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TRADIÇÕES E VERSOS PLURAIS:
ENCONTROS COM A POESIA CONTEMPORÂNEA
Antônio Donizeti Pires
Adalberto Luis Vicente
(Org.)
SÉRIE
ESTUDOS LITERÁRIOS
nº 19 – 2022
Faculdade de Ciências e Letras, UNESP  – Univ. Estadual Paulista, 
Câmpus Araraquara
Reitor: Pasqual Barretti
Vice-Reitora: Maysa Furlan
Diretor: Jean Cristtus Portela
Vice-Diretor: Rafael Alves Orsi
Programa de Pós-graduação em Estudos Literários
Coordenador: Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires
Vice-Coordenador: Prof. Dr. Paulo Cesar Andrade da Silva
SÉRIE ESTUDOS LITERÁRIOS Nº 19
Comissão Editorial do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários
Juliana Santini
Brunno Vinicius Gonçalves Vieira
Adalberto Luis Vicente
Luiz Gonzaga Marchezan
Aparecido Donizete Rossi
João Batista Toledo Prado
Karin Volobuef
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Normalização: Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras
Editoração eletrônica e capa: Eron Pedroso Januskeivictz
TRADIÇÕES E VERSOS PLURAIS:
ENCONTROS COM A POESIA CONTEMPORÂNEA
Organizado por:
Antônio Donizeti Pires
Adalberto Luis Vicente
Copyright © 2022 by FCL-UNESP Laboratório Editorial
Direitos de publicação reservados a:
Laboratório Editorial da FCL
Rod. Araraquara-Jaú, km. 1
14800-901 – Araraquara – SP
Tel.: (16) 3334-6275
E-mail: laboratorioeditorial.fclar@unesp.br
Site: http://www.fclar.unesp.br/laboratorioeditorial
Obra disponível em formato eletrônico 
(consultar endereço acima).
5
SUMÁRIO
Registro dos acontecidos e do que 
ora se publica (Apresentação)
Antônio Donizeti Pires e Adalberto Luis Vicente
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
O nariz, a pedra e a estrela: 
a dialética negativa de Ferreira Gullar
Bruno Darcoleto Malavolta
Uma São Paulo transfigurada. Linhas de 
fuga na metrópole na Paranoia de Piva
Luiz Carlos Menezes dos Reis
O mito na poesia de Orides Fontela
Alexandre de Melo Andrade
Modos de resistir na poesia negra brasileira
Paulo Andrade 
O Concretismo enquanto retaguarda: breves 
apontamentos acerca da poética de Geraldo Carneiro
Leonardo Vicente Vivaldo
Sob o furor do desejo: algumas reflexões sobre o erotismo 
em poemas do livro A carne e o tempo, de Donizete Galvão
Alexandre Bonafim
7
15
37
67
81
99
119
139
6
Carlito Azevedo e a reelaboração crítica do legado cabralino
Solange Fiuza
Do corpo e da voz: as performances da linguagem 
em A voz do ventríloquo, de Ademir Assunção
Susanna Busato
Entre flor e manobra: lírica e corpo 
em Claudia Roquette-Pinto
Patrícia Aparecida Antonio
Hesitações da alteridade na poesia de Alexei Bueno
Carlos Eduardo Marcos Bonfá
Écfrase e intertexto em poemas de Micheliny Verunschk
Fabiane Renata Borsato
A poesia e as semelhanças, em Ana Martins Marques
Cristiane Rodrigues de Souza
Poesia brasileira contemporânea & tradição clássica
Antônio Donizeti Pires
Dados dos autores e organizadores
155
177
197
217
241
257
273
313
7
REGISTRO DOS ACONTECIDOS 
E DO QUE ORA SE PUBLICA 
(APRESENTAÇÃO)
Antônio Donizeti PIRES1
Adalberto Luis VICENTE
Este livro reúne contribuições de vários autores que estive-
ram presentes nos seguintes eventos: a) I Jornada Nacional “Poesia 
Brasileira Contemporânea em Projeto” (realizada a 03 de abril de 
2014); b) mesa-redonda “Alguma Poesia Brasileira, Ontem e Hoje” 
(realizada a 28 de maio de 2015); c) “Encontros com a Poesia 
Brasileira Contemporânea” (num total de cinco, ocorridos em abril, 
agosto, outubro, novembro e dezembro de 2016). Os três eventos, 
organizados por Antônio Donizeti Pires, foram promovidos pelo 
Departamento de Literatura da FCL-UNESP/Araraquara e contaram 
com o apoio irrestrito do PPG em Estudos Literários, da mesma 
instituição. Nos três momentos, houve a participação de convidados 
externos e de professores, doutorandos e pós-doutorandos da Casa, 
e como objetivo principal e norteador dos trabalhos procurou-se 
ampliar e aprofundar as discussões sobre os problemas específicos 
da poesia brasileira contemporânea, seja através da exposição de 
projetos em andamento; seja através do estudo analítico de poetas 
e obras; seja através da exposição e debate de um ou mais temas 
crítico-teóricos pertinentes ao lirismo e à poesia lírica, inclusive em 
1 O autor agradece ao CNPq o apoio recebido através da Bolsa de Produtividade 
PQ 2, de março/2017 a fevereiro/2020.
8
Antônio Donizeti Pires e Adalberto Luis Vicente
interface comparativa e multidisciplinar. Cientes da pluralidade e da 
vitalidade da poesia brasileira contemporânea, inclusive no âmbito 
da pesquisa universitária, os três acontecimentos pretenderam ainda: 
a) promover o intercâmbio, o conhecimento mútuo, o debate e a 
troca de experiências entre os pesquisadores envolvidos; b) expor 
à comunidade acadêmica os resultados dos trabalhos investigativos 
em andamento, sobretudo nas linhas de pesquisa “Teorias e crítica 
da poesia” e “História literária e crítica”, pertinentes ao PPG em 
Estudos Literários e ao Departamento de Literatura; c) refletir, atra-
vés do debate, acerca da poesia contemporânea, de seus impasses 
em relação à nossa tradição plural e aos assuntos mais candentes da 
contemporaneidade.
Os objetivos, de acordo com a repercussão positiva dos even-
tos, foram plenamente alcançados, e na leitura dos ensaios que se 
seguem ver-se-á que conseguimos manter, quase intacta, a totalidade 
dos trabalhos apresentados entre 2014 e 2016, salvo um ou outro 
participante que não pôde participar deste livro que ora entregamos 
ao público interessado nas coisas da poesia.
Não por acaso, sempre buscando a ponte necessária entre a 
poesia brasileira e a portuguesa, ou entre o Modernismo e a contem-
poraneidade lá e cá, iniciamos com o texto “Reescrita da tradição 
como estratégia de resistência na poesia de autoria feminina”, de 
Maria Lúcia Outeiro Fernandes (UNESP/Araraquara), que em clave 
comparatista analisa vários poemas das portuguesas Maria Teresa 
Horta e Ana Luísa Amaral e das brasileiras Cecília Meireles e Hilda 
Hilst, em cujos trabalhos a “reescrita da tradição” foi (é) empreen-
dida “como estratégia de resistência à opressão das mulheres nas 
sociedades patriarcais do Ocidente”.
O segundo ensaio, de Bruno Darcoleto Malavolta, “O nariz, 
a pedra e a estrela: a dialética negativa de Ferreira Gullar”, no empe-
nho de refletir sobre o binômio “lírica e sociedade”, tão caro e tão 
evidente na obra do maranhense, vale-se da teoria do espetáculo, de 
Guy Debord, e de teorias de fundo marxista (Adorno e seu concei-
to de indústria cultural, sobretudo) para a leitura dos romances de 
cordel (“João Boa-Morte, cabra marcado para morrer”) e do livro 
de poemas Dentro da noite veloz, com o fito de enfatizar a distância 
(ética e estética) que há entre as duas realizações de Gullar.
9
Registro dos acontecidos e do que ora se publica (Apresentação)
Na sequência, o artigo de Luiz Carlos Menezes dos Reis 
(ICESP/DF; IESB/DF), “Uma São Paulo transfigurada. Linhas de 
fuga na metrópole na Paranoia de Piva”, estuda o primeiro livro 
(1963) do poeta paulistano Roberto Piva. Com formação em 
Filosofia contemporânea, Reis busca, a partir do arsenal teórico de 
Gilles Deleuze e Félix Guatari, “uma perspectiva que recusa a inter-
pretação dos textos literários e se configura como uma exposição do 
funcionamento de máquinas literárias complexas que engendram 
agenciamentos e séries”. Para tanto, analisa o poema “Visão de São 
Paulo à noite. Poema antropófago sob narcótico”, ressaltando os 
vários rizomas que compõem o texto célebre.
O quarto ensaio, “O mito na poesia de Orides Fontela”, de 
Alexandre de Melo Andrade (UFS/São Cristóvão), depois de uma 
apresentação crítica da poeta paulista e sua obra sabidamente enxu-
ta, procura evidenciar, através de fina leitura, os vários modos pelos 
quais a artista se vale de uma pletora de mitos (bíblicos, clássicos 
greco-latinos, modernos – como D. Quixote –, ou atemporais – 
como o Dragão), sempre dotando-os, “em sua própria natureza, das 
dicotomiasque laceram a experiência humana”.
O próximo trabalho, “Modos de resistir na poesia negra bra-
sileira”, de Paulo Andrade (UNESP/Araraquara), também se vale do 
conceito sempre atual de resistência para refletir sobre os problemas 
de construção poética e de representação do negro na poesia brasi-
leira recente. Partindo da dúvida da crítica na adoção dos termos 
“literatura negra” ou “literatura afro-brasileira”, Andrade supera a 
hesitação inicial com a oferta de análises preciosas da obra dos poetas 
negros Salgado Maranhão e Cuti (Luiz Silva).
O sexto ensaio, “O Concretismo enquanto retaguarda: breves 
apontamentos acerca da poética de Geraldo Carneiro”, de Leonardo 
Vicente Vivaldo, parte do importante movimento da neovanguarda 
brasileira dos anos de 1950 para averiguar como este foi “assimilado” 
pela poesia do mineiro-carioca Geraldo Carneiro, cujo apetite voraz 
de antropófago (tão bem caracterizado em tese de Doutorado que 
Vivaldo recentemente defendeu na UNESP/Araraquara) alimenta-se 
de fontes concretistas, marginais e tropicalistas, épico-camonianas, 
shakespearianas..., promovendo um mix e um passeio muito inte-
10
Antônio Donizeti Pires e Adalberto Luis Vicente
ressante pelas tradições cultas, massivas e populares da literatura e 
da cultura brasileira e internacional.
O texto seguinte é de outra cepa: em “Sob o furor do desejo: 
algumas reflexões sobre o erotismo em poemas do livro A carne e 
o tempo, de Donizete Galvão”, Alexandre Bonafim (UEG/Goiás) 
ancora-se em estudos clássicos sobre o erotismo para evidenciar um 
aspecto importante (mas pouco estudado pela crítica) da poesia do 
mineiro-paulistano recentemente falecido. Através de fartas análises 
e comentários, Bonafim evidencia como os pares antitéticos “desejo 
x morte” e “dor x prazer”, por exemplo, dão arcabouço e sustentação 
ao importante livro de 1997, A carne e o tempo.
No oitavo ensaio, “Carlito Azevedo e a reelaboração crítica 
do legado cabralino”, Solange Fiuza (UFG) faz uma leitura exten-
siva da obra em progresso de Carlito Azevedo para refletir sobre as 
maneiras através das quais o poeta carioca tem reelaborado critica-
mente, através de sua leitura/escritura, o legado do pernambucano 
João Cabral de Melo Neto, referência frequente e importante para 
os contemporâneos (como, na época da juventude e da estreia de 
Cabral, foram importantes para si um Drummond e um Murilo 
Mendes, por exemplo). O enunciado pela estudiosa sobre o trabalho 
crítico do leitor acadêmico vale também, a nosso ver, para o trabalho 
do artista do verso, razão por que o citamos na íntegra: “A compre-
ensão crítica mais justa e sensível de um poeta demanda tempo e 
paciência, condições que parecem estar na contramão destes dias. 
Exige a leitura extensiva de sua obra; a constante releitura ou con-
vivência paciente e demorada com seus versos; a leitura dos críticos 
do poeta, que muitas vezes ajudam a ver pontos incompreensíveis ou 
imperceptíveis, a construir o nosso modo de olhar, mesmo quando 
e sobretudo quando, deles discordamos. Por isso, ao longo de uma 
vida crítica produtiva, o número de poetas que efetivamente com-
preendemos ou julgamos compreender é restrito. Não me refiro a 
todos os poetas que lemos, a muitos sobre os quais escrevemos, mas 
àqueles com que estabelecemos uma conversa crítica que pode durar 
anos ou mesmo uma vida. Essa exigência da poesia me parece justa, 
pois também ela exige muito do poeta, exige uma vida inteira a ela 
consagrada.”
11
Registro dos acontecidos e do que ora se publica (Apresentação)
A seguir, Susanna Busato (UNESP/São José do Rio Preto), 
em “Do corpo e da voz: as performances da linguagem em A voz do 
ventríloquo, de Ademir Assunção”, analisa demoradamente o livro 
de Assunção premiado com o Jabuti de 2013, com ênfase nos aspec-
tos que já despontam no título: o corpo (do poeta, do poema, do 
mundo), a voz, a performance. Mergulhada na caótica experiência 
da “metrópole pós-moderna” (numa espécie, talvez, de atualização 
perversa da flânerie modernista de Mário de Andrade e, depois, de 
Roberto Piva), “a poesia de Ademir Assunção tem sua voz projetada 
no diapasão de um mundo em ruínas, as que não têm caráter históri-
co nem turístico; as que não frequentam cartões-postais. A realidade 
é perpassada por um viés imagético de caráter surreal, que expõe o 
absurdo e o exagero como uma estratégia de construção plástica que 
procura mimetizar as sensações dessa realidade urbana pelo olhar 
do sujeito que não somente observa a cena de longe, mas a sente de 
perto, como tragédia, como ameaça, como um corpo que deixa seus 
traços no tempo e no ar.”
No décimo artigo, “Entre flor e manobra: lírica e corpo em 
Claudia Roquette-Pinto”, de Patrícia Aparecida Antonio, tem-se 
um estudo detalhado de dois livros da poeta carioca: Corola (2000) 
e Margem de manobra (2006). Partindo de concepções diversas de 
“corpo” (física, psicanalítica, simbólica, imaginária, social, política...), 
a ensaísta sustenta um ponto de vista que dialoga intrinsecamente 
com o texto anterior, de Susanna Busato, e perpassa, seguramen-
te, mais de uma perspectiva crítico-analítica recolhida no presente 
livro. Pois, em palavras de Antonio, “O corpo contemporâneo é uma 
estrutura não mais submetida somente às dores físicas, das quais a 
medicina o tem poupado progressivamente, mas um locus em que 
o eu se percebe cada vez mais humanizado, ainda que resistente, e 
sabedor de outras e novas possibilidades de configuração e reconfigu-
ração frente ao mundo em que se insere. Essa força dos seus modos 
de ser, no entanto, recobre-se por vezes de uma capa extremamente 
frágil sob diversos aspectos.”
No seguinte trabalho, “Hesitações da alteridade na poesia 
de Alexei Bueno”, o autor Carlos Eduardo Marcos Bonfá (FAQ – 
Faculdade XV de Agosto) parte dos conceitos de “alteridade”, “eu 
x outro”, “ver x olhar”, “poética do olhar”, para elaborar um estudo 
12
Antônio Donizeti Pires e Adalberto Luis Vicente
ideológico da poesia e da poética do carioca Alexei Bueno, as quais 
conduzem “a uma dialética de aproximação e distanciamento”.
No 12º artigo, “Écfrase e intertexto em poemas de Micheliny 
Verunschk”, Fabiane Renata Borsato (UNESP/Araraquara) vale-se 
do conceito clássico de écfrase, pontua as transformações pelas quais 
o termo (e a sua prática) tem passado ao longo dos séculos, para 
enfim oferecer fartos comentários analíticos de poemas da já consa-
grada poeta pernambucana, cuja obra é muito vincada pela visuali-
dade, segundo Borsato.
No penúltimo texto, “A poesia e as semelhanças, em Ana 
Martins Marques”, de Cristiane Rodrigues de Souza (UFMS/Três 
Lagoas), mais uma jovem poeta (desta vez, mineira) tem a sua obra 
finamente esmiuçada. Para tanto, a analista percorre o temário inicial 
da poeta, seu humor sutil e a sutil metapoeticidade que a caracte-
riza, para ressaltar como esta confronta, através da linguagem, as 
questões do corpo e do mundo, do eu e do outro, da diferença e da 
semelhança.
No 14º e último texto do livro, “Poesia brasileira contem-
porânea & tradição clássica”, Antônio Donizeti Pires (UNESP/
Araraquara) também se debruça sobre a obra de três poetas extre-
mamente jovens, os três com formação universitária em Estudos 
Clássicos e os três com intensa atividade acadêmica, editorial e de 
tradução. São eles: o paulista Érico Nogueira, autor de Poesia bovina 
(2014) e professor na UNIFESP/Guarulhos; o carioca Henrique 
Marques-Samyn, autor de Estudos sobre temas antigos (2013) e pro-
fessor na UERJ; e o brasiliense Guilherme Gontijo Flores, autor de 
Tróiades: remix para o próximo milênio (2015) e professor na UFPR. 
Claro que o “debruçar-se” acima é um exagero, pois os três poetas 
são rápida e sumariamente apresentados no estudo de Pires, que dá 
mais atenção, por afinidade temática de pesquisa, ao poema seriado 
“Rapsódia grotesca para Orfeu e Eurídice” (segunda parte de Estudos 
sobre temas antigos), de Henriques Marques-Samyn. “Rapsódia...” 
que se junta ao poema de Ademir Assunção,“Orfeu nos quintos dos 
infernos” (analisado no estudo de Susanna Busato), numa evidência 
de que a releitura a e revisita ao mito (clássico grego, frise-se) não 
é uma questão de passividade ou de frivolidade de poeta alienado, 
com a cabeça nas nuvens, mas de um artista plenamente consciente 
13
Registro dos acontecidos e do que ora se publica (Apresentação)
de seu ofício e do mundo em que lhe foi dado viver, em constante 
ruína, liquefação e dissolução dos mais caros valores humanistas, o 
que compromete (em nome de um capital neoliberal cada vez mais 
selvagem), a dignidade humana, a educação, o trabalho, a vida na 
Terra, a Natureza, a própria utopia. Mais uma vez, através de Orfeu, 
a contemporaneidade aprofunda (negativamente) a sua resposta à 
modernidade já melancólica e desolada de Drummond: “[...] Tu não 
me enganas, mundo, e não te engano a ti. / Esses monstros atuais, 
não os cativa Orfeu, / a vagar, taciturno, entre o talvez e o se. [...]” 
(ANDRADE, 2012, p.19)2.
A fim de não mais atravancar o prazer do precioso leitor, faça-
mos uma ligeira súmula: o livro apresenta uma saudável exogenia, ao 
congregar 14 estudiosos das mais diversas regiões do Brasil. Do total 
de poetas estudados nos 14 artigos (20), tem-se 8 (oito) “poetisas” (o 
termo é controverso!) e 12 poetas, o que nos parece equilibrado em 
termos de gêneros e de representatividade atual da poesia brasileira. 
Enfim, o leitor mais atento observará que obedecemos a certa ordem 
cronológica de nascimento de cada um dos poetas estudados: nosso 
arco temporal abre-se com a matriarca Cecília Meireles (1901-1964) 
e se fecha com Guilherme Gontijo Flores (n.1984). São pelo menos 
100 anos (lembrando que Meireles estreou em 1919, com Espectros) 
da mais autêntica Poesia brasileira, com seu lento cimentar de tra-
dições e temas próprios e práticas poéticas os mais diversos, ao lon-
go deste século proto-modernista e modernista, ultra-modernista e 
não-modernista, em que todos os tempos se encontram e se ultrapas-
sam, mas sempre (d)enunciando a necessidade de resistir e de existir 
cantando, ainda que sob o risco de todas as dissonâncias.
Araraquara, Novembro de 2019.
2 ANDRADE, C. D. de. Legado. In: ANDRADE, C. D. de. Claro enigma. 
Posfácio Samuel Titan Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p.19.
15
REESCRITA DA TRADIÇÃO 
COMO ESTRATÉGIA DE 
RESISTÊNCIA NA POESIA 
DE AUTORIA FEMININA
Maria Lúcia Outeiro FERNANDES
Este trabalho tem por objetivo analisar a reescrita da tradi-
ção, empreendida por algumas poetas de língua portuguesa – Maria 
Teresa Horta (n.1937), Cecília Meireles (1901-1964), Hilda Hilst 
(1930-2004) e Ana Luísa Amaral (n.1956) – como estratégia de 
resistência à opressão das mulheres nas sociedades patriarcais do 
Ocidente. Reescrever os textos canônicos, para estas mulheres, é 
uma forma não somente de empoderamento do sujeito feminino 
mas também um modo de elaborar um discurso que possibilite a 
configuração desse sujeito. A busca do discurso concorre para a 
formação de uma multiplicidade de poéticas contemporâneas que, 
embora inseridas na modernidade lírica, acabam por operar vários 
deslocamentos nos fundamentos estéticos e ideológicos da estética 
moderna, acarretando até mesmo alterações na concepção de poesia. 
Breve contextualização histórica
A ideia de poesia como resistência só se torna possível no 
contexto da modernidade, quando se configura também a ideia de 
um sujeito autônomo, protagonista de sua própria vida e agente da 
16
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
História política, econômica e social. Um sujeito capaz tanto de 
dominar a natureza com suas conquistas tecnológicas e científicas, 
quanto de lutar pela construção de uma sociedade baseada em direi-
tos humanos universais, na qual se possam estabelecer princípios 
gerais como garantia de uma vida digna para um número cada vez 
maior de indivíduos. 
No mundo antigo, e estou pensando principalmente na 
Grécia, tida como berço da Civilização Ocidental, não existe a ideia 
de direitos humanos tal como a conhecemos no mundo moderno. 
Os gregos aperfeiçoaram uma prática de democracia e uma valo-
rização da ideia de liberdade. Mas só participavam deste sistema 
os homens (não havia participação feminina nas decisões políticas) 
que eram livres. Como a prática da escravidão era comum, os servos 
também não participavam da vida política. Portanto, um grande 
contingente da população ficava de fora do processo democrático. 
No resto do mundo nem isso havia. Os gregos se consideravam supe-
riores aos persas, por exemplo, porque não havia ideia de liberdade 
na sociedade persa. 
O conceito de liberdade na Grécia Antiga está vinculado ao 
campo político. Munido de seus direitos políticos, o cidadão grego 
exercia sua autonomia, em contraposição aos escravos, às mulheres e 
às crianças, que não possuíam direito algum, nem qualquer controle 
sobre suas próprias vidas.
Já no âmbito religioso, a ideia de liberdade não teve muito 
sucesso entre os gregos que acreditavam no destino. O homem grego 
sente-se mergulhado numa realidade em que tudo está preestabele-
cido por forças cegas. Ou seja, o ser humano não passa de um mero 
fantoche nas mãos dos deuses, não tendo, no plano de sua existência 
ontológica, a mesma liberdade que exercia no plano político. 
Em outras culturas do mundo antigo, porém, já se desen-
volve uma ideia de liberdade no âmbito religioso, ainda que, na 
prática social e política a população permaneça excluída do poder. 
No Judaísmo, por exemplo, o homem pode ter livre arbítrio. Pode 
discernir entre o que deve e o que não deve fazer. E os Mandamentos 
já apresentam um projeto de sociedade em que os direitos do outro 
devem ser respeitados: não matar, não roubar, entre outros. Com 
o advento do Cristianismo a ideia de direitos humanos é reforçada 
17
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
e ampliada. Não se aplica mais a um grupo restrito de indivíduos 
livres. Jesus Cristo reafirma os mandamentos judaicos, enfatizando a 
ideia do amor ao próximo: quem ama respeita os direitos do outro.
No início da formação das nações europeias o Cristianismo se 
espalha pelo mundo Ocidental, mas os direitos humanos vão con-
tinuar sendo, como no mundo antigo, um privilégio dos nobres e 
do clero, as classes que estão no topo da pirâmide que estrutura a 
sociedade. Neste momento histórico, a estrutura social é constituída 
por três classes bem delimitadas – o clero, a nobreza e o povo –, sen-
do que, a cada uma delas, corresponde uma função na organização 
social e econômica.
O clero e a nobreza constituíam as classes privilegiadas, usu-
fruindo da isenção de impostos e de um direito próprio. O seu poder 
econômico vinha da posse da terra e do domínio que exerciam sobre 
os servos, que deviam ao seu senhor trabalho não remunerado e o 
pagamento de taxas diversas.
O desenvolvimento da economia mercantil, com maior cir-
culação da moeda, e a transformação dos servos em homens livres, 
a par da progressiva divisão da propriedade pelos descendentes, foi 
debilitando o poder econômico da nobreza, que procurava reagir, 
lutando pela manutenção e aumento dos seus privilégios.
Com o despertar da Era Moderna, surge também um novo 
agente social, os vilãos, habitantes das vilas, homens livres, que pas-
sam a viver do fruto do seu trabalho. Entre eles alguns vão ficando 
mais abastados, até se tornarem realmente ricos, o que vai aproximá-
-los, com o passar do tempo, à nobreza. Uma grande parte deles vai 
comprar títulos de nobreza. Muitos outros, porém, vão engrossar a 
multidão dos pobres. No século XIX, a multidão dos miseráveis vai 
ser enorme.
É neste momento crucial da formação de uma sociedade 
moderna que surge também o conceito de modernidade estética e a 
ideia de uma poesia, ou melhor, de uma literatura como resistência 
à modernidade burguesa. Este conceito de arte como resistência está 
intrinsecamente relacionado com dois outros conceitos sem os quais 
não se podeentender o que seja resistência. O conceito de direitos 
humanos e o conceito de utopia, que também só vão florescer nos 
tempos modernos. Como vimos, tanto no mundo antigo quanto na 
18
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Idade Média, período em que se formam as nações europeias que 
compõem o mundo ocidental, ao qual pertencemos hoje, a ideia 
de direitos humanos permanece restrita às classes privilegiadas da 
sociedade.
A ideia de utopia, desde o início de seu aparecimento, tam-
bém surge relacionada à questão dos direitos humanos. A própria 
palavra utopia começa a ser empregada a partir do livro de Thomas 
More (1478-1535), publicado em 1516. More foi um dos maiores 
intelectuais humanistas do Renascimento. Católico inabalável, aca-
bou sendo vítima do autoritarismo do rei e condenado à morte por 
não aceitar os casamentos de Henrique VIII. Mas teve uma vida 
brilhante como diplomata, escritor, advogado, estudioso das leis, 
tendo ocupado vários cargos públicos. 
Embora ele vá buscar em Platão e outros autores gregos mui-
tos fundamentos de suas reflexões, é principalmente de sua con-
cepção cristã do mundo e do ser humano que decorrem seus ideais 
de uma sociedade perfeita. Sendo o homem de origem divina, os 
direitos humanos também devem ser respeitados como parte dos 
planos de Deus para a construção de um mundo justo, tal como o 
que descreve em seu livro Utopia. 
Neste livro, More fala de uma ilha imaginária de forma ale-
górica, que possibilita duas interpretações. Pode-se entender como 
sendo a configuração de um Estado ideal e também como sátira à 
Europa do século XVI. O substrato cristão da obra é enfatizada por 
todos que se debruçam sobre ela, como João Almino, que afirma 
o seguinte: “Os utopienses comportam-se, no fundo, como se fos-
sem verdadeiros cristãos; fazem o que os europeus deveriam fazer, se 
seguissem seus próprios preceitos cristãos.” (ALMINO, 2004, p.XI). 
À medida que elabora uma crítica ao modelo de sociedade que estava 
sendo implantado na Europa, no momento de formação dos esta-
dos modernos, e que aponta caminhos alternativos, o livro de More 
inaugura a literatura de resistência.
Com a Revolução Francesa, os direitos políticos do cidadão 
são ampliados para a burguesia e, no seu rastro, desenvolve-se a ideia 
de que tais direitos deveriam ser estendidos à sociedade como um 
todo. A partir de então, vão surgir muitos pensadores que irão cri-
ticar o alto preço do progresso e mostrar a necessidade de se cons-
19
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
truir uma sociedade mais justa para todos. Entre eles, podemos citar: 
Robert Owen (1771-1858), Charles Fourier (1772-1837), Conde de 
Saint Simon (1760-1825) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). 
No bojo de suas reflexões, surge também a ideia de que o artista e o 
escritor têm um papel especial na construção de um mundo melhor. 
Atribuindo aos artistas uma função prática na luta para implantação 
dos ideais revolucionárias, Saint-Simon visionava-os “[...] abrindo 
[...] a marcha triunfante em direção ao bem-estar e felicidade de 
toda a humanidade.” (CALINESCU, 1999, p.97), o que acabou 
por gerar uma ambiguidade que estará no fulcro dos debates sobre 
o papel da literatura, especialmente da poesia, no século XIX. Matei 
Calinescu (1999, p.97) apresenta este paradoxo nos seguintes termos: 
“[...] por um lado, o artista desfruta da honra de estar na linha de 
frente do movimento em direção à prosperidade social; por outro, 
ele já não é livre porque lhe é dado todo um programa totalmente 
didático para cumprir.”
É neste momento que se inicia a formação daquilo que 
Pierre Bourdieu (1996) vai denominar como campo literário. É o 
momento da formação da literatura como instituição, ao lado de 
outras instituições importantes que estruturam a sociedade capita-
lista: o estado, a igreja, a imprensa, a arte, o sistema educacional, a 
família, enfim, são as grandes instituições que constituem o sistema 
social na modernidade. Todas estas instituições desejam ser livres e 
autônomas, pois cada uma está constituindo um campo de atuação 
específico, com suas próprias regras e seus objetivos peculiares. Para 
garantir a liberdade e autonomia da arte, escritores e críticos vão ter 
que lutar contra os excessos das duas correntes fortes na época. De 
um lado, o pragmatismo dos burgueses, ansiosos por dar à literatura 
uma função moralizante, visando à manutenção de seus privilégios. 
De outro lado, a corrente oposta dos revolucionárias, que também 
desejavam conferir à produção estética uma função didática, de cons-
cientização acerca da necessidade de mudanças radicais na estrutura 
da sociedade. Os exageros de ambas as partes, faz surgir a necessida-
de de garantir uma autonomia para a expressão artística. A estética 
moderna vai se solidificar sob a égide da resistência: 
20
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Essas formas estranhas pelas quais o poético sobrevive em um 
meio hostil ou surdo, não constituem o ser da poesia, mas ape-
nas o seu modo historicamente possível de existir no interior 
do processo capitalista. [...] A modernidade se dá como recusa e 
ilhamento. A metáfora da avestruz que cobre a cabeça diante do 
inimigo é eloquente demais para exigir comentário. E o inimigo 
avança sem maiores escrúpulos. (BOSI, 1977, p.142-143).
São muitos os inimigos e muitas as formas de combate. Com 
Bosi (1977), podemos afirmar que a poesia pode assumir várias estra-
tégias de resistência. Pode assumir a forma mítica, que busca uma 
religação do homem às dimensões cósmicas de sua essência e de suas 
origens. Neste caso, o poeta se recusa a aceitar o permanente processo 
de sua degradação no mundo capitalista, que acabou por esvaziá-lo 
de uma essência e por afastá-lo cada vez mais de sua convivência 
harmoniosa com a natureza e o cosmos, como transparece na poesia 
de um Hoelderlin. Ela pode adquirir feições nitidamente revolucio-
nárias assumindo o compromisso de promover o progresso das refor-
mas sociais iniciadas com a Revolução Francesa, como propunha 
um Victor Hugo. Ou ela pode fundamentar-se numa proposta de 
configuração de obra de arte autônoma, que se opõe ao pragmatismo 
da burguesia pela afirmação de sua beleza e inutilidade, tal como 
pregou incansavelmente um Théophile Gautier.
Na obra dos grandes poetas modernos é comum encon-
trarmos estas três formas de resistência, combinadas de diferentes 
modos. Ademais, na segunda metade do século XX, estas formas 
de resistência vão ganhar novas facetas. Uma das mais importantes 
é a forma de abordar as questões dos direitos humanos. Vai haver 
algumas alterações substanciais no modo de abordar a necessidade 
de intervir na construção de um mundo mais digno e justo. A con-
cepção universal de homem vai ser abalada a partir do surgimen-
to de questões relacionadas a três grandes temas: a microfísica do 
poder, o pós-colonialismo e o aparecimento de novas subjetivida-
des. O desenvolvimento dos estudos em torno destes eixos trouxe 
a conscientização de que o conceito de ser humano, tal como con-
cebido pelo humanismo moderno, fundamentava-se num conceito 
de homem branco, europeu e do sexo masculino. Trouxe, ainda, a 
21
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
conscientização de que a opressão não se limitava às relações entre o 
Estado e o povo, ou aos relacionamentos entre as classes sociais. O 
exercício do poder passou a ser compreendido como uma constante 
que está presente em todas as formas de relacionamento dentro de 
uma sociedade. Finalmente, os estudos sobre gêneros e sobre o pós-
-colonialismo trouxeram questões relativas às novas subjetividades, 
tanto no âmbito dos indivíduos, quanto no domínio das identidades 
culturais. 
Desse modo, à medida que os estudos literários foram incor-
porando estas novas questões, o conceito de arte como resistência 
também foi se ampliando e tomando novas configurações. Hoje 
temos uma quantidade imensa de teorias queabordam a literatura 
sob a perspectiva destas questões culturais. 
Poesia resistência de autoria feminina em Portugal
Os estudos sobre literatura de autoria feminina ganharam 
grande impulso neste contexto e, de certa forma, também refletem 
um pouco esta evolução na abordagem das questões relativas aos 
direitos humanos. Até o início do século XX, quando nos depara-
mos esporadicamente com alguma escritora que reivindica o direito 
de ser reconhecida e de integrar o cânone, o argumento sempre se 
baseia na necessidade de incluir a mulher naquele horizonte uni-
versal dos direitos humanos. Nesta fase a mulher luta para ter seus 
direitos reconhecidos, com base na ideia de igualdade em relação aos 
homens. Até os anos 1970 esta é a reivindicação dominante. Mas a 
partir desta data os estudos sobre o feminino na literatura ganham 
grande complexidade. 
Uma das principais características que se verifica na literatura 
de autoria feminina, a partir de meados do século XX, é a denúncia 
da opressão contra as mulheres, seja no campo do relacionamento 
amoroso, no âmbito da constituição familiar, ou nas relações sociais 
e políticas de modo geral. No campo social, a partidarização da luta 
feminista e a inclusão das pautas femininas nas lutas políticas foi 
uma das principais mudanças do movimento, que se tornou mais 
pragmático e menos utópico. Do ponto de vista da poesia de autoria 
feminina, parece que a conscientização da opressão masculina contra 
22
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
a mulher no plano das relações amorosas foi uma das primeiras a 
tomar forma.
Em Portugal, um dos grandes nomes da literatura de autoria 
feminina é o de Maria Teresa Horta. Desde sua estreia, com o livro 
Espelho inicial (1960), Horta “[...] elegeu a liberdade como projeto 
poético e iniciou uma obra pautada na profunda reflexão dos direitos 
humanos, em especial das mulheres.” (DUARTE, 2015, p.11-12). 
Trata-se não apenas de uma liberdade temática, mas de um conjunto 
de procedimentos poéticos que redundam numa simbiose entre o 
corpo da mulher, o corpo da escrita e o corpo de uma tradição lírica 
configurado no cânone da poesia portuguesa.
A poetisa ficou bastante conhecida após os escândalos cau-
sados, nos anos 1970, pela publicação das Novas cartas portuguesas, 
escritas com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. Neste 
livro, publicado em 1972, as autoras fazem um questionamento 
acerca dos papéis esperados das mulheres na sociedade portuguesa, 
denunciando a opressão e o silenciamento delas. Antes disso, porém, 
Maria Teresa Horta já havia escrito Minha senhora de mim (1971), 
no qual ela assume o direito que têm as mulheres de falarem sobre 
seu corpo e seu desejo, ao mesmo tempo que manifesta seu repúdio à 
forma como as mulheres eram representadas na literatura portuguesa. 
A subversão da escrita no diálogo com a tradição, que é uma 
das principais estratégias de criação desta poetisa, redunda a um 
só tempo na elaboração de uma escrita eminentemente feminina, 
na demarcação do lugar da mulher na sociedade e na reelaboração 
do cânone. Subvertendo as leis que regem a linguagem escrita e a 
tradição literária, a poetisa subverte a posição subalterna da mulher 
enquanto objeto, para reapresentá-la como sujeito da voz que fala no 
poema, sujeito de um desejo que reivindica seu direito de existir e se 
expressar, sujeito de um ser político, inserido numa realidade social:
Se, na poesia de Maria Teresa Horta não cumprir as regras é 
também não cumprir a sintaxe, o que acontece em livros como 
As luzes de Leonor é que muitas das mulheres que o habitam, tal 
como a sua autora e a sua heroína, Leonor, são “portadoras de 
fogo e desmesura” e se comprazem em não cumprir as regras – a 
gramática instituída pelos tempos, motor justamente da regula-
23
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
ção de uma língua e de um estar no mundo. Mas não cumprir 
as regras é também não cumprir as imposições de gêneros [...] 
Encontramo-nos, assim, perante uma poesia (e uma poética, no 
sentido lato do termo, a incluir poesia e ficção) servida por dois 
processos de ruptura com a norma: a transgressão e a subversão. 
Se a transgressão não destrói o sistema, visto criar um sistema 
paralelo, a subversão efetua sobre ele um efeito de corrosão, que 
o abala. (AMARAL, 2015, p.32-33).
O livro de Maria Teresa Horta, de 1971, Minha senhora de 
mim, considerado por muitos pesquisadores “[...] um momento de 
virada, em que sua poética assume inteiramente o corpo como espaço 
de encontro (sobretudo de si).” (BRIDI, 2009, p.40), pertence a uma 
fase de plena afirmação de um discurso feminino que se contrapõe 
frontalmente à tradição patriarcal. Mais do que ter seus direitos civis 
garantidos, as mulheres passam a reivindicar inteira liberdade de voz 
e de comportamento, dando visibilidade à sua sexualidade e aos seus 
desejos. O erotismo tem um papel muito grande nesta forma especial 
de poesia como resistência. Trata-se, porém, de uma reivindicação 
política, contra toda forma de opressão vivida pela mulher nesta 
sociedade, opressão esta que transparece nas representações literárias 
desde as primeiras manifestações galaico-portuguesas. 
Minha Senhora de Mim
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
24
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito 
(HORTA, 2009, p.304).
O poema acima é construído pela intertextualidade com o 
tema da fragmentação interior, presente no poema de Sá de Miranda, 
“Comigo me desavim/ sou posto em todo perigo;/ não posso viver 
comigo /nem posso fugir de mim.” (MIRANDA, 1976, p.318). Mas 
o eu lírico empreende um deslocamento completo do tema. A desa-
vença consigo mesmo não decorre de uma ambiguidade presente 
dentro de si, como característica do ser humano, tal como ocorre 
no poema clássico. A desavença interna do eu lírico é contra certa 
concepção de mulher, que lhe foi imposta pela sociedade patriar-
cal, com a qual o sujeito feminino rompeu completamente. A voz 
feminina expõe sua ruptura com este modelo de mulher submissa, 
à medida que constrói para si outra identidade, fundamentada na 
livre expressão do próprio desejo.
Neste poema, Horta também recorre a elementos recortados 
das cantigas trovadorescas. Das Cantigas de Amor ela retira a expres-
são com que o sujeito lírico se dirigia à amada, “Minha Senhora”. 
Aqui, porém, o termo não se refere a uma mulher idealizada, objeto 
de desejo configurado no cantar de um homem, ainda que velado 
pelas convenções do amor cortês. Ao contrário, a expressão serve 
para enfatizar que a senhora não pertence mais a nenhum homem, 
tendo domínio sobre sua própria vida. Contrariando a convenção 
da mesura, que domesticava o amor cortês, o eu lírico representa 
uma mulher inteiramente liberta. Além do confronto com aquele 
modelo de mulher idealizada, o sujeito feminino investe também 
contra a mulher sofredora das Cantigas de Amigo, enfatizando que 
agora é ela própria que tem o amante em seus braços e que fala da 
sua experiência amorosa, que se realiza à hora e do jeito que desejar. 
Assim como é ela que toma a iniciativa no ato amoroso, a voz e o 
ponto de vista do poema também lhe pertencem. 
25
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
Poesia resistência de autoria feminina no Brasil 
As mulheres brasileiras ainda sofrem em seu cotidiano inúme-
ras formas de opressão, desrespeito e desqualificação. Pode-se encon-
trar uma reação contundente contra esta discriminação na poesia 
lúcida de Cecília Meireles, já nos anos 1960, embora esta temática 
não se constitua como eixo central de sua poética. É significativo, 
porém, que, tal como faz Maria Tereza Horta, a reflexão crítica ocor-
ra quase sempre por meio da reescrita destas formas antigasde mani-
festação lírica, que constituem as primeiras manifestações da língua 
portuguesa. A poesia trovadoresca está na origem não somente das 
formas literárias, mas de toda uma tradição cultural, na qual se forma 
um modelo e uma imagem da mulher, estabelecidos de um ponto 
de vista predominantemente masculino. Mesmo quando se expõem 
os sentimentos amorosos da mulher, como ocorre nas Cantigas de 
Amigo, os poemas são escritos por um homem. 
Confessor Medieval (1960)
Irias à bailia com teu amigo,
se ele não te dera saia de sirgo?
Se te dera apenas um anel de vidro
irias com ele por sombra e perigo?
Irias à bailia sem teu amigo
se ele não pudesse bailar contigo?
Irias com ele se te houvessem dito
que o amigo que amavas é teu inimigo?
Sem a flor no peito, sem saia de sirgo,
irias sem ele, e sem anel de vidro?
Irias à bailia, já sem teu amigo,
e sem nenhum suspiro? 
(MEIRELES, 2001, p.1.843-1.844).
26
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Anterior ao poema de Horta, o poema de Meireles apresenta 
a mesma subversão em relação ao cânone da lírica amorosa lusitana 
que, desde o Trovadorismo, colocava a mulher ora como ser inatin-
gível (como nas Cantigas de Amor), ora como vítima ou joguete nas 
mãos do “amigo”, expressão que se referia ao namorado ou amante 
(como nas Cantigas de Amigo). Neste poema, a personagem femi-
nina não dialoga com outras pessoas ou seres (com a mãe, com as 
amigas, com os seres da natureza), como ocorria no modelo original, 
para falar do seu relacionamento com o namorado. Contrariando 
estas convenções da poesia medieval, o eu lírico parece dialogar com 
a voz feminina de uma Cantiga de Amigo escrita por D. Dinis, além 
de tantas outras cantigas desse período que tratam do mesmo tema:
Ma madre velida,
vou-m’a la bailia
do amor.
Ma madre loada,
vou-m’a la bailada
do amor.
Vou-m’a la bailia
que fazen en vila
do amor.
[Vou-m’a la bailada
que fazen en casa
do amor.]
[...]
Do que eu ben queria,
chamar-m’ an garrida,
do amor.
Do que eu muit’amava,
chamar-m’ an jurada,
do amor. 
(DINIS apud NASSAR, 1995, p.114).
27
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
A ambivalência sugerida pelo título, já que o termo “confes-
sor” pode se referir tanto a quem ouve, quanto a quem professa uma 
confissão, remete à ambiguidade da encenação deste diálogo, que 
coloca em cena uma personagem feminina falando a outra perso-
nagem do mesmo gênero. A ideia de confissão nos faz pensar numa 
espécie de mea culpa, que procura empreender uma revisão de um 
comportamento feminino que precisa ser mudado, para garantir a 
própria independência, não somente econômica mas também emo-
cional, da mulher, tornando-a sujeito de sua história. 
Ao dialogar com a voz feminina da cantiga, é como se ela 
estivesse falando com todas as mulheres que sempre se comporta-
ram dentro de um padrão de relacionamento no qual a mulher era 
sempre submissa aos desejos e caprichos do homem, que sempre lhe 
trazia algum tipo de sofrimento. O diálogo, portanto, se faz com um 
tipo de mulher que representa toda a tradição da literatura amorosa 
lusitana. Ela usa a segunda pessoa “tu”, para se dirigir a esta mulher, 
ou melhor, a este modelo de mulher.
O sujeito feminino apresenta uma acusação bem grave à 
mulher, mostrando a sua responsabilidade na dominação que sofreu 
ao longo dos séculos, à medida que se contentava com vantagens 
materiais, muitas vezes falsas e irrelevantes, que recebia dos aman-
tes. A apropriação de elementos das cantigas trovadorescas, como a 
expressão “meu amigo”, sofre alterações para se acomodar ao trata-
mento de segunda pessoa, tornando-se “teu amigo”. Desse modo, a 
poetisa se dirige à mulher tradicional, exortando-a sobre os perigos 
que sempre passou ao lado do amigo, que na verdade sempre se 
mostrou “inimigo”.
Embora este poema apresente um feminismo bastante explí-
cito, este não é o teor que predomina na maioria dos muitos tex-
tos poéticos nos quais Cecília Meireles reescreve formas e temas 
trovadorescos: “[...] sem subserviência irrestrita às técnicas do 
Trovadorismo medievo, partiu de seus motivos e temas relaciona-
dos particularmente ao amor entre casais, para o questionamento 
da existência e a constatação da precariedade do mundo em desar-
monia que habitamos.” (MALEVAL, 2003, p.144). Entretanto, se 
as questões feministas não constituem o cerne da obra de Meireles, 
a atuação da poetisa como cronista e educadora não se coaduna 
28
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
com a imagem de um ser angelical e alienado da realidade política 
e social que geralmente se atribui à poetisa. Como afirma Maria 
Lúcia Dal Farra (2006, p.352), “Cecília Meireles nunca teve a pre-
tensão de erguer a bandeira da mulher como sua causa [...]. Mas 
isso não quer dizer que o olhar sobre a condição feminina esteja 
ausente dos seus versos.”
Outra poetisa que reescreve as cantigas medievais na mesma 
época de Cecília Meireles é Hilda Hilst. Sua dicção aproxima-se mais 
da poesia de Maria Teresa Horta, no sentido de buscar a liberdade 
por meio de uma abordagem erótica, que fala abertamente do desejo, 
configurando uma voz e um discurso eminentemente femininos. Em 
ambas o discurso feminino é atravessado pelo erotismo e pelo gozo. 
Existe, porém, uma diferença muito grande entre o gozo expresso 
pelo sujeito lírico da poesia de Horta e o de Hilst. Na primeira, o 
outro é sempre um ser de carne e osso, seu semelhante, igual na 
concretude do corpo e no desejo carnal. Já no discurso poético de 
Hilst, o Outro (quase sempre escrito com letra maiúscula), frequen-
temente resvala do ser carnal, do homem material para um ser abs-
trato, de natureza sublime, acima da realidade material. Há uma 
ambiguidade intrínseca no desejo e no gozo configurados na obra 
lírica de Hilda Hilst. E este outro tanto pode ser entendido como o 
ser amado, estando relacionado também ao corpo de um homem, 
como pode se referir ao poema, estabelecendo visível relação com o 
corpo da escrita. Mas pode, acima de tudo, relacionar-se com outro 
objeto de desejo mais elevado, que, segundo muitas entrevistas da 
poetisa e muitos dos seus estudiosos, seria o próprio Deus, alvo de 
uma longa e obstinada busca empreendida pela escritora ao longo 
de sua vida e obra:
Pulsas como se fossem de carne as borboletas.
E o que vem a ser isso? perguntas.
Digo que assim há de começar o meu poema.
Então te queixas que nunca estou contigo
Que de improviso lanço versos ao ar
Ou falo de pinheiros escoceses, aqueles
Que apetecia a Talleyrand cuidar. 
Ou ainda quando grito ou desfaleço
29
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
Adivinhas sorrisos, códigos, conluios
Dizes que os devo ter nos meus avessos. 
Pois pode ser.
Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo.
Pensá-LO é gozo.
Então não sabes?
INCORPÓREO 
É O DESEJO.
(HILST, 2004, p.26).
O diálogo que o eu lírico trava com o amado, embora livre, 
enfatiza um desencontro primordial e inevitável entre ela e o com-
panheiro, já que estamos na presença de um sujeito feminino irre-
mediavelmente fragmentado entre a entrega a um homem real e 
o desejo, ardentemente perseguido em sua poesia, por um corpo 
divino, acima de qualquer realidade possível. Esse Outro incorpó-
reo é que fascina esta mulher. É por Ele que ela delira. É para Ele 
que ela dirige o seu desejo e a sua escrita. Esse objeto de desejo, o 
Outro, o Amado (com letra maiúscula), não se confunde com o 
amante de carne e osso que ela tem na cama, mas é um ser abstrato, 
invisível, inatingível e intocável. Daí o desejo por ele também ser 
“incorpóreo”.
Isso não impede que, em muitos poemas, nos quais a poetisa 
canta o desejo, seja quase impossível distinguir o amante de carne e 
osso e o Outro, pois as características dos dois se contaminam mutu-
amente o tempo todo, tornando a poética de Hilda Hilst uma mani-
festação lírica extremamente complexa, fundamentada numa reflexão 
metafísica acerca das relações entre alma e corpo, entre concretoe 
abstrato, entre o humano e o divino. Em muitos poemas, quando ela 
fala da frieza do amigo, tanto pode estar falando do amante terreno, 
quanto do amado divino:
30
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
VII
Esquivança, amigo. 
É o que se faz em ti. 
Frígido, esquivo 
Da benquerença de mim 
Quanto mais te persigo 
Mais te vejo
De mim o fugitivo 
Córrego correndo
E eu desesperança
Me fazendo antiga.
Crescem verdores
À minha volta.
Ramas votivas
Se interdizendo:
Cubra-se a morta
Porque o amante
Se faz esquivo.
Feche-se a porta
Porque é de pedra
[...]
(HILST, 2003, p.86).
Existem, porém, muitos poemas em que a voz feminina se 
refere, de fato, ao amado terreno. Ele aparece de modo inequívoco 
numa série de poemas em que Hilda Hilst reescreve a tradição lírica 
portuguesa, retomando procedimentos formais e elementos temá-
ticos das formas trovadorescas e de outros períodos. Do ponto de 
vista cultural, esta voz lírica retoma aquela fala sofredora da mulher 
submissa ao seu senhor. Ao contrário dos dois poemas anteriores, nos 
quais Meireles e Horta também exploram as cantigas trovadorescas, 
o sujeito lírico hilstiano parece não questionar a opressão da mulher, 
limitando-se a lamentar o espaço marginal ao qual é relegada, no 
papel da “outra”, na vida do homem casado. Se, por um lado, a abor-
31
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
dagem do tema parece libertador, do ponto de vista dos costumes, 
pela forma livre com estes poemas tratam da condição feminina, na 
verdade tais textos parecem perpetuar uma visão tradicional, enfa-
tizando a clássica bipolarização entre a mulher casada e a amante, 
que é uma das formas de representação mais exploradas na literatura 
europeia tradicional:
V
Não sou casado, senhora,
Que ainda que dei a mão
Não casei o coração.
(Bernardim Ribeiro)
Serei menos eu 
Dizer-vos,
senhor meu,
Que às vezes agonizo
Em vos vendo passar
Altaneiro e preciso?
Ai, não seria.
E na mesma calçada
Por onde andais, senhor,
Anda vossa senhora.
E sua cintura alada
Dá-me tanto pesar
E me faz sofrer tanto
Que não vale o chorar
E só por isso eu canto.
Seria menos eu 
dizer-vos, senhor meu,
Por serdes vós casado
(E bem por isso mesmo)
É que sereis amado?
Ai sim seria.
(HILST, 2007, p.180).
32
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Este poema faz parte do livro Trovas de muito amor para um 
amado senhor, lançado em 1960. Nestes poemas, Hilst estabelece 
intertextualidade tanto com as Cantigas de Amor quanto com as de 
Amigo, além de outros textos portugueses. A epígrafe do livro é de 
Camões: “Canção, não me digas mais; e se teus versos / À pena vêm 
pequenos, / não queiram de ti mais, que dirás menos.”
O poema V desenvolve-se como uma glosa ao mote apresen-
tado no início, que é uma citação de Bernardim Ribeiro: “Não sou 
casado, senhora,/ Que ainda que dei a mão /Não casei o coração”. 
Estes versos remetem à instituição do casamento como um contrato, 
que nada tinha a ver com amor, tal como praticado na sociedade 
medieval. 
O eu lírico reencena o jogo sutil entre o vassalo e sua senhora 
(que se escrevia Senhor), típico das Cantigas de Amor. Entretanto, 
o jogo está invertido uma vez que, agora, é a mulher que se dirige 
ao amado. Ademais, tanto a voz quanto a escrita são femininas. 
De acordo com as convenções do amor cortês, a Senhora deve-
ria permanecer um ser distante, inatingível. E a única forma de 
gozo daquele que prestava a vassalagem deveria decorrer da coita 
de amor. Por outro lado, a voz feminina das Cantigas de Amigo 
também nunca se dirigia diretamente ao amado. Ardilosamente, 
portanto, a poetisa embaralha as convenções que regiam os dois 
tipos de cantigas.
Normalmente a voz feminina das Cantigas dirigia-se às ami-
gas, à mãe, à natureza. Quando falava do amado era sempre de modo 
indireto, em terceira pessoa. Neste poema, porém, a voz feminina 
ousa interpelar o amado. Assim como era uma desmesura um vassalo 
interpelar diretamente a sua Senhora, cobrando dela uma recompen-
sa pelo seu amor, aqui também o eu lírico reconhece sua ousadia. 
Tal ousadia decorre de dois fatos. Em primeiro lugar, do fato de que 
este Senhor do poema hilstiano está numa posição superior devido 
à convenção poética da vassalagem amorosa, que rege as Cantigas 
de Amor. E, em segundo lugar, porque, na vida social, as mulheres, 
mesmo quando se lhes dá a voz, como nas Cantigas de Amigo e nos 
poemas de Hilda Hilst, não deve, para obedecer a um código social 
que rege a vida destas mulheres, se dirigir ao homem em público. 
Principalmente se ele for casado e ela for a outra em sua vida. Tal 
33
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
como nas Cantigas de Amigo, o eu lírico vai expor seu sofrimento, 
decorrente da indiferença do amado que passa, altivo, ao lado da 
esposa legítima, e vai confirmar a posição subalterna da mulher, que 
permanece praticamente a mesma, apesar dos séculos que a separam 
das personagens medievais. 
Encaminhando uma possível conclusão
A poesia feminina de resistência apresenta inúmeras face-
tas, consoante a pluralidade de implicações que o movimento de 
emancipação das mulheres enfrenta. Se as mulheres sofrem cons-
trangimentos decorrentes da visão machista e patriarcal em todos 
os espaços sociais, é no âmbito dos relacionamentos amorosos que 
as questões enfrentadas pelo feminismo se tornam mais complexas 
e mais difíceis de serem enfrentadas. É sempre muito complica-
do lidar com a realidade de ter um “amigo”, um ser amado, um 
amante, que se mostra como o seu pior inimigo. As experiências 
das mulheres são múltiplas em relação a esta problemática, assim 
como as formas de abordagem poética encontradas na literatura 
contemporânea. 
Na virada do século XX para o atual, temos visto surgirem 
novas formas de abordagem destas questões, como as que são mobi-
lizadas por Ana Luísa Amaral, que reescreve a poesia de Maria Teresa 
Horta:
Minha senhora de quê
dona de quê
se na paisagem onde se projectam
pequenas asas deslumbrantes folhas
nem eu me projectei
se os ventos apressados
me nascem sempre urgentes:
trabalhos de permeio refeições
doendo a consciência inusitada
34
Maria Lúcia Outeiro Fernandes
dona de mim nem sou
se sintaxes trocadas
o mais das vezes nem minha intenção
se sentidos diversos ocultados
nem do culto nascem
(poética do Hades quem me dera!)
Dona de nada senhora nem
de mim: imitações de medo
os meus infernos.
(AMARAL, 2010, p.51).
O poema acima estabelece uma evidente intertextualidade 
com o poema “Minha senhora de mim”, num tom revisionista da 
postura feminista típica dos anos 1970, que direciona a reescrita 
das cantigas trovadorescas feita por Horta. Na esteira das primeiras 
grandes teóricas do feminismo no século XX, como Margaret Mead 
e Simone de Beauvoir, as mulheres do mundo ocidental viveram 
anos de um movimento bastante entusiasta em relação às possibi-
lidades de mudanças radicais no relacionamento com os homens. 
Havia uma confiança generalizada na luta pela conquista de direitos 
iguais. A igualdade entre os sexos era a palavra de ordem daquelas 
feministas dos anos 1960 aos 1980. Reivindicava-se a igualdade de 
direitos no trabalho, na família, no comportamento. Até na moda, 
surgem modelos masculinos de roupa adaptados para as mulheres, 
que passam a incorporar em seus guarda-roupas calças compridas, 
camisas, blazers e até gravatas. 
A proliferação dos estudos de gêneros na virada do milênio, 
o aparecimento de correntes conservadoras e o balanço negativo das 
conquistas efetivamente obtidas pelas lutas feministas parece que 
contribuíram para uma espécie de desânimo. O entusiasmo cedeu 
lugar a um ceticismo crítico, tal como transparece no poema de 
Ana Luísa Amaral, situação que alerta para a necessidade de se bus-
car novos encaminhamentos na luta pelos direitos das mulheres. O 
espaço em branco – nos terceiros versos das duas primeiras estrofes, 
no quarto verso da terceira estrofe e no primeiro verso da última, no 
poemade Amaral – aponta para um vazio no espaço que a mulher 
35
Reescrita da tradição como estratégia de 
resistência na poesia de autoria feminina
deveria ocupar nos campos de sua atuação: na própria natureza, na 
vida social do trabalho e na casa, na atividade da escrita. Em todos 
estes lugares, esta mulher se sente angustiada e desiludida, entregue 
aos seus medos e inquietações. 
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37
O NARIZ, A PEDRA E A ESTRELA: 
A DIALÉTICA NEGATIVA 
DE FERREIRA GULLAR
Bruno Darcoleto MALAVOLTA
Introdução
João Luiz Lafetá (2004, p.116-121), em um irrepreensível 
ensaio crítico dedicado à poesia de Ferreira Gullar (1930-2016), 
examina seis momentos decisivos para a intelligentsia brasileira, no 
século XX. Antes de nos debruçarmos sobre a polifônica poesia de 
um poeta que rasgou, de fora a fora, o tecido do tempo do século 
passado, parece-nos proveitoso fazermos uma retomada, à nossa pró-
pria maneira, desses seis episódios político-artístico-sociais de que 
nos fala Lafetá. Trata-se de: 1. a vanguarda modernista, que se ser-
viu amplamente de “injeções cada vez mais fortes de fala popular”, 
valendo-nos da expressão de Octavio Paz (2013, p.68), e procurou 
ver em seu arranjo linguístico um diagnóstico do Brasil em seu devir 
moderno, respondendo às contingências políticas da República 
Velha; 2. o debate ideológico que se instalou sobre essa inteligência 
brasileira na década de trinta, gerando o afunilamento do discurso 
poético na direção de conjugar a vanguarda com uma diagnose do 
Brasil (ou Brasis), que já não coubessem no projeto estético e cul-
tural do modernismo de dicção paulista; 3. a drenagem das forças 
desse movimento na década imediatamente posterior, de 1940, pelo 
Estado Novo e seu ufanismo de viés populista, que se imporia com 
autoridade autárquica sobre a construção da identidade brasileira 
38
Bruno Darcoleto Malavolta
(não seria demais lembrar que a projeção de elementos populares 
brasileiros a símbolos nacionais, como o samba e a feijoada1, data jus-
tamente desse momento); 4. o desenvolvimentismo de Kubitschek, 
na década de 1950, que encontraria o seu paralelo no racionalismo 
concretista, no afastamento do verso livre e na reaproximação com 
a poesia de teor classicizante; 5. já no governo Jango, Lafetá destaca 
que o foco desse desenvolvimentismo ganhou contornos sociais ao 
se aliar desenvolvimento e equidade social; 6. finalmente, houve o 
sufocamento deste movimento progressista após o golpe de 1964, 
mobilizando uma intensa resistência por parte, sobretudo, de núcleos 
estudantis (como o CPC da UNE, de que Gullar seria militante ativo 
e decisivo) e do PCB (de que Gullar seria, igualmente, membro ativo 
e efetivo, até o seu desvinculamento total do partido, após o exílio), 
culminando no efetivo asfixiamento dessa mobilização após o AI-5, 
no ano de 1968.
Será na irresolução destas tensões políticas e sociais que o 
poeta Ferreira Gullar entrará no jogo de forças da lírica brasileira, em 
1954, com o seu A luta corporal 2, transitando, desde então até a sua 
1 Ana Paula Cavalcanti Simioni nos relata: “O longo governo de Getúlio Vargas 
(1937-45) tencionava contrapor-se ao liberalismo e ao regionalismo que caracteriza-
ram a Primeira República, por intermédio de uma condição pública centralizadora. 
Visando formar um ‘novo homem brasileiro’, a cultura e a educação tornaram-se 
dimensões prioritárias, responsáveis por moldar a ‘alma da nação’. Uma série de 
políticas culturais são implementadas no sentido de promover a integração nacional 
por meio de símbolos. A feijoada é alçada a prato típico; a capoeira, de prática negra, 
depreciada pelas elites, passa a ser considerada esporte nacional; ainda o samba, de 
combatido torna-se arquétipo da cultura brasileira, sendo celebrado pela oficializa-
ção do carnaval e do mercado fonográfico.” (SIMIONI, 2015, p.255). 
2 Desprezando-se, naturalmente, o volume Um pouco acima do chão, de 1949, que 
Gullar não incluirá em seu Toda poesia, de 1980. Em uma mesa de discussão de 
poesia, em que participavam Antonio Carlos Secchin e Alberto Pucheu, mediados 
pelo professor João Batista Toledo Prado, Secchin chamou (falando reservadamente 
a Pucheu, antes da abertura oficial da mesa) o não pequeno conjunto de poetas que, 
no meio do século XX brasileiro, negaram-se a reconhecer as suas primeiras obras, 
de “poetas que estreiam na segunda obra”. Apesar do caráter anedótico, a expressão 
de Secchin é feliz e precisa, e vale o seu registro – sobretudo por ter sido Secchin 
o responsável, diga-se de passagem, por reencontrar as primeiras obras perdidas de 
Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. A conferência ocorreu no dia 
30 de julho de 2019, na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara.
39
O nariz, a pedra e a estrela: a dialética negativa de Ferreira Gullar
última obra, Em alguma parte alguma, de 2010, entre uma miríade 
de estilos, que vão do intimista ao panfletário, do soneto ao cordel. 
Em todos eles, Gullar soube imprimir uma intuição de vanguarda 
radicalizada, afinal, em sua inserção na neovanguarda neoconcretista, 
no final da década de 50. Se ao grande poeta não pode faltar o alça-
pão biográfico, Gullar atingirá o seu apogeu em sua obra de exílio, 
escrita em 1975, na Argentina, mas publicada somente em 1976 
(e trazida clandestinamente ao Brasil em fitas cassete, pelo então 
diplomata Vinicius de Moraes, que foi um dos raros a visitar o amigo 
exilado) intitulada Poema sujo – uma longa peça lírica, dividida em 
oito partes, escrita sob o influxo de uma estética de alta voltagem, 
intenso experimentalismo e radical imbricação vida-obra.
Trata-se, portanto, como em um Carlos Drummond de 
Andrade, de muitos poetas em um. “Há muitos Gullares num só 
José”, diria AntonioCarlos Secchin (2018, p.322) no discurso de 
recepção ao poeta, que tomou posse na Academia Brasileira de Letras 
no ano de 2014. José puxa o menino José Ribamar Ferreira, que 
correrá os espaços da memória de Dentro da noite veloz e Poema sujo, 
mas também puxa o poeta de expressão drummondiana, inquieto e 
circundado por uma miríade extraordinária de fatos sociais, que o 
atravessam assim como ao arquetípico “José”, do antológico e onto-
lógico poema social de Drummond3.
Entre os muitos Gullares-José, aquele que nos interessa mais 
detidamente investigar será o que se movimentaria ao final da linha 
histórica traçada por Lafetá: o Gullar socialmente empenhado, autor 
dos textos poético-panfletários escritos entre 1962 e 1971, reunidos 
sob o título de Romances de cordel, em seu Toda poesia, e do volume 
que compreende seus textos líricos escritos entre 1962 e 1975, agru-
pados sob o volume Dentro da noite veloz. Teremos, como fulcro de 
leitura, especial atenção à relação que tecerá Gullar, em seu poema, 
entre lírica, retórica e dialética, ao fazer convergir poesia e sociedade 
em um mesmo fio discursivo, e para tanto nos serviremos de teo-
rizações a respeito da retórica empreendidas por Chaïm Perelman. 
Servirá de esteio, igualmente, a leitura da sociedade coeva a esses 
3 Trata-se, naturalmente, do poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, 
publicado em obra homônima, pela Ed. J. Olympio, em 1942. 
40
Bruno Darcoleto Malavolta
poemas feita pela Teoria Crítica de Guy Debord e Theodor Adorno, 
ou seja, a teoria do espetáculo e o conceito de indústria cultural, 
no encalço de observar que espécie de alinhamento há, se algum há, 
entre as leituras que fazem essas teorias do capitalismo tardio e o 
esforço da poesia gullardiana em combatê-lo.
Outro ponto de nossa análise será a tentativa de compreensão 
crítica das diferentes tensões estéticas a que chegam os dois conjun-
tos gullardianos, aqui analisados: por que, de um lado, os poemas 
panfletários e inclinados ao gênero épico, agrupados sob o título de 
Romances de cordel, resultariam, tanto na leitura do poeta quanto na 
de seus comentadores, em um frágil conjunto estético, e, de outro 
lado, os poemas líricos reunidos em Dentro da noite veloz, tendo 
tantos paralelismos com esses poemas panfletários, atingiram um dos 
pontos mais altos da lírica de Gullar? Estaria essa diferença qualitati-
va na ordem da estrutura ou da semântica? Seria, afinal, possível que 
se separasse uma e outra em uma análise minuciosa desses poemas? 
E, por fim, até que ponto as tensões do texto lírico de Gullar em 
direção a uma retórica cada vez mais ostensiva de combate ao capital 
explicaria essa flutuação qualitativa em sua produção?
Antes de nos lançarmos no encalço de tais perguntas, entre-
tanto, caberia esmiuçar, brevemente, alguns pressupostos da Teoria 
Crítica que servirão de lastro teórico para nossas análises, e em que 
medida elas poderiam contribuir para a compreensão das relações 
entre lírica e sociedade. 
A voz lírica e a voz espetacular
O conceito de Indústria Cultural, cunhado por Adorno, cau-
saria, à época de sua publicação, em 1947, um curto-circuito no 
pensamento marxista, já que o conceito de indústria é relativo à 
infraestrutura, enquanto o de cultura é relativo à superestrutura4, o 
4 Marx (2008), no prefácio de seu livro Contribuição para a crítica de economia 
política, formula uma dicotomia que será a base para a teoria do materialismo histó-
rico. Marx pensa a essência da organização social a partir de duas esferas principais, 
que seriam a infraestrutura e a superestrutura. A primeira é o conjunto das forças 
produtivas materiais no estágio técnico do conhecimento disponível, tais como o 
maquinário, as técnicas de agricultura e o aparato tecnológico e industrial. A segun-
41
O nariz, a pedra e a estrela: a dialética negativa de Ferreira Gullar
que deflagrava uma clara contradição às interpretações ortodoxas de 
Marx. O filósofo chama a atenção para um paradoxo do capitalismo 
tardio, em que a cultura deixa de integrar o espaço da reflexão crítica 
para integrar o universo das mercadorias. Na mesma esteira, Guy 
Debord, vinte anos mais tarde, em 1967, escreveria um livro que 
deveria servir de guia teórico de combate para o grupo militante radi-
cal e neovanguardista, conhecido por Internacional Situacionista – 
capitaneado por Debord, este grupo foi responsável por nada menos 
que a histórica ocupação da reitoria da Sorbonne, em maio de 1968.
Trata-se de uma pequena obra, composta por 221 teses her-
méticas, intitulada A sociedade do espetáculo, em que Debord faz 
uma leitura amplificada e radicalizada do mesmo fenômeno descrito 
por Adorno, ao compreender que essa “indústria cultural” já teria 
extrapolado uma “mera” condição estrutural da economia para se 
apossar de todas as instâncias da vida5, incluindo a linguagem6 e as 
artes7: o mundo globalizado – ocidental e oriental, portanto capita-
lista e comunista – estaria entregue a um congelamento do tempo 
histórico, conduzido por uma macroestrutura que Debord chama 
de espetáculo. “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação 
que se torna imagem” (DEBORD, 2011, p.25), dirá Debord na 
sua Tese 34, que fecha o primeiro capítulo de seu profético volume. 
Sabemos, desde Freud, que a imagem é o tecido de nosso incons-
ciente, e que é através da linguagem que podemos organizar este 
da é o conjunto das forças específicas de consciência social, tais como o campo do 
direito, das artes, da religião, das ciências e da filosofia, a cultura e a política.
5 “[...] Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo o descobre como a negação 
visível da vida; como negação da vida que se tornou visível.” (DEBORD, 2011, p.16, 
grifo do autor).
6 “[...] A linguagem do espetáculo é constituída de sinais da produção reinante, 
que são ao mesmo tempo a finalidade última dessa produção.” (DEBORD, 2011, 
p.15, grifo do autor).
7 “[...] A destruição extrema da linguagem pode ver-se aí reconhecida como um 
valor positivo oficial, porque se trata de demonstrar uma reconciliação com o esta-
do predominante das coisas, no qual toda comunicação é despreocupadamente 
proclamada ausente. A verdade crítica dessa destruição como vida real da poesia e 
da arte modernas está, é claro, escondida, porque o espetáculo, cuja função é fazer 
esquecer a história na cultura, aplica na pseudonovidade de seus meios modernistas 
a própria estratégia que o constitui em profundidade.” (DEBORD, 2011, p.126, 
grifo do autor).
42
Bruno Darcoleto Malavolta
universo psíquico e neurótico, por excelência. O mesmo vale para a 
imagem espetacular, com o detalhe, entretanto, de que ela não visa 
a resolução alguma, senão a sua manutenção traumática, alienando 
o homem moderno da totalidade do passado artístico: a condição 
histórica da modernidade consistiria, para o pensamento debordia-
no, em um edifício barroco, tão contemplável quanto inacessível. 
Sua estrutura, baseada em um colossal acúmulo, condensa-se em 
monólogo positivo e laudatório de si mesmo, que busca conver-
ter sua palavra de ordem na única comunicação efetiva, anulando o 
universo simbólico e a razão crítica: a modernidade relegaria a arte 
à condição de alienação, mas daria a ela o direito de contemplar 
sua alienação e imobilidade – e daí advém o caráter inerentemente 
reflexivo da arte moderna, em meio à totalidade contemplável e ina-
cessível do passado e a impossibilidade do presente.
Ao colocar a linguagem e a imagem como o centro de forças da 
estrutura do capitalismo tardio, Guy Debord aproxima o fenômeno 
do espetáculo do fenômeno poético8, afinal, não é senão de lingua-
gem e imagem que é feito o tecido da poesia, para tantos teóricos e 
artistas desse gênero. Assim, a pergunta que está na origem direta da 
investigação deste trabalho é: seriam poesia e espetáculo os perfeitos 
antípodas, e portanto objetos exemplares para se pensar as tensões 
entre arte e sociedade, ao longo do século XX?
Embora de naturezas distintas,ambos encontram na lingua-
gem um terreno comum, em que distribuiriam os exércitos de sua 
verdadeira guerra retórica – e é certo que dessa guerra não faltariam 
exemplos, dentro da lírica brasileira do século passado. Para os filó-
sofos frankfurtianos, bem como para Guy Debord, tornou-se cada 
vez mais evidente o avanço flagrante do capitalismo de consumo 
8 Conta-nos Guy Debord que, em 1952, “cinco pessoas pouco recomendáveis de 
Paris decidiram investigar a superação da arte”, e tiveram como ponto de partida a 
“autodestruição da poesia moderna” (DEBORD, 1997, p.151). A discussão iniciada 
por essas cinco figuras seria o ponto de partida para o nascimento da Internacional 
Letrista, da Internacional Situacionista e da teoria do espetáculo, ela mesma. A 
estreita relação entre o pensamento de Guy Debord e a poesia foi já esmiuçada em 
um cristalino ensaio de Gabriel Ferreira Zacharias (2013), intitulado Guy Debord 
e a poesia de In girum imus nocte et consumimur igni, publicado na revista de crítica 
genética Manuscrítica.
43
O nariz, a pedra e a estrela: a dialética negativa de Ferreira Gullar
sobre as mais variadas instâncias da vida ocidental, como a arte, a 
cultura, o tempo, o sono9 etc. Assim, é através das contribuições da 
psicanálise e de um retorno às filosofias de Hegel e Nietzsche que 
estes filósofos compreenderão que a essência do fetiche mercadoló-
gico, descrito por Marx, havia sequestrado mais que a mercadoria, 
mas a linguagem ela mesma, extraída de seu universo simbólico de 
comunicação para uma incomunicabilidade marcada pelo raciona-
lismo técnico. Isso, mais do que a mera oposição rudimentar entre 
capitalismo e socialismo, nos dá notícias do empenho, por parte do 
poeta maranhense, de se embater a medula do capitalismo tardio, 
e mesmo da cultura ocidental, através de uma consciência de classe 
latino-americana, que, engrossando o coro da voz lírica, procuraria 
fazer de sua voz, mais que um relato subjetivo, um feixe de vozes 
que pudesse ser forte o suficiente para rasgar a hegemonia da retórica 
espetacular, que ameaça sequestrar para si o poema – gregário que é, 
este, da linguagem e imaginação simbólicas –, numa espécie de luta 
extrema, segundo entendemos, pela sobrevida do gênero lírico10 
dentro da modernidade tardia e da contemporaneidade.
Assumindo os riscos, que procuramos dissipar através do pro-
cedimento crítico-teórico, que uma empenhada leitura de textos tão 
decididamente empenhados pode proporcionar ao seu comentador, 
adentremos, pois, a grande noite veloz gullardiana munidos do pen-
samento dialético como procedimento de análise, nas algibeiras da 
nossa mão esquerda, e da retórica, na algibeira direita, e delas nos 
serviremos, conforme os textos assim o requererem. 
A dialética como cosmovisão
O nariz projeta-se sobre a paisagem com uma dimensão não 
ignorável. Eixo do ser e epicentro da proporção áurea no semblante 
9 Cf. Crary (2016).
10 A investigação específica deste problema teórico-crítico foi desenvolvida na tese 
de doutoramento do autor, de onde se extraiu o conteúdo deste artigo, intitulada 
O último espetáculo da poesia brasileira: poesia no crepúsculo da cultura, defendida 
junto ao PPGEL da UNESP/Araraquara, em julho de 2019. Nela, investigamos a 
relação de poesia e espetáculo no século XX brasileiro, a partir das leituras dos poetas 
Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e Roberto Piva.
44
Bruno Darcoleto Malavolta
humano, é ele quem se lança sobre a pedra e a estrela, a escavar-se 
dialeticamente sobre os seres-objetos da paisagem urbana, no encalço 
de realizar a impossível ontologia do homem desgarrado na moder-
nidade desgarrada. Ou menos que isso. Reduzido a arremedo de 
muleta da cultura do ocidente, o nariz pende como resto de mímese 
da “totalidade do passado artístico” (DEBORD, 2006, p.947), em 
que os fragmentos do presente já não podem recompor sua unidade, 
senão como falsificação dessa unidade.
O nariz decide, escolhe, distingue, entre a imediaticidade de 
sua apreensão simbólico-fisiológica do mundo e uma difícil depu-
ração em síntese. Monstro dantesco equidistante à pedra e à estrela, 
o nariz gullardiano trafega na configuração das complexas relações 
que realizará, no poema, no encalço de sua síntese negativa, numa 
dialética que visa afinal a encontrar o eixo revolucionário em que 
deve girar a poesia revolucionária.
A síntese em ideologia, será, quiçá, uma organização retórica 
forte o suficiente para converter as muletas do mundo ocidental 
em foices e martelos, capazes, por sua vez, de recompor a sociedade 
em uma comunidade em que a palavra poética poderá readquirir 
sua força de totalidade, o que equivale a dizer: voltará a encarnar-
-se na história (PAZ, 2013) e fazer girar novamente a história dos 
textos, congelada no exato momento em que a poesia, ou a arte ela 
mesma, foi apreendida para dentro da ideologia dominante e, logo, 
abandonou sua condição metafórica e metonímica para converter-
-se em formas miméticas mais ou menos acabadas de um neoclas-
sicismo normativo, correspondente à produção de obras separadas 
da cultura separada (DEBORD, 2006). No mundo espetacular, o 
Estado necessita realizar a manutenção incessante da alienação da 
palavra, lançando-a para fora da poesia e a convertendo somente 
em informação útil – um outro nome para a linguagem exterior do 
Estado, como quis Guy Debord (2011) – restando à poesia, des-
de Baudelaire, exprimir-se negativamente para que uma linguagem 
comum pudesse ser reencontrada. 
Que resta, então? Resta, ao nariz, metonímia do ser, recusar 
em sua linguagem tudo aquilo que for a normatividade já decodifi-
cada pela cifra da ideologia burguesa e voltar a se arremessar sobre a 
imanência, em um processo crítico e diagnóstico que faça retornar 
45
O nariz, a pedra e a estrela: a dialética negativa de Ferreira Gullar
a sua linguagem, de forma dialética, para a Razão. A dialética ador-
niana, diferentemente da hegeliana11, será um processo de escavação 
11 Caberia fazer, aqui, uma diferenciação mais minuciosa entre a dialética hegeliana 
e a adorniana, desvinculada do corpo do texto principal. Comentando a leitura de 
Adorno a respeito de Hegel, Safatle esclarece que a dialética negativa de Adorno 
consiste no “[...] resultado de um conjunto de operações de deslocamento no sistema 
de posições e pressupostos da dialética hegeliana.” (SAFATLE, 2013, p.21; grifo do 
autor). Tais deslocamentos consistem na recusa, por parte de Adorno, a “[...] três 
figuras da posição dos momentos conciliadores da Ideia, a saber: o Estado, o Espírito 
do mundo como vetor da racionalidade do processo histórico, e a identidade entre 
sujeito e objeto no interior do absoluto.” (ADORNO, 2013, p.24). Adorno dirá, a 
esse respeito, que “[...] nenhuma das três reconciliações sustentadas pelo idealis-
mo absoluto, desde a reconciliação lógica à histórico-política, se mostrou válida.” 
(ADORNO, 2013, p.24). O que procura dizer Adorno, pensando, sem dúvida, a 
partir de Marx, é que o postulado do idealismo hegeliano a respeito do Estado como 
garantidor das liberdades individuais, bem como instância condutora dos homens 
para o reino da liberdade, não se verificou, na prática, ou seja, na história. Jaime e 
Amadeo (AMADEO; JAIME, 2006, p.406), em seu “A fundamentação da felici-
dade em Marx”, afirmam: “Assim, Hegel não se cansará de repetir que o homem só 
é livre no Estado. Não obstante, tal liberdade percorrerá um longo caminho, que 
tomará, como primeiro momento de realização, a propriedade privada.” A respeito 
do Estado como garantidor das liberdades individuais, Marx terá um pensamento 
diametralmente oposto ao de Hegel: para Marx, a propriedade privada e o Capital, 
agentes de alienação e reificação, ao serem objetos de proteção por parte do Estado, 
conduziriam o Estado a ser um cerceador da liberdade, como também esclarecem 
Amadeo e Jaime (2006, p.406): “[...] para pensar a liberdade em Marx, é necessário 
fazer referência à categoria de alienação. Esse conceito

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