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Sistemas internacionais de direitos humanos 1

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DESCRIÇÃO
A proteção dos direitos humanos no plano internacional por meio de sistemas internacionais.
PROPÓSITO
Compreender como funcionam os vários sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos existentes na atualidade é de absoluta importância nos âmbitos nacionais e internacional, considerando um mundo cada vez mais globalizado e internacionalizado.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar este conteúdo, tenha em mãos um dicionário jurídico para entender determinados termos específicos da área. Tenha, também, a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar o papel desempenhado pela ONU na proteção dos direitos humanos
MÓDULO 2
Listar os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos
MÓDULO 3
Descrever finalidade, competência, composição e atuação do Tribunal Penal Internacional na proteção dos direitos humanos
INTRODUÇÃO
Entre os estudiosos, é comum a afirmação de que os horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e toda a barbárie perpetrada contra a vida e a dignidade humana durante esse triste período da história da humanidade constituem o ponto de partida para a consagração dos direitos humanos tais como são conhecidos atualmente.
Os direitos humanos são entendidos hoje como um conjunto de direitos considerado imprescindível para a existência da vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade, direitos esses dos quais todas as pessoas são titulares, pelo simples fato de pertencerem à raça humana.
Neste conteúdo, estudaremos sobre o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU) e, por meio desse organismo internacional de caráter global, o estabelecimento de um sistema global de proteção dos direitos humanos.
Veremos também o surgimento de sistemas regionais de proteção de direitos humanos, com vistas a complementar a proteção global desses direitos, a partir de organizações internacionais regionais, tais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Conselho da Europa (CE) e a União Africana (UA).
Por fim, focaremos a formação do Direito Penal Internacional, a partir de um conjunto de normas jurídicas internacionais estabelecedoras de direitos humanos, e a criação e atuação do Tribunal Penal Internacional, considerando a sua estrutura, competência e funcionamento.
MÓDULO 1
Identificar o papel desempenhado pela ONU na proteção dos direitos humanos
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E OS DIREITOS HUMANOS
Foto: MadGeographer/Wikimedia commons/CC BY-SA 2.0
O Escritório das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, é o segundo maior centro da ONU, depois da sede das Nações Unidas, em Nova York
Neste módulo, aprenderemos como está estruturado e como opera o sistema universal de proteção dos direitos humanos, também conhecido como sistema onusiano(Default tooltip) ou sistema global de proteção dos direitos humanos.
O objetivo do módulo é proporcionar a compreensão da arquitetura existente na área da ONU para a proteção dos direitos humanos, notadamente por meio da análise de seus principais instrumentos normativos e da estrutura organizacional especificamente relacionada à proteção de tais direitos.
A CRIAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O INÍCIO DA EDIFICAÇÃO DO TEMPLO DOS DIREITOS HUMANOS
A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS É A PORTA DE ENTRADA DO TEMPLO DOS DIREITOS HUMANOS.
(CASSIN, 1951)
Antes do término da Segunda Guerra Mundial, os países aliados já arquitetavam a construção de um novo organismo internacional — que viria substituir a antiga Liga das Nações — que tivesse como um de seus mais importantes objetivos a proteção da vida e a salvaguarda da dignidade humana em uma escala global.
É nesse contexto que nasce a Organização das Nações Unidas (ONU), criada por meio da Carta das Nações Unidas (ou Carta de São Francisco), um tratado internacional assinado em São Francisco (EUA), em 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional da Nações Unidas.
Imagem: FDRMRZUSA/Wikimedia commons/Domínio Público
Bandeira da ONU.
A Carta das Nações Unidas dispôs que uma das principais finalidades da organização é a promoção dos direitos humanos e sua efetivação em nível global, assim como a manutenção da paz e da segurança internacional (arts. 1º; 13.1, b; 55, c; 62, 2; 68 e 76, c). Desse modo, logo após a sua instituição, a ONU passou a desenvolver trabalhos específicos para o alcance de tais objetivos. O primeiro resultado desses esforços foi a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948.
Não há dúvida de que a DUDH constitui um documento marco na história mundial dos direitos humanos, sendo responsável pela gênese e pelo desenvolvimento da proteção internacional desses direitos, hoje consubstanciada em um ramo específico do Direito Internacional, denominado e conhecido globalmente como Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), que visa proteger e promover a dignidade humana em todo o mundo ao consagrar uma série de direitos (universais, indivisíveis e interdependentes) dirigidos a todas as pessoas, sem distinção de qualquer natureza, inclusive de nacionalidade ou do Estado em que o indivíduo se encontre.
A DUDH inaugurou uma nova era na história internacional, dando origem à concepção moderna ou contemporânea dos direitos humanos, especialmente por ser um instrumento que transcendeu as fronteiras nacionais, ultrapassando os espaços soberanos em que a precária proteção dos direitos se encontrava confinada até então, dando voz a uma herança cultural de toda a humanidade e alçando a proteção desses direitos ao nível internacional.
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
Esta Carta foi incorporada ao sistema jurídico-legislativo brasileiro pelo Decreto n.º 19.841, de 22 outubro de 1945.
Foto: Joalpe/Wikimedia commons/Domínio Público
A brasileira Bertha Lutz na Conferência de
São Francisco, nos Estados Unidos, que elaborou
a Carta da Organização das Nações Unidas – ONU
Seja no plano ideológico, filosófico ou jurídico-normativo, nenhum documento na história da humanidade tem contribuído tanto para a defesa e garantia dos direitos humanos como a DUDH, razão pela qual é sempre importante uma reflexão sobre a sua origem, natureza e seu legado, dentre outros aspectos que envolvem esse notável documento.
Nas palavras de René Cassin (1951, p. 277, tradução nossa, grifo nosso), um dos grandes juristas responsáveis pela redação do texto final, a DUDH teve como mérito constituir o “pórtico de entrada do grande templo dos direitos humanos que foi construído a partir dela”.
O ARCABOUÇO NORMATIVO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DA ONU
Com a criação da ONU e, mais especificamente, com a proclamação da DUDH, aos poucos o sistema global de proteção dos direitos humanos foi ganhando forma e contornos cada vez mais específicos. Impulsionados pela ONU, os Estados-membros da organização sucessivamente passaram a adotar uma série de tratados internacionais, juridicamente vinculantes para os Estados, bem como outros instrumentos de caráter não vinculante (por exemplo, resoluções, declarações, regras mínimas, princípios etc.), todos eles voltados genérica ou especificamente para a proteção universal dos direitos humanos.
Imagem: MSClaudiu/Wikimedia commons/Domínio Público
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 10 de dezembro de 1948.
COMO FRUTO DESSA ATIVIDADE, TEMOS HOJE UM AMPLO ARCABOUÇO NORMATIVO QUE CONSTITUI O CORPUS JURIS INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. ESSES TEXTOS NORMATIVOS TÊM SIDO APLICADOS EM LARGA ESCALA PARA A SOLUÇÃO DE MUITOS TIPOS DE CONFLITOS, TANTO PELAS CORTES E TRIBUNAIS INTERNOS DOS ESTADOS, COMO PELA JUSTIÇA INTERNACIONAL, COMPOSTA POR CORTES, TRIBUNAIS, COMISSÕES E COMITÊS, ENTRE OUTROS ÓRGÃOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.
Dois tratados de grande importância no âmbito da ONU são o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicose Culturais (PIDSEC), ambos adotados pela Assembleia Geral da ONU em 1966, responsáveis por complementar material e processualmente a DUDH, e que em conjunto com ela receberam o nome de Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Além desses, vale a pena conhecermos outros instrumentos normativos onusianos, responsáveis por consagrar os direitos humanos para todas as pessoas, independentemente de qualquer fator comumente utilizado para promover a discriminação. São documentos que estabelecem uma proteção genérica (para todos) ou específicas (mulheres, negros, crianças, idosos, pessoas com deficiência etc.) ao redor do globo.
Alguns desses importantes instrumentos, juridicamente vinculantes para os Estados-partes são:
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948).
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951).
Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura (1956).
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966).
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1966).
Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967).
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) (1979).
Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984).
Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1989).
Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (1990).
Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1999).
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Referente à Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à Pornografia Infantil (2000).
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2000).
Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, Complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (2000).
Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (2002).
Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (2006).
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (2007).
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (2008).
Outras regras que não são juridicamente vinculantes, mas que servem de diretrizes e princípios para a atuação dos Estados-membros da ONU no tocante à proteção dos direitos humanos são:
As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela), de 1955.
As Regras Mínimas da ONU para Administração da Justiça da Infância e Juventude (Regras de Beijing), de 1985.
As Regras Mínimas da ONU para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, de 1990.
As Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riade), de 1990).
A Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993.
As Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok), de 2010.
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A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DA ONU
Foto: Vassil/Wikimedia commons/CC BY-SA 1.0
Palácio das Nações, escritório das Nações Unidas em Genebra (Suíça)
Ao lado da proteção de caráter normativo, que se dá por meio dos tratados internacionais e por textos de outra natureza, conforme elencados anteriormente, o sistema global de proteção dos direitos humanos conta ainda com órgãos e mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos humanos, que são responsáveis pela aplicação e efetivação das normas internacionais relativas a esses direitos e por prestar auxílio aos Estados no tocante ao fomento e efetivação dos direitos humanos em seus respectivos territórios.
A ONU POSSUI ÓRGÃOS PRÓPRIOS E TAMBÉM RELAÇÕES DE APOIO ADMINISTRATIVO E TÉCNICO COM VÁRIOS ÓRGÃOS CRIADOS PELOS DIVERSOS TRATADOS INTERNACIONAIS ELABORADOS SOB SEU PATROCÍNIO, VOLTADOS À PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. ESSE CONJUNTO DE MECANISMOS DE PROTEÇÃO GERIDOS TANTO PELOS PRÓPRIOS ÓRGÃOS ONUSIANOS QUANTO POR AQUELES PREVISTOS NOS TRATADOS TAMBÉM INTEGRA O DENOMINADO SISTEMA GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS.
O que os une tais órgãos é a atuação da ONU, quer diretamente, por meio daqueles da própria organização; ou indiretamente, mediante a atuação de organismos independentes, previstos em tratados elaborados sob seu patrocínio e que recebem apoio técnico e administrativo da organização. Vamos conferir quais são os principais deles.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) é o principal órgão da ONU encarregado de promover e proteger os direitos humanos. Foi criado pela Resolução n.º 48/141 da Assembleia Geral da ONU, de 1993, a partir de recomendação da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, ocorrida no mesmo ano.
[A] FUNÇÃO PRECÍPUA DO OHCHR É PROMOVER E PROTEGER OS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO E LIDERAR OS ESFORÇOS DAS NAÇÕES UNIDAS NESSE SENTIDO, CONFERINDO TAMBÉM MAIOR RELEVÂNCIA POLÍTICA AO TRATAMENTO DO TEMA (...) INCLUI, ENTRE SUAS COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS, O APOIO AOS DEMAIS ÓRGÃOS DA ONU ENVOLVIDOS COM A MATÉRIA, ABRANGENDO A COORDENAÇÃO DAS ATIVIDADES QUE DESENVOLVEM E O ESFORÇO PARA QUE TODAS AS ÁREAS DAS NAÇÕES UNIDAS INCLUAM CONSIDERAÇÕES RELATIVAS À PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA NO TRATAMENTO DOS TEMAS DE SUA COMPETÊNCIA.
(PORTELA, 2017, p. 914)
Outro importante órgão da ONU é o Conselho de Direitos Humanos, criado em 2006, por meio da Resolução n.º 60/251 da Assembleia Geral da ONU. O Conselho substituiu a antiga Comissão de Direitos Humanos (1946-2006), que havia sido criada pelo Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC).
Foto: GnuCivodul/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
Sala usada pelo Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas no Palácio das Nações, em Genebra (Suíça).
Sua principal função é promover o respeito universal aos direitos humanos por meio da supervisão do cumprimento dos compromissos internacionais celebrados pelos entes estatais na matéria. É composto por 47 Estados-membros, escolhidos por votação secreta da Assembleia Geral da ONU, para um mandato de três anos. Tem competência para promover e fiscalizar a observância da proteção de direitos humanos pelos Estados da ONU e fazer, atualmente, a gestão do Sistema de Procedimentos Especiais e do Mecanismo da Revisão Periódica Universal (RPU), que são instrumentos pelos quais fiscaliza o cumprimento e a proteção dos direitos humanos por parte dos Estados-membros da ONU.
Foto: Kjetil r/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
Sala usada pelo Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas, em Nova York (EUA).
Os Relatores Especiais de Direitos Humanos também são órgãos onusianos de proteção dos direitos humanos. A partir da criação dos procedimentos especiais pelas Resoluções n.º 1235 (procedimento público) e n.º 1503 (procedimento confidencial) do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC), especialmente em razão do primeiro, surgiu a necessidade de nomeação de órgãos de averiguação de violações de direitos humanos, cuja abrangência pode ser geográfica (por país) ou temática.
Tais órgãos podem ser unipessoais ou coletivos e a denominação é variada, isto é, nos casos unipessoais, há o uso da expressão “Relator Especial” ou ainda “Especialista Independente”; no caso dos órgãos colegiados, utiliza-se a expressão “Grupo de Trabalho”.
Conforme explica André de Carvalho Ramos (2021), o trabalho desses órgãos “consiste em realizar visitas aos países, emmissões de coleta de dados (fact-finding missions), bem como em agir diante de violações de direitos humanos solicitando (não podem exigir) atenção do Estado infrator sobre os casos. Seus relatórios não vinculam, apenas contêm recomendações, que são enviadas aos Estados e também ao Conselho de Direitos Humanos e Assembleia Geral da ONU”.
Por fim, importante também mencionar os comitês criados por tratados internacionais de âmbito universal, que têm como principal atribuição monitorar o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados dentro do sistema global ao aderirem ou ratificarem determinado tratado. Estão voltados, portanto, a assegurar a observância das normas convencionais, seja de um único tratado ou de uma restrita série de acordos específicos.
São exemplos desses comitês: o Comitê de Direitos Humanos; o Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais; o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial; o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher; o Comitê contra a Tortura; o Comitê para os Direitos da Criança; o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; e o Comitê contra Desaparecimentos Forçados.
Foto: Flickr upload bot/Wikimedia commons/CC BY-SA 2.0
Sra. Navanethem Pillay, alta comissária para os Direitos
Humanos, no Dia da Eliminação da Discriminação Racial de 2010.
ESSES COMITÊS GERALMENTE PODEM TER A SUA COMPETÊNCIA RECONHECIDA PELOS ESTADOS PARA ANALISAR PETIÇÕES DE INDIVÍDUOS QUE LHES SERÃO DIRIGIDAS NOTICIANDO VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS.
Em termos conclusivos, podemos afirmar que, no âmbito da ONU, existe atualmente um sofisticado sistema de proteção dos direitos humanos em nível universal voltado para todas as pessoas pelo simples fato de serem humanas, sem discriminação de qualquer natureza.
Agora, o professor Luciano Meneguetti apresenta os órgãos e mecanismos de proteção e monitoramento dos direitos humanos na ONU.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ACERCA DO SISTEMA UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, INSTITUÍDO NO ÂMBITO DA ONU, ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:
Visando à proteção global dos direitos humanos, a ONU possui órgãos próprios e também relações de apoio técnico e administrativo com vários órgãos criados por tratados internacionais elaborados sob seu patrocínio.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos é o principal órgão da ONU encarregado de promover e proteger os direitos humanos em nível global.
O Sistema de Procedimentos Especiais e o mecanismo da Revisão Periódica Universal são instrumentos de fiscalização do cumprimento dos direitos humanos pelos Estados-membros da ONU, e são operacionalizados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem como principal função a promoção do respeito universal aos direitos humanos por meio da supervisão do cumprimento dos compromissos internacionais celebrados pelos Estados.
Os comitês criados por tratados de âmbito universal têm como principal atribuição monitorar o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados ao aderirem ou ratificarem um tratado de direitos humanos.
2. SOBRE O CORPUS JURIS UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, ASSINALE ABAIXO A ALTERNATIVA CORRETA:
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é formada pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais.
Integram o corpus juris universal de proteção dos direitos humanos apenas os tratados internacionais celebrados sob o patrocínio da ONU.
A Carta das Nações Unidas é considerada o pórtico de entrada do grande templo dos direitos humanos.
As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, conhecidas como as Regras de Mandela, de 1955, têm a natureza jurídica de tratado internacional, razão pela qual devem ser obedecidas pelos Estados-membros da ONU, sob pena de sanção.
O arcabouço de proteção dos direitos humanos da ONU é formado por tratados internacionais e por diversos outros instrumentos que, mesmo não sendo juridicamente vinculantes, são importantes para direcionar os Estados na efetivação desses direitos.
GABARITO
1. Acerca do Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos, instituído no âmbito da ONU, assinale a alternativa incorreta:
A alternativa "C " está correta.
Tais procedimentos são operacionalizados pelo Conselho de Direitos Humanos, e não pelo Alto Comissariado.
2. Sobre o corpus juris universal de proteção dos direitos humanos, assinale abaixo a alternativa correta:
A alternativa "E " está correta.
O corpus juris universal de direitos humanos é composto por tratados e vários outros instrumentos que promovem os direitos humanos.
MÓDULO 2
Listar os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos
SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
Paralelamente à ONU, outras organizações internacionais regionais começaram a surgir após o término da Segunda Guerra Mundial, tais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948; o Conselho da Europa (CE), em 1949; e, um pouco mais tarde, a Organização da Unidade Africana (OUA), de 1963, que teve como sucessora a União Africana (UA), em 2002. Na área dessas organizações também surgiram e passaram e ser desenvolvidos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, com vistas a complementar a proteção global desses direitos, anteriormente instituída pela ONU. Na atualidade coexistem, em uma relação de complementariedade, o sistema global e os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos.
Foto: Ssolbergj/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
Sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho
da Europa na antiga Casa da Europa em Estrasburgo em 1967.
Atualmente, existem três sistemas que se encontram estruturados em diferentes continentes:
Imagem: Tohaomg/Wikimedia commons/Domínio Público
Bandeira do Conselho da Europa.
O sistema europeu de proteção dos direitos humanos, arquitetado no âmbito do Conselho da Europa (CE).
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0
Bandeira da Organização dos Estados Americanos.
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, arquitetado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Imagem: UAmtoj/Wikimedia commons/Domínio Público
Bandeira da União Africana.
O sistema africano de proteção dos direitos humanos, arquitetado no âmbito da União Africana (UA).
Apesar da existência de alguns documentos voltados à proteção dos direitos humanos no plano regional árabe-islâmico, não é possível afirmar, na atualidade, a existência de um sistema árabe-islâmico de proteção dos direitos humanos, o que ainda é uma grande aspiração. Nesse contexto, é possível destacar a existência de alguns poucos instrumentos: (i) a Declaração Universal Islâmica de Direitos Humanos, de 1981; (ii) a Declaração dos Direitos Humanos do Cairo ou Declaração dos Direitos Humanos do Islam, adotada em 1990 pela Organização para a Cooperação Islâmica (OCI); e (iii) a Carta Árabe dos Direitos do Homem, adotada pelo Conselho da Liga dos Estados Árabes, em 1994 e atualizada em 2004.
VALE DESTACAR TAMBÉM QUE OS DIREITOS HUMANOS PARA OS POVOS ÁRABES GERALMENTE SE APRESENTAM COMO UM PODER DERIVADO DE UM PODER DIVINO, O QUE ACABA POR PRODUZIR SITUAÇÕES COMPLEXAS E VIOLADORAS DE DIREITOS HUMANOS PARA DETERMINADOS SEGMENTOS SOCIAIS, COMO MULHERES E CRIANÇAS.
Por sua vez, no continente asiático não existe até o presente momento qualquer documento relevante sobre a proteção dos direitos humanos e sequer uma expectativa de conclusão de uma convenção regional ou sub-regional de direitos humanos.
Antes de passarmos à análise específica de cada um dos sistemas regionais, é necessário esclarecer que eles atuam paralela e complementarmente ao sistema global. Portanto, esses sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos não se excluem, ao contrário, se completam. Como já vimos, a finalidade do sistema global é atuar de forma ampla em todos os Estados soberanos, ao passo que os sistemas regionais têm uma atuação complementaràquele, buscando aperfeiçoar e fortalecer as determinações dos moldes gerais, bem como tratar das especificidades relativas aos direitos humanos em cada âmbito regional.
Rhona K. M. Smith (2014, p. 87), ao apontar algumas vantagens dos sistemas regionais, destaca que, “na medida em que um número menor de Estados está envolvido, o consenso político se torna mais facilitado, seja com relação aos textos convencionais, seja quanto aos mecanismos de monitoramento. Muitas regiões são ainda relativamente homogêneas, com respeito à cultura, à língua e às tradições, o que oferece vantagens”.
O SISTEMA REGIONAL EUROPEU DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
O sistema europeu de proteção dos direitos humanos é atualmente o mais desenvolvido dos sistemas regionais. Foi o primeiro efetivamente instalado, fato que se deu em 4 de novembro de 1950, com a adoção da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais ou simplesmente Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH). A Convenção foi elaborada no âmbito do Conselho da Europa, órgão criado em 5 de maio de 1949, com o objetivo de unificar a Europa.
O ARCABOUÇO NORMATIVO
A CEDH é o tratado-regente do sistema europeu, que entrou em vigor internacional em 3 de setembro de 1953, e continua a ser o mais expressivo catálogo europeu de direitos humanos. Logo em seu art. 1º, estabelece a obrigação geral de os Estados-partes respeitarem os direitos humanos.
A principal finalidade da CEDH é disciplinar as diretrizes referentes à proteção dos direitos da pessoa humana e garantir os instrumentos para sua aplicação. Ela também institucionaliza um compromisso dos Estados europeus em cumprir efetivamente as normas protetivas nela previstas, não adotando quaisquer concepções contrárias em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.
Imagem: UAmtoj/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
Edifício do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo, na França.
A CEDH também determina a submissão dos países europeus ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), órgão criado para atuar jurisdicionalmente caso haja o desrespeito às normas impostas pela Convenção, julgando e condenando os Estados violadores de suas disposições e de outras normas integrantes do sistema europeu de proteção.
A CEDH é estruturada basicamente em três partes. A primeira (arts. 2º a 18) regulamenta os direitos e as liberdades fundamentais de natureza civil e política, que se baseiam no direito à vida, na proibição da tortura, na proibição da escravidão e do trabalho forçado, na garantia da liberdade, da segurança, da vida privada e familiar, do processo judicial equitativo e nas liberdades de expressão, pensamento, consciência e religião, na liberdade de reunião e de associação, na proibição da discriminação, entre outros. A segunda parte do texto (arts. 19 a 51) diz respeito à estrutura interna e funcionamento da Corte EDH, órgão responsável por julgar os casos de violação de direitos humanos consagrados e positivados pela Convenção. Por fim, a terceira parte (arts. 52 a 59) estabelece disposições gerais, tais como a assinatura e ratificação, as reservas, a denúncia e a aplicação territorial.
Além do texto principal da CEDH, vários outros instrumentos normativos foram criados para a consagração desses direitos no continente europeu, com destaque para os protocolos relativos à Convenção, que ampliaram o rol dos direitos protegidos. A seguir, estão destacados os protocolos mais importantes:
Protocolo n.º 1 (1952), que dispôs sobre o direito de propriedade; o Protocolo n.º 2 (1993), que trata do direito à educação.
Protocolo n.º 4 (1963), que cuida da liberdade de locomoção.
Protocolo n.º 6 (1983), que dispôs sobre a abolição da pena de morte em tempo de paz.
Protocolo n.º 7 (1984), que estabeleceu o direito de apelar em questões de natureza criminal, o direito a uma justa compensação por erro judiciário e o direito à igualdade entre os cônjuges.
Protocolo n.º 12 (2000), que prevê o direito à não discriminação.
Protocolo n.º 13 (2002), que trata da abolição da pena de morte em tempo de guerra.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Junto à CEDH e aos seus protocolos, o sistema europeu conta atualmente com mais de 185 instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, todos adotados pelo Conselho da Europa. Dentre eles, merecem destaque a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e de Tratamentos Desumanos e Degradantes (1987), a Carta Europeia para as Línguas Regionais ou de Minorias (1992) e a Convenção para a Proteção de Minorias Nacionais (1995).
OS ÓRGÃOS COMPONENTES DO SISTEMA
De início, com a finalidade de monitorar os direitos previstos na CEDH e desenvolver métodos eficazes na produção de resultados protetivos dos direitos consagrados, a própria Convenção estabeleceu três órgãos distintos, cada um com competências específicas previamente instituídas: a Comissão Europeia de Direitos Humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Comitê de Ministros do Conselho da Europa.
Imagem: File Upload Bot (Magnus Manske)/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
Salão da Corte Europeia de Direitos Humanos.
Enquanto um dos órgãos inicialmente criados pela CEDH, a Comissão tinha uma competência política e “semijudicial”. Sua função era analisar as queixas ou comunicações apresentadas pelos Estados-membros do sistema europeu e também pelos indivíduos (ONGs ou grupos de indivíduos), acerca de uma violação da Convenção, buscando resolver o problema de uma maneira mais informal e conciliatória, privilegiando-se a busca pela solução rápida.
A Comissão realizava uma espécie de juízo de admissibilidade das petições protocoladas, atuando como mecanismo de filtragem para decidir quais petições seriam consideradas admissíveis. Também atuava propondo aos litigantes a solução pacífica dos conflitos e também aplicando medidas protetivas de caráter preliminar. Caso restassem infrutíferas as tentativas de conciliação e solução dos litígios, à Comissão cabia submeter o caso à Corte.
UM DOS ÓRGÃOS MAIS IMPORTANTES CRIADOS PELA CEDH FOI A CORTE, INSTITUÍDA EM 20 DE ABRIL DE 1959, COM FUNÇÃO JURISDICIONAL. A SUA PRINCIPAL TAREFA ERA A APLICAÇÃO DAS PREMISSAS DA CONVENÇÃO AO JULGAR OS CASOS QUE LHE ERAM SUBMETIDOS E A COMINAÇÃO DE EVENTUAIS SANÇÕES AOS PAÍSES VIOLADORES DOS DIREITOS PROTEGIDOS, REALIZANDO ASSIM O JUÍZO DE MÉRITO DOS CASOS.
Ao logo do tempo, contudo, o sistema europeu passou por vários processos de aperfeiçoamento, concretizados por diversos Protocolos (tratados modificativos e complementares à CEDH). Em razão do Protocolo n.º 11 (1998), profundas alterações foram realizadas no âmbito do sistema, dentre elas a extinção da Comissão e da Corte inicialmente criadas (que atuavam em tempo parcial) e a criação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), agora único e permanente, com competência obrigatória para a realização dos juízos de admissibilidade e de mérito dos casos de violações de direitos humanos que lhe são submetidos.
Nesse contexto, vale ressaltarmos que o sistema europeu também se destaca por ser o único sistema regional de proteção dos direitos humanos que permite o acesso direto de indivíduos, ONGs e grupos de indivíduos ao TEDH (jus standi), a fim de que possam, por meio do exercício do direito de petição (CEDH, art. 34), exigir uma reparação devido à violação de direitos por um Estado-parte na CEDH. Essa alteração ocorreu por meio do Protocolo n.º 11; antes dele, somente Estados e a extinta Comissão eram legitimados para provocar a Corte.
JUS STANDI
Legitimidade conferida aos indivíduos para comunicar diretamente a violação de direitos humanos para um órgão internacional, no caso o TEDH.
Com sede em Estrasburgo, o TEDH é regulado pela CEDH e tem competência contenciosa para se pronunciar sobre todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da Convenção (arts. 32 a 46). Pode receber petições de qualquer pessoa singular, ONG ou grupo de particulares que se considerem vítimas de violaçãodos direitos previstos na Convenção pelos Estados-partes (art. 34) e também pode apreciar denúncias feitas por um Estado-parte sobre a violação de tais direitos por outro Estado-parte (art. 33). Contudo, para que o Tribunal possa conhecer as questões que lhe são submetidas, condições de admissibilidade devem estar presentes, dentre elas, o esgotamento dos recursos internos (art. 35).
Além da competência contenciosa, o TEDH tem também uma competência consultiva, segundo a qual, por solicitação do Comitê de Ministros, formula pareceres e opiniões consultivas sobre questões jurídicas relativas à interpretação da CEDH e de seus protocolos (arts. 47 e 48).
O TEDH é composto por um número de juízes equivalente ao número de Estados-partes da CEDH (art. 20). Todos eles exercem suas funções a título individual — com independência e não como representantes de seus Estados de origem — e devem gozar da mais alta reputação moral, bem como reunir as condições requeridas para o exercício de altas funções judiciais ou ser jurisconsultos de reconhecida competência (art. 21). Os juízes são eleitos, por maioria de votos expressos, pela Assembleia Parlamentar, com base em uma lista de três candidatos indicados por cada Estado-parte da CEDH (art. 22), para um período de nove anos, não sendo reelegíveis (art. 23).
Quanto à sua estrutura interna de funcionamento, o TEDH atua por meio de um Tribunal Singular, comitês, seções e Tribunal Pleno (art. 26). As decisões, quando proferidas pelo Tribunal Pleno, são definitivas (art. 44) e têm força vinculante para os Estados condenados, que devem cumprir integralmente as condenações fixadas nas sentenças proferidas (art. 46).
O SISTEMA REGIONAL INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos está arquitetado no âmbito da OEA, uma organização de vocação regional, criada pela Carta da Organização dos Estados Americanos (ou Carta da OEA), aprovada na IX Conferência Internacional Pan-Americana, realizada em Bogotá, em 1948. Pode-se afirmar que tal sistema foi “inaugurado” formalmente por esse tratado, que destacou em seu preâmbulo a necessidade de contemplar um sistema capaz de garantir o respeito aos direitos humanos no continente americano.
Na mesma Conferência em que foi adotada a Carta da OEA, os Estados americanos também proclamaram a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), que foi o primeiro instrumento regional americano específico sobre direitos humanos.
Foto: Ras67/Wikimedia commons/Domínio Público
Edifício da sede da União Pan-Americana
em Washington em 1943.
O ARCABOUÇO NORMATIVO
A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, é o tratado-regente do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Foi adotada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, ocorrida em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978.
Trata-se do texto de direitos humanos mais importante e expressivo das Américas, tornando-se um dos pilares da proteção dos direitos humanos, ao consagrar direitos políticos e civis, bem como os relacionados à integridade pessoal, à liberdade e à proteção judicial. Em seu art. 1º, estabelece a obrigação geral de os Estados-partes respeitarem os direitos e as liberdades nela reconhecidos e garantirem seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer natureza.
Além de prever um amplo rol de direitos civis e políticos, a principal finalidade da CADH é estabelecer as diretrizes referentes à proteção dos direitos da pessoa humana, garantindo importantes mecanismos para sua aplicação. Ela também institucionaliza um compromisso dos Estados-partes em cumprir efetivamente as normas protetivas nela previstas, não adotando quaisquer concepções contrárias em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.
A CADH é estruturada basicamente em três partes. A primeira (arts. 1º a 32) regulamenta os direitos e as liberdades fundamentais de natureza civil e política, que se baseiam no direito à vida, à integridade pessoal, na proibição da escravidão e da servidão, no direito à liberdade pessoal, nas garantias judiciais, na proteção da honra e da dignidade, na liberdade de consciência e de religião, na liberdade de pensamento e de expressão, no direito à nacionalidade, na proteção da família, nos direitos políticos e de personalidade, entre outros.
A segunda parte (arts. 33 a 73) diz respeito à estrutura interna e funcionamento dos órgãos de proteção dos direitos humanos componentes do sistema. Por fim, a terceira parte (arts. 74 a 82) trata das disposições transitórias, abordando tópicos como assinatura, ratificação, reserva, emenda, protocolo e denúncia à Convenção, bem como disposições gerais sobre a Comissão e a Corte.
O Brasil aderiu à CADH em 25 de setembro de 1992, mediante o depósito da carta de adesão junto à Secretária-Geral da OEA, momento em que entrou em vigor no plano internacional para o Estado brasileiro. No plano interno, o Congresso Nacional aprovou a Convenção por meio do Decreto Legislativo n.º 27, de 26 de maio de 1992, mas somente entrou em vigor no plano doméstico brasileiro em 6 de novembro de 1992, com a promulgação do Decreto n.º 678, pelo presidente da República, momento em que passou a integrar o direito brasileiro, conforme a prática brasileira de internalização dos tratados.
ALÉM DA CARTA OEA, DA DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM E DA CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, O SISTEMA INTERAMERICANO CONTA AINDA COM DIVERSOS OUTROS INSTRUMENTOS (TRATADOS E DECLARAÇÕES) QUE COMPÕEM O CORPUS JURIS INTERAMERICANO.
Dentre os principais instrumentos juridicamente vinculantes podemos citar os seguintes:
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985).
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador (1988).
Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos referente à Abolição da Pena de Morte (1990).
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (1994).
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994).
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999).
Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (2013).
Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância (2013).
Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas (2015).
Dentre os instrumentos que não possuem força jurídica vinculante para os Estados, podemos destacar a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão (2000), a Carta Democrática Interamericana (2001), e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016).
OS ÓRGÃOS COMPONENTES DO SISTEMA
Visando garantir a promoção, fiscalização e efetiva proteção dos direitos humanos previstos na CADH e nos demais instrumentos normativos do sistema interamericano, foram instituídos dois importantes órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), previstos no art. 33 da CADH e disciplinados especialmente em outros dispositivos da Convenção.
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Sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
na cidade de San Jose, na Costa Rica.
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
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Edifício da sede da União Pan-Americana em Washington, nos EUA.
A Comissão é um órgão criado inicialmente pela OEA para “promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização” sobre a matéria (Carta da OEA, art. 106e CADH, art. 41). Por determinação da norma prevista na Carta da OEA, a CADH regulamentou a Comissão, dispondo sobre a sua organização, suas funções, sua competência e seu procedimento em seus arts. 34 a 51 (salvo disposição em contrário, os artigos citados a seguir estão previstos na CADH). Além dessas previsões, a Comissão conta também com um Estatuto e um Regulamento.
Situada em Washington, D.C. (EUA), a Comissão realiza pelo menos dois períodos ordinários de sessões por ano, no lapso determinado previamente, bem como tantas sessões extraordinárias quantas considerem necessárias.
É composta por sete membros, denominados comissários ou comissionados, que devem ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos (art. 34). Esses membros são eleitos a título pessoal (não como representantes dos seus Estados de origem), pela Assembleia Geral da OEA, de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados-membros, sendo que cada governo pode propor até três candidatos, nacionais do Estado que os propuser ou de qualquer outro Estado-membro da OEA. Quando for proposta uma lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser de Estado diferente do proponente (CADH, art. 36). No tocante ao mandato de seus membros, eles serão eleitos por quatro anos e só poderão ser reeleitos uma única vez, não podendo fazer parte da Comissão mais de um comissário de um mesmo Estado (art. 37).
A CADH criou um sistema de petições individuais e de comunicações interestatais, possibilitando à Comissão o recebimento de denúncias ou queixas contendo alegações de violações de direitos humanos protegidos pela Convenção e por outros instrumentos normativos do SIDH(Default tooltip). O procedimento de petição individual é considerado de adesão obrigatória para os Estados que aderem ou ratificam a CADH (art. 44). Por outro lado, o procedimento de comunicação interestatal (entre Estados) é estabelecido pela própria Convenção como facultativo (art. 45).
Para que um procedimento de petição individual contendo uma denúncia ou queixa de violação dos direitos humanos previstos na CADH possa ser iniciado junto à Comissão, devem estar presentes algumas condições de admissibilidade, conforme o estabelecido pelo art. 46 da Convenção. Em suma, são elas: (i) o esgotamento dos recursos internos (local remedies rule(Default tooltip)); (ii) a ausência do decurso do prazo de 6 meses, contados do esgotamento dos recursos internos, para a apresentação da petição; (iii) ausência de litispendência internacional; (iv) ausência de coisa julgada internacional; e (v) identificação do peticionário.
A Comissão já apreciou diversos casos envolvendo várias espécies de violação de direitos humanos pelo Estado brasileiro, sendo que um deles resultou em uma recomendação ao país para elaboração de uma lei voltada à prevenção e ao combate à violência doméstica, que resultou na edição da Lei n.º 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha.
A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
O segundo órgão de proteção dos direitos humanos do SIDH é a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), uma instituição judicial autônoma que é um órgão da CADH. Sua criação decorre diretamente do art. 33, “b”, da Convenção.
A CORTE IDH TEM SUA PRINCIPAL DISCIPLINA JURÍDICA NA CADH, QUE ESTABELECEU A SUA ORGANIZAÇÃO, SUAS COMPETÊNCIAS, FUNÇÕES, SEUS PROCEDIMENTOS E SUAS DISPOSIÇÕES COMUNS NOS ARTS. 52 A 73. ASSIM COMO A COMISSÃO, ALÉM DA REGULAÇÃO PREVISTA NA CONVENÇÃO, A CORTE TAMBÉM CONTA COM NORMAS REGULAMENTADORAS EM SEU ESTATUTO E REGULAMENTO.
Em 22 de maio 1979, durante o VII Período Extraordinário de Sessões da Assembleia Geral da OEA, os Estados-partes na CADH elegeram os membros que, por sua capacidade pessoal, seriam os primeiros juízes a compor a Corte. A sua primeira reunião foi realizada em 29 e 30 de junho de 1979, na sede da OEA, em Washington. Atualmente a sede da Corte está situada em San José, capital da Costa Rica.
De acordo com o art. 1º do seu estatuto, a Corte “é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, exercendo suas funções em conformidade com as disposições da Convenção e do seu Estatuto. Trata-se, portanto, de um tribunal “com o propósito primordial de resolver os casos que lhe são apresentados por supostas violações aos direitos humanos protegidos pela Convenção Americana” (GUERRA, 2015, p. 166).
Em relação ao seu funcionamento, de acordo com o art. 22.1 do seu estatuto, a Corte pode realizar sessões ordinárias e extraordinárias (pois não é um tribunal permanente como o TEDH), sendo que os períodos ordinários de sessões serão determinados regularmente pela própria Corte (art. 22.2) e os períodos extraordinários de sessões serão convocados pelo presidente ou por solicitação da maioria dos juízes (art. 22.3).
Conforme estabelece o art. 11 de seu regulamento, a Corte realizará os períodos ordinários de sessões que se fizerem necessários durante o ano para o pleno exercício de suas funções, nas datas que tiver fixado em sua sessão ordinária imediatamente anterior.
No tocante à sua composição, conforme dispõe o art. 52.1 da CADH, a Corte IDH é composta de sete juízes, nacionais dos Estados membros da OEA, eleitos a título pessoal, que devem ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, reunindo as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos.
Seus juízes são eleitos por um período de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez (art. 54.1). A eleição ocorre por meio de votação secreta e pelo voto da maioria absoluta dos Estados-partes da Convenção, na Assembleia Geral da OEA, de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados (CADH, art. 53.1). Cada governo pode propor até três candidatos, nacionais do Estado que os propuser ou de qualquer outro Estado membro da OEA. Quando for proposta uma lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser nacional de Estado diferente do proponente (CADH, art. 53.2). Não deve haver dois juízes da mesma nacionalidade compondo a Corte simultaneamente (CADH, art. 52.2).
De acordo com a CADH, a Corte IDH pode exercer uma função consultiva (art. 64), segundo a qual emite pareceres ou opiniões em resposta às consultas que lhe são dirigidas pelos Estados, bem como uma função contenciosa (arts. 61, 62 e 63), de acordo com a qual analisa e julga os casos de violações de direitos humanos que lhe são submetidos.
A competência contenciosa da Corte não é automática, mas precisa ser reconhecida expressamente pelo Estado-parte da CADH. Assim, para que a Corte possa exercer sua jurisdição contenciosa sobre determinado Estado, no momento da adesão ou ratificação (ou em qualquer outro momento), o ente estatal deve declarar expressamente que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção (CADH, art. 62.1).
NO BRASIL, ESSE RECONHECIMENTO FOI APROVADO PELO CONGRESSO NACIONAL POR MEIO DO DECRETO LEGISLATIVO N.º 89, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1998. POR MEIO DE NOTA TRANSMITIDA AO SECRETÁRIO-GERAL DA OEA NO DIA 10 DE DEZEMBRO DE 1998, O BRASIL RECONHECEU A JURISDIÇÃO E A COMPETÊNCIA OBRIGATÓRIA DA CORTE IDH, CONFORME DISPOSTO NO DECRETO N.º 4.463, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2002.
Acerca da legitimidade para provocar a Corte IDH, de acordo com o art. 61 da CADH, somente os Estados-partes (que tenham também reconhecido a jurisdição da Corte) e a Comissão têm o direito de submeter casos para sua apreciação e julgamento. Contrariamente ao que ocorre no âmbito do sistema europeu, no SIDH os indivíduos dependem da Comissão ou de outro Estado (actio popularis(Default tooltip)) para que suas vindicações possam chegar à Corte IDH, pois até o presente momento lhe é vedado o direito de ação internacional (jusstandi).
As sentenças proferidas pela Corte IDH são de cumprimento obrigatório por parte dos Estados-partes na CADH em todo caso em que forem partes, conforme disposto no art. 68.1 da CADH. O art. 67 da CADH determina que a sentença é definitiva e inapelável, sendo que no caso de divergência sobre o sentido ou alcance da decisão, a Corte deverá interpretá-la, a pedido de qualquer das partes.
Desde o ano de 2006, a Corte IDH já julgou dez casos envolvendo o Brasil, sendo que apenas em um deles o país não foi condenado. São eles: Caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006); Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil (2006); Caso Escher e outros vs. Brasil (2009); Caso Garibaldi vs. Brasil (2009); Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (2010); Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil (2016); Caso Cosme Rosa Genoveva, Evando de Oliveira e outros (“Favela Nova Brasília”) vs. Brasil (2017); Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil (2018); Caso Herzog e outros vs. Brasil (2018); e Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil (2020).
Além dos casos já julgados, até o presente momento outros três casos envolvendo o país encontram-se pendentes de julgamento. São eles: Caso Barbosa de Souza e outros vs. Brasil (2019), Caso Barbosa de Souza e outros vs. Brasil (2020) e Caso Tavares Pereira e outros vs. Brasil (2021).
A execução forçada das decisões da Corte IDH, em sentido próprio, não existe. Os casos de não cumprimento dessas decisões por parte de um Estado condenado podem ser levados ao conhecimento da Assembleia Geral da OEA por meio de um relatório anual. Desse modo, é ativado um shaming mechanism (mecanismo da vergonha), visando motivar o Estado envolvido à execução da decisão.
CASO EMPREGADOS DA FÁBRICA DE FOGOS DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS E SEUS FAMILIARES VS. BRASIL
Foi o caso submetido à Corte em 19 de setembro de 2018. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à jurisdição da Corte Interamericana o Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares contra a República Federativa do Brasil. O caso está relacionado à explosão de uma fábrica de fogos de artifício em Santo Antônio de Jesus, ocorrida em 11 de dezembro de 1998, em que 64 pessoas morreram e 6 sobreviveram, entre elas 22 crianças. A Comissão determinou que o Estado violou: i) os direitos à vida e à integridade pessoal das supostas vítimas e de seus familiares, uma vez que não cumpriu suas obrigações de inspeção e fiscalização, conforme a legislação interna e o Direito Internacional; ii) os direitos da criança; iii) o direito ao trabalho, pois sabia que na fábrica vinham sendo cometidas graves irregularidades que implicavam alto risco e iminente perigo para a vida e a integridade pessoal dos trabalhadores; iv) o princípio de igualdade e não discriminação, pois a fabricação de fogos de artifício era, no momento dos fatos, a principal e, inclusive, a única opção de trabalho dos habitantes do município, os quais, dada sua situação de pobreza, não tinham outra alternativa senão aceitar um trabalho de alto risco, com baixa remuneração e sem medidas de segurança adequadas; e v) os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, pois nos processos civis, penais e trabalhistas conduzidos no caso, o Estado não garantiu o acesso à justiça, a determinação da verdade dos fatos, a investigação e punição dos responsáveis, nem a reparação das consequências das violações de direitos humanos ocorridas.
Agora, o professor Luciano Meneguetti apresenta os órgãos de proteção dos direitos humanos no âmbito interamericano.
O SISTEMA REGIONAL AFRICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Foto: RogDel/Wikimedia commons/Domínio Público
Cúpula do 50º Aniversário da União Africana em Adis Abeba, Etiópia.
O sistema regional africano de proteção dos direitos humanos está estruturado no âmbito da União Africana (UA) e nasceu somente em 1981, com a adoção da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), também conhecida como Carta de Banjul. A Carta foi aprovada na Conferência Ministerial da então Organização da Unidade Africana (hoje denominada União Africana), em Banjul, Gâmbia, entrou em vigor internacional em 1986, e constitui-se o tratado-regente do referido sistema.
EM UMA ESCALA DE DESENVOLVIMENTO, O SISTEMA EUROPEU É O MAIS DESENVOLVIDO E O SISTEMA INTERAMERICANO SE ENCONTRA EM UMA POSIÇÃO INTERMEDIÁRIA. JÁ O SISTEMA AFRICANO É AINDA INCIPIENTE E SE ENCONTRA EM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO, EVOLUÇÃO E AMADURECIMENTO.
O ARCABOUÇO NORMATIVO
A CADHP está estruturada em três partes. A primeira (arts. 1º a 29) elenca os direitos e os deveres dos cidadãos, contemplando-se, inclusive, além dos direitos de 1ª e 2ª geração, também os direitos de 3ª geração, tais como o direito ao meio ambiente sadio, ao desenvolvimento e à paz. A segunda parte (arts. 30 a 63) estabelece as medidas de salvaguarda da Carta, dispondo sobre a composição e a organização da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Comissão ADHP), sobre o processo perante a Comissão, além dos princípios aplicáveis. Por fim, a última parte (arts. 64 a 68) fixa disposições diversas, tais como a entrada em vigor da Carta e o processo para emenda ou revisão do texto.
Vários outros instrumentos integram o arcabouço normativo do sistema africano de direitos humanos, tais como a Convenção da UA que Regula Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados na África (1969), a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança (1990), o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e Dos Povos sobre os Direitos das Mulheres na África (2003), a Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação (2011) e o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Pessoas Idosas na África (2018). Há, ainda, outras disposições não dotadas de força vinculante, como princípios e diretrizes.
ALÉM DA CADHP E DOS INSTRUMENTOS REGIONAIS ACIMA MENCIONADOS, OS ESTADOS AFRICANOS TAMBÉM ADERIRAM E RATIFICARAM A MAIORIA DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DO SISTEMA GLOBAL (ONU).
OS ÓRGÃOS COMPONENTES DO SISTEMA
Diferentemente dos sistemas europeu e interamericano, que inicialmente estabeleceram dois órgãos de proteção dos direitos humanos (uma Comissão e uma Corte), a CADHP criou apenas a Comissão ADHP. Foi somente em 2004, quando entrou em vigor o Protocolo à Carta ADHP, adotado em 1998, que surgiu a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Corte ADHP). Por isso, costuma-se dizer que o sistema africano se desenvolveu em duas etapas.
A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS
À semelhança da extinta Comissão EDH e da Comissão IDH, a função da Comissão ADHP, em funcionamento desde 1987, é promover os direitos humanos e dos povos e assegurar sua respectiva proteção no continente africano. Ressalta-se que este foi o primeiro e único órgão de proteção dos direitos humanos criado pela Carta ADHP (art. 30).
A Comissão é composta por onze membros, que devem ser escolhidos entre personalidades africanas que gozem da mais alta consideração, conhecidas pela sua alta moralidade, sua integridade e sua imparcialidade, e que possuam competência em matéria dos direitos humanos e dos povos (art. 31). São eleitos, a título individual (para uma atuação com independência), por escrutínio secreto pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, de uma lista de pessoas apresentadas para esse efeito pelos Estados-partes na Carta ADHP (art. 33). Os membros da Comissão são eleitos para um mandato de seis anos, sendo renovável (art. 36).
A Comissão ADHP exerce sua função de proteção dos direitos humanos mediante aceitação (i) de petições individuais, que lhe são enviadas por indivíduos ou ONGs, denunciando violações de direitos previstos na Carta ADHP, bem como (ii) de comunicações estatais, feitas pelos Estados-partes da Carta, nas quais igualmente denunciam tais violações.
A CORTE AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOSA Corte ADHP foi criada pelo Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (art. 1º), adotado em 10 de junho de 1998, por ocasião da 34ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Organização de Unidade Africana (atual União Africana), reunida em Ouagadougou, no Burkina Faso. O Protocolo entrou em vigor internacional em 25 de janeiro de 2004 e a Corte foi oficialmente inaugurada em 2006, tendo a sua sede permanente em Arusha, República Unida da Tanzânia.
Conforme dispõe o próprio preâmbulo do Protocolo, a criação da Corte ADHP tem como finalidade o fortalecimento da proteção dos direitos humanos e dos povos consagrados na Carta ADHP, visando conferir maior eficácia à atuação da Comissão.
A Corte é composta por onze juízes, que devem ser nacionais dos Estados-membros da UA. São eleitos por sua capacidade individual e devem ter elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos e dos povos, não podendo haver dois juízes nacionais do mesmo Estado (Protocolo, art. 11). Os juízes são eleitos para um mandato de seis anos e podem ser reeleitos uma única vez (Protocolo, art. 15.1).
Podem submeter casos à Corte ADHP: (i) a Comissão ADHP; (ii) o Estado-parte que submeteu o caso perante a Comissão; (iii) o Estado-parte contra o qual o caso na Comissão foi submetido; e, (iv) as organizações africanas intergovernamentais (Protocolo, art. 5.1).
O Protocolo também prevê que a Corte “poderá conferir a relevantes organizações não governamentais com status de observadora perante a Comissão e a indivíduos a prerrogativa de submeter-lhe casos diretamente, de acordo com o art. 34 (6) do Protocolo” (art. 5.3). Esse dispositivo convencional revela a previsão de acesso direto de indivíduos e ONGs à Corte ADHP (jus standi), ainda que tal fato esteja condicionado ao aceite do Estado, conforme prevê o art. 34.6 do Protocolo.
Tal como ocorre com a Corte IDH, a Corte ADHP tem uma competência consultiva e também contenciosa.
COMPETÊNCIA CONSULTIVA
No exercício de sua competência consultiva, a pedido de um Estado-membro da União Africana, da própria UA, de um de seus organismos ou de uma organização africana reconhecida pela UA, a Corte ADHP pode emitir pareceres ou opiniões consultivas sobre a interpretação da Carta ADHP ou de outro instrumento de direitos humanos (Protocolo, art. 4º).
COMPETÊNCIA CONTENCIOSA
No tocante à sua competência contenciosa, a Corte ADHP tem competência por todos os casos e litígios que lhe forem apresentados relativos à interpretação e aplicação da Carta ADHP, do Protocolo sobre o estabelecimento da Corte e de outros instrumentos de direitos humanos que tenham sido ratificados pelos Estados envolvidos (Protocolo, art. 3º).
As decisões da Corte ADHP são vinculativas para os Estados-partes envolvidos no litígio, que estão obrigados a garantir a execução da decisão em seus respetivos territórios (Protocolo, art. 30). O monitoramento da execução de uma decisão é responsabilidade de um Conselho de Ministros (Protocolo, art. 29.2). A execução forçada das decisões da Corte em sentido próprio não existe. Os casos de não cumprimento dessas decisões por parte de um Estado podem ser levados ao conhecimento da Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo em um relatório anual. Desse modo, deve ser ativado um shaming mechanism (mecanismo da vergonha), visando motivar o Estado envolvido à execução da decisão.
Em 2008, foi adotado o Protocolo Relativo aos Estatutos do Tribunal Africano de Justiça e dos Direitos Humanos, mediante o qual se faz uma fusão do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos e do Tribunal de Justiça da União Africana (este último, criado pelo Protocolo do Tribunal de Justiça da União Africana, adotado pela Conferência da União em Maputo, Moçambique, em 2003).
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ACERCA DOS SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, É CORRETO AFIRMAR:
Que o sistema europeu, constituído pela Comissão Europeia de Direitos Humanos e pela Corte Europeia de Direitos Humanos, atualmente é o mais desenvolvido dentre os sistemas regionais.
Que o sistema interamericano tem como tratado-regente a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.
Que o sistema africano possui dois importantes órgãos de proteção dos direitos humanos que são a Comissão e a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, embora não conte ainda com um tratado-regente para a completa regulação do sistema.
Que esses sistemas não guardam nenhuma relação com o sistema onusiano de proteção dos direitos humanos, não atuando de maneira complementar a este último.
Que o sistema interamericano garante o jus standi ao indivíduo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
2. SOBRE O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS, ARQUITETADO NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, É INCORRETO AFIRMAR:
Que a Comissão Interamericana é composta por sete comissários que devem ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos.
Que juízes da Corte Interamericana são eleitos por um período de sete anos e só poderão ser reeleitos uma única vez.
Que a Convenção Americana criou um sistema de petições individuais e de comunicações interestatais para que a Comissão possa receber denúncias e queixas contendo alegações de violações de direitos humanos.
Que a Corte Interamericana é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Que o Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e também reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana, razão pela qual pode ser julgado por ela.
GABARITO
1. Acerca dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, é correto afirmar:
A alternativa "B " está correta.
A alternativa A está incorreta, pois o sistema europeu tem hoje apenas um órgão, que é o TEDH. A alternativa C está incorreta, visto que o sistema africano tem como tratado regente a CADHP; a alternativa D está incorreta, pois os sistemas regionais e onusiano são complementares e não excludentes; a alternativa E está incorreta, dado que o indivíduo não pode acessar diretamente a Corte, apenas a Comissão Interamericana.
2. Sobre o sistema interamericano de direitos humanos, arquitetado no âmbito da Organização dos Estados Americanos, é incorreto afirmar:
A alternativa "B " está correta.
Justificativa: Estando todas as demais alternativas corretas, a alternativa “b” está incorreta porque os juízes da Corte Interamericana são eleitos para um mandato de seis anos, permitida uma reeleição.
MÓDULO 3
Descrever finalidade, competência, composição e atuação do Tribunal Penal Internacional na proteção dos direitos humanos.
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O DIREITO PENAL INTERNACIONAL
Foto: Ech25/Wikimedia commons/Domínio Público
Artilharia Real durante o treinamento em Ellesmere, na Inglaterra, em agosto de 1943.
A história da humanidade é marcada por incontáveis guerras através dos séculos, sendo esse um de seus aspectos mais sombrios. Como é de conhecimento geral, o mundo já presenciou duas grandes guerras mundiais, sendo que a Segunda Guerra constituiu o mais sangrento e brutal conflito armado já ocorrido. Milhões de vidas foram ceifadas, tanto combatentes como civis. O número exato nunca saberemos.
Além dessas guerras de abrangência mundial, inúmeros conflitos armados já ocorreram internamente a muitos países ao redor do globo. Tristemente, as guerras civis também têm sido frequentes na história humana, deixando por vezes um rastro de atrocidades e violações da vida e da dignidade humana.
É nesse contexto que surge a conhecida expressão genocídio, aqui entendido como o extermínio em massa de pessoas ou, mais tecnicamente, como uma ação coordenada para exterminar uma nação, um povo ou um grupo étnico. A história humana é marcada por genocídios, tais como os que ocorreram na Circássia (1864 a 1867), na Armênia (1915 a 1922), no Holocausto (1939 a 1945), no Camboja (1975 a 1979), em Ruanda(1994) e na antiga Iugoslávia (1995), que conjuntamente a muitos outros, vitimaram milhões de pessoas.
Foto: Buidhe/Wikimedia commons/Domínio Público
Judeus holandeses no campo de concentração
de Buchenwald, na Alemanha.
COMO UMA REAÇÃO A ESSE TRISTE QUADRO, ALGUNS PAÍSES E, POSTERIORMENTE, TODA A SOCIEDADE INTERNACIONAL ESTABELECERAM UM CONJUNTO DE NORMAS JURÍDICAS DESTINADAS À PUNIÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELOS HORRENDOS CRIMES COMETIDOS, BEM COMO CRIARAM ÓRGÃOS ESPECÍFICOS PARA REALIZAR O JULGAMENTO E APLICAÇÃO DAS PENAS IMPOSTAS.
Surge assim o Direito Internacional Penal (DIP), entendido como um ramo do Direito ou das Ciências Jurídicas que se ocupa de assuntos criminais em uma esfera global, mediante o estabelecimento de normas jurídicas voltadas à tipificação de condutas que configuram graves crimes que atingem a consciência da humanidade. Essas normas criam e regulamentam a jurisdição e a competência para o julgamento e a aplicação de sanções penais por órgãos internacionais de natureza penal, vinculados à Justiça Internacional, tal como reconhecida pela sociedade internacional. Nas palavras de Kai Ambos (2005, p. 1), trata-se do “conjunto de todas as normas de Direito Internacional que estabelecem consequências jurídico-penais”.
Foto: Jarekt/Wikimedia commons/Domínio Público
Ex-oficiais nazistas no banco dos réus no
Julgamento de Nurembergs, entre 1945 e 1948.
Adjacente ao conjunto de normas voltado à punição de indivíduos responsáveis por genocídios e massacres em larga escala, tribunais penais também passaram a ser instituídos com o objetivo específico de julgar os crimes cometidos nesse cenário. A título de exemplo, citamos o Tribunal de Nuremberg, o Tribunal Militar Internacional de Tóquio e os Tribunais Penais para Ruanda e para a ex-Iugoslávia.
Esses tribunais, que são conhecidos como tribunais de exceção ou tribunais ad hoc, sempre foram muito criticados, especialmente por serem constituídos em caráter temporário ou excepcional, após a ocorrência dos fatos (e não ex post facto). Outra crítica preponderante se deve à sua composição por juízes que, em tese, não teriam a imparcialidade necessária para o julgamento, uma vez que não são previamente investidos de jurisdição de acordo com leis estabelecidas, ofendendo-se com isso o princípio do juiz natural, consagrado no Direito Internacional e no âmbito do Direito interno dos Estados.
É nesse cenário que a sociedade internacional viu a necessidade de criar um Tribunal Penal Internacional de caráter permanente e com competência legalmente instituída para o julgamento dos graves e bárbaros crimes que atentam contra a consciência coletiva de toda a humanidade. Ademais, seria até mesmo falacioso falar-se na proteção internacional dos direitos humanos (global e regional), conforme estudamos nos módulos anteriores, sem a contrapartida da instituição da responsabilidade criminal dos indivíduos no plano internacional (MAZZUOLI, 2019).
O ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI)
O TPI foi criado pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, um tratado internacional adotado pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, em 17 de julho de 1998. Entrou em vigor em 1° de julho de 2002, conforme estabelecido em seu art. 126, e somente os Estados que expressaram formalmente o seu consentimento são obrigados a se submeter às previsões do TPI.
Foto: Hypergio/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0
Edifício do Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.
O Brasil é um dos Estados-partes do referido tratado, submetendo-se à jurisdição do TPI. O Estatuto foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo n.º 112, de 6 de junho de 2002. Posteriormente, foi ratificado pelo país por meio do depósito do instrumento de ratificação em 14 de junho de 2002, passando a integrar o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002. Além da ratificação do Estatuto, que foi suficiente para caracterizar a submissão do Estado brasileiro à jurisdição do TPI, visando reforçar o reconhecimento do Tribunal, a Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, incluiu o § 4º ao art. 5º da CRFB(Default tooltip), que assim dispôs: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.
O Estatuto de Roma do TPI é composto por 128 artigos que abrangem um preâmbulo e 13 partes assim divididas:
I – Criação do Tribunal
II – Competência, admissibilidade e direito aplicável
III – Princípios gerais de direito penal
IV – Composição e administração do Tribunal
V – Inquérito e procedimento criminal
VI – O julgamento
VII – As penas
VIII – Recurso e revisão
IX – Cooperação internacional e auxílio judiciário
X – Execução da pena
XI – Assembleia dos Estados-partes
XII – Financiamento
XIII – Cláusulas finais
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PRINCIPAIS ASPECTOS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Instalado oficialmente em 11 de março de 2003, em Haia, na Holanda, o TPI foi criado (Estatuto, art. 1º) mediante o reconhecimento pelos Estados de que “milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade”, e que “os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional”, conforme dispõe o Preâmbulo do Estatuto.
O Tribunal, que é independente e tem personalidade jurídica internacional (Estatuto, art. 4.1), é “uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional (...) e será complementar às jurisdições penais nacionais” (Estatuto, art. 1º), sendo que a competência e o funcionamento do Tribunal são regidos pelo seu Estatuto constitutivo. Precisamos destacar, portanto, que a sua atuação é subsidiária, pois de acordo com o próprio Estatuto, atua “complementarmente” à jurisdição dos Estados soberanos, não visando substituir esta última.
ATENÇÃO
É importante salientarmos que o TPI julga indivíduos (pessoas físicas) pelo cometimento dos crimes de sua competência, diferentemente das demais cortes internacionais de direitos humanos estudadas nos módulos anteriores, competentes para julgar Estados por violações de direitos humanos.
COMPETÊNCIA
Os crimes de competência do TPI, que são imprescritíveis (Estatuto, art. 29), estão previstos no art. 5º do Estatuto, sendo eles: o crime de genocídio; os crimes contra a humanidade; os crimes de guerra; e o crime de agressão.
CRIME DE GENOCÍDIO
De acordo com o Estatuto, o genocídio é entendido como qualquer ato praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, o que compreende segundo o art. 6º:
Homicídio de membros do grupo.
Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo.
Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial.
Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo.
Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
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CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
O Estatuto compreende qualquer ato cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque. Compreende-se especificamente os vários atos descritos no art. 7º do Estatuto, 15 ao todo, pelos quais pode ser cometido um crime contra a humanidade. Dentre eles, destacam-se:
Foto: EtienneDolet/Wikimedia commons/Domínio Público
Imagem do Genocídio Armênio perpetrado pelo
Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial.
Homicídio
Extermínio
EscravidãoDeportação ou transferência forçada de uma população
Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional
Tortura
Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável
Desaparecimento forçado de pessoas
Crime de apartheid
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Conforme afirma Valerio Mazzuoli (2019), a “expressão ‘crimes contra a humanidade’ geralmente conota quaisquer atrocidades e violações de direitos humanos perpetrados no planeta em larga escala, para cuja punição é possível aplicar-se o princípio da jurisdição universal”.
CRIMES DE GUERRA
Também conhecidos como crimes contra as leis e costumes aplicáveis em conflitos armados, “são fruto de uma longa evolução do direito internacional humanitário, desde o século passado, tendo sido impulsionado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, ganhando foros de juridicidade com as quatro Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, e com as bases teóricas do direito costumeiro de guerra” (MAZZUOLI, 2019).
Imagem: Paebi/Wikimedia commons/Domínio Público
Assinatura da primeira Convenção de Genebra em 1864, retratada por Charles Édouard Armand-Dumaresq.
Conforme dispõe o Estatuto, os crimes de guerra são entendidos como graves violações às Convenções de Genebra, consistentes nos atos enumerados no art. 8.2(a) do Estatuto, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos. Destacam-se as Convenções de Genebra que estabelecem o Direito Internacional Humanitário, isto é, o Direito aplicável na guerra – jus in bello, notadamente para a proteção dos direitos humanos.
Ainda conforme estabelece o art. 8.2(b) do Estatuto, também são considerados crimes de guerra “outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional”, conforme os atos enumerados no referido dispositivo convencional.
Foto: Soerfm/Wikimedia commons/CC BY-SA 2.0
O Estatuto determina que, no caso de conflitos armados que não sejam de índole internacional, também são considerados crimes de guerra as graves violações do artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra, consistentes nos atos descritos no art. 8.2(c) do Estatuto, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido à doença, lesão, prisão ou a qualquer outro motivo, assim como outras graves violações das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do Direito Internacional, conforme os atos enumerados no art. 8.2(e) do Estatuto.
CRIME DE AGRESSÃO
Inicialmente, não havia no Estatuto de Roma uma definição do que seria o crime de agressão. Previa-se somente que o Tribunal poderia exercer a sua competência em relação a tal crime desde que, nos termos dos arts. 121 e 123 do Estatuto, fosse aprovada uma disposição definindo o crime em questão — obrigatoriamente compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas (art. 5.2) — e que se enunciassem as condições em que o Tribunal teria competência relativamente a esse crime.
A definição do crime foi adotada por meio da emenda do Estatuto de Roma do TPI, na primeira Conferência de Revisão do Estatuto em Kampala, Uganda, em 2010, de modo que o crime de agressão foi definido como “o uso de força armada por um Estado contra a soberania, integridade ou independência de outro Estado”. Em 15 de dezembro de 2017, a Assembleia dos Estados-partes adotou, por consenso, uma resolução sobre a ativação da jurisdição do Tribunal sobre o crime de agressão a partir de 17 de julho de 2018.
COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO
No tocante à sua composição, o TPI é composto pelos seguintes órgãos: a Presidência, responsável pela administração do Tribunal; uma Seção de Recursos, uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução; o Gabinete do Procurador; e a Secretaria (Estatuto, art. 34).
NOS TERMOS DO ESTATUTO, O TPI É UMA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO INTERNACIONAL QUE TEM A CAPACIDADE NECESSÁRIA PARA O DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES E DE SEUS OBJETIVOS NO TERRITÓRIO DE QUALQUER ESTADO-PARTE E, POR ACORDO ESPECIAL, NO TERRITÓRIO DE QUALQUER OUTRO ESTADO, CONFORME O DISPOSTO NO PRÓPRIO ESTATUTO (ART. 4º).
O TPI é composto atualmente por 18 juízes, eleitos pela Assembleia dos Estados-partes no Estatuto. Seus membros devem ser pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integridade, que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países, e têm mandatos de nove anos não renováveis (Estatuto, art. 36). No âmbito de suas atividades, garantem julgamentos justos e proferem suas sentenças, emitem mandados de prisão ou intimações para o comparecimento perante o Tribunal, autorizam as vítimas a participar dos julgamentos e ordenam medidas de proteção às testemunhas, dentre outras atividades. Também elegem, entre si, o presidente do Tribunal e dois vice-presidentes.
O Tribunal possui três divisões judiciais, que julgam as matérias em diferentes fases do processo: pré-julgamento, julgamento e recursos.
Em suma, os juízes de pré-julgamento (geralmente três juízes por caso) decidem se há evidências suficientes para um caso ir a julgamento e, em caso afirmativo, confirmam as acusações e submetem o caso para julgamento.
Os juízes de julgamento (geralmente três juízes por caso) conduzem julgamentos justos, decidindo se há evidências suficientes para provar, além de qualquer dúvida razoável, que o acusado é culpado da acusação e, em caso afirmativo, os julgam pronunciado a sentença em público, momento no qual emitem ordens de reparação às vítimas, incluindo a restituição, a compensação e a reabilitação.
Por fim, os juízes de recursos (cinco juízes) apreciam os recursos apresentados pelas partes, podendo confirmar, reverter ou alterar uma decisão sobre a culpa ou inocência, ou sobre a sentença e, se necessário, solicitam um novo julgamento perante uma Câmara de Julgamento diferente.
Agora, o professor Luciano Meneguetti discorre sobre o Tribunal Penal Internacional.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. “FOI A CRIAÇÃO DO TPI, POR MEIO DO ESTATUTO DE ROMA DE 1998, QUE EFETIVAMENTE IMPULSIONOU A TEORIA DA RESPONSABILIDADE PENAL INTERNACIONAL DOS INDIVÍDUOS, NA MEDIDA EM QUE SE PREVIU PUNIÇÃO INDIVIDUAL ÀQUELES PRATICANTES DOS ILÍCITOS ELENCADOS NO ESTATUTO” (MAZZUOLI, VALÉRIO DE OLIVEIRA. CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 12. ED. RIO DE JANEIRO: FORENSE, 2019. E-BOOK.).
COM BASE NO TEXTO, CONCLUI-SE QUE O REFERIDO ESTATUTO:
Estabelece o TPI como uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, e substituirá as decisões eventualmente proferidas pelas jurisdições penais nacionais.
Dispõe como crimes de competência do TPI o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão, sendo que para este último ainda não há uma definição expressa.
Estabelece que os crimes de competência do TPI são imprescritíveis, exceto o crime de agressão, por não contar ainda com uma definição expressa.
Prevê como crime contra a humanidade qualquer ato cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque, compreendendo especificamente os vários atos descritos no próprio Estatuto.
Determina que os crimes contra a humanidade também são conhecidos como crimes contra as leis e costumes aplicáveis em conflitos armados.
2. SOBRE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, ASSINALE ABAIXO A ALTERNATIVA CORRETA:
Seus juízes são eleitos para mandatos de nove anos, permitida uma reeleição.
Seus juízes são eleitos para mandatos de cinco anos, não renováveis.
Seus juízes são eleitos

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