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1 Collab: Khilver Doanne Sousa Soares & Estefany de Sousa Mendes Material restrito, favor não reproduzir nem distribuir sua posse!!! Nenhum serviço de impressão e xerox pode redistribuir este material a outros clientes!!! IESC VII Conhecendo e organizando a demanda O valor aceito internacionalmente de consultas/paciente/ano é de três a quatro. Países como Espanha chegam a ter sete, ao passo que, no Brasil, o número conhecido é de 1,4 consultas/paciente/ano. Analisando apenas esse dado, pode parecer que há melhor manejo da demanda no Brasil, mas pode ser apenas uma demanda reprimida. Não dar resposta à demanda reprimida não é adequado do ponto de vista da gestão da clínica, pois cria tensões e não diminui a carga de trabalho, ao contrário do que muitas vezes os profissionais imaginam. Para entender a demanda, é preciso ter um sistema de registros mínimo. Um bom prontuário eletrônico pode ajudar nessa tarefa, o que pode ser possível também por meio de registros manuais. Para compreender quais informações devem ser resgatadas, é preciso conhecer os seguintes conceitos: Pressão assistencial = número de consultas em um período/número de dias trabalhados em um mesmo período (p. ex., 247 dias de trabalho em um ano). “Frequência” = número de consultas em um período (geralmente uma consulta por ano)/número de habitantes. Situação A. É a situação mais comum no meio urbano. Um excesso de “frequência” (média ao redor de 6-7 consultas/habitante/ano) é geralmente devido a certo déficit organizativo. Não é possível saber, apenas com esses dados, se existe também uma falta de recursos, exceto calculando-se que pressão ficaria com uma frequência de 3,5-4 consultas/habitante/ano. Situação B. O excesso de pressão assistencial é acompanhado de uma baixa “frequência”. Isso indica, aparentemente, que não há muita margem de manobra organizativa para poder reduzir a utilização, sendo a única opção um incremento nos recursos para adequar a pressão assistencial. Situação C. Essa situação é observada em áreas rurais com pouca população adstrita (baixa pressão). Existe uma alta “frequência” aprimorável com medidas organizativas. Na teoria, sobram recursos, mas isso pode não ser aplicável, pois, em áreas rurais, há grande rotatividade de profissionais impedindo o planejamento das ações. Situação D. Essa situação é encontrada em zonas urbanas de classe alta, nas quais as pessoas podem usar outros recursos sanitários, uma vez que o sistema público é pouco atrativo. Poderia tentar melhorar a atração à população adstrita ou diminuir os recursos humanos. É importante saber em que situação cada equipe se encontra. Nem sempre a linha divisória é bem estabelecida. Muitas vezes, as equipes que atuam na ESF se encontram na situação B. A principal margem de manobra, nesse caso, é tornar a equipe, que em geral tem muitos componentes, mais funcional, resolvendo grande parte da demanda (e não a recusando) antes de chegar ao médico. O grande objetivo da gestão da clínica é diminuir, para o médico, a Cálculo da lista de pacientes 2 Collab: Khilver Doanne Sousa Soares & Estefany de Sousa Mendes Material restrito, favor não reproduzir nem distribuir sua posse!!! Nenhum serviço de impressão e xerox pode redistribuir este material a outros clientes!!! O número de duas mil pessoas por médico (FTE, em inglês full time equivalent) é geralmente o resultado de certas variáveis, que são: Pressão assistencial. Frequência. Tempo disponível para consulta. Número de pessoas por médico. Tempo da consulta. Duas formas de se utilizarem tais variáveis são fixando um número para a lista de pacientes ou se fixando um tempo de consulta. Das variáveis implicadas, a frequência é a mais difícil de ser modificada em curto prazo. O tempo de consulta, portanto, também pode ser uma resultante. Porém, o mais adequado é não entender o tempo de consulta como estanque, já que se está lidando com médias em um ambiente de cuidado longitudinal. O mais adequado na APS é multiplicar o tempo de consulta pela frequência, e assim se tem como dado aceito aproximadamente 50 minutos por paciente ao ano. É mais adequada a divisão deste tempo em quatro períodos de 12 minutos do que oferecer apenas duas chances de 25 minutos por ano. Organização da agenda Geoffrey Rose descreveu as diferenças entre a abordagem populacional e individual. Há vantagens e desvantagens nas duas abordagens, mas, na abordagem individual, procura-se intervir nas pessoas de maior risco. Na abordagem populacional, em geral, intervém-se no grupo como um todo para que haja um benefício global. Porém, o maior equívoco cometido é propor intervenções que deveriam ser reservadas para pessoas com maior risco para toda uma população. Portanto, é fundamental avaliar riscos individuais. No grupo das pessoas com hipertensão, há aquelas com diabetes; no grupo daquelas com hipertensão e diabetes, há as que já tiveram um infarto agudo do miocárdio (IAM); no grupo daquelas sem hipertensão ou diabetes, também há as que tiveram IAM. O risco cardiovascular de uma pessoa com hipertensão sem IAM é menor do que o de uma pessoa que já sofreu IAM, mas não é hipertensa, que é menor do que aquela com hipertensão, diabetes e IAM. Dessa forma, pré-selecionando quem tem hipertensão e/ou diabetes, corre-se o grave equívoco de negligenciar o cuidado a quem teve IAM, mas não tem hipertensão nem diabetes. Geoffrey Rose utiliza o exemplo do colesterol para melhor demonstrar tal situação. Como a maioria da população tem colesterol normal, a maior proporção de pessoas que teve IAM também tem colesterol normal, ou seja, essa não é uma condição sine qua non. Esses exemplos demonstram facilmente o risco de se trabalhar priorizando grupos populacionais. Assim, a agenda do profissional deve ser a mais livre possível. Quanto menos seleção de grupos populacionais, mais qualificada é a atenção prestada. Apenas dois grupos devem ser protegidos, caso a pressão assistencial seja muito grande: gestantes e crianças menores de 1 ano. Nestes, devem-se sempre avaliar riscos e estimular o menor número de consultas preconizado pelas diretrizes baseadas em evidências (nem sempre há evidências claras e, por isso, deve-se reavaliar constantemente as rotinas com o intuito de mensurar excesso de consultas para pessoas de baixo risco). Habilidades para serem utilizadas na gestão da clínica Uma primeira habilidade que deve ser treinada e aprimorada constantemente é a gestão do tempo. Embora haja uma média, cujo valor aceitável é 15 minutos, é um equívoco grave usar este tempo de forma rígida. Muitos estudos demonstraram que é possível fazer abordagem centrada na pessoa em 10 a 15 minutos. O esperado é que, ao final do dia, algumas pessoas tenham sido vistas em 2 a 5 minutos, e 3 Collab: Khilver Doanne Sousa Soares & Estefany de Sousa Mendes Material restrito, favor não reproduzir nem distribuir sua posse!!! Nenhum serviço de impressão e xerox pode redistribuir este material a outros clientes!!! outras, em 30 a 40 minutos. Ou seja, deve haver grande variabilidade. De forma geral, quando a média de utilização é de cinco consultas/ano, sendo 10 minutos por consulta, como é o caso de muitas unidades de saúde inglesas, cada paciente teve em média 50 minutos por ano. No caso do Brasil, se a média for de fato 1,4 consultas por paciente/ano e cada consulta demorar 20 minutos, tem-se uma média de 30 minutos por ano divididos em menos oportunidades. Levando-se em consideração mais uma vez os atributos da APS, principalmente acesso e longitudinalidade, a solução inglesa é a mais adequada. Quanto mais tempo o profissional permanecer na mesma unidade, com maior facilidade conseguirá manejar o tempo de consulta ou, inclusive, reduzir a média. Quanto mais tempo a unidade permanecer com a mesma organização e gestão da agenda, maior a satisfaçãodos pacientes. Segundo a pesquisadora Barbara Starfield, a satisfação é um conceito relacionado à estabilidade dos serviços. Não raro quando há uma mudança, mesmo que nitidamente para melhor, há uma desestabilização e um consequente aumento da insatisfação. Outro conceito importante é o da demora permitida. É fundamental para evitar referenciamentos ou retornos mal programados e avaliar, para cada problema, qual a demora permitida. Esse conceito foi definido por Kurt Kloetzel como “a utilização do tempo como instrumento de trabalho desde que o médico esteja convencido de que não está diante de uma urgência e que tenha uma ideia formada sobre o tempo que lhe é permitido esperar sem risco para o paciente”. Para um paciente que tem glicemia de jejum (GJ) 103 sem nenhuma comorbidade, pode-se repetir o exame em 6 meses, por exemplo. Embora a maioria das diretrizes sugira fazer imediatamente teste de tolerância oral, é possível concluir, após uma avaliação clínica, que, em pacientes de baixo risco, a investigação pode continuar em 6 meses, caso a pressão assistencial esteja grande. E por fim, o último termo é o watchful waiting, ou seja, observação atenta. É bem diferente de não realizar nada. No exemplo citado da GJ cujo resultado foi 103 mg/dL, o profissional ou a equipe deve ligar para o paciente após passados 6 meses para que ele continue a investigação. No caso de ter sido observada alguma lesão dermatológica em que a demora permitida avaliada foi de 48 horas, se o paciente não mobilizar a unidade presencialmente ou por telefone, assim mesmo a equipe deve acioná-lo. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ GUSSO, Gustavo; LOPES, José Mauro Ceratti; DIAS, Lêda Chaves. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.
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