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BíBlica Prof. Alexandre de Paula Amorim cultura Indaial – 2021 2a Edição Impresso por: Elaboração: Prof. Alexandre de Paula Amorim Copyright © UNIASSELVI 2021 Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI A524c Amorim, Alexandre de Paula Cultura bíblica. / Alexandre de Paula Amorim. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 218 p.; il. ISBN 978-65-5663-582-8 ISBN Digital 978-65-5663-581-1 1. Texto bíblico. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 220 O presente livro didático tem como objetivo apresentar os aspectos culturais, étnicos, ecológicos, econômicos, religiosos e sociais dos antigos hebreus e dos demais povos antigos do Oriente Próximo e da Palestina. Permitir que o acadêmico possa ser apresentado e introduzido aos diversos mundos e às diversas culturas que figuram, que fizeram parte e que influenciaram na construção do texto bíblico. É importante que o leitor tenha em mente que, Apesar de estarmos tratando de uma disciplina de natureza religiosa, o foco da disciplina Cultura Bíblica não é a religião em si e nem o texto bíblico, precisamente. O interesse principal da disciplina é o de entender a cultura, ou melhor, as culturas e as sociedades que deram origem aos escritos bíblicos. Todo o esforço dirigido é para a compreensão dos aspectos culturais, étnicos, ecológicos, econômicos, religiosos e sociais de outros vários por trás do texto. No Tópico 1 apresentaremos a discussão acerca do conceito antropológico de cultura. A origem e a evolução do conceito que remontam as análises do tema desenvolvidas por John Locke ainda no século XVII até as contribuições mais atuais sobre o tema e conceito. Na sequência, apresentaremos uma introdução à Bíblia, sua origem, sua história, sua relevância para os povos semitas e para a civilização ocidental. As especificidades da Bíblia, quanto às diferenças entre os textos da Bíblia hebraica, a Septuaginta, a Bíblia cristã católica e a Bíblia protestante. No Tópico 2 temos um panorama sobre a Palestina, sua origem, história, localização, principais características históricas, culturais e ambientais. Sua ocupação, as disputas e sua importância como o cenário, como o contexto vital mais importante que influenciou na formação dos judeus e dos escritos bíblicos. Também há informações básicas sobre o Crescente Fértil e a capital judaica, Jerusalém. No Tópico 3 apresentaremos uma história sumária dos hebreus, sua origem, seu modo de vida, a formação de sua religião, os etnônimos, sua trajetória tribal à formação da monarquia e sua relação com os diversos povos, semitas e não semitas que fizeram parte da formação de desenvolvimento dos antigos hebreus e, posteriormente, dos judeus. Bons estudos! Prof. Alexandre de Paula Amorim APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! 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Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. 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SUMÁRIO UNIDADE 1 — A TERRA, A CULTURA E O POVO DA BÍBLIA ................................................... 1 TÓPICO 1 — INTRODUÇÃO À CULTURA E A BÍBLICA ............................................................3 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................3 2 A ORIGEM DA CULTURA ......................................................................................................5 3 O QUE É CULTURA? ............................................................................................................. 7 4 A BÍBLIA............................................................................................................................. 12 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 21 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 22 TÓPICO 2 — A TERRA: CANAÃ, ISRAEL, PALESTINA ........................................................ 25 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 25 2 TOPONÍMIA ........................................................................................................................27 3 LOCALIZAÇÃO E CLIMA ....................................................................................................27 4 O CRESCENTE FÉRTIL ..................................................................................................... 28 5 A CAPITAL ........................................................................................................................ 30 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 32 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................33 TÓPICO 3 — O POVO: OS HEBREUS E OS SEMITAS ........................................................... 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 35 2 OS HEBREUS .....................................................................................................................37 3 ETNONÍMIA ....................................................................................................................... 40 4 OS SEMITAS ..................................................................................................................... 42 4.1 OS CANANEUS .....................................................................................................................................43 4.2 OS BABILÔNICOS ................................................................................................................................44 5 POVOS NÃO SEMITAS ...................................................................................................... 48 5.1 OS EGÍPCIOS ........................................................................................................................................ 48 5.2 OS PERSAS............................................................................................................................................51 5.3 OS GREGOS ..........................................................................................................................................52 5.4 OS ROMANOS ......................................................................................................................................55 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................................................57 RESUMO DO TÓPICO 3 .........................................................................................................59 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 60 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 63 UNIDADE 2 — O MUNDO E A CULTURA DO ANTIGO TESTAMENTO ................................... 65 TÓPICO 1 — A VIDA CULTURAL DOS HEBREUS ..................................................................67 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................67 2 O MODO DE VIDA HEBRAICO ........................................................................................... 68 2.1 O MODO DE PRODUÇÃO .....................................................................................................................71 3 A COSMOVISÃO HEBRAICA ..............................................................................................76 3.1 A MITOLOGIA HEBRAICA .................................................................................................................... 77 3.2 AS CONCEPÇÕES JUDAICAS ACERCA DA CRIAÇÃO................................................................ 80 3.3 CONCEPÇÕES JUDAICAS ACERCA DO SOFRIMENTO ...............................................................82 4 O PARENTESCO ............................................................................................................... 85 4.1 O MATRIMÔNIO E A SEXUALIDADE .................................................................................................89 4.2 O PAPEL DA MULHER ........................................................................................................................94 4.3 O LEVIRATO ..........................................................................................................................................96 4.4 OS ANCIÃOS ......................................................................................................................................... 97 RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................................99 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................100 TÓPICO 2 — A VIDA RELIGIOSA DOS HEBREUS ...............................................................103 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................103 2 O SISTEMA DE SACRIFÍCIOS ......................................................................................... 104 3 AS FESTIVIDADES RELIGIOSAS ....................................................................................106 3.1 O HABURAH ........................................................................................................................................108 3.2 O QUIDDUS .........................................................................................................................................108 3.3 A FESTA DA PÁSCOA .......................................................................................................................109 3.4 A FESTA DOS PÃES ÁZIMOS ............................................................................................................111 4 A ARTE JUDAICA ............................................................................................................ 112 4.1 O ANICONISMO DAS RELIGIÕES ABRAÂMICAS ...........................................................................114 5 PRINCIPAIS CÓDIGOS LEGAIS DO PERÍODO PATRIARCAL ......................................... 115 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................117 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 118 TÓPICO 3 — A VIDA POLÍTICA DOS HEBREUS .................................................................. 121 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 121 2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO PERÍODO TRIBAL ........................................................122 3 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA MONARQUIA ...............................................................123 3.1 A GEOPOLÍTICA JUDAICA ................................................................................................................ 126 4 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS NO PERÍODO MONÁRQUICO ............129 5 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS PROVOCADAS PELO EXÍLIO ............130 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................135 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................... 137 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................138 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 141 UNIDADE 3 — O MUNDO E A CULTURA DO NOVO TESTAMENTO ..................................... 147 TÓPICO 1 — A VIDA CULTURAL NO NOVO TESTAMENTO .................................................149 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................149 2 O PERÍODO DO INTERTESTAMENTO ..............................................................................150 2.1 O ESCRIBA E O SÁBIO ...................................................................................................................... 153 2.2 O ECLETISMO DO INTERTESTAMENTO ........................................................................................ 155 2.3 AS SEITAS, OS GRUPOS E OS PARTIDOS JUDAICOS .............................................................1582.3.1 Os Fariseus ................................................................................................................................158 2.3.2 Os Saduceus ............................................................................................................................ 159 2.3.3 Os Zelotas .................................................................................................................................160 2.3.4 Os Herodianos ..........................................................................................................................161 2.3.5 Os Essênios ..............................................................................................................................161 3 MODO DE VIDA NO NOVO TESTAMENTO ........................................................................164 3.1 A FAMÍLIA NO NOVO TESTAMENTO ...............................................................................................165 3.2 O MODO DE PRODUÇÃO DO NOVO TESTAMENTO .................................................................... 170 3.3 A DIETA NO NOVO TESTAMENTO ................................................................................................... 171 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 173 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 174 TÓPICO 2 — A VIDA POLÍTICA NO NOVO TESTAMENTO ................................................... 177 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 177 2 O IMPÉRIO ROMANO .......................................................................................................178 3 A SITUAÇÃO POLÍTICA DA PALESTINA ........................................................................182 3.1 CIDADES, VILAS E ALDEIAS ............................................................................................................ 187 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................190 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 191 TÓPICO 3 — A VIDA RELIGIOSA NO NOVO TESTAMENTO ................................................193 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................193 2 A IMPORTÂNCIA DO TEMPLO E DA SINAGOGA NO NOVO TESTAMENTO .....................194 3 O JUDAÍSMO DO NOVO TESTAMENTO ...........................................................................196 3.1 CRENÇAS E CRENDICES ................................................................................................................ 199 4 OS SAMARITANOS ..........................................................................................................201 5 JESUS E A CULTURA DO NOVO TESTAMENTO ............................................................. 202 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................. 205 RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 209 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................210 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................213 1 UNIDADE 1 — A TERRA, A CULTURA E O POVO DA BÍBLIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender a importância dos elementos culturais na leitura da Bíblia; • analisar os desafios de compreensão do texto bíblico; • entender o que é cultura; • aplicar a concepção antropológica de cultura à leitura bíblica; • entender a importância da Palestina no mundo antigo; • identificar os diferentes topônimos e ocupações; • compreender a realidade ambiental da cultura judaica; • entender a origem dos judeus; • identificar os principais elementos da formação da identidade judaica; • distinguir entre a religião javista e o judaísmo; • situar Israel no contexto palestinense. • perceber influências e contribuições dos povos e nações no judaísmo. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À CULTURA BÍBLICA TÓPICO 2 – A TERRA: CANAÃ, ISRAEL, PALESTINA TÓPICO 3 – O POVO: ISRAEL, OS POVOS SEMITAS E OS POVOS NÃO SEMITAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 INTRODUÇÃO À CULTURA E A BÍBLICA TÓPICO 1 — UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO “A cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas de cada coisa.” (Ruth Benedict) “Que o homem progrida quanto quiser, que todos os ramos do conhecimento humano se desenvolvam ao mais alto grau, coisa alguma substituirá a Bíblia, base de toda a cultura e de toda a educação.” (Immanuel Kant) Em relação à leitura da Bíblia, a maioria dos exemplares disponíveis para aquisição é fruto de traduções literais, que traduzem o significado, mas que não conseguem traduzir o sentido, como nas traduções idiomáticas. Outro fator importante é compreender que não se trata de descrições precisas e exatas, pois os escritos bíblicos não foram escritos para os parâmetros experimentais da ciência moderna. E assim como não satisfaz à exigência da ciência moderna, os escritos bíblicos também não satisfazem a exigência antropológica, no sentido de não serem, em rigor, um registro etnográfico. Os relatos, por mais que deixem escapar alguns detalhes históricos e etnológicos, são econômicos nessas informações, pois foram escritos para falantes nativos e não para serem escrutinados por outras culturas e em outras épocas. É comum certas tradições judaicas e cristãs considerarem o judaísmo como sendo a saga linear de uma religião e de um único povo, que tem sua origem na convocação de Abrão por Yahweh. Se do ponto de vista genealógico e teológico tal interpretação tenha sua coerência, do ponto de vista cultural, mutatis mutandis, trata- se de diversos povos, diversas religiões e diversas culturas. Sendo que Israel, o povo da Bíblia, é soma de todas elas. Para a compreensão do ambiente histórico e cultural bíblico, utiliza-se três categorias de fontes: as primárias, as secundárias e as terciárias. As fontes primárias são as descobertas arqueológicas, as fontes secundárias são os próprios textos bíblicos e as fontes terciárias são analogias com outras sociedades anteriores, contemporâneas e posteriores. 4 Cabe ainda esclarecer, que os escritos bíblicos são frutos de interpretação teológica tanto por parte do hagiógrafo (escritor bíblico) quanto por parte da comunidade que recebeu os textos. Mesmo que contenham elementos culturais, geográficos e históricos, os escritos são condicionados pela crença religiosa do escritor e dos receptores do texto bíblico. Analogicamente falando, é como se o texto bíblico fosse uma pintura que necessita de uma moldura para ficar de pé. Esta moldura são as condições histórico- culturais e ambientais. Estas duas categorias juntas formam o que na exegese bíblica se chama sitz im leben – “espaço de vida”, “contexto de vida”. O fato é que se trata de um espaço de vida de quatro mil anos atrás.De um contexto de vida muito diferente dos dias atuais, com estruturas linguísticas e estruturas de pensamento muito distintas das atuais. A pretensão de alcançar um conhecimento objetivo e direto deste contexto, torna-se improvável. Levando em consideração apenas o fator língua, este já carrega em si uma grande complexidade. A língua ou o seu sistema, a linguagem, é muito mais do que somente aquilo que possibilita a interação entre falantes. A linguagem é algo extensivo do ser humano. É parte do seu ser, ou seja, é ontológica. É a manifestação do próprio existir do ser humano, de seu grupo, de sua cultura. E se é possível dizer que as palavras possuem diversos significados, determinando com isso, seu uso polissêmico na construção do pensamento e da linguagem, o que dizer então de um idioma de quatro mil anos, foneticamente impronunciável, como é o caso do hebraico antigo. A Bíblia é uma coletânea de livros que narra a história do povo hebreu. Cobre um período de mais ou menos mil e setecentos anos, que vai desde os patriarcas (Abraão, Isaac, Jacó) no século XIX a.C. até os últimos escritos do Novo Testamento (2ª epístola de Pedro) no século II d.C. Por se tratar de um contexto histórico que está distante cerca de três mil e setecentos anos, relativos ao Antigo Testamento, e dois mil anos no que se refere ao Novo Testamento, somado a um contexto social e cultural muito diferente dos dias atuais, um dos principais entraves à análise e estudo do texto bíblico é a sua correta compreensão e interpretação. Apesar de ser um conjunto de livros, a Bíblia deve ser compreendida em sua totalidade, ou seja, em sua unidade interna. Tal unidade pode ser interpretada a partir de duas perspectivas. Uma é a do interesse geral e científico, que olha para a Bíblia como fonte histórica e etnográfica da origem e desenvolvimento de Israel como uma grandeza multiétnica. A outra é a dos religiosos que têm na Bíblia um livro sagrado, fonte da mensagem de redenção de Yahweh para os hebreus e que posteriormente torna-se uma mensagem universal. 5 A maioria dos leitores da Bíblia a interpreta de forma literal. Entretanto, é consenso entre os especialistas que a leitura da Bíblia não pode ser literalista, ou seja, “ao pé da letra” – isso é impraticável. Tampouco se deve abri-la aleatoriamente para corroborar uma opinião que se deseja defender. Independentemente do interesse, seja ele científico ou religioso, é necessário que se compreenda que cada livro tem sua própria história e deve ser lido à luz do seu contexto histórico, gênero literário, intenção do autor, sem que se perca de vista a sua unidade com o todo. Antes de iniciar a reflexão do tema proposto pelo presente livro didático – a cultura na Bíblia – é necessário que se saiba, de fato, do que está se tratando. Nesse caso, optou-se por apresentar, específica e separadamente os temas que compõe o título da disciplina: a cultura e a Bíblia. Sitz im leben é uma expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos, cunhada pelo teólogo Herman Gunkel. Na crítica das formas ou história das formas, o ponto de vista sociológico tornou-se um exercício obrigatório para os exegetas. Por meio do sitz im leben, se reconhece que as tradições bíblicas levam a marca dos ambientes socioculturais que as transmitiram. Traduz- se comumente por “contexto vital”. De uma forma simples, o sitz im leben descreve em que ocasião uma determinada passagem da Bíblia foi escrita, ou seja, qual foi o fato que motivou o surgimento de um determinado gênero literário bíblico. Há dois tipos de sitz im seben: o primário e o secundário. O primário se refere ao fato que promoveu a elaboração do gênero literário. O secundário se refere ao local onde era utilizado este gênero. NOTA 2 A ORIGEM DA CULTURA As ciências sociais ainda não chegaram a um consenso sobre a origem da cultura. Contudo, na antropologia, há uma interpretação amplamente aceita, que afirma ser a regra da proibição do incesto que estabelece o limite entre o reino da natureza e o reino da cultura entre os seres humanos, de acordo com o antropólogo francês Lévi- Strauss (1982). Segundo Lévi-Strauss (1982), ao impor limites à natureza humana, a regra ou o tabu do incesto acaba produzindo uma estrutura de organização social, que obriga os homens de uma família a buscarem mulheres em outra família, estabelecendo assim uma rede de reciprocidade. 6 Pelo fato de existirem pessoas, em especial, mulheres com as quais não se pode ter relações sexuais, os grupos humanos se veem obrigados a trocarem mulheres entre si, criando a regra da exogamia e estabelecendo alianças com outros grupos que eram potenciais rivais. A regra da exogamia, a que obriga a se casar com uma pessoa de outro grupo ou família, também pode ter ajudado a manter a integridade do grupo familiar, já que impede que os homens da mesma família disputem a mesma mulher. Mas a cultura, impotente diante da filiação, toma consciência de seus direitos ao mesmo tempo que de si mesma, diante do fenômeno, inteiramente diferente, da aliança, o único sobre o qual a natureza já não disse tudo. Somente aí, mas por fim também aí, a cultura pode e deve, sob pena de não existir, afirmar ‘primeiro eu’ e dizer à natureza: ‘não irás mais longe’. Considerada em seu aspecto puramente formal, a proibição do incesto, portanto, é apenas a afirmação, pelo grupo, de que em matéria de relação entre os sexos não se pode fazer o que quer. O aspecto positivo da interdição consiste em dar início a um começo de organização (LÉVI-STRAUSS, 1982, p. 71-83). FIGURA 1 – CASAL PRIMITIVO FONTE: <https://bit.ly/3gTdlIp>. Acesso em: 17 maio 2021. Quando os seres humanos começam a produzir cultura, eles concomitantemente, se separam e superam os limites impostos pela da natureza. O reino da natureza é o reino amplo da biologia, da flora, da fauna, de todos os seres vivos, incluindo os próprios seres humanos. A natureza é a totalidade das coisas. É tudo que existe no mundo natural antes que o homem faça alguma coisa, Segundo Gardini: O conceito moderno de natureza refere-se ao dado imediato; ao conjunto das coisas, antes que o homem faça qualquer coisa nelas; ao conjunto das energias e das substâncias, essências e leis. Este conjunto é experimentado como pressuposto da existência, e como tarefa a desempenhar pelo conhecimento e pela criação. Mas “natureza’’ também significa um conceito valorativo, a norma 7 É importante ressaltar que tal interpretação antropológica da possível origem da cultura, nada diz sobre a origem humana, se criacionista, evolucionista ou design inteligente. Mostra apenas a lógica por trás de uma instituição humana, que, possivelmente, teria sido a regra que estabeleceu uma distinção entre os seres humanos e os outros animais, permitindo, assim, a proliferação da espécie. IMPORTANTE 3 O QUE É CULTURA? Dentro das humanidades, mais especificamente, dentro das ciências sociais, o termo/conceito cultura é um dos mais debatidos, um dos mais polêmicos e um dos mais estudados. Há um consenso entre os especialistas de que cultura é um conceito de natureza antropológica. Entretanto, dentro da própria antropologia não há um consenso sobre o tema entre as diversas vertentes. Por tratar-se de um tema muito presente no cotidiano das pessoas, o conceito de cultura também é um dos conceitos mais apropriados tanto pelo senso comum quanto por outras áreas do conhecimento. obrigatória de todo conhecimento e de toda criação, do justo, do saudável e perfeito, precisamente o que se entende por “natural”. Daí os critérios de toda existência válida: do homem natural, da sociedade natural e da forma do estado, da educação, da maneira de viver. Tal como se realizam desde o século XVI ao século XX (GUARDINI, 2000, p. 38). Emcontraposição, a cultura é tudo que o homem produz a partir da natureza, com o uso de suas faculdades: todo o conjunto de habilidades adquiridas e desenvolvidas coletivamente, desde as técnicas mais rudimentares com emprego de instrumentos líticos até as conquistas científicas mais modernas. A cultura é um fenômeno complexo, que pode ser compreendido a partir de suas características principais. Essas características podem ser agrupadas segundo três aspectos: a origem, a forma e a finalidade. • Origem – ela é humana, social e laboriosa. • Forma – sensível, dinâmica e múltipla. • Finalidade – religiosa, humanista e naturalista. 8 O conceito antropológico de cultura foi uma das ideias mais importantes e de maior influência no pensamento do século XX. O uso do termo cultura adotado pelos antropólogos do século XIX espalhou-se para outras áreas de pensamento com um profundo impacto; hoje é um lugar-comum para que os humanistas e outros cientistas sociais falem, por exemplo, de “cultura japonesa”. No entanto, paradoxalmente, a noção de cultura implícita nesses usos mostrou ser muito ampla e muito rudimentar para ser capaz de capturar os elementos essenciais no comportamento humano. A reação de alguns estudiosos foi abandonar o termo como instrumento conceitual básico; resposta de outros foi aprimorar e limitar o instrumento para torná-lo mais preciso. No uso da antropologia, é claro, cultura não significa cultivo nas artes e dotes sociais. Refere-se, ao contrário, à experiencia apreendida e acumulada. Uma cultura – digamos a cultura japonesa – refere- se àqueles de comportamento característicos de um grupo social específico que foram socialmente transmitidos (KEESING, 2014, p. 34-35). É provável que nenhuma apropriação do termo cultura tenha tido mais êxito do que a efetuada pelas chamadas minorias. Há uma miríade de grupos que se consideram vítimas do processo civilizacional do Ocidente. Estas transformam a cultura num termo corrente e instrumental usado como forma de protesto contra o atual processo civilizatório do capitalismo. De acordo com Kuper (2002), o uso corrente do termo, na verdade, é fruto de um fenômeno de despertamento de consciências culturais, que está na ordem do dia. Desde subgrupos urbanos, aborígines australianos à fundamentalistas islâmicos, todos se sentem ameaçados pela diferença e sobreposição cultural. O conceito de cultura, no sentido de como é utilizado atualmente, de acordo com Laraia (2017), já se desenvolvia deste o início da era moderna. John Locke (1632- 1704), em 1690 no seu Ensaio acerca do entendimento humano, combatia as ideias de correntes inatistas, que afirmam ser genética a transmissão de valores, princípios, crenças e comportamento humano. Para tais correntes, a hereditariedade é o fundamento que explica a continuidade das ações humanas. Depois de Locke, seguem as contribuições de James Turgot (1727-1781), Jean- Jacques Rousseau (1712-1778), até que em 1871, o antropólogo britânico Edward Tylor elaborou o que é considerada a primeira definição antropológica de cultura. Entretanto, antes de apresentar a definição antropológica de cultura, entenda o processo de desenvolvimento do conceito. Três nações, a francesa, a alemã e a inglesa tiveram um papel fundamental para o desenvolvimento do conceito de cultura. São três perspectivas que guardam entre si distinções e aproximações conceituais, sendo as responsáveis pelos principais debates e evolução do conceito de cultura. 9 Na França, o debate se dá em torno do termo civilização (civilisation). O termo civilização é cunhado no espírito positivista do iluminismo e tem sentido análogo ao sentido dado posteriormente ao termo cultura. No conceito de civilização está a ideia de um progresso material e desenvolvimento. Posteriormente, o conceito ganha o sentido tanto de progresso material quanto de desenvolvimento intelectual. Estes, na concepção francesa devem servir de referência não apenas para a Europa, como também para outros povos do mundo todo em estágio inferior, os chamados povos primitivos (KUPER, 2002). Na Alemanha, a princípio, o conceito kultur era semelhante ao conceito francês de civilização. Aos poucos foi se construindo uma distinção de cultura como realidade espiritual, ligada ao aspecto interior da cultura de cada nação. Diferentemente da concepção universalista francesa, a concepção alemã se fundamenta nos valores nacionais, espirituais, na genialidade individual, nas emoções e até mesmo nas forças obscuras. Este é o conteúdo do conceito alemão, kultur (KUPER, 2002). Entre a concepção francesa civilisation e a concepção alemã kultur, o antropólogo britânico Edward Tylor elabora o conceito inglês culture, como uma espécie de síntese, que tomado em seu sentido etnográfico, significa “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 2017, p. 25). Nesta definição está todo aspecto material e imaterial como também o processo pelo qual é transmitida a cultura. Esta definição é considerada a primeira definição de cultura de natureza antropológica. A concepção de Tylor estabelece uma importante distinção de cultura como sendo produção humana fortemente marcada pelo caráter do aprendizado e da transmissão, em oposição à ideia de transmissão biológica, ligada ao conceito de raça que ainda pairava sobre a Europa. Nesse sentido, cultura se refere ao modo de pensar e agir assimilados no convívio diário com outros seres humanos. E é construída através de um processo que envolve inúmeras gerações. Entretanto, é preciso esclarecer, que por mais que suas contribuições tenham sido de grande importância, Tylor ainda permanece como um evolucionista. A grande preocupação de Tylor não estava na diversidade cultural, mas sim na questão da igualdade humana. Segundo ele, a diversidade cultural seria o resultado dos diferentes estágios da evolução humana. Uma concepção tipicamente evolucionista unilinear fruto da grande influência de Charles Darwin nas ciências modernas (LARAIA, 2017). Coube a Franz Boas (1858-1949), um antropólogo teuto americano, o papel de desarticular as concepções evolucionistas. Boas foi o precursor de uma corrente teórica conhecida como particularismo histórico, culturalismo ou relativismo cultural. 10 Em seu artigo The limitation of the comparative method of anthropology, de 1896, Boas (2003) expõe quais são as duas tarefas primordiais da Antropologia: 1) a reconstrução da história de povos ou regiões particulares; 2) a comparação da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. Segundo a perspectiva de Boas (2003), cada povo ou cultura escolhe seu próprio caminho diante do devir histórico ao qual é submetido. A partir desta perspectiva, admite-se uma teoria evolutiva multilinear e não mais unilinear, como pensava Tylor, ou seja, existem vários caminhos para o desenvolvimento e o progresso de um povo. Cada cultura tem uma história própria, particular e sua transformação ocorre através do contato com outras culturas. Como o tema deste livro diz respeito aos povos da antiguidade, povos nômades, seminômades, caçadores e coletores que mantinham outro tipo de relação com a natureza, é importante abordar a discussão antropológica acerca da natureza e da cultura, pois toda a evolução das sociedades antigas, assim como da humanidade como um todo, está relacionada à relação inversamente proporcional que os grupos humanos mantêm com “reino da natureza” ou com o “reino da cultura”. Por natureza entende-se tudo que faz parte do reino animal, vegetal e mineral. Deoutra forma, pode-se dizer que a natureza é a totalidade das coisas. É tudo que existe antes que o ser humano faça alguma coisa, incluindo o próprio ser humano. Do pondo de vista orgânico, fisiológico, o ser humano é um espécime do reino animal, porém, há uma especificidade tão peculiar no ser humano, que o antropólogo norte americano Alfred Kroeber (1876-1960), chegou a se referir ao ser humano como o “superorgânico” (LARAIA, 2017). A ideia não é negar ou menosprezar a dimensão biológica do ser humano, pois, sem corpo, sem bios não há ser humano. O propósito do “superorgânico” é evidenciar duas coisas: primeiro que por mais que as funções vitais ou orgânicas sejam as mesmas em todo ser humano, a forma de lidar com as demandas vitais e orgânicas é diferente de uma cultura para outra cultura; segundo, que o ser humano é um animal tão sui generis, que superou sua condição orgânica. Através da cultura, o ser humano produz invenções que lhe servem como extensão do próprio corpo, enquanto os animais precisam se adaptar para sobreviver. Veja a síntese das teses do artigo de Kroeber (1949 apud SANTOS, 2020, p. 4-5): 1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. 2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais, os seus instintos foram parcialmente anulados [...] 3. A cultura é o meio da adaptação aos diferentes ambientes ecológicos [...] 11 4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu habitat. 5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas. 6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação, não importa o termo), que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional. 7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Esse processo limita e estimula a ação criativa do indivíduo. 8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos do seu sistema cultural, e criar um novo objeto ou uma nova técnica. Nessa classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o fogo através do atrito da madeira seca; ou o primeiro homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha etc. são eles gênios da mesma grandeza de Santos Dumont e Eistein. Sem as suas primeiras invenções descobertas, hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado ao que é hoje. Em contraposição à natureza, a cultura é tudo que o homem adquire ou produz com o uso de suas faculdades. Enquanto os animais possuem especializações orgânicas, o ser humano possui uma especialização cerebral (biopsíquica) que lhe permite atingir e superar todas as especializações dos animais. O ser humano cria, aprende e transmite. Por ser biocultural, o ser humano não age motivado apenas por seus instintos, mas principalmente, orientado por sua cultura. Para se entender a cultura e as sociedades que deram origem aos escritos bíblicos, antes é preciso entender o que é a Bíblia, pois ela é uma das principais fontes dessa história cultural. QUADRO 1 – QUADRO CONCEITUAL FONTE: O autor CULTURA: Sentido habitual, senso comum: formação espiritual que eleva o gosto, a inteligência e a personalidade à dimensão universal. Sentido antropológico: conjunto complexo que inclui conhecimentos, técnicas, tradições, e caracteriza uma sociedade ou um dado grupo. Termos e expressões conexos. Relação de vizinhança: civilização. Relação de dependência: educação – humanidade – saber – sociedade. Relação de oposição: ignorância – natureza. 12 4 A BÍBLIA A Bíblia é o livro mais popular e mais lido em todo o mundo. Por ser a regra de fé das religiões monoteístas da atualidade – o cristianismo e judaísmo, estima-se que um em cada três habitantes do planeta possua uma Bíblia ou que pelo menos já a tenha lido ou conheça algumas de suas histórias. Paradoxalmente, por mais que seja um dos livros mais lidos e mais conhecidos, a Bíblia também é um dos livros menos compreendidos. Por esse motivo é que existem milhares de religiões, seitas, cultos e confissões que se baseiam na Bíblia, mesmo mantendo profundas divergências entre si. O que a maioria das pessoas não sabe é que a Bíblia não é um livro. É na verdade, um conjunto de livros, uma biblioteca. Etimologicamente falando, o termo bíblia é plural do termo grego bíblion (livro). Seu significado original é “rolo” ou “livro”. Trata-se de um conjunto de livros de contextos, autores, séculos e gêneros diferentes, mas que remetem à mesma história da relação de um Deus (Yahweh) e seu povo (hebreus), no caso do Antigo Testamento e dos cristãos, no caso do Novo Testamento. Essa forma de denominar a coleção de livros sagrados no singular e no feminino é recente, segundo Mounce (2009, p. 172): Embora este significado seja eclesiástico na sua origem, suas raízes remontam até ao AT. Em Dn 9, 2 (LXX) ta biblia refere-se aos escritos proféticos. No Prólogo de Siraque, refere-se às Escrituras do AT de modo geral. Este uso linguístico passou para a igreja cristã (2 Clem. 14.2) e cerca do início do século V foi estendido para incluir todo o conjunto de escritos canônicos, conforme agora os possuímos. A expressão ta biblia passou para o vocabulário da igreja ocidental e, no século XIII, por aquilo que Westcott chama de "feliz solecismo", o neutro plural veio a ser considerado um feminino singular, e, nesta forma, o termo passou para as línguas da Europa moderna. Essa mudança significante do plural para o singular refletiu o conceito crescente da Bíblia como uma só declaração de Deus, ao invés de uma multidão de vozes falando em nome dEle. A Bíblia é o livro sagrado do judaísmo e do cristianismo. Para estas religiões a Bíblia não é um compêndio de ciências naturais ou de história. Para judeus e cristãos a Bíblia é a Palavra de Deus, a Lei, a Sagrada Escritura. Por ser um dos escritos mais antigos, por seu valor histórico também é considerada um patrimônio da humanidade. Para o ocidente de tradição judaico-cristã, a primeira parte da Bíblia, o Antigo Testamento, contém a história do início da humanidade. 13 Um biblon era um rolo de papiro ou biblo, uma planta semelhante a uma taquara, cuja casca interna era secada para se tornar uma matéria de escrita de uso generalizado no mundo antigo. NOTA FIGURA 2 – PLANTA PAPIRO FONTE: <http://twixar.me/ZR8m>. Acesso em: 17 maio 2021. FIGURA 3 – PAPEL DE PAPIRO FONTE: <http://twixar.me/hR8m>. Acesso em: 17 maio 2021. Como já mencionado, a Bíblia contém uma divisão em duas grandes partes. São duas porções de livros separados cronologicamente por cerca de quinhentos anos. A primeira parte é o Antigo Testamento ou Primeiro Testamento. A segunda parte diz respeito ao Novo Testamento ou Segundo Testamento. De acordo com Konings (1998), o termo testamento aqui não tem o sentido de rol de bens ou direitos deixados, mas de “aliança atestada” entre Deus e seu povo, a chamada berit. Diz respeito ao pacto de fidelidade de Yahweh para com seu povo, que se inicia com a aliança feita com Abraão e tem seu cumprimento final no Novo Testamento em Jesus Cristo. FIGURA 4 – A TORAH FONTE: <https://www.deviantart.com/qymaen/art/Torah-132588246>. Acesso em: 17 maio 2021. 14 O Antigo Testamento possui quarentae seis livros, a depender da versão da Bíblia. Os primeiros cinco livros (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio), são chamados de pentateuco. Uma referência aos “cinco estojos” onde eram guardados os rolos de papiro ou pergaminho contendo os cinco primeiros livros da Bíblia hebraica. A tradição atribui à Moisés a autoria do pentateuco, mas na verdade, o pentateuco recolhe tradições narrativas e legislativas que vão desde os patriarcas em 1800 a.C. até o período de Esdras em 450 a.C., no pós exílio, quando ocorre a redação final. Uma posição mais moderada, entende que Moisés estava presente no início do pentateuco, mas não no seu final. Como há muitos trechos no pentateuco que falam de leis e costumes de Israel, codificados a partir de Moisés, esse conjunto de livros ganhou o nome de Torah (“Torá”), que em hebraico tem o sentido de instrução, de ensinamento. Na versão grega da Bíblia hebraica, a Septuaginta, o termo “Torá” é traduzido por nómos. A Torá tem como fonte quatro tradições: 1) a tradição javista – ligada ao reino de Judá; 2) a tradição eloísta – ligada ao reino de Israel; 3) a tradição sacerdotal – da classe de sacerdotes e levitas; 4) a tradição deuteronomista – ligada à tradição profética e movimentos de reforma religiosa nos dois reinos (KONINGS, 1998). O Novo Testamento ou Segundo Testamento é composto por vinte sete livros. São escritos do primeiro século, que narram o testemunho a respeito de Jesus de Nazaré, dado por seus apóstolos e discípulos mais próximos. O Novo Testamento foi escrito em grego e não é aceito pelos judeus. Para os cristãos, o Novo Testamento é a mensagem que contém o clímax da revelação de Yahweh, que se deu em Jesus Cristo, seu Filho, o messias salvador do mundo. O Novo Testamento foi escrito em grego, pois esta era a língua do cotidiano da maioria dos judeus e cristãos do primeiro século. Era um grego popular, conhecido como koiné. Como os primeiros cristãos também eram judeus, o grego koiné sofreu forte influência do hebraico e aramaico. Por isso se diz que o Novo Testamento está repleto de semitismos (KONINGS, 1998). Assim como o Antigo Testamento não é um compêndio de história natural, o Novo Testamento também não é um tratado de teologia sistemática. Toda a sistematização teológica cristã ocorre nos séculos posteriores. O Novo Testamento é fruto da experiência das comunidades cristãs das origens, que acreditaram na pregação dos apóstolos. E essa pregação em si, não era uma reflexão elaborada, ou teológica, no sentido acadêmico. Era uma mensagem simples, de homens simples para alimentar a fé de pessoas comuns. Em relação à autoria dos escritos do Novo Testamento, permanece a mesma dificuldade que possui toda a Bíblia. Por mais que a tradição atribua a autoria de tal livro a tal autor, tal atribuição não resiste à crítica histórica. Há várias incongruências de 15 datas, estilística, coerência interna, entre outros. Entretanto, acadêmico, tudo isso em nada diminui o mérito e a validade dos escritos acolhidos pela comunidade das origens, que serviram e ainda servem de testemunho de fé para os cristãos. Além de ser o conjunto heterogêneo de livros, a Bíblia possui múltiplas versões. As diferenças entre Bíblias se restringem ao Antigo Testamento. A Bíblia hebraica (Tanak) é menor que a Bíblia cristã, pois não possui os escritos do Novo Testamento. Tanak é o acrônimo que faz referência à divisão dos livros da Bíblia hebraica. Este corresponde à Torá, (os cinco livros da Lei), Nebiîm (vinte e um livros proféticos) e Ketubîm (os treze livros chamados de Escritos). A Tanak foi escrita em hebraico e alguns trechos de livros em aramaico (KESSLER, 2009). Por volta do século III a.C. a comunidade judaica que vivia no exílio em Alexandria no Egito, faz uma tradução da Bíblia hebraica para o grego. Essa versão é chamada de Septuaginta, referência aos setenta anciãos que teriam feito tradução, de acordo com a tradição. A Septuaginta possui sete livros a mais, que não são aceitos pelos judeus e nem pela maioria dos protestantes. São os chamados deuterocanônicos (não aceitos no cânon ou “canonizados posteriormente”) (KESSLER, 2009). Alguns protestantes chamam estes livros de apócrifos. O que consiste em um erro terminológico, pois os livros apócrifos são aqueles recusados tanto por protestantes quanto por católicos. FIGURA 5 – A SEPTUAGINTA FONTE: <https://mytheoblogy.files.wordpress.com/2012/11/septuagint-manuscript.jpg?w=497>. Acesso em: 17 maio 2021. Os primeiros cristãos, incluindo o próprio Jesus Cristo, liam a Septuaginta. A tradução grega que incluía alguns livros e partes de livros a mais do que a Bíblia hebraica. No final do primeiro século, quando os cristãos foram expulsos das sinagogas, os rabinos judeus decidiram aceitar somente os livros que constavam no original hebraico, o chamado cânon restrito, enquanto os cristãos continuaram com o cânon amplo (Bíblia grega). Após a Reforma Protestante em 1517, com o intuito de "voltar às 16 origens", o protestantismo adotou o cânon judaico, o cânon restrito. Por isso há uma diferença entre a Bíblia católica e a Bíblia protestante. Porém, para os que acreditam nela, a mensagem é uma só. A reivindicação da Bíblia quanto à sua origem divina é amplamente justificada pela sua influência histórica. Seus manuscritos são contados aos milhares. Mal o NT havia sido reunido como um todo, e já havia traduções em latim, siríaco e egípcio. Hoje, não há nenhum idioma no mundo civilizado que não possua a Palavra de Deus. Nenhum outro livro já foi tão cuidadosamente estudado, nem teve tanta coisa escrita a respeito dele. Sua influência espiritual é inestimável. É preeminentemente o Livro – a Palavra de Deus na linguagem do homem (MOUNCE, 2009, p. 172-173). A Bíblia é um documento histórico, mas principalmente teológico, do judaísmo e do cristianismo. É muito comum a Bíblia ser criticada por estar em desacordo com a biologia, com a arqueologia ou com outras ciências. É importante que se diga que tais críticas não são pertinentes. Apesar de conter informações profundas e algumas até cientificamente comprovadas, a Bíblia não foi escrita para tal finalidade e nem para o crivo da ciência moderna. Para a finalidade com a qual foi escrita, a Bíblia cumpre cabalmente o seu papel. Qual seja, o de mensagem teológica da redenção humana. Nos livros originais da Bíblia não havia separação entre as palavras, nem vogais, sem sinais de pontuação e nem títulos. No século XIII, foi feita a divisão em capítulos e, no século XVI, em versículos. E os dois Testamentos encadernados juntos só acontece no século XV, com a invenção da imprensa. INTERESSANTE FIGURA 6 – MANUSCRITO HEBRAICO FONTE: <https://www.pinterest.cl/pin/312507661627476689/>. Acesso em: 17 maio 2021. 17 QUADRO 2 – BÍBLIAS HEBRAICA, GREGA, CATÓLICA E PROTESTANTE FONTE: Konings (1998, p. 12-13) BÍBLIA HEBRAICA (TANAK) Torá (Lei) Nebiîm (profetas) Anteriores Posteriores Ketubiîm (Escritos) Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio Josué Juízes 1+2 Samuel 1+2 Reis Isaías Jeremias Ezequiel 12 Profetas Menores: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias Salmos Jó Provérbios Rute Cantares Eclesiastes Lamentações Ester Daniel Esdras+Nemias 1+2 Crônicas BÍBLIAS GREGA, CATÓLICA E PROTESTANTE ANTIGO TESTAMENTO (Com base na LXX) Grifo: livros deuterocanônicos (recusados pelos protestantes) [Grifo]: apócrifos ou pseudepigráficos (recusados por protestantes e católicos) NOVO TESTAMENTO (Católico – Protestante Livros históricos Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio Josué Juízes Rute 1/2 Rs (= 1/2 Sm) 3/4 Rs (= 1/2 Rs) 1/2 Paralipômenos (= 1/2 Cr) [1 (ou 3) Esd] 2 Esd (=Esd/Ne) Est (+ fragmentos deuterocanônicos) Judite Tobias 1/2 Macabeus [3/4 Macabeus] Livros sapienciaisSalmos [Odes] Provérbios Eclesiastes Cantares Jó Sabedoria Sirácida [Salmos de Salomão] Livros proféticos Isaías Jeremias Lamentações Baruc Ezequiel Dn (+ fragmentos deuterocanônicos) 12 Profetas Menores: Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Abdias, Jonas, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias Evangelhos e Atos: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos Cartas paulinas: Romanos, 1/2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1/2 Tessalonicenses, 1/2 Timóteo, Tito, Filemon, Hebreus Cartas católicas ou universais: Tiago, 1/2 Pedro, 1/2/3 João, Judas, Apocalipses: Apocalipse 18 10 COISAS QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE A BÍBLIA COMO LITERATURA Leland Ryken 1 A ideia da Bíblia como literatura não começa na era moderna. Como fiz carreira como defensor da Bíblia como literatura por meio século, adotei a estratégia de primeiro limpar do terreno as concepções equivocadas e só depois fazer a defesa positiva da importância de ler e interpretar a Bíblia preservando sua natureza literária. Uma vez que a expressão “bíblia como literatura” entrou em cena em meados do século XX, é compreensível que evangélicos tenham receio da ideia. Contudo, grandiosos baluartes teológicos do passado, como Agostinho, Lutero e Calvino, jamais duvidaram de que a Bíblia tivesse qualidades literárias. 2 Ver a Bíblia como literatura não é necessariamente um sinal de liberalismo teológico. Como os eruditos bíblicos liberais estão mais inclinados que os conservadores a adotar abordagens literárias da Bíblia, é fácil associar tais abordagens ao liberalismo teológico; no entanto, não há conexão necessária entre eles. Começo meu curso de literatura na Bíblia com a leitura de dez declarações de autores bíblicos sobre a natureza singular da Bíblia – sua inspiração, sua infalibilidade e assim por diante. Em seguida, digo que, para mim, um estudo literário da Bíblia começa onde começa qualquer outro estudo dela – afirmando como verdade tudo que a Bíblia diz acerca de si mesma. Não vejo conflito entre o que creio teologicamente acerca da Bíblia e meu estudo literário dela. 3 Dizer que a Bíblia é literatura não precisa implicar que seja ficcional e não factual. A maior parte da literatura é ficcional em algum nível, mas a ficcionalidade não é um traço definidor da literatura. Uma obra escrita é literária sempre que os autores empregam técnicas literárias, independentemente de registrarem o que realmente aconteceu ou inventarem os fatos narrados. 4 Quando encontramos qualidades literárias na Bíblia, não estamos acrescentando esses traços a ela. Para pessoas não familiarizadas com a abordagem literária da Bíblia, pode parecer que eruditos literários estão acrescentando algo à Bíblia, mas esta é uma impressão falsa. Quando interagimos com a Bíblia usando ferramentas literárias de análise, não estamos acrescentando algo, mas descobrindo o que já está no texto. Não podemos tratar a história de Sansão como uma tragédia literária se esta não tiver as qualidades desse gênero. 19 5 A ideia da Bíblia como literatura começou com os escritores da Bíblia. Foram os escritores da Bíblia que nos deram uma Bíblia literária, de modo que a origem do conceito pode remontar a eles. Temos uma pista disso no modo como alguns autores bíblicos falam com precisão técnica dos gêneros literários em que escreveram – salmo, crônica, cântico, parábola, epístola, apocalipse e outros. Entretanto, a principal evidência é a natureza literária do que escreveram. Cada página da Bíblia contém ao menos algum exemplo de técnica literária, e muitas páginas estão inteiramente repletas delas. 6 O tema da literatura é a experiência humana. Várias qualidades tornam um texto literário, e é fácil negligenciar o princípio mais básico e universal da literatura – o princípio que diz respeito ao conteúdo da literatura. A literatura toma a experiência humana como tema. Quando lemos uma obra literária, compartilhamos uma experiência. A literatura é veraz perante a vida e a experiência, e não é em primeiro lugar um sistema de transmissão de ideias. Uma abordagem literária da Bíblia identifica e revive as experiências humanas retratadas e evita reduzir a Bíblia a um conjunto de ideias. 7 A literatura é uma corporificação e uma encarnação de seu tema. Professores que ensinam literatura e escrita criativa alegam que a literatura mostra em vez de dizer. “Mostrar” é encarnar concretamente; “dizer” é expressar uma abstração ou uma ideia. O sexto mandamento nos diz “não matarás”. A história de Caim e Abel (Gênesis 4,1-16) mostra e encarna essa verdade, e o faz sem usar a abstração do assassinato e sem ordenar-nos que nos abstenhamos dele. Quando o jovem rico pediu que Jesus definisse o próximo, Jesus, em vez disso, contou uma história (a parábola do bom samaritano) que nos mostra como é o comportamento amoroso. Uma abordagem literária da Bíblia interage com as experiências encarnadas que os autores bíblicos põem diante de nós. 8 Talento artístico é uma parte importante da natureza literária da Bíblia. Deus não desprezou a beleza quando criou o mundo e tampouco a desprezou quando supervisionou a redação da Bíblia. As partes literárias da Bíblia estão repletas de destreza artística, e prestar atenção a ela e desdobrá-la mediante análise é uma parte importante de uma abordagem literária da Bíblia. Ao fazê-lo, pode-se acrescentar uma dimensão e um nível de apreciação inteiramente novas à leitura e ao estudo da Bíblia. Adicionalmente, precisamos operar com base na premissa de que os autores bíblicos consideravam importante e digno de atenção tudo que punham em suas obras, inclusive os aspectos artísticos. 20 9 Respeitar os aspectos literários da Bíblia é uma forma de observar as intenções dos autores bíblicos. Por muito tempo, a pedra angular da hermenêutica evangélica foi a intenção autoral – a necessidade de interpretar uma passagem preservando a intenção inferida do autor. É hora de colocarmos a abordagem literária da Bíblia sob esta rubrica. É lógico que, se um autor bíblico confiou sua mensagem a formas e técnicas literárias, ele pretendia que aplicássemos métodos comuns de análise literária ao texto. 10 Ler a Bíblia como literatura está ao alcance da capacidade de qualquer leitor. Como a maioria dos evangélicos prestam pouca atenção à natureza literária da Bíblia, perpetua-se o equívoco de que a abordagem literária da Bíblia é especializada e técnica. Na verdade, tudo que ela exige é que apliquemos à Bíblia o que sabemos acerca da literatura em geral. Todos tivemos aulas de literatura na faculdade ou no ensino médio em que aprendemos que enredo, cenário e personagens são os elementos de uma história, e que poetas pensam em imagens e figuras de linguagem. Tudo que precisamos fazer é pôr em prática o que já sabemos enquanto lemos e interpretamos a Bíblia. FONTE: <http://monergismo.com/novo/cosmovisoes/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-biblia- como-literatura-leland-ryken/>. Acesso em: 17 maio 2021. 21 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A origem e a evolução do conceito de cultura desde John Locke até os dias atuais. • Cultura como conceito apropriado. A utilização do conceito de cultura por diversos campos do saber, grupos étnicos, minorias e movimentos sociais e emancipatórios. • Cultura como conceito antropológico. Seu desenvolvimento dentro da Antropologia, de Tylor a Geertz, do funcionalismo aos pós-modernos. • A origem francesa do conceito de cultura. Concepção fundamentada na ideia de progresso material e científico, unilinear e universal. • A origem alemã do conceito de cultura. Concepção fundamentada nos valores nacionais, espirituais, na genialidade individual, nas emoções e nas forças obscuras. • A Bíblia, sua origem,sua história, sua relevância para os povos semitas e para a civilização ocidental. • A Bíblia e suas especificidades. Suas divisões; Antigo Testamento e Novo Testamento, a Tanak, a Septuaginta, a Bíblia cristã católica e a Bíblia protestante. • A Bíblia e sua importância para os judeus e para os cristãos. Sua importância como orientação traditiva para os judeus, na sua formação e desenvolvimento enquanto povo e como regra de fé para os cristãos. RESUMO DO TÓPICO 1 22 AUTOATIVIDADE 1 A cultura, assim com outros conceitos fundamentais, desde a sua origem passa por um processo de debates, disputas teóricas, polissemias e apropriações por outros campos do conhecimento. Por se tratar de um conceito que diz respeito a todas as dimensões da vida humana, o conceito de cultura acabou se tornando o objeto próprio da Antropologia. Elabore um texto dissertativo, apresentando o conceito antropológico de cultura e o conceito de cultura apropriado por campo de conhecimento ou segmento social. 2 O ser humano é um ser simultaneamente biológico e cultural, pois é constituído tanto por aspectos biológicos como culturais. É um ser biológico porque faz parte da natureza e, como tal, apresenta características comuns aos outros seres vivos, tais como comer, andar, dormir, brincar, acasalar, procriar etc. Como ser cultural, ao contrário de outros animais que nascem já adaptados à natureza e agem por instinto, o ser humano produz cultura e a transmite e adapta aos seus descendentes, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) O ser humano é um ser biocultural porque nasce de forma natural, mas torna-se um ser cultural. ( ) A natureza é o reino do mundo selvagem, incluindo os povos primitivos que não foram ocidentalizados, civilizados. ( ) O ser humano não possui especializações corporais assim como os animais, porém, cria especializações superficiais que supera a dos animais. ( ) O ser humano é um ser biocultural porque possui um corpo com necessidades naturais e fisiológicas. Não obstante, vivencia essas necessidades de acordo com a sua cultura. Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – V – F. b) ( ) V – V – F – F. c) ( ) F – F – V – V. d) ( ) F – V – F – V. 3 A Bíblia é o livro mais lido na atualidade. Ela foi composta por um longuíssimo período de mais ou menos três mil anos de tradição oral, redações primitivas, redações posteriores, várias cópias e uma centena de versões e traduções. Seus livros são compostos por múltiplos gêneros literários, dos quais constam salmos, crônicas, cânticos, parábolas, epístolas, apocalipses e outros. Com relação à Bíblia, assinale a alternativa CORRETA: 23 a) ( ) A Bíblia é a religião das três maiores religiões do mundo; cristianismo, judaísmo e islamismo. b) ( ) A Bíblia é um livro literário como qualquer outro. c) ( ) A Bíblia judaica, católica e protestante é a mesma Bíblia. d) ( ) O fato de a Bíblia ser um livro literário que possui vários gêneros, em nada altera o fato dela ser um livro sagrado. 4 A Bíblia é um livro sagrado que serve de regra de fé e orientação moral para milhões de indivíduos. Por outro lado, é um importante patrimônio universal por fazer parte dos documentos históricos escritos mais antigos da humanidade. Analise os enunciados a seguir: I- A Bíblia é um dos importantes documentos históricos da civilização indo-europeia. II- A Bíblia é uma coleção de livros redigida originalmente em dezenas de línguas. III- A Bíblia é um livro de regiões monoteístas. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos. b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos. c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos. d) ( ) Apenas o enunciado III está correto. 24 25 A TERRA: CANAÃ, ISRAEL, PALESTINA UNIDADE 1 TÓPICO 2 — 1 INTRODUÇÃO A terra do povo da Bíblia é uma pequena faixa de terra com extensão territorial de apenas 22.000 km². A Palestina, como é conhecida na historiografia universal é do tamanho do menor estado brasileiro, o estado de Sergipe. Para se ter uma ideia, caberiam sete Palestinas dentro do estado do Amazonas, o maior estado brasileiro, porém, a inexpressividade topográfica da Palestina contrasta com a sua importância geográfica, estratégica, política e econômica. Situada na costa oriental do Mar Mediterrâneo, ponto de convergência entre a Europa, a Ásia e a África, a Palestina era uma das mais importantes rotas comerciais do mundo antigo. Também era através da Palestina que se estabelecia a conexão entre o oriente e o subcontinente indiano. É nesta região que os hebreus e posteriormente Israel se estabelece. Numa terra geograficamente aberta para a influência dos povos do Mediterrâneo, dos povos da Ásia Menor e principalmente, aberta para a influência de duas grandes civilizações, o Egito e a Mesopotâmia. FIGURA 7 – CANAÃ: IDADE DO BRONZE FONTE: <https://super.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/09/super_imgmapa_exodo. jpg?quality=70&strip=info>. Acesso em: 17 maio 2021. 26 Palestina sempre foi uma região muito cobiçada por causa de sua posição estratégica. Foi palco de muitos conflitos e disputas. Entre tantos conflitos, invasões e destruições, dois eventos em especial estão entre os mais traumáticos para a memória judaica. No ano 200 a.C. Antíoco Epifânio, um rei da dinastia dos selêucidas, proíbe a prática do judaísmo, desfigura o templo e o dedica à Zeus. E no ano 135 d.C. o imperador romano Adriano, constrói sobre as ruínas de Jerusalém uma cidade romana, Aelia Capitolia. Ergue um templo dedicado a Júpiter e muda o nome da Judéia para Síria- Palestina para apagar qualquer ligação com os judeus. Quando se trata da Geografia Bíblica, o interesse não é estudar apenas os povos e as terras do Oriente, mas conhecer o cenário onde os acontecimentos bíblicos vieram a acontecer, para que se possa compreender melhor a história do relacionamento de Yahweh com seu povo, através do estudo da influência que as características físicas e ambientais da região exerceram sobre os personagens da epopeia bíblica. IMPORTANTE FIGURA 8 – ARQUEOLOGIA EM ISRAEL E ORIENTE PRÓXIMO FONTE: <http://twixar.me/qR8m>. Acesso em: 17 maio 2021. FIGURA 9 – COLUNAS ROMANAS, RUÍNAS EM AELIA CATOLINA FONTE: <http://twixar.me/rR8m>. Acesso em: 17 maio 2021. 27 2 TOPONÍMIA A identificação dos nomes de localidades da antiguidade não é tarefa fácil. No caso da Palestina, por ser uma região palco de disputas imperiais, e que possui um rico acervo arqueológico, os topônimos da religião foram registrados e conservados. Quanto à delimitação das fronteiras e cronologia não se pode exigir muito. Na maioria das vezes a localidade recebia o nome do povo ocupante, mas também ocorria o inverso. Fato que torna ainda mais difícil para o estudo da toponímia, dado que durante toda a Idade do Bronze (2.000 a.C. – 1.200 a.C.) os povos semitas se deslocavam constantemente por toda a região. O topônimo Canaã (do hebraico Kna’an) é provavelmente uma referência ao neto amaldiçoado de Noé, filho de Cão (cf. Gênesis 9, 18; 22-27). A esse descendente de Noé estariam ligados grupos semitas que historicamente habitavam a Fenícia e em partilhar, a Síria-Palestina (DOUGLAS, 2006). Canaã era o nome dado à Palestina antes da ocupação dos hebreus. Pelos hebreus, a região sempre foi chamada de Canaã e posteriormente Israel, nunca de Palestina. O termo Palestina não é um termo usado na Bíblia. É o termo com o qual a região tornou-se conhecida na historiografia mundial. O termo vem dos gregos antigos que apelidaram assim a região, por causa dos povos que habitavam a região costeira, os filisteus, filistim (em hebraico plishtim).A administração romana denominava a região da Judéia. Na atualidade, a região abrange o Estado de Israel, em que predomina a população judaica. E o Estado Palestino, em que predomina a população palestina e árabe (KONINGS, 1998). 3 LOCALIZAÇÃO E CLIMA A Palestina ou Israel está localizada na costa oriental do Mar Mediterrâneo. Encontra-se latitudinalmente no hemisfério Norte. Por isso, possui diferenças marcantes entre as estações climáticas. Pode ocorrer neve durante o inverno e ter verões bem ensolarados. Faz fronteira ao Norte com a Fenícia, atual Líbano; ao Sul com o Egito; ao Leste faz fronteira com Amon e Moabe, atual Jordânia; e Nordeste com Aram, Atual Síria. Na época em que os hebreus chegam à Palestina, o território palestino nesse período era composto por quatro regiões: a faixa junto ao Mar Mediterrâneo; uma zona de montanhas e colinas áridas; uma faixa estreita entre o Jordão; e os semiáridos que pertencem ao deserto da Síria e Arábia. Em geral, uma região que não favorecia a prática da agricultura (BARBOSA, 2009). 28 FIGURA 10 – MAPA MUNDI LOCALIZAÇÃO DE ISRAEL FONTE: <https://vamospraonde.com/wp-content/uploads/2016/12/israel-mapa-1024x507.jpg>. Acesso em: 17 maio 2021. A Palestina é atravessada de norte a sul por montanhas beirando uma depressão ou fosso geográfico, pelo qual desce o rio Jordao, que desemboca no Mar Morto – chamado assim porque a evaporação elevou seu teor salino a ponto de impossibilitar a vida em suas águas. INTERESSANTE 4 O CRESCENTE FÉRTIL Em relação à localização mais ampla, a Palestina está situada no que hoje se chama de Oriente Médio. Na antiguidade essa região era conhecida como Crescente Fértil, o cenário pano de fundo da história bíblica. É uma faixa territorial em formato semicircular, uma meia lua, de terras férteis que se estendem do Egito até o Golfo Pérsico, passando pelas planícies da Palestina e da Mesopotâmia (KONINGS, 1998). 29 FIGURA 11 – MAPA DO CRESCENTE FÉRTIL FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/wp-content/uploads/2018/10/crescente-fertil.jpg>. Acesso em: 17 maio 2021. O crescente fértil foi historicamente habitado por diversos povos e civilizações desde os mais primitivos estágios da humanidade. Os povos antigos assim o denominavam por ser uma região extremamente propícia à agricultura, literalmente "rasgando" áreas desérticas completamente inóspitas, impróprias para povoamento constante e estável. O Crescente é fértil em contraposição aos desertos e cadeias de montanhas que o cercam uma região com uma importância única para a história universal. Veja o comentário: Apesar de o Crescente Fértil abranger diversos países, suas extremidades não se encontram tão distantes assim: de Egito até ao Golfo Pérsico são 2.000 km – a distância de Belém a Brasília. As rotas comerciais que atravessavam a região eram disputadas pelas “forças imperiais”, ora da Mesopotâmia (assírios, babilônios, persas), ora do Egito. E entre o rochedo e o mar, o marisco que sofre é a terra de Canaã/Israel, mas, em vez de comparar a terra de Israel a um marisco, poderíamos compará-la a uma pérola, pois as sucessivas ondas de conquista imperialista não desalojaram o povo de Israel ali encrustado, mas antes forneceram-lhe a experiência histórica e religiosa única, que fez nele se desenvolver a pérola que chamamos a Bíblia (KONINGS, 1998, p. 29). Existe uma crença medieval que diz que Jerusalém é o centro do mundo. Segundo Douglas (2006), num certo sentido, tal crença não é tão absurda, “pois o minúsculo corredor sírio, que une o mundo da Europa, da Ásia e da África, os cinco mares Mediterrâneos, Negro, Cáspio, Vermelho e Golfo Pérsico, é o lugar onde a maior massa de terra do nosso planeta, se transforma num istmo” (DOUGLAS, 2006, p. 977). 30 FIGURA 12 – MAPA DE JERUSALÉM NO CENTRO DO MUNDO FONTE: <https://bit.ly/3opt6db>. Acesso em: 17 maio 2021. 5 A CAPITAL A afirmação de que Jerusalém está no centro do mundo não é um exagero quando se compreende que esta é a cidade sagrada para os cristãos, judeus e muçulmanos. Estamos falando de mais da metade da população do planeta, 55,48%, o que equivale a 4 bilhões e 327 milhões de pessoas. A crença de que uma terra foi dada por Deus, impede que esta terra seja entregue ou até mesmo dividida. O fato de ser um solo sagrado é usado politicamente, colocando Jerusalém no centro da questão geopolítica mundial. Não há registro de uma cidade que tenha sido tão disputada nos últimos quatro mil anos. De fato, Jerusalém é a cidade mais disputada da história. Seus números são impressionantes. A cidade foi palco de cento e dezoito conflitos nos últimos quatro mil anos. Duas vezes destruída, vinte três vezes sitiada, cinquenta e duas vezes atacada e quarenta e quatro vezes capturada (SZKLARZ, 2008). Jerusalém foi fundada por volta de dois mil a.C. Há inscrições egípcias antigas que mostram o interesse dos faraós pela cidade em mil e novecentos a.C. No século seguinte, a cidade torna-se um núcleo urbano pelas mãos dos cananeus. Estes serão conquistados por semitas descendentes de Canaã filho de Noé, os jebuseus. É contra este povo que Davi luta e conquista Jerusalém, fazendo dela a capital de seu reino (DOUGLAS, 2006; SZKLARZ, 2008). 31 Jerusalém, que em hebraico (Yerushalem), significa “cidade da paz”, segundo atribuição encontrada no Antigo Testamento em hebraico (Jeremias 26, 18) e no aramaico em (Esdras 5, 14). Jerusalém é uma cidade de muitos topônimos, de muitas denominações. Também chamada de Sião (Tzion), provavelmente por causa da fortaleza jebusita próxima à cidade na época em que a cidade foi conquistada pelo monarca Davi. Davi quanto se torna rei, sua capital era Hebrom. Percebeu que Jerusalém tinha uma localização diplomaticamente estratégica entre as tribos de Benjamim e Judá. Ao conquistá-la, Jerusalém passa a ser conhecida também com a “cidade de Davi” (ir David) (2 Samuel 5, 6-8). Posteriormente, seu filho Salomão constrói o templo e Jerusalém se torna a “cidade santa” (ir qodesh) (2 Samuel 5, 9). FIGURA 13 – RUÍNAS DO TEMPLO DE SALOMÃO FONTE: <https://bit.ly/2SOOg8L>. Acesso em: 17 maio 2021. 32 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A Palestina, sua origem e história. De terra primitiva dos filisteus até se tornar terra prometida dos hebreus. Sua localização e principais características históricas, culturais e ambientais. Sua importância estratégia, sua ocupação e os diversos capítulos de domínio e disputas. • A Palestina, uma terra de múltiplos significados. A história da toponímia da Palestina. A Filistia, a Palestina, a Canaã e o Israel. • A Palestina, a terra dos judeus, e o cenário do nascimento da Bíblia. A história da Palestina, o cenário, o contexto vital mais importante e o que mais influenciou na formação dos judeus e dos escritos bíblicos. • O Crescente Fértil e sua importância para as civilizações do mundo antigo. Uma das regiões mais importantes do Mundo Antigo. Berço das principais civilizações, culturas e religiões. Uma região em constante disputa em função de sua localização estratégica. • A capital Jerusalém, sua história e sua importância para os judeus. A antiga cidade dos jebuseus. Uma cidade que foi berço do esplendor da monarquia hebraica, uma das cidades mais amadas e mais disputada da história. RESUMO DO TÓPICO 2 33 1 A Palestina é uma região semiárida de estepes. Batizada há muito com o nome de Terra Santa, igualmente conhecida por Cananeia, ou terra de Canaã, consiste numa estreita faixa territorial a sudoeste do Líbano, banhada a leste pelo mar Mediterrâneo e dividida pelo rio Jordão, em duas partes: a leste, a Transjordânia; e a oeste, a Cisjordânia, onde se encontra, presentemente, o Estado
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