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Hemodiálise Jocemir R. Lugon, Jorge Paulo Strogoff de Matos e Elias Assad Warrak HISTÓRICO Atribui-se ao químico escocês Thomas Graham ( 1805-1869) a criação do termo diálise, que utiliwu para descrever o fenô- meno por ele observado em 1854, no qual, utilizando uma membrana semipermeável constituída de material vegetal, demonstrou a separação de substâncias coloides e cristaloi- des. Mais de 50 anos se passaram até que, em 1913, John J. Abel (1857-1938) et al. descreveram suas experiências com um método em que o sangue retirado de um cachorro era submetido a uma sessão de diálise extracorpórea e, no final do procedimento, retornava à sua circulação, sem prejuíw ao animal. Utilizando um apardho constituído por oito tubos de material similar ao empregado na fabricação de salsichas, no interior dos quais circulava o sangue anticoagulado com hirudina (extraída de sanguessugas), banhados por uma solu- ção de troca dentro de um cilindro de vidro, os autores com- provaram a eficácia do método na remoção de solutos. Logo perceberam a necessidade de apardhos com maior superfície de troca, que pudessem ser viáveis para tratar seres humanos. No entanto, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, suas pesquisas foram interrompidas.73, l65 O Dr. Georg Haas (1886-1971), em Giessen, Alemanha, realiwu, em 1924, o que se considera ter sido a primeira ses- são de hemodiálise em humanos. Com a experiência acumu- lada de diálises em cães e utilizando novas membranas, ao ver- se impotente diante de um paciente com uremia terminal, submeteu-o a uma sessão de diálise, que teve a duração de 15 min. Embora sem um resultado prático, a diálise transcorreu sem nenhuma anormalidade e demonstrou, pela primeira vez, ser possível a purificação do sangue de um ser humano. Nos anos seguintes, duas inovações viriam a contribuir significa- tivamente para o futuro sucesso da hemodiálise: a descoberta da heparina e o início da fabricação em escala industrial do celofane, utilizado na confecção das membranas.73·165 O Dr. Willem K.oLff (1911-2009), ainda um jovem médico iniciando seus trabalhos no Hospital de Groningen, Holan- da, na década de 1930, assistiu um paciente de 22 anos, urê- mico, falecer sem nenhuma perspectiva de tratamento. Des- de então passou a se dedicar firmemente à ideia de descobrir uma maneira de substituir a função renal e, assim, prolongar a vida desses pacientes. Anos mais tarde, Kolff desenvolveu seu dialisador, um marco na história da hemodiálise. Esse equipamento utilizava cilindros de celofane, em cujo interior circulava o sangue, enrolados de forma helicoidal em torno de um tambor rotatório, que ficava mergulhado até metade de sua altura em um tanque banhado pda solução de troca, de cerca de 100 l, que era renovada sempre que saturava. Em fevereiro de 1943, vendo-se diante de um paciente em fran- ca uremia, Kolff finalmente colocou em prática seu inven- to, embora sem ter visto um benefício claro naquela ocasião. Um mês após, voltaria a utilizar seu dialisador, dessa vez em uma mulher de 29 anos com doença renal crônica por nefros- clerose maligna. Após várias sessões e tendo esgotado todos os acessos vasculares, a paciente veio a falecer no 26Q dia de tratamento devido à falta de acesso vascular. Posteriormen- te, o Dr. Kolff, juntamente com uma equipe de engenheiros do hospital Peter Bent Brigham, Boston, EUA, construíram uma nova versão desse rim artificial, que passou a ser conhe- cida como modelo Kolff-Brigham (Fig. 53.1), utilizada pela primeira vez nos EUA em 1948.73,l65 O primeiro rim artificial do modelo Kolff-Brigham a de- sembarcar no Brasil foi utilizado no Hospital Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, em 1955. No entanto, a primeira sessão de hemodiálise no Brasil foi realizada em maio de 1949 pdo Dr. Tito Ribeiro de Almeida (1913-1998), em São Paulo.209 Após tomar conhecimento da técnica utilizada pelo Dr. Murray, no Canadá, que também desenvolvera um rim artificial, 167 o Dr. Tito desenvolveu um modelo semelhante, no qual o cilindro contendo os tubos de celofane era estacionário e colocado em Hemodiál ise 981 FIG. 53.1 Máquina de hemodiálise modelo Kolff-Brigham, chegada ao Brasil em 195 5 para o Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. (Gentileza da Clínica de Doenças Renais, Niterói-RJ.) posição vertical, enquanto a solução de troca era agitada (ao contrário do modelo de Kolff).209 O desenvolvimento de técnicas para a confecção de acessos vasculares permanentes teve um papel determinante para que fosse iniciada uma nova era no tratamento dos pacientes com insuficiência renal crônica. Até então, somente os pacientes com chances de recuperação da função renal eram submetidos à hemodiálise, através de sucessivas dissecções arteriais. Em 1960, em Seattle, o Dr. Belding Scribner (1921-2003), jun- tamente com Dillard e Quinton, criou o shuntarteriovenoso externo, uma prótese com peças de silastice tejl.on, que passou a permitir o acesso à circulação de forma mais prolongada.203 Utilizando tal dispositivo, um maquinista de 39 anos se torna- ria o primeiro paciente com uremia terminal a ser submetido a hemodiálise crônica.73,165 Esse paciente viria a viver mais 11 anos em hemodiálise. A confecção de uma fístula arteriove- nosa, através da anastomose de uma veia cefálica à artéria ra- dial por Cimino e Brescia, 30 em 1966, veio a estabelecer de- finitivamente a hemodiálise como terapia de substituição da função renal na doença renal crônica terminal. Naquela época, entretanto, ainda eram escassos os recur- sos financeiros e o número disponível de equipamentos não atendia à demanda, ficando o acesso a essa terapia restrito às pessoas julgadas mais relevantes para a sociedade. 66 Um acontecimento marcante para a universalização do acesso à hemodiálise, inicialmente nos EUA, mas que posteriormente teve grande repercussão também em vários outros países, foi a aprovação pelo Congresso Americano, em 1973, de uma lei que permitiu o livre acesso de todo cidadão americano ao tratamento dialítico. Desde então, o número de centros de diálise e de pacientes em tratamento cresceu de forma ver- tiginosa em todo o mundo. No ano de 2004, havia mais de 1,2 milhão de pessoas com doença renal crônica no mundo mantidas vivas graças à hemodiálise.94 Essa prevalência vem aumentando a um ritmo de aproximadamente 7% ao ano. No Brasil, que tem a terceira maior população em diálise no mundo, atualmente existem cerca de 680 centros de diálise, distribuídos por todas as unidades da Federação, atendendo a uma população estimada em quase 90 mil pacientes.225 ~Pontos-chave 1948: Primeira sessão de hemodiálise nos EUA utilizando o dialisador de Kolff. 1949: Primeira sessão de hemodiálise no Brasil, pelo Dr. Tito Ribeiro de Almeida. 1960: Dr. Scribner, em Seattle, EUA, coloca o primeiro paciente em programa crônico de hemodiálise, até então restrita aos pacientes com IRA. 1966: Cimino e Brescia idealizam a flstula arteriovenosa primária. 1973: Sancionada a lei que permitia o livre acesso de todo cidadão americano à diálise. INICIAÇÃO EM DIÃLISE As indicações para iniciar a terapia substitutiva renal podem ser divididas entre as consideradas como urgência e aquelas eletivas. Estas últimas, por sua vez, podem ser determinadas pelo nível de função renal, por parâmetros nutricionais ou pda presença de sintomas urêmicos. Urgência As condições clínicas consideradas como indicação para ini- ciar tratamento dialítico em caráter de urgência são bastan- te consensuais: hiperpotassemia ou hipervolemia refratárias às medidas clínicas prévias ou quando há risco iminente de vida, pericardite e encefalopatia urêmica. HIPERPOTASSEMIA A decisão para indicar tratamento dialítico de urgência por hiperpotassemia a um paciente com diagnóstico de insufici- ência renal crônico deve apoiar-se não apenas no exame labo- ratorial, mas também na análise das circunstâncias que pro- piciaram a elevação do potássiobuscando identificar fatores reversíveis, principalmente se, baseado nos demais exames laboratoriais e quadro clínico, ainda não houver indicação para diálise. Dois exemplos distintos são apresentados a se- guir. Primeiro, um paciente com doença renal crônica (DRC) recém-diagnosticada cuja taxa de filtração glomerular (TFG) era de 20 ml/min, K• 6,8 mEq/l, fazia uso regular de inibi- dor da ECA e betabloqueador, e ainda não tinha orientação nutricional. Um segundo paciente fazia acompanhamento com nefrologista, teve sua fístula arteriovenosa confecciona- da em momento adequado, seguia fielmente as orientações 982 Hemodiál ise nutricionais, usava, para controle de sua pressão arterial, ape- nas bloqueador de canal de cálcio e diuréticos, porém, na sua última avaliação laboratorial, apresentava TFG de 6 ml/min e K· 6,3 mEq/I. Apesar de o K· sérico estar mais elevado no primeiro paciente, este seria mais apropriadamente tratado com medidas conservadoras, uma vez que diversas medidas clínicas para tratar a hiperpotassemia ainda podem ser ado- tadas (beta-agonistas, resina de troca, diuréticos, orientação nutricional etc.) e não haveria outra indicação para diálise por ora. Para o segundo paciente, ao contrário, a melhor op- ção seria iniciar imediatamente o tratamento dialítico, uma vez que medidas para evitar a hiperpotassemia já haviam sido adotadas. Ressalte-se que, com acesso vascular confeccionado e TFG em níveis que per se constituiriam indicação detiva para entrada em diálise, não haveria justificativa para tentar protelar tal decisão. HIPERVOLEMIA O surgimento de hipervolemia em um paciente com DRC caracteriza uma indicação para início imediato de tratamento dialítico. O início da diálise, com ultrafiltração, reverte pronta- mente os sintomas decorrentes da hipervolemia. Eventualmen- te, quando os sintomas são incipientes, apenas com desconfor- to ao decúbito, o aumento da dose de diuréticos ou o melhor controle da pressão arterial podem atenuar esse quadro. Deve- se ressaltar que não há uma corrdação direta entre o quadro de hipervolemia e a percepção clínica de edema. Muitos pacien- tes apresentam franca anasarca e poucos sintomas respiratórios (pacientes com acentuada hipoalbuminemia), enquanto outros têm discreto edema periférico e quadro respiratório exuberante (pacientes com expansão do espaço extracelular). PER/CARO/TE URÊMICA Pelo risco de desenvolvimento de derrame pericárdico e con- sequente tamponamento cardíaco, a pericardite urêmica é considerada uma indicação de urgência para início do trata- mento dialítico. Geralmente, essa complicação surge somente na fase terminal da doença renal, quando já coexistem outras indicações para iniciar a diálise. O paciente queixa-se frequen- temente de desconforto precordial, às vezes acompanhado de febre, e o diagnóstico clínico dá-se pela constatação de atrito pericárdico à ausculta. Caracteristicamente não ocorre deva- ção do segmento ST ao eletrocardiograma, o que é útil no diagnóstico diferencial com outras formas de pericardite. Esse quadro é rapidamente revertido à medida que o tratamento dialítico é iniciado. Pelo risco de precipitar ou aumentar efu- são hemorrágica no espaço pericárdico, deve-se evitar o uso de heparina durante a hemodiálise. 14·97.212 SINAIS E SINTOMAS URÊM/COS A presença de sinais e sintomas urêmicos, como desorienta- ção, redução do nível de consciência, flapping, soluços persis- tentes, anorexia, náuseas e vômitos, caracteriza a doença renal em seu estágio terminal, sendo indicação para início imediato do tratamento dialítico. Não apenas esses sinais e sintomas são por si sós indicação para diálise, como também, nessa fase, torna-se provável o surgimento de outras complicações potencialmente fatais, como hiperpotassemia, pericardite e complicações hemorrágicas. Eletivas Mais controversa seria a definição do momento adequado para iniciar eletivamente a terapia substitutiva renal. Na fal- ta de estudos clínicos prospectivos controlados para definir esse momento com um razoável nível de evidência, grande parte das orientações aqui expostas reproduzem as diretrizes da National Kidney Foundation - Dialysis Outcome Qua- lity lnitiatives (NKF/DOQI). 174 Três critérios, que muitas vezes se sobrepõem, norteiam a decisão de instituir o trata- mento dialítico: (1) o nível de deterioração da função renal, (2) o estado nutricional e (3) o surgimento de sinais ou sin- , . tomas urem1cos. TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR Uma indicação para iniciar eletivamente a terapia renal subs- titutiva seria quando se constata um grau muito acentuado de deterioração da função renal. Quando isso ocorre, não se justifica protelar a entrada em diálise, visto que o agravamento do quadro clínico é iminente. Mais prudente seria programar o início da diálise antes que surjam as comorbidades associa- das a um maior risco de mortalidade após o início do trata- mento, principalmente desnutrição. 16·141•184 Na falta de um método para a avaliação da TFG que possa ser usado rotineiramente na prática clínica e que tenha apre- cisão das técnicas consideradas padrão-ouro, como o clearance de inulina ou de marcadores radioisotópicos (Cr51-EDTA, Tc99-DTPA ou 1125-iotalamato), a estimativa da TFG a par- tir da creatinina sérica e de outras variáveis é o método mais apropriado para a avaliação da função renal na maioria dos pacientes. Não há evidência de que a medida direta do clea- rance de creatinina através da coleta do volume urinário nas 24 h possa ser superior à estimativa da TFG a partir de sua medida no sangue. Ao contrário, à medida que a função renal se deteriora, o ckarance de creatinina passa progressivamente a superestimar a TFG, devido à secreção tubular,246 sem con- siderar o potencial de erro pela coleta inadequada do volume urinário no período. As fórmulas mais utilizadas para estimativa da TFG nos adultos são a equação de Cockcroft-Gault e, preferencial- mente, as derivadas do estudo MDRD (Modification ofDiet in Renal Disea.re) (ver Cap. 17). Mais recentemente foi vali- dada uma nova equação que parece superior às mencionadas anteriormente. 141 O nível sérico da creatinina é dependente, além da função renal, de outras variáveis, como sexo, raça, idade e massa muscular, que estão contempladas, direta ou Hemodiál ise 983 indiretamente, nas fórmulas propostas. A medida isolada da creatinina, sem contemplar tais variáveis, é de pouco valor e não deve ser considerada. o nível sérico da cistatina e tam- bém se mostra um bom indicador da TFG, pois sofre pouca influência das variáveis mencionadas anteriormente. 232 Em.- hora tal avaliação ainda não se encontre disponível para uso de rotina, parece uma alternativa interessante em algumas . ,.., . . s1tuaçoes especiais. São raros os casos em que estaria indicada a avaliação da função renal em pacientes com doença renal crônica avança- da, através da coleta do volume urinário, como, por exemplo, nos pacientes com tetraplegia, paraplegia ou doença muscu- lar degenerativa. Nessas situações, deve-se medir o clearance de creatinina em conjunto com o da ureia, já que o clearance de ureia tende a subestimar a TFG por ser parcialmente re- absorvida pelos túbulos (compensando o clearance de creati- nina que estaria superestimado). Assim, nesses casos, a esti- mativa da TFG será a média aritmética do clearance de ureia e de creatinina, 23 ou seja, T FG = ( clearance de creatinina + clearance de ureia)/2. Alternativamente, pode-se medir a cis- tatina e. O início da diálise geralmente é indicado quando a TFG já está abaixo de 10 ml/min/1,73 m2• Todavia, tal decisão não deve ser tomada exclusivamente a partir da TFG, mas tam- bém baseada em outros parâmetros, clínicos ou laboratoriais. A entrada pode ser retardada quando o paciente se encontra livre de sintomas urêmicos e apresenta bom estado nutricio- nal (e sem sinais de deterioração do mesmo). Nas diretrizes anteriores do NKF/DOQI, havia a recomendaçãode ini- ciar terapia renal substitutiva assim que a TFG atingisse 10 ml/min/1,73m',177 partindo da premissa que as potenciais complicações associadas à doença renal em fase avançada não justificavam postergar a entrada em diálise. No entanto, os benefícios esperados com um início da terapia renal substitu- tiva relativamente precoce não se confirmaram em um gran- de estudo prospectivo randomizado conduzido na Holanda (Netherlands Cooperative Study on the Adequacy of Dialysis), no qual não houve redução do risco de morte ou melhora na qualidade de vida nos pacientes que iniciaram diálise com TFG em torno de 11 ml/min/1,73 m'· em comparação àqueles que o fizeram quando já tinham TFG de aproximadamente 5 ml/min/1,73 m 2! 32'133 ESTADO NUTRICIONAL Outro critério para iniciar o tratamento dialítico seria a piora do estado nutricional do paciente. Dados do estudo MDRD demonstraram uma relação inversa entre o nível de função renal e a ingestão de proteína, já a partir de uma T FG de 50 ml/min/1,73 m 2. 113•131 Uma dieta com 0,6 a 0,75 g/kg/ dia de proteína já seria suficiente para evitar a desnutrição, desde que um consumo energético adequado fosse mantido (35 kcal/kg/dia para pacientes abaixo de 60 anos e 30 a 35 kcal/kg/dia para os mais idosos).93•129•131 Todavia, é bastan- te comum que os pacientes com acentuada redução da fun- ção renal se encontrem desnutridos.16 Os pacientes diabéticos são particularmente susceptíveis ao desenvolvimento precoce de desnutrição, quando a TFG ainda está acima de 1 O ml/ min/1,73 m 2! 78 O estado nutricional, ao iniciar o tratamento dialítico, é um dos mais importantes determinantes da evolução clíni- ca subsequente. 16•138 Apesar da falta de estudos controlados, é esperado que a entrada do paciente em diálise antes da de- terioração do seu estado nutricional implique redução dos riscos de morbidade e morte precoce em diálise. Assim, já haverá indicação para o início do tratamento dialítico nos pacientes às vezes com TFG ainda acima de 15 ml/min/1,73 m2 se surgir ou persistir desnutrição calórico-proteica apesar dos esforços para revertê-la através da dieta (uma vez excluí- das outras causas, além da uremia, que possam justificar a desnutrição). 174 QUADRO CLÍNICO A decisão de encaminhar um paciente para início da terapia renal substitutiva apoia-se em critérios objetivos e subjetivos. Além do grau de deterioração da função renal e dos parâme- tros nutricionais, deve-se considerar também aspectos clíni- cos. Essa decisão pode também ser influenciada por outros fatores, como a presença de um acesso vascular maduro. Por exemplo, diante de um paciente com TFG entre 5 e 1 O ml/ min/1,73 m 2, porém assintomático e com desnutrição leve, talvez a melhor alternativa fosse a imediata confecção de um acesso vascular (ou peritoneal) definitivo, retardando sua en- trada em diálise por algumas semanas até maturação do seu acesso. Já para um paciente que começa a apresentar sinto- mas urêmicos, como náuseas, perda de apetite, muitas vezes acompanhados de emagrecimento, ou que subjetivamente sente progressiva queda de seu bem-estar, não raro com a ca- pacidade cognitiva comprometida, a melhor opção seria ini- ciar logo o tratamento dialítico. Uma situação especial que deve ser considerada é a decisão acerca do melhor momento de iniciar terapia renal substitu- tiva nos pacientes muito idosos. A taxa de mortalidade é de- masiadamente elevada nesse grupo, independentemente de se iniciar diálise ou postergar a decisão mantendo o paciente por mais tempo em tratamento conservador com medidas clíni- cas e dietéticas. 32 Para isso, deve ser considerada uma série de variáveis. Por exemplo, se um paciente muito idoso tem TFG em torno de 5 ml/min/1,73 m 2, mas está com esse nível de função renal há meses, não apresenta sintomas urêmicos exu- berantes ou desnutrição grave e consegue um controle adequa- do da volemia, da anemia e do potássio apenas com medidas clínicas, a decisão do melhor momento para iniciar a diálise deve ser compartilhada com o paciente e seus familiares. De qualquer forma, o paciente deve ter seu acesso definitivo para diálise planejado e preparado com antecedência para evitar a eventual necessidade de uso de cateter venoso. 984 Hemodiál ise Enfim, embora essa decisão deva apoiar-se nas indicações preestabelecidas, dentro do contexto de cada caso, faz-se ne- cessário ponderar a relação risco/benefício para melhor defi- nir o momento de iniciação da diálise. = Pontos-chave • O momento para iniciar eletivamente a terapia renal substitutiva é geralmente determinado pelas avaliações da taxa de filtração glomerular, do estado nutricional ou pelo aparecimento de sintomas urêmicos. • Desnutrição calórico-proteica, refratária à dieta, pode ser uma indicação para iniciar diálise se a TFG ainda estiver acima de 10 ml/min/1,73 m2• PRINCf PIOS DE TROCA EM DIÃLISE O processo da extração de solutos e solventes através de uma membrana semipermeável obedece a princípios físicos relati- vamente simples. No conceito químico estrito, a membrana semipermeável ideal permite passagem exclusiva do solvente. Esse tipo de membrana está mais próximo das utilizadas em preparação de água purificada nos sistemas de osmose reversa (ver adiante). Nos filtros de hemodiálise, as membranas têm porosidade variável, mas que permitem passagem do solvente e, também, de solutos de peso molecular até 500 a 50.000, na dependência do tipo empregado.2~ Quando duas soluções estão separadas por membrana se- mipermeável do tipo empregada nos filtros de hemodiálise, há um movimento bidirecional, através da membrana, das partículas dos solutos que são capazes de atravessar seus po- ros. Se há diferença de concentração entre as soluções, o nú- mero de partículas que atravessam a membrana oriundas do lado de concentração mais alta é maior. O resultante é um saldo positivo de transferência de solutos a partir do lado de maior concentração no sentido do de menor concentração até o estabelecimento do equilíbrio das concentrações. Esse mo- vimento de solutos é denominado difUsão e sofre influência da diferença de concentração, mas também de diversos ou- tros fatores, como, por exemplo, tamanho, forma e natureza elétrica dos solutos, da temperatura das soluções e da área e porosidade da membrana.252 A presença de um soluto dota- do de carga elétrica em uma das soluções cujo tamanho não permita sua passagem pela membrana pode alterar as con- centrações finais de equilíbrio dos demais solutos, fenômeno conhecido como efeito Gibbs-Donnan. 104 No caso da hemo- diálise, por exemplo, de um lado da membrana encontra-se o plasma rico em proteínas carregadas negativamente, em concentração de aproximadamente 16 mEq/l,1º1•160 que não atravessam a membrana. Como resultado, a concentração de sódio de equilíbrio na solução de hemodiálise, à semelhança do que ocorre com a do fluido da cápsula de Bowman, seria cerca de 4o/o menor do que a concentração do sódio na água do plasma. 101 Concomitante ao movimento dos solutos, há sempre um movimento (também bilateral) do solvente (nos fluidos bio- lógicos, a água) através da membrana. Havendo diferença de osmolaridade entre as soluções, o movimento é maior a par- tir do lado em que as moléculas de água são mais numerosas (lado da solução menos concentrada) em direção ao lado em que elas são menos numerosas (lado da solução mais con- centrada), resultando um saldo positivo de transferência de água da solução com menor osmolaridade em direção àquela com maior osmolaridade, até que se estabeleça o equilíbrio entre as osmolaridades. Esse movimento é denominado con- vecção. Nesse tipo de movimento, os solutos que atravessam a membrana são carreados pelo solvente, na mesma concen- tração em que se encontram na solução da qual são oriun- dos. Conclui-se que, quando lidando com membranas em- pregadas nos filtros de hemodiálise, o movimento convectivo também movimenta solutos, fenômenousualmente referido como efeito de draga do solvente. A semelhança do que ocorre quando há gradiente osmolar entre duas soluções, a presença de diferenças de pressão hidráulica entre dois compartimen- tos separados por uma membrana semipermeável também determina movimento convectivo entre os compartimentos, princípio bastante utilizado no contexto clínico (no caso da hemodiálise, o transporte convectivo é determinado de for- ma muito mais relevante pela diferença de pressão hidráuli- ca entre os compartimentos). A retirada de solutos por con- vecção é particularmente relevante em duas modalidades de terapia substitutiva renal que são variantes da hemodiálise: a hemofiltração, cuja depuração se dá exclusivamente por con- vecção (retira-se uma grande quantidade de líquido carreando solutos enquanto se infunde uma solução de reposição), e a hemodiafiltração, que é um híbrido de depuração por difu- são e convecção.189 Em resumo, o maior determinante da difusão é o gradiente de concentração de solutos, e o da convecção, é o gradiente de pressão hidráulica. Utiliza-se a denominação diálise para o processo em que predomina a difusão, e ultrafiltração para aquele em que predomina a convecção. A caracterização de um filtro de hemodiálise no presente, portanto, requer espe- cificação não somente de sua capacidade convectiva, expressa pelo coeficiente de ultrafiltração (KuF), mas também de sua capacidade de transferência de massa, que depende principal- mente de sua capacidade difusiva. Em geral, o coeficiente de transferência de massa (KoA) é calculado in vitro, sob condi- ções padronizadas, empregando a ureia como soluto padrão (ver adiante, em Dialisadores). Finalmente, um comentário deve ser feito acerca de outro princípio de retirada de solutos pelos filtros de hemodiálise, a adsorção. Quando o sangue entra em contato com uma su- perfície não biológica, como a das membranas empregadas em hemodiálise, há uma aposição de macromoléculas - no Hemodiál ise 985 caso, principalmente proteínas - na superfície da mesma.238 Esse é um fenômeno autolimitado na medida em que o filme proteico depositado previne ulterior contato do sangue com a membrana do dialisador, sendo assim de pouca relevância clínica na hemodiálise. ~Pontos-chave • Difusão movimenta solutos principalmente na dependência de um gradiente de concentração. • Convecção movimenta água e solutos sem alterar sua concentração. Seu principal determinante é um gradiente de pressão hidráulica, sendo essencial na hemofiltração e na hemodiafiltração. • Adsorção retira moléculas maiores, mas é um mecanismo saturável, pouco relevante na hemodiálise. AGUA PARA HEMODIÃLISE O consumo habitual de água está em tomo de 1 O l por se- mana. Em contraste com a população normal, os pacientes tratados por hemodiálise regular são expostos a um volume de água substancialmente maior. Considerando-se o esquema mais tradicional de 12 h semanais de hemodiálise com um fluxo de solução de diálise da ordem de 500 ml/min, obtém- se um valor de 360 l de água por semana. Nos primórdios da hemodiálise, a água utilizada nesta era aquela idealizada para consumo oral, ou seja, água potável. O grande incon- veniente é que os recursos utilizados pelos sistemas públicos de tratamento de água, no sentido de tomá-la adequada para consumo, adicionam fatores potencialmente tóxicos aos pa- cientes em hemodiálise. Por exemplo, o sulfato de alumínio usado para floculação pode causar anemia, encefalopatia e osteomalacia;4•19o,214,242 a cloramina, empregada como desinfe- tante, pode causar hemólise; •ZR e o flúor, usado na prevenção de cáries, pode provocar osteomalacia e fluorose. 118' 148 A com- posição da água utilizada para consumo é bastante variável na dependência de sua origem, e alguns dos seus componentes "normais" podem ser tóxicos aos pacientes. Como exemplo, uma água rica em cálcio e magnésio pode causar a síndrome da água dura, 86 e concentrações elevadas de sódio podem causar distúrbios osmolares.76 Além disso, a presença de contami- nantes eventuais, como os microrganismos e seus produtos, podem causar febre, calafrios, mal-estar e, mais raramente, complicações mais graves, como choque, insuficiência hepá- tica e óbito. 117 Mesmo quando a água está dentro dos parâ- metros aceitos pela legislação, pode ter um impacto negativo sobre os pacientes, em decorrência da contínua liberação de fragmentos bacterianos (endotoxinas) na água contribuindo para a ativação do sistema imune e, consequentemente, per- petuação de um estado de inflamação crônica subclínica.239 Por todas essas razões, a água utilizada para hemodiálise no presente deve ser adicionalmente purificada na clínica de diálise empregando-se um sistema de tratamento. A escolha do equipamento mais apropriado depende de uma análise da água que chega ao centro de diálise oriunda da rede públi- ca. De um modo breve, os equipamentos que compõem um tratamento de água são fundamentalmente: (1) um sistema inicial de eliminação de partículas (em geral, um filtro de membrana e um filtro de sedimentação com areia em granu- lação progressiva); (2) um dispositivo para retirada de cloro e cloraminas e que também se presta a reduzir os contaminan- tes orgânicos (o recomendável são 2 filtros de carvão ativado colocados sequencialmente); (3) um sistema para remoção de íons (referido como abrandador se efetivo exclusivamente para cátions, ou como deionizador, se misto, isto é, efetivo para cátions e ânions); (4) um sistema eliminador de partí- culas após passagem pelo carvão e resinas (para retenção de eventuais escapes desses materiais); e (5) um equipamento de osmose reversa (Fig. 53.2). Este último componente, na maio- ria das vezes, representa o alicerce dos sistemas de tratamento de água para hemodiálise. O princípio de seu funcionamento consiste em aplicar uma pressão hidraúlica em um comparti- mento cuja parede é uma membrana semipermeável, em um nível suficiente para superar a pressão osmótica da solução e induzir passagem de água pela membrana, a partir de uma solução mais concentrada na direção de uma menos concen- trada, justificando a denominação osmose reversa. A semelhança do que ocorre nos filtros de hemodiálise, a solução que entra (no caso, a água) desdobra-se em dois componentes: (1) a água que atravessou a membrana (aqui referida como produção ou permeado, correspondente ao ul- trafiltrado da hemodiálise) e (2) a água que não foi filtrada e que teve a concentração de seus componentes aumentada (aqui referida como rejeito e que poderia ser comparada ao sangue que deixa o filtro em uma sessão de ultrafiltração iso- lada). A produção é usualmente referida como um percentu- al relativo à agua de alimentação do sistema. Quanto maior a produção, pior a qualidade do permeado e menor a dura- bilidade da membrana. Geralmente, a produção deve ficar na ordem de 50 a 70o/o. A água produzida é então estocada em tanques limpos e enviada às máquinas de diálise através de um sistema de canalização em alça fechada e sem pontos mortos que permite o retomo da água não usada ao tanque de estocagem, em um sistema de reciclagem constante. Tal estratégia visa prevenir estagnação da água que favoreceria a proliferação bacteriana, especialmente em caso de água mui- to pura, isenta dos elementos defensivos adicionados duran- te o processo de produção de água potável. As membranas utilizadas em osmose reversa são constituídas de celulose ou polímeros sintéticos e têm uma porosidade que, segundo os fabricantes, permite reduzir a carga iônica em 90-99%, além, naturalmente, de remover substâncias orgânicas, partículas e bactérias.228 Sua eficiência deve ser monitorada por uma me- dida da condutividade da água produzida. Se os valores au- 986 Hemodiál ise osmose reversa carvão 1 carvão 2 resina de troca iônica rejeito D 00 00 (})bomba D LSJ filtro de membrana 00 00 ~ máquina de diálise D • 00 00 mentarem paraníveis inaceitáveis, as membranas devem ser limpas ou trocadas. Para manter a qualidade da água, é importante o monitora- mento microbiológico regular e a desinfecção química (geral- mente cloro ou ácido peracético) do sistema do circuito com periodicidade apropriada para manter a contagem de bactérias dentro dos limites desejáveis. É importante evitar a forma- ção de bioftlme na parede do circuito, pois uma vez que isso tenha ocorrido, torna-se muito difícil removê-lo.37 Novas es- tratégias têm sido incorporadas visando reduzir a proliferação bacteriana e formação de biofilme no circuito de distribuição de água pós-tratamento, como a passagem da água por uma segunda filtração por osmose reversa (isso implica um consu- mo extra de água), a irradiação ultravioleta (a água em recir- culação pelo circuito passa constantemente por uma câmara cilíndrica contendo em seu interior uma lâmpada emissora de luz ultravioleta) e desinfecção com ozônio (produzido por corrente elétrica no ar ambiente e injetado na água). 23 1 Outro recurso que se mostra promissor para minimizar o risco de formação de biofilme é a substituição do PVC na constru- ção da alça para circulação da água por tubulações especiais constituídas de materiais com propriedade antiaderente, re- fratários à adesão de bactérias em sua superfície. produto Fie. 53.l Moddo esquemático do tratamento de água para hemodiálise incluindo um módulo de osmose reversa. A água produzida para diálise deve ser monitorada perio- dicamente no que concerne às suas propriedades organolépci- cas, físico-químicas e microbiológicas. No Brasil, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 154 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 15 de junho de 2004, 2 regulamenta a periodicidade desse monitoramento e informa os níveis acei- tos para cada componente a ser dosado. Os limites aceitáveis para cada componente são semelhantes àqueles recomenda- dos pelaAssociation for the Advancement ofMedical lnstru- mentacion (AAMI), 11 nos Estados Unidos. No que concerne à microbiologia, a água que chega a uma máquina de hemo- diálise não deve ter mais do que 200 unidades formadoras de colônia (UFC) de bactérias heterotróficas por ml e menos de 2 unidades de endotoxinas (UE) por ml, com a ressalva de que medidas ativas devem ser tomadas (nível de ação) sempre que a contagem bacteriana na água que chega à máquina for aci- ma de 50 UFC/ml. Por essa resolução, o efluente do dialisador pode ter até 2.000 UFC/ml. Na Europa, os limites aceitáveis são bem mais rigorosos para a qualidade da água que chega às máquinas (< 100 UFC/ml e< 0,25 UE/ml). 199 Atualmente, muitas máquinas de hemodiálise têm um dis- positivo para a filtração da solução de diálise que remove mais de 99% das bactérias, produzindo a chamada água ultrapura Hemodiál ise 987 ou, mais apropriadamente, solução de didlise ultrapura, com contagem bacteriana abaixo de O, 1 UFC/ml e menos de 0,03 UE/ml.255 ~Pontos-chave • Filtro de areia remove partículas suspensas na água. • Carvão retira cloro e substâncias orgânicas. • Abrandador é um extrator de cátions. • Deionizador é um extrator de cátions e ânions. • Osmose reversa retira 90-99% da carga iônica, além de remover substâncias orgânicas, partículas e bactérias. • O uso de ozônio e irradiação ultravioleta são medidas complementares para conter a proliferação bacteriana na água pós-tratamento. • Algumas máquinas fazem urna filtração adicional da solução de diálise produzindo água ultrapura. MATERIAL E EQUIPAMENTOS Solução de Diálise Nas máquinas utilizadas no presente, a preparação da solu- ção de diálise é feita de modo contínuo, ao longo da sessão, através de um sistema de mistura proporcional (ver adiante, em Máquinas). No que concerne a solutos, procura-se, em uma sessão de hemodiálise, retirar aqueles acumulados em decorrência de uma função renal deficiente ao mesmo tempo que se visa preservar e/ou restaurar os componentes normais do sangue. Conceitualmente, os solutos a serem retirados na solução de troca devem estar ausentes ou em concentração inferior à do plasma, enquanto aqueles que se quer preservar ou oferecer, em concentrações similares ou superiores. Um dos pontos críticos na formulação de um banho de diá- lise ideal foi a escolha do tampão a ser utilizado para manter o equilíbrio acidobásico. Em soluções com altas concentra- ções de cálcio e magnésio (como no concentrado para hemo- diálise), a adição de bicarbonato pode resultar em formação de carbonatos e precipitação. Para contornar tal dificuldade, o tampão mais empregado inicialmente foi o acetato, um composto que sofre biotransformação, principalmente nos músculos, gerando bicarbonato em uma sequência de reações químicas que consome C02 . 38 O acetato foi abandonado pela sua associação com náuseas e vômitos, cefaleia, acidose meta- bólica (a perda de bicarbonato para o banho é maior do que a quantidade gerada a partir do metabolismo do acetato, prin- cipalmente no início da diálise), instabilidade hemodinâmica (decorrente de suas propriedades vasodilatadoras) e hipóxia (resultante da inibição do centro respiratório pela queda do C02 plasmático, secundária tanto à perda para o banho de diálise quanto ao seu consumo).38 As dificuldades para utili- zação do bicarbonato foram contornadas pela preparação do concentrado de hemodiálise em duas frações separadas: uma dita básica, que contém o bicarbonato de sódio, e outra dita ácida, que contém os demais solutos, incluindo uma pequena quantidade de um ácido orgânico (acético, lático ou cítrico), que acabará por ser convertido em bicarbonato, contribuin- do para o equilíbrio acidobásico. Durante a sessão de diálise, essas duas frações são continuamente aspiradas e misturadas com a água tratada, constituindo a solução de diálise, mais diluída e com um pH em torno de 6,8-7 ,3 para não haver precipitação. O pH inicialmente baixo dessa solução é com- pensado pela síntese de bicarbonato a partir do metabolismo de ácidos presentes em pequena concentração na solução de diálise, como o ácido acético. O Quadro 53.1 ilustra a com- posição final mais comum de uma solução de hemodiálise. Nos primórdios da hemodiálise, quando a duração das sessões era bem mais longa, utilizavam-se na solução de diá- lise valores de sódio mais baixos (até 132 mEq/l).'A Se esses valores fossem utilizados na hemodiálise atual, mais curta e eficiente, provavelmente levariam a uma série de efeitos ad- versos, como náuseas, vômitos, cãibras, cefaleia, hipotensão e síndrome de desequilíbrio. Com a redução da duração das sessões e, consequentemente, com a necessidade de conseguir um maior volume de ultraftltração sem causar hipotensão ou cãibras, passou-se a adotar concentrações de sódio bem mais altas, em torno de 138-142 mEq/l que, em máquinas mais modernas, podem ainda ser ajustadas para valores maiores ou menores, na dependência da necessidade clínica do paciente. No entanto, concentrações de sódio mais elevadas associam- se a maior ganho de peso no intervalo dialítico por aumento da sede e, consequentemente, piora no controle da pressão arterial.9º,216 A tendência atual é tentar utilizar valores mais baixos para melhorar o ganho interdialítico e o controle da pressão arterial. Para proporcionar uma diálise pouco sinto- mática e, ao mesmo tempo, não estimular demasiadamente a sede, deve-se buscar uma concentração de sódio na solu- ção de diálise que esteja em equilíbrio com a concentração do sódio na água do plasma, considerando-se o efeito Gibbs- Donnan (ver anteriormente em Princípios de Troca em Diáli- se). Assim, a concentração de equilíbrio da solução de diálise será cerca de 4o/o abaixo da concentração plasmática de sódio. QUADRO 53.1 Composição da Solução de Hemodiálise Componente Sódio (mEq/l) Potássio (mEq/l) Cálcio (mEq/l) Magnésio (mEq/l) Cloreto (mEq/l) Acetato (mEq/l) Bicarbonato (mEq/l) Glicose (mg/dl) pC02 (mmHg) Concentração 134-1421,0-3,0 2,0-3,5 0,5-1,0 98-124 2-4 30-40 0-200 40-110 988 Hemodiál ise Acreditamos que o sódio de 136 mEq/l na solução de diálise seja apropriado para a maioria dos pacientes. A estratégia de individualizar o sódio da solução de diálise para equilibrar com o valor do sódio de cada paciente tem sido associada a diálises menos sintomáticas.64 Entretanto, as tentativas de personalização da prescrição dos pacientes em diálise esbar- ram em dificuldades logísticas, sendo, até o presente, de di- fícil implementação. No que concerne às concentrações de potássio, os valores de 1,0-2,0 mEq/l são habitualmente utilizados. Valores pró- ximos aos limites superiores são recomendados para pacientes predispostos a arritmias e para aqueles que fazem uso crônico de digitálicos. Solução de diálise sem potássio deve ser evita- da pelo risco de causar arritmia cardíaca. O cálcio iônico no plasma de pacientes necessitando he- modiálise corresponde a aproximadamente 60% do cálcio to- tal. 259 De um valor médio de 10 mg/dl no plasma, por exem- plo, apenas 6 mg/dl (ou 3 mEq/l) estão ionizados e represen- tam o cálcio difusível. Em outras palavras, valores de cálcio de 3 mEq/l na solução de diálise equilibram com o plasma na faixa de 1 O mg/ dl. Sessões de hemodiálise com soluções contendo 2,5 ou 3,0 mEq/l de cálcio estão associadas com balanço de cálcio mais próximo ao neutro e seriam as mais adequadas para a grande maioria dos pacientes. Solução de diálise com cálcio de 2,5 mEq/l tem sido recomendada princi- palmente quando se deseja uma maior liberdade no manuseio de sais de cálcio como quelantes de fósforo ou nos pacientes com níveis séricos de PTH abaixo do desejável.243 Quando se utilizam banhos com concentrações de cálcio da ordem de 3,5 mEq/l (o correspondente a um cálcio sérico total de aproximadamente 12 mg/dl), o resultado é um balanço po- sitivo de cálcio na maioria das sessões de hemodiálise. Por um longo período, solução de diálise com cálcio 3,5 mEq/l foi usada como estratégia para evitar o desenvolvimento ou progressão do hiperparatireoidismo secundário. 108 Nos dias atuais, com a disponibilidade dos análogos da vitamina D e face às evidências de que a sobrecarga de cálcio estaria asso- ciada à calcificação vascular e ao aumento da mortalidade, não parece razoável o uso de soluções de diálise com cálcio em concentração tão elevada. A única situação em que ainda se justifica o uso de cálcio elevado seria na "síndrome do osso faminto", no pós-operatório de paratireoidectomia. A quantidade de equivalentes alcalinos no banho de diá- lise deve ser suficiente para garantir um nível de bicarbonato superior a 20 mEq/l ao início da sessão seguinte, na medida em que a acidose tem sido associada a aumento do catabolis- mo proteico e desnutrição.84,155 Para tal, recomenda-se que os limites superiores sejam empregados. Em tais circunstâncias, a preocupação com a chamada maré alcalina pós-diálise não encontrou eco em um estudo controlado. 102 De certa forma surpreendente, a portaria que regulamenta a diálise no Brasil não menciona a necessidade de dosar a reserva alcalina (ou o bicarbonato) nas rotinas laboratoriais. 2 A glicose tem sido um componente opcional (especialmen- te pelo seu custo) nos banhos de diálise. A diálise sem glicose está associada a perda de glicose e, consequentemente, estí- mulo à cetogênese e gliconeogênese, 28 maior redução na os- molaridade plasmática durante a diálise206 e, eventualmente, sinais clínicos de hipoglicemia, especialmente nos diabéticos.93 Assim, a diálise contra níveis de glicose próximos aos valores normais é intuitivamente mais fisiológica. Finalmente, deve ser comentado que hoje, com diversas opções de concentrados de diálise no mercado e a flexibili- dade no controle dos parâmetros das máquinas que permi- tem a prescrição de concentrações bastante variadas de sódio e bicarbonato, já se consegue viabilizar alguma individuali- zação na prescrição da diálise oferecendo maior conforto e segurança aos pacientes. 187 ~Pontos-chave • Solução de diálise com sódio de 136 mEq/l seria apropriado para a maioria dos pacientes. • Cálcio de 2,5 ou 3,0 mEq/l seria a solução mais adequada para a maioria dos pacientes. • Solução de diálise contendo glicose é intuitivamente mais fisiológica e segura. Membranas e Dialisadores Os dialisadores consistem em dois compartimentos divididos por uma membrana semipermeável. Em um dos comparti- mentos, flui o sangue, enquanto no outro, em contracorrente, passa a solução de diálise. Através da membrana, ocorrem as trocas entre o sangue e o banho de diálise, propiciadas pelas diferenças de concentração e de pressão entre os dois com-. partimentos. Esses dialisadores atuais são formados por milhares de fi- bras capilares, dispostas paralelamente, que, juntas, formam uma superfície interna, a qual, na dependência do modelo do dialisador, pode ultrapassar 2 m 2• As fibras são separadas entre si, para que haja espaço onde deve fluir a solução de diálise, em contracorrente ao sangue que flui na luz das fi- bras (Fig. 53.3). As características funcionais dos dialisadores são estabelecidas através da determinação da sua capacidade convectiva (coeficiente de ultrafiltração, K0F), de sua capaci- dade difusiva avaliada através do seu ckarance e coeficiente de transferência de massa (KoA) e da permeabilidade de suas membranas aos solutos de maior peso molecular. Em analogia com a avaliação da taxa de filtração glomeru- lar, a taxa de depuração da ureia de um dialisador representa o volume de sangue que está sendo depurado num intervalo de tempo. Essa determinação é feita através da multiplicação do percentual de redução da concentração de ureia (diferença das concentrações plasmáticas na entrada e saída do dialisador) pelo fluxo de sangue que passa pelo dialisador. Por exemplo, um paciente está sendo submetido a HD com fluxo de san- Hemodiálise 989 entrada do sangue saída do banho de diálise - fibras entrada do banho de diálise saída do sangue Fie;. S:S.:S Desenho esquemático de um dialisador de fibras ocas. Os fluxos de sangue e banho de diálise estão em contracorrente. O sangue flui pela luz de milhares de fibras, enquanto a parede exter- na dessas fibras é banhada pela solução de troca. gue de 400 ml/min e tem concentração plasmática de ureia em determinado momento de 200 mg/ dl na linha arterial e de 60 mg/dl na linha venosa. Como, nessas circunstâncias, 70o/o do sangue que passa pelo dialisador está sendo depu- rado (e considerando-se a concentração plasmática da ureia igual à do sangue total, já que esse soluto cruza facilmente a membrana celular), sua taxa de depuração será 0,7 X 400 = 280 ml/min. Os fabricantes dos dialisadores geralmente infor- mam sua taxa de depuração de ureia, mas muitas vezes basea- do apenas em dados in vitro. Nesse caso, deve-se reduzir esses valores em 20% para cálculos in vivo. O KoA de ureia seria o potencial de transporte difusivo, ou seja, o maior valor de depuração de ureia que poderia ser obtido com o dialisador se, hipoteticamente, este fosse submetido a uma diálise com fluxos máximos de sangue e banho de diálise. Assim, a taxa de depuração da ureia depende tanto do KoA do dialisador como dos fluxos de sangue e dialisado. As membranas são classificadas em rdação ao seu cons- tituinte principal e à sua permeabilidade. Inicialmente, as membranas dos dialisadores de fibras ocas eram constituídas de celulose regenerada. Devido aos radicais hidroxila na sua superfície, essas membranas mostraram ter pouca biocompa- tibilidade. 191 Entende-se por biocompatibilidade a capacidade de uma membrana artificial ser biologicamente inerte. 153 A interação do sangue com membranas menos biocompatíveis pode desencadear agudamente uma série de manifestações clínicas e alterações laboratoriais durante a sessão42,168 e, em longo prazo, em consequência de um estado de inflamação subclínica crônicapela exposição continuada a essas mem- branas, pode estar associada a um aumento no risco de mor- bidade e mortalidade.99•188 Para contornar essa questão, novas membranas foram desenvolvidas: as sintéticas (polissulfona, poliacrilonitrila, polimetilmetacrilato, poliamida, policarbo- nato, entre outras) e as de celulose modificada. As membra- nas de cdulose modificada, por sua vez, são classificadas em celulose substituída, que têm sua superfície modificada atra- vés da substituição dos radicais hidroxila (acetato de celulo- se, diacetato de celulose e triacetato de celulose) e semissin- téticas, que são formadas a partir da adição de um material sintético à celulose liquefeita, ainda durante a sua formação, por exemplo, dietilalaminoetil (Hemophan).191.251 Embora essas novas membranas sejam habitualmente de- signadas como biocompatíveis, sabemos que ficam longe do ideal de uma membrana realmente biocompatível, que se- ria representada pelo endotélio. Segundo sua capacidade de ativação do sistema complemento e de indução de leucope- nia durante a diálise, as membranas poderiam ser classifi- cadas na seguinte ordem crescente de biocompatibilidade: celulose regenerada (que são denominadas bioincompatí- veis), celulose substituída, cdulose semissintética e políme- ros sintéticos. 80•95•100 No que se refere a outros parâmetros de biocompatibilidade, também importantes, como a síntese de ~2-microglobulina ou a redução da imunidade celular, as membranas sintéticas parecem não apresentar vantagens em rdação às de celulose modificada.65'163 Da mesma forma, são escassas as evidências de benefícios clínicos das membranas sintéticas sobre as de cdulose modificada. Talvez a queda da função renal residual nos pacientes em hemodiálise seja mais rápida entre aqueles usando membrana de acetato de celulose do que entre aqudes com polissulfona. 166 Tanto as membra- nas sintéticas quanto as de cdulose modificada parecem ter impacto positivo sobre a morbidade e mortalidade, quando comparadas às membranas de celulose regenerada.99•188 As membranas são classificadas também quanto à sua per- meabilidade (também referida como fluxo) e, por conseguinte, ao desempenho. Numa definição relativamente arbitrária, dia- lisador de alta permeabilidade seria aqude capaz de propiciar urna depuração de ~2-rnicroglobulina acima de 20 ml/min e que tenha um KuF acima de 14 ml/h/mmHg.44 Os dialisadores de baixo fluxo geralmente têm depuração de ~2-microglobulina 990 Hemodiál ise abaixo de 10 ml/min e um KUF abaixo de 8 ml/h/mmHg. Os dialisadores que têm valores intermediários de Kur e depuração de S2-microglobulina são frequentemente referidos como dia- lisadores de alta eficiência, mas a denominação mais adequada seria dialisadores de média permeabilidade. Inicialmente, os dialisadores com membrana de celulose tinham invariavelmente pequeno coeficiente de ultraftltração (Kur) e reduzida capacidade de transferência de massa (KoA), sendo chamados de baixa permeabilidade, enquanto aque- les com membranas sintéticas tinham elevado Kur e KoA, e eram denominados como de alta permeabilidade.47 Atual- mente, tanto existem dialisadores com membranas sintéticas de baixa permeabilidade, como aqueles com membranas ce- lulósicas de alta permeabilidade (triacetato de celulose).47·95 Do ponto de vista clínico, a opção por membrana de alta permeabilidade é norteada pela sua capacidade de depuração de moléculas de maior peso molecular, na medida em que o KUF passou a ser menos relevante com a adoção universal de máquinas com controle automatizado de ultrafiltração. Em- bora os dialisadores de alta permeabilidade sejam intuitiva- mente mais apropriados, por proporcionarem a depuração de moléculas de maior peso molecular, incluindo aí inúme- ras toxinas urêmicas não mensuráveis, os benefícios clínicos de seu uso ainda não estão bem definidos. Já foi demonstra- da a redução na incidência da síndrome do túnel do carpo, atribuída à maior depuração de S2-microglobulina.130 F.m. diversos estudos observacionais, o uso de dialisadores de alta permeabilidade foi associado a uma significativa redução no risco de mortalidade.130•201.261 No entanto, estudos controla- dos posteriores foram incapazes de apontar um efeito favorá- vel sobre a mortalidade na mesma magnitude. Resultados do estudo HEMO, no qual pacientes prevalentes em hemodiáli- se foram randomizados para tratamento com membranas de alta ou baixa permeabilidade, sugerem benefícios limitados da hemodiálise com membranas de alto fluxo. 76 não tendo sido encontrada redução significativa no risco de morte, exceto entre os pacientes que estavam a mais de 3,7 anos em diáli- se. Mais recentemente, em um grande estudo controlado, o MPO (Membrane Permeability Outcomes)146 envolvendo 738 pacientes incidentes em diálise, o uso de dialisadores de alto fluxo não reduziu significativamente o risco de morte, mas, analisando-se subgrupos, foi observada uma significativa re- dução no risco de morte, de 37o/o entre os pacientes com al- bumina abaixo de 4 g/dl e de 38% entre os diabéticos. Pontos-chave • Membranas sintéticas e as de celulose modificada são mais biocompatlveis do que aquelas de celulose não substituída. • Não há evidência de que as membranas sintéticas sejam superiores às de celulose modificada, ou vice-versa. • Dialisadores de alta permeabilidade provavelmente são associados a menor risco de mortalidade. Máquinas Paralelo ao grande avanço ocorrido no desenvolvimento dos acessos vasculares e dos dialisadores, o aprimoramento tec- nológico nas máquinas de hemodiálise contribuiu substan- cialmente para tornar esse tratamento mais confortável e se- guro. Uma máquina de hemodiálise é constituída, basicamente, de uma bomba que promove a circulação sanguínea extracor- pórea e de um sistema paralelo responsável pelo fluxo da so- lução de troca que banha as membranas do dialisador. Além disso, uma máquina deve ser capaz de promover e controlar a retirada de líquido do organismo, manter aquecido o san- gue em circulação extracorpórea e ser dotada de sensores de segurança para as falhas técnicas e intercorrências relaciona- das ao procedimento. O sangue passa pelo circuito extracorpóreo sem contato direto com a máquina. Uma bomba do tipo rolete coloca- da antes do dialisador propicia a chegada do sangue até esse ponto por pressão negativa. Daí em diante, o sangue segue por pressão positiva. Um segmento da linha arterial, geral- mente com diâmetro de 1 a 1,5 cm e cerca de 30 cm de com- primento, é especialmente manufaturado para adaptar-se à bomba rolete. O fluxo de sangue é proporcional ao diâmetro do segmento de linha comprimido pelo rolete e à velocidade de rotação da bomba. No interior do dialisador, o sangue em circulação extracor- pórea sofre passivamente as alterações dependentes do circuito paralelo. O circuito da solução de diálise e os aparatos agrega- dos, além de proverem o banho que chega ao dialisador para que ocorram as trocas com o sangue, controlam ativamente os demais parâmetros da diálise, como a temperatura, a con- centração de sódio e a velocidade de ultrafiltração. 1 8~ As máquinas de hemodiálise, como as que conhecemos hoje, são denominadas "máquinas de proporção" porque pre- param e liberam, de forma constante e em tempo real, aso- lução de troca que passa pelo dialisador (Fig. 53.4). A água, ao chegar à máquina, é misturada instantaneamente ao con- centrado eletrolítico em partes proporcionais. Para que não haja precipitação de sais de cálcio no concentrado eletrolíti- co, este é dividido em dois recipientes distintos, um conten- do o tampão bicarbonato (fração básica), e o outro, o cálcio, demais eletrólitos e a glicose (fração ácida). No momento da diálise, partes de cada uma dessas frações são aspiradas e misturadas à água na proporção adequada. A monitoração da condutividade na solução eletrolítica após a mistura e os mecanismos de salva-guarda contra possíveis falhas tornam essatécnica segura. Os concentrados eletrolíticos geralmente são manufaturados para gerar uma solução de diálise padrão com concentração final de sódio de 138 mEq/l, após a mis- tura com água e a fração básica. A concentração final do só- dio na solução de diálise pode ser individualizada através da variação da proporção de concentrado eletrolítico para ovo- lume de água. Nesses casos, as concentrações de todos os de- Hemodiálise 991 • • . ' . • • i trava de segurança JJI 0 . monitor de pressão GJ ~ monitor de condutividade ~ ~ monitor de temperatura ~ ~ válvula para õ ClCl controle de pressão g cata-bolhas õ • • . ' . . ·---- detector de hemoglobina detector de ar balança de saída balança de entrada bomba propulsora bomba de ultrafillração ,- - - - - - - - - - - - - - - - ' 1 411 I 1 V /\ • • . ' . • camara de HzO 1--... """' mistura proporcional \ - - - - entrada de água tratada fração fração básica ácida expurgo FIG. 53.4 Esquematização simplificada do funcionamento de uma máquina de proporção. A área pontilhada corresponde às partes in- ternas da máquina. mais eletrólitos da solução de diálise são alteradas na mesma magnitude (mas, nesse caso, modificações na concentração dos eletrólitos, na faixa de 2 ou 3% para mais ou para menos, são clinicamente relevantes apenas para o sódio). O fluxo da solução de troca também é dependente de uma bomba. As máquinas são habitualmente dotadas de controle ajustável do fluxo de solução, como, por exemplo, entre 300 e 800 ml/min. O aumento do fluxo do banho é uma estra- tégia que, eventualmente, pode ser adotada para maximizar a eficiência da diálise. 103 A solução chega ao dialisador atra- vés de um tubo plástico flexível que nele se encaixa. Por ou- tro tubo, o banho de diálise que retorna do dialisador para a máquina é drenado como dejeto. Ao contrário do sistema por onde circula o sangue, esses tubos não são individuais, mas componentes da máquina. Por essa razão, as máquinas atuais são dotadas de um sistema de desinfecção desse cir- cuito no intervalo entre as sessões. Esse processo de limpeza, além de reduzir a proliferação bacteriana, minimiza a depo- sição de precipitados de sais de cálcio nos circuitos internos da máquina. Para não causar hipotermia, a solução de diálise que chega ao dialisador deve estar pré-aquecida. As máquinas atuais per- mitem um ajuste bastante preciso da temperatura. A maioria dos pacientes sente-se confortável com a temperatura na faixa de 36 a 37°C. Temperaturas mais elevadas podem favorecer a vasodilatação e queda da pressão intradialítica. Por outro lado, a redução da temperatura da solução de diálise, como, por exemplo, para 35,SºC, tem sido usada como uma estra- tégia para melhorar a estabilidade hemodinâmica durante a diálise em pacientes mais predispostos à hipotensão.110 O controle da ultrafiltração é feito através do ajuste da pressão no compartimento da solução de diálise. Esse com- partimento tem a pressão habitualmente negativa em relação à pressão no compartimento sanguíneo. O controle do gra- diente de pressão entre os dois compartimentos determina a velocidade de ultraftltração. Um sistema integrado, deno- minado câmara de equilíbrio, por onde passam lado a lado a solução que vai e a que retorna do dialisador, assegura que os volumes na entrada e saída sejam semelhantes, não conside- rando o volume de ultrafiltração programado. A precisão da ultrafiltração é assegurada por uma bomba que retira o volu- me programado a partir da solução de diálise que retorna do dialisador, antes da chegada à câmara de equilíbrio, num cir- cuito em bypass. A precisão da ultrafiltração assegura a previ- sibilidade do peso de saída do paciente e minimiza o risco de complicações intradialíticas, como hipotensão e cãibras. Uma inovação tecnológica de relevância inestimável foi a incorporação às máquinas dos sensores de segurança. Com a 992 Hemodiál ise adoção desses sensores, integrados a um sistema de interrup- ção automática da diálise em caso de anormalidades, as com- plicações graves relacionadas ao procedimento, como embo- lia gasosa e hemólise maciça, tornaram-se eventos raros. As máquinas geralmente dispõem de monitores para os seguin- tes parâmetros: (1) condutividade na solução de diálise, (2) temperatura, (3) pressão sanguínea nas linhas arterial e venosa (os monitores de pressão são separados do sangue por isola- dores descartáveis), (4) presença de ar no sangue que retorna ao paciente e (5) indício de hemoglobina na solução de diá- lise pós-dialisador. 189 Outros recursos tecnológicos disponíveis nas máquinas mais modernas são: (1) capacidade de estimar a depuração da ureia removida durante a diálise. Com isso, pode-se deter- minar o Kt/V ao longo de sucessivas sessões, deixando de ser essa uma avaliação pontual; (2) produção de água ultrapura, através da passagem da solução de diálise por um filtro se- melhante a um dialisador acoplado à máquina; (3) capacida- de para realizar hemodiafiltração, com produção de solução de reposição a partir da dupla filtração on-line da solução de diálise; (4) o monitoramento da volemia, pela hemoconcen- tração, em tempo real e ajuste sincronizado da ultrafiltração para evitar hipotensão durante a diálise; (5) o monitoramento da temperatura corporal e ajuste sincronizado do aquecimen- to da solução de diálise de forma a prover uma hemodiálise isotérmica. 85.145.158 Ponto-chave • Uma máquina de hemodiálise deve ser capaz de propiciar as condições para a depuração do sangue, controlar a retirada de líquido, permitir a individualização da prescrição da diálise e ser tecnicamente segura. ACESSO VASCULAR A limitação das opções de acesso vascular tem representado motivo de grande preocupação desde os primórdios da hemo- diálise (ver também Cap. 62). Hoje, com pacientes há muito mais tempo em tratamento e um contingente crescente de idosos e diabéticos ingressando em diálise, talvez a dificul- dade em lidar com acesso vascular seja ainda maior. Apesar dos avanços no tratamento da doença renal crônica termi- nal, com o aprimoramento de equipamentos e desenvolvi- mento de novas drogas, pouco se avançou no que concerne aos acessos vasculares. O shuntde Scribner, que foi o primeiro acesso vascular de longa permanência, era constituído de duas cânulas de mate- rial sintético flexível, uma colocada na artéria radial e outra, na veia umeral, de modo a manter um segmento de cada uma das cânulas exteriorizado. 203 As porções externas desses dois ramos eram anastomosadas entre si através de um conector, constituindo uma fístula arteriovenosa (FAV) acessível. No momento da diálise, esse conector era retirado, sendo o ramo da artéria radial usado para alimentar o circuito enquanto a devolução era feita no ramo da veia umeral. Esse shunt arte- • • • • A • r1ovenoso externo perm1t1u que pacientes urem1cos passassem a ser tratados cronicamente. Cimino e Brescia, há mais de 4 décadas, através da anas- tomose interna de uma artéria a uma veia, criaram a fístula arteriovenosa (FAV) primária ou nativa,30 considerada ainda hoje o melhor acesso vascular para pacientes em hemodiáli- se, por apresentar uma sobrevida muito mais longa e estar associada a um índice muito menor de complicações do que qualquer alternativa disponível. 78 Em situações em que não é possível a anastomose a partir dos vasos do próprio paciente, a FAV interna pode ser confeccionada utilizando-se enxertos autólogos ou sintéticos. Nos pacientes sem acesso vascular demandando diálise de urgência, faz-se um acesso temporário até a confecção e ma- turação da FAV. Durante algum tempo, esse acesso era repre- sentado exclusivamente pelo shunt de Scribner. Em meados da década de 1970, começaram a surgir no mercado os cate- teres colocados em veias profundas e que viriam a ter seu uso consolidado nesse contexto.245 As opções de acessos vasculares (FAV nativa, enxertos e ca- teteres) serãodiscutidas mais detalhadamente a seguir. Fístula Arteriovenosa Nativa Realizada em ambiente cirúrgico, na maioria das vezes sob anestesia local, a FAV pode ser confeccionada através da anas- tomose lateroterminal da artéria radial com a veia cefálica, da braquial com a cefálica ou da braquial com a basílica (que, geralmente, exige sua superficialização), preferencialmente no membro não dominante. Embora a fístula confecciona- da no antebraço apresente um fluxo sanguíneo cerca de 25% menor que no braço,71 o local recomendado inicialmente é o mais distal, poupando-se os vasos mais proximais. Assim, em caso de falência, precoce ou tardia, a fístula poderá ser reconstruída mais acima. A fístula, entretanto, requer um intervalo relativamente longo entre sua confecção e utilização, necessário à sua matu- ração (aumentos do fluxo de sangue, do diâmetro e da espes- sura da parede da veia). Assim, o paciente com doença renal crônica estágio 4 (TFG < 30 ml/min/l,73 m2) deve receber orientação quanto às opções de terapia renal substitutiva e, caso opte pela HD, a FAV deve ser logo confeccionada para que haja tempo suficiente de maturação e estar em condições de uso quando houver indicação para iniciar diálise. Essa de- cisão não deve ser protelada, considerando-se que, não rara- mente, a confecção da FAV não é bem-sucedida na primeira tentativa. É desejável aguardar pelo menos 4 semanas após a confecção para puncionar uma FAV pela primeira vez.241 A punção entre 2 e 4 semanas após a confecção pode ser Hemodiál ise 993 considerada,2°7 levando-se em conta as condições da FAV, a urgência de iniciar o tratamento dialítico e os riscos ineren- tes à outra alternativa, que seria a instalação de um cateter em veia profunda. Antes de encaminhar um paciente para a confecção da FAV, deve-se realizar um exame físico criterioso dos vasos nos membros superiores e levantar a história de uso prévio de cateteres e da ocorrência de trombose ou edema associados ao uso destes. Baseado no exame físico e na história clínica, deve-se avaliar a necessidade de estudo por imagem dos va- sos, incluindo as veias centrais, antes de se decidir onde será confeccionada a FAV. A veia a ser anastomosada deve ter uma luz com diâmetro mínimo de 2 mm e apresentar boa disten- sibilidade após a aplicação de torniquete para haver chances razoáveis de sucesso na cirurgia.31·229·248 As principais complicações da FAV nativa são a falência primária (quando o mau funcionamento é detectado antes mesmo da sua utilização), a estenose e a trombose, todas le- vando à redução parcial ou total do fluxo de sangue. 17 Tanto a falência primária quanto a trombose tardia são observadas mais frequentemente em pacientes idosos e diabéticos. Mu- lheres também, por terem vasos menos calibrosos, apresentam maior risco de falência primária da FAV.240 Outras complica- ções incluem hematoma, infecção, síndrome isquêmica e o desenvolvimento de formações aneurismáticas.241 O risco de falência primária pode ser reduzido através do estudo prévio de artéria e veias pelo doppler colorido nos pacientes nos quais se suspeita, pelo exame físico, de que as condições dos vasos não sejam ideais. Outra medida impor- tante é investigar alterações da coagulação que predispõem à trombose e tomar medidas preventivas junto aos pacientes que tiveram anteriormente trombose precoce de uma FAV com bom fluxo inicial. Provavelmente, o fator modificável mais relevante para o êxito da confecção de uma FAV seja a escolha do cirurgião. O risco de falência primária ou precoce da FAV é cerca de três vezes maior quando o procedimento é realizado por um cirurgião vascular que apenas esporadica- mente se dedica aos acessos vasculares em comparação com cirurgiões experientes nesse campo. 202 Estenose pode ocorrer na anastomose, sendo geralmente associada à técnica cirúrgica, principalmente nos acessos mais distais, e caracteriza-se pela falha da FAV em desenvolver-se adequadamente nas semanas seguintes à sua confecção. A es- tenose que se desenvolve em algum segmento da FAV, adiante da anastomose, pode caracterizar-se pelo baixo fluxo duran- te a diálise (geralmente quando a estenose é anterior ao lo- cal de inserção da agulha arterial), pelo desenvolvimento de circulação colateral para as veias tributárias ou pelo aumen- to da resistência venosa (sugerindo estenose após o local de inserção da agulha venosa). A presença de estenose, além de limitar a eficiência da diálise pelo baixo fluxo, aumenta sig- nificativamente o risco de que essa FAV venha a trombosar a qualquer momento e exigir intervenção de urgência para tentar recuperá-la. A causa mais comum de estenose é a hi- perplasia intimal.244 O diagnóstico de estenose deve ser con- firmado pelo doppler. Quando se detecta uma estenose sig- nificativa na anastomose (afetando o desempenho da diálise e com redução da luz> 50%), a solução geralmente é refazê-la alguns centímetros acima.241 Para estenoses em segmentos da veia mais distantes da anastomose, a correção pode ser cirúr- gica ou por angioplastia percutânea transluminal. A chance de êxito da angioplastia é maior para a correção de estenoses de pequeno segmento da veia, geralmente menor que 2 cm de extensão.46 O desenvolvimento de edema de todo o membro em que foi confeccionada a FAV sugere estenose ou trombose de veias centrais e geralmente está associada ao uso prévio de cateteres, sobretudo na subdávia. 263 Quando não for possível a correção através da colocação de stent, geralmente haverá indicação para a ligadura da FAV, devendo o membro ser considerado defi- nitivamente inviável para confecção de novos acessos. Quando ocorre trombose de uma FAV, até então com bom fluxo, a pronta intervenção do cirurgião vascular pode recu- perar o acesso através da trombectomia ou refazendo a anas- tomose mais acima, aproveitando o leito vascular previamen- te dilatado, o que dispensaria o intervalo para maturação da fístula e a instalação de um acesso provisório. Outra opção em caso de trombose seria tentar o uso de trombolítico, com resultados similares à intervenção cirúrgica.172 Além da atenção ao diâmetro e integridade das veias, de- vemos nos certificar de que a artéria escolhida para a FAV também esteja saudável, inclusive nos segmentos distais à anastomose, minimizando o risco de desenvolvimento de is- quemia na extremidade do membro por roubo de sangue para a FAV.Y Formações aneurismáticas são complicações tardias associa- das ao enfraquecimento da parede da FAV pelas punções repe- tidas. São facilmente identificáveis pela dilatação segmentar da FAV, muitas vezes com uma área de estenose adiante. Quan- do incipiente, a melhor medida é simplesmente abandonar a punção da área. Já para as formações maiores, o tratamento deve ser cirúrgico, através da ressecção de um segmento da parede e a correção da estenose; mas, dependendo do risco de ruptura, pode ser indicada a ligadura da FAV com necessida- de de criar um novo acesso.241 A punção da FAV pela técnica de buttonhole (punção sempre no mesmo local, criando um túnel para a inserção da agulha) é capaz de evitar essa compli- cação, além de reduzir o risco de hematomas e ser bem aceita pelos pacientes por causar menos dor à punção. 250 Infecção no local de punção é uma complicação incomum, desde que princípios básicos, como lavar adequadamente a FAV e limpar com álcool a 70% imediatamente antes da in- serção das agulhas, sejam seguidos. Um cuidado adicional deve ser tomado com a punção pela técnica de buttonhole que exige a remoção da crosta residual da diálise anterior e nova limpeza com antisséptico tópico antes da introdução das 994 Hemodiál ise agulhas. 250 O Staphylococcus aureus é o agente etiológico mais frequente. 139 Quando a infecção é apenas local, o tratamento inicial deve ser antibiótico por 2 semanas. Não há justificati- va para o uso indiscriminado de vancomicina no tratamento de infecção de FAV. Uma boa opção é o usodas cefalospori- nas de primeira geração, especialmente a cefawlina, por ter meia-vida longa na falência renal, podendo ser usada a inter- valos de até 72 h, após as sessões de HD.233 Em caso de in- fecção com repercussão sistêmica, após coleta de sangue para hemocultura, deve-se imediatamente iniciar antibióticos com amplo espectro de ação. 173 Quando a hemocultura é positiva para S. aureus, o diagnóstico de endocardite deve ser exclu- ído através de ecocardiograma transesofágico, mesmo que o paciente já esteja clinicamente melhor, para se definir o tem- po de tratamento. Nos casos de infecção local grave ou com repercussão sistêmica, o tratamento cirúrgico deve ser consi- derado, incluindo a ligadura da FAV. Enxertos Vasculares A opção pela fístula utilizando prótese deve ser reservada aos pacientes nos quais tentativas de confecção de uma FAV na- tiva foram mal-sucedidas ou quando esse insucesso é anteci- pado pela condição desfavorável das veias, o que é mais fre- quente em idosos e diabéticos.5·169 Existem diversas opções de enxertos vasculares sintéticos, mas, no Brasil, usam-se inva- riavelmente as próteses de politetrafluoretileno (PTFE). Ge- ralmente, a prótese é implantada no membro superior. Uma das opções cirúrgicas mais usadas é anastomosar o enxerto à artéria braquial, passar superficialmente no subcutâneo, ao longo da face interna do braço, e anastomosá-lo à veia basí- lica na região axilar, formando uma alça na dobra do cotove- lo. Outra opção frequente é a conexão da artéria radial à veia basílica. Em quase todos os casos, a própria prótese é utili- zada como sítio de punção. Em circunstâncias especiais, um segmento de PTFE pode ser utilizado somente como ponte ligando dois vasos cuja distância não permite sua anastomose direta. Dessa feita, a veia, uma vez madura, é que será pun- cionada. Excepcionalmente, o enxerto pode ser implantado no membro inferior, como uma alça, ligando a artéria à veia femoral. 134 Comparado com a FAV nativa, o enxerto tem um custo muito maior, com necessidade de mais intervenções para recuperar o acesso, menor sobrevida e maior risco de infec- ção. 170 O enxerto geralmente pode ser puncionado 2 semanas após sua colocação, se for necessário.241 Esse tipo de acesso não deve ser puncionado pela técnica de buttonhole. A estenose na anastomose venosa por hiperplasia intima! é a causa mais comum de disfunção e trombose do enxerto. Menos frequentemente, pode ocorrer estenose na anastomose arterial ou nos segmentos de punção do enxerto. Uma esteno- se acima de 50% do lúmen e causando queda significativa do fluxo de sangue é considerada indicação para intervenção.241 Caso contrário, além de comprometer a eficácia da diálise, a presença de uma estenose significativa pode levar à trombo- se do enxerto. Um paciente com enxerto deve ter seu acesso vascular reavaliado periodicamente. Uma mudança gradual nos parâmetros de fluxo e pressão sinaliza que uma estenose pode estar se desenvolvendo. Por exemplo, o aumento da re- sistência venosa durante a HD sugere a presença de estenose na anastomose venosa e deve ser confirmada por exames de imagem. A estenose pode ser corrigida através de angioplas- tia com dilatação por balão ou colocação de stent, mas a ten- dência é recorrer.174 Trombose do enxerto exige a pronta intervenção para au- mentar a chance de recuperação do acesso e permitir que o paciente possa usá-lo já na sessão seguinte, evitando a necessi- dade de colocação de um cateter. A remoção do trombo pode ser feita mecanicamente, com trombolíticos ou a combinação de ambos.19 Como mencionado anteriormente, geralmente quando ocorre trombose da prótese, existe uma alteração de base que predispôs a isso, mais frequentemente a estenose por hiperplasia intima! na anastomose do enxerto à veia. Assim, é importante que, além de se remover o trombo, também se corrija, de preferência no mesmo procedimento, a causa de base, para evitar que um novo episódio de trombose ocorra logo a seguir. O risco de infecção nas próteses é duas ou três vezes maior do que nas fístulas nativas, além de ter um prognóstico bem pior, culminando, na maioria das vezes, com a retirada da prótese. 123 Quando o tratamento clínico da infecção no en- xerto é bem-sucedido, o uso de antibiótico deve se estender até completar 6 semanas. Cateteres Os primeiros cateteres empregados na hemodiálise eram rí- gidos e de luz única, requerendo a punção de dois vasos san- guíneos (ver também Cap. 62). A seguir, foram desenvolvi- dos os cateteres com duplo lúmen (um ramo arterial e outro venoso), disponíveis em variados tamanhos e calibres e com material mais maleável, que se molda à anatomia quando em contato com a temperatura corporal. Ri Mais tarde receberam um cujf(tecido sintético revestindo pequeno segmento doca- teter) que estimula o desenvolvimento de fibrose ao seu redor, no subcutâneo, criando uma barreira à penetração de micror- ganismos a partir da pele. Cateteres sem cujf são conhecidos como temporários, enquanto aqueles com cujfsão designados como tunelizáveis ou de longa permanência. O uso de cateteres deve ser restrito aos casos com indicação de diálise em caráter de urgência, não havendo tempo sufi- ciente para confecção e maturação do acesso definitivo (si- tuação frequente entre os pacientes referenciados tardiamen- te ao nefrologista), àqueles já em programa de hemodiálise mas temporariamente sem acesso por alguma complicação, aos pacientes em diálise peritoneal que necessitem ficar afas- tados provisoriamente do método ou aos casos nos quais to- Hemodiál ise 995 das as demais alternativas de acesso vascular definitivo foram esgotadas, incluindo os enxertos (nessa situação, um cateter tunelizável assume o papel de acesso definitivo). 45.l 56·2º8 Pelo menor risco de infecção e por dispensar trocas periódicas, o uso de cateteres tunelizáveis é preferível. A colocação de ca- teteres temporários deveria ser restrita às situações de emer- gência, mas, lamentavelmente, ainda são os mais utilizados no nosso meio. Crianças ou pacientes sem acesso vascular definitivo e com perspectivas de transplante em curto prazo também podem configurar uma boa indicação para o uso de cateteres tunelizáveis. 156 TÉCNICAS DE INSERÇÃO Os cateteres podem ser implantados nas veias subclávias, ju- gulares internas e femorais, havendo ainda relatos de acesso translombar na falta absoluta de outra opção.262 Inicialmente, o acesso pela veia subclávia era o mais escolhido. Seu uso di- minuiu à medida que vários estudos associaram-no à esteno- se e trombose de veias centrais.109 Na atualidade, o acesso de eleição é a veia jugular interna, preferencialmente à direita.?4 1 Entre as razões que explicam a preferência pelo lado direito, encontram-se a comodidade do executor, posição mais bai- xa da cúpula pleural e ausência de dutos linfáticos. A jugu- lar pode ser acessada por via anterior (cerca de 1 cm abaixo do cruzamento da jugular externa com a carótida), posterior (cerca de 1 cm abaixo do cruzamento da veia jugular externa com o estemocleidomastóideo) e central, no ângulo forma- do pelos ramos estemal e clavicular do esternocleidomastói- deo. O acesso central, pela maior proximidade com a pleura, é o que apresenta o maior risco de complicações. A via pos- terior, embora tecnicamente mais difícil, é bastante útil nos pacientes obesos, brevilíneos ou com dificuldade de rotação do pescoço. Em nossa experiência, a via anterior é a que me- lhor parece conciliar maiores chances da punção venosa com menor risco. A experiência do médico com a técnica, entre- tanto, é que determina o acesso preferencial. O acesso pela veia femoral, descrito como de curta per- manência (até 1 semana) e reservado aos pacientes acama- dos, graças à segurança e facilidade de punção que oferece, tem sido eventualmente utilizado em caráter ambulatorial e com tempo de permanência mais longo. 192 Ao se optar por essa via, deve-se empregar cateteres de