “congestão de línguas”.3 Este aspecto se deve ao fato de ter trazido para dentro de suas páginas a sonoridade das ruas, numa ortografia quase fonética. Formado pela escrita dos imigrantes e dos caipiras recém-chegados, o linguajar das ruas era transplantado para o semanário através das diversas seções de narrativas epistolares. Em formato de cartas, publicavam-se textos em páginas inteiras, geralmente divididas em colunas, que teciam um panorama muito crítico e bem humorado da vida paulistana. Em linguagem macarrônica, misto de duas linguagens diferentes, que no caso brasileiro foi formada pela mistura do português com uma língua estrangeira, surgia uma profusão de correspondências.4 As correspondências macarrônicas de O Pirralho eram compostas pelo português falado no Brasil, misturado com italiano ou alemão. Pautadas por uma espécie de linguagem de transição, as correspondências misturavam diferentes linguagens que sintetizavam o momento peculiar da imigração pela qual a cidade passava. 2 É preciso salientar que apesar do despojamento de O Pirralho, o periódico contava com a colaboração de escritores bastante renomados no período, tais como Olavo Bilac, Emílio de Menezes, Afonso Celso, José do Patrocínio Filho, dentre outros. Olavo Bilac, por exemplo, “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, publicou diversas de suas poesias no periódico. 3 Ver: A força do macarrão, o poder misterioso da batata, o efeito líquido da cerveja e o que o milho tem a ver com isso!!! Uma congestão de línguas promovida por O Pirralho. In: JANOVITCH, Paula. 2000, p. 184-199. 4 Sobre a linguagem macarrônica, ver: CAPELA, Carlos Eduardo. S. “Entrevôos macarrônicos” em Travessia (Revista de Literatura), n. 39, jul-dez. 1999, Florianópolis, UFSC. JANOVITCH, Paula. Correspondências Macarrônicas. In: Preso por Trocadilho. São Paulo: Alameda, 2006, p. 160-184. SALIBA, Elias Thomé. A macarrônea dos desenraizados: humoristas em São Paulo. In: Raízes do Riso. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 154-215. 30 O correspondente alemão era Franz Kennipperlein5 e o italiano, Juó Bananére, sucessor de Annibal Scipione (Oswald de Andrade). Certamente Juó Bananére, pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado, foi um dos maiores cronistas macarrônicos do Brasil, não apenas pela extensão do material que produziu, mas pela agudeza com que se utilizou deste recurso linguístico. Bananére escreveu as “Cartas do Abaix’o Pigues”, “O Rigalegio” e “O Féxa”, em uma mistura intencional de italiano e português, expondo a voz do imigrante italiano que vinha para o país. Sua forma de escrita se assemelhava ao falante não letrado de São Paulo, pois como dizia o próprio Bananére, “a artugrafia muderna é uma maniera di screvê, chi a genti escrive uguali como disse [...].” (BANANÉRE, 13 jul. 1912, não paginado) No interior de O Pirralho, ao lado das correspondências macarrônicas, encontramos várias narrativas epistolares em dialeto caipira. Aos olhos de hoje, o gênero carta pode despertar curiosidade. Porém, num tempo em que a comunicação era feita desta forma, nada mais esperado que ela fosse transplantada para o periódico em formato criativo. As colunas de cartas, com alto teor sarcástico e cômico, retratavam a inserção do caipira na cidade de São Paulo e o cotidiano na metrópole em formação. Os assuntos eram os mais variados possíveis: os fatos ocorridos ao longo da semana em locais públicos, os problemas relacionados à urbanização, a situação política, a vida do caipira na metrópole e assim por diante. De acordo com Paula Janovitch (2003, p. 214), estas cartas constituíam-se quase como crônicas da semana, já que se tratava de um estilo epistolar com teor de atualidades. Ao longo dos sete anos de circulação de O Pirralho, foram encontrados aproximadamente oito títulos distintos de cartas caipiras, sem levar em consideração a variação de nome que um mesmo título poderia sofrer. Tentar contabilizar ou qualificar estas cartas não é tarefa fácil tendo em vista que os cronistas não seguiram uma lógica de publicação. Algumas cartas eram sequenciadas,sendo publicadas diversas vezes no periódico, tais como Carta de um caipira e Correspondência da Xiririca, ambas assinadas por Fidêncio José da Costa, Cartas de Nho Vadô, assinadas por Vadosinho Cambará e Calta prus povo, assinada por Nastacio Figuêra. Outras, porém, apareceram apenas uma ou duas vezes no semanário. Neste trabalho, salientaremos os aspectos mais marcantes destas cartas de um modo geral. As cartas caipiras de O Pirralho eram encaminhadas para a própria redação do periódico ou para um personagem fictício que vivia no campo. Na maior parte das vezes, encontramos cartas que foram enviadas ao próprio semanário, iniciando-se com os dizeres: “Seo Redatô do Pirraio” ou “amigo seo redatô”. Nos casos em que as cartas eram enviadas a um amigo distante, não encontramos, ao menos em O Pirralho, casos de resposta. Este fato é compreensível se pensarmos que o intuito destas cartas era refletir sobre a realidade 5 Em virtude da grande utilização de pseudônimos em O Pirralho, não é possível afirmar o verdadeiro autor do macarronismo alemão. Paula Janovitch (2000, p. 185) acredita que pela proximidade com o macarronismo italiano, é provável que se tratasse do próprio Oswald de Andrade ou de Alexandre Marcondes Machado. 31 urbana e não rural. Eram cartas escritas na cidade, pelo homem do interior que lá vivia ou que por lá estava de passagem e que contava ao amigo suas experiências. Por este motivo, são “conversas” afetuosas: “Querida Cumade Zinha - pra principiá – Sodação – Ansim é que a gente hoje desabafa o coração. Já vai indo pra dois meis, que mudei pra capitá [...]” (CAMBARÁ, 04 abr. 1916, não paginado) Em geral, o caipira não está sozinho na cidade, mas acompanhado pelos familiares. Nas cartas, os membros da família acabam se tornando personagens e os leitores adentram na lógica do grupo. O autor da carta é geralmente o protagonista e representa o pai e o marido do núcleo familiar. Existem, em poucos casos, pseudônimos femininos, mas eles não aparecem em O Pirralho.6 As mulheres que aparecem ao longo das cartas são apenas personagens coadjuvantes, como mostra o fragmento: “Sua afiada Jeroma mais os menino e a muié, que nunca aqui poz os pé, ficaro cheio de intriga co aquelle mundão de povo que parecia formiga [...].” (CONCEIÇÃO, 09 jun. 1912, não paginado). As seções de cartas caipiras publicadas no início do século XX estão fortemente interligadas às Cartas de Segismundo, publicadas no Diário de São Paulo no final do século XIX, sobretudo nos anos de 1865, 1872 e 1873. Estes textos foram publicados no mínimo uma vez por mês em uma seção de “publicações pedidas”, parecida com a seção de cartas de leitores que encontramos nos jornais e revistas atuais (FREHSE, 2000, p. 101-102). As Cartas de Segismundo eram assinadas por Segismundo das Flores, pseudônimo de Pedro Taques de Almeida Alvim.7 Segismundo era um roceiro que estava de passagem pela cidade e é por meio das cartas publicadas que ele descrevia aos seus colegas do interior, o dia a dia na capital. Por meio do deslocamento de Segismundo era possível perceber as distinções entre a vida urbana e rural e os primeiros sinais da modernização na cidade.8 A narrativa epistolar era utilizada como uma forma de representar o cotidiano. Todavia, há que se mencionar que as Cartas de Segismundo eram fictícias, ou seja, Segismundo descrevia uma cidade imaginária. De qualquer forma, as cartas funcionavam como contraponto crítico às transformações urbanas. O escritor fazia o leitor refletir sobre a vida na cidade, considerada polida, civilizada, inovadora e moderna, em relação à vida no campo, selvagem, rústica e simples. É preciso ressaltar que, embora houvesse estes contrapontos críticos, não havia naquele momento, diferentemente do contexto das cartas do início do século XX, uma diferença muito arraigada entre a vida na cidade e a vida no campo. 6 É o caso por exemplo do pseudônimo “Purcheria do Sabará”, que escrevia as “Cartas de Nhá Pulcheria” em A Cigarra no ano de 1917 e em O Sacy em 1926. 7 Pedro Taques de Almeida Alvim participava de diversas atividades culturais e políticas do período. Era poeta e advogado, conhecido como um dos primeiros jornalistas campineiros a trabalhar em São Paulo. 8 Para Fraya Frehse (2000, p. 102), a provisoriedade da passagem de Segismundo, própria de um “viajante”, dotava o personagem de um olhar do estrangeiro em trânsito. Entre dois mundos, o interior e a capital, Segismundo situava-se também entre dois espaços: a roça e a rua. 32 Embora as Cartas de Segismundo indiquem a utilização do estilo epistolar em colunas e se utilizem do dialeto caipira já no século XIX, verificamos que as cartas publicadas nas primeiras décadas do século XX, em O Pirralho, guardam especificidades bastante relevantes. A primeira distinção entre as duas publicações diz respeito à maneira como as cartas foram escritas. As Cartas de Segismundo eram “contidas”, as expressões e as palavras ainda não sofriam uma mudança ortográfica tão acentuada em direção ao dialeto caipira, diferentemente das publicações posteriores que, de maneira proposital, achincalhavam com a maneira correta da escrita. A linguagem fonética das cartas ia à contramão dos “cânones” literários e Cornélio Pires, do qual falaremos adiante, afirmava em um de seus textos que suas “mal traçadas linhas” eram propositais: “Preparando os meus artiguetes a facão, escrevendo-os a maião, naturalmente não percuro fazer-bunitu; por via das duvidas ahi fica essa declaração.” (PIRES, 09 maio 1913, não paginado) Este aspecto demonstra que o autor estava mais interessado na aproximação com o público e na provocação do riso do que com a norma culta da escrita. Além do aspecto linguístico, há que se mencionar que as cartas foram publicadas em momentos diferentes. As Cartas de Segismundo foram publicadas nas décadas de 1860 e 1870, já as cartas caipiras posteriores foram publicadas sobretudo nas três primeiras décadas do século XX.9 A cidade de São Paulo passava por profundas transformações, a população paulistana mudara em razão dos grandes deslocamentos do interior para a capital, bem como do fluxo imigratório europeu. Estas mudanças faziam com que o mundo urbano e o rural não estivessem mais tão afastados quanto antes e o narrador das cartas do início do século XX não teria como objetivo principal a representação dos costumes do homem do campo, mas sim os da cidade. Este aspecto se torna evidente, na medida em que constatamos que o distante caipira tornara-se um dos novos habitantes da cidade. De acordo com Antonio Cândido, (2001, p. 279-280) a industrialização, a diferenciação agrícola, a extensão do crédito e a abertura do mercado interno, ocasionaram uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo. Por causa dos recursos modernos de comunicação, do aumento da densidade demográfica e da generalização das necessidades complementares, os caipiras acharam-se frente a frente com os homens da cidade. Então, tipos rurais e urbanos, sitiantes e fazendeiros, assalariados agrícolas e operários se reaproximaram no espaço urbano. Na maior parte dos casos, o caipira fica encantado quando chega à cidade e nutre esperanças de uma vida menos austera. Ele atribui importância significativa à educação, sendo comum encontrarmos registros em que o narrador da carta, e também pai, envia seu filho à cidade para a realização dos estudos. Ter um filho estudando na “capitá” era ter 9 As cartas caipiras compreenderam sobretudo os anos entre 1910 e 1922. Em O Pirralho, aparecem nos anos de 1911, 1912, 1914 e 1916. 33 prestígio. O caipira se assusta com o mundo novo, com a iluminação, com a tecnologia, com os automóveis e com
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