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MEU FILHO É HOMOSSEXUAL: COMO A DESCOBERTA DA HOMOSSEXUALIDADE PODE AFETAR A DINÂMICA DAS FAMÍLIAS E SEUS PADRÕES PREVIAMENTE INSTITUÍDOS Ariel Augusto Brandão Gonzales Ana Conceição Rangel de Andrade Ester Moraes de Souza Silva Elton Marzochi Delacorte RESUMO Ao abordar a homossexualidade, pensamos em atravessar várias barreiras socialmente impostas. Encontramos vários temas que poderiam ser o fio condutor deste trabalho: a descoberta da homossexualidade, a homossexualidade através da história, os movimentos pela luta dos direitos dos homossexuais, porém, consideramos que estes temas já contemplam alguns estudos. Procuramos nos focar em um objeto de pouca investigação social, sobretudo no Serviço Social, as relações familiares dos homossexuais. Não nos atentamos sobre os aspectos jurídicos e/ou religiosos acerca da homossexualidade ou das "Uniões Homoafetivas", pois tais abordagens, apesar de estritamente necessárias em um contexto amplo, seriam dispensáveis no tema proposto. O estudo se pauta, então, nas relações estabelecidas pelos filhos homossexuais e seus pais, pretendendo mostrar como o trato e recebimento da homossexualidade no seio familiar interfere no cotidiano da mesma. Para tanto, se mostrou necessário, decorrermos, brevemente, acerca da homofobia presente na sociedade brasileira, como ela se dá e que consequências traz. Para elaboração do texto foram utilizados como fonte de pesquisa websites e autores que corroboram para a defesa dos direitos dos homossexuais. O uso de websites se apresentou necessário, pela dinamicidade corrente acerca das discussões que envolvem a homossexualidade como também, todas as manifestações geradas pelo tema. Isto posto, apresentamos depoimentos recolhidos do website Grupo de Pais de Homossexuais, buscando nos atentar às varias informações contidas em cada uma das falas e situações narradas. 1. Introdução Novas conjunturas sociais se tornaram um desafio a sociedade. A família brasileira vem se modificando ao longo das ultimas décadas e com ela tende-se a alterar o pensamento societário como um todo. Os movimentos pela liberdade de credo, cor, raça e diversidade sexual eclodiram com maior força e repercussão trazendo grandes avanços. A partir deste contexto, comportamentos e crenças foram, literalmente, sendo obrigadas a ceder espaço para os novos rumos que se exigiam as parcelas, ditas como minoritárias, da sociedade. 1.1 Família: A Instituição De acordo com Bruschini (1990), a família se define também como unidades de relações sociais, no interior das quais hábitos, valores e padrões de comportamento são transmitidos a seus novos membros, configurando assim, unidades de reprodução ideológica. São espaços de convivência, nos quais se dá a troca de informações entre os membros e onde decisões coletivas a respeito de consumo, do lazer e de outros itens são tomadas. Os indivíduos maduros se ressocializam a cada momento, revendo e discutindo seus valores e seu comportamento na dinâmica do cotidiano de acordo com as possibilidades oferecidas pela sociedade na qual o grupo se insere. Deste modo, para ser considerada uma família não é preciso, ser composta de pai, mãe e filhos. Ela poderá ser só de homens, só de mulheres, só de adultos, enfim, considera-se família qualquer aglomeração de pessoas que dividem tarefas, responsabilidades e emoções. Assim, as famílias, como célula máxima da sociedade também iniciaram mudanças em seu modo de participar, atuar, enxergar e, sobretudo, alterar o status quo societário. 1.2 Família, Homofobia e Heterossexismo Ser homossexual no Brasil é muito mais complexo do que pode parecer aos olhos do senso comum, evidenciada pela discriminação, machismo e, principalmente, homofobia, que se caracteriza pela aversão e medo mórbido irracional, e repugnante da homossexualidade ou de se tornar homossexual. Mais especificamente a Homofobia caracteriza o medo e o resultante desprezo pelos homossexuais que alguns indivíduos sentem. Para muitas pessoas é fruto do medo de elas próprias serem homossexuais ou de que os outros pensem que o são. O termo é usado para descrever uma repulsa face às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, um ódio generalizado aos homossexuais e todos os aspectos do preconceito heterossexista e da discriminação anti-homossexual. (MORAES, 2007. on-line) O autor, professor e militante Luiz Mott põe em evidência atitudes homofóbicas e heterossexistas em seu artigo – A Construção da Cidadania Homossexual no Brasil (2006) - utilizando para tal, exemplos decorrentes na mídia nacional que, infelizmente, devido ao pouco ou nenhum acesso do brasileiro à educação e ao lazer, toma para si o papel de educadora, adentrando os lares das famílias brasileiras com ideias preconceituosas e deturpadas a respeito de tal realidade Na Universidade de Santa Cruz, RS, foram distribuídos panfletos e adesivos com a seguinte palavra de ordem: "Mate um homossexual!". Em um dos programas de maior audiência popular, quando ainda na TV Record (da Igreja Universal), a apresentadora Ana Maria Braga divulgou a seguinte piadinha: "Você sabe qual é a maior tristeza de um pai caçador? Ter um filho veado e não poder matar! [..] Carecas de Santo André, SP, distribuíram panfletos com a seguinte palavra de ordem: "Destrua os homossexuais!". E alguns meses depois, em janeiro de 2000, dezoito skeen-heads trucidaram um jovem gay, Edson Néris, na Praça da República. Espumando de ódio, num programa de TV, o deputado paulista Afanazio Jazadi declarou: "Todo homossexual deveria ser morto!". Policiais do 16º Batalhão da PM de Salvador proclamaram: "A ordem é metralhar os travestis!”(MOTT, 2005 p.101) Vivemos numa sociedade capitalista e desigual, onde o machismo e o heterossexismo são reforçados nas diversas esferas de poder. Nossa sociedade cria os parâmetros e mecanismos para que assim seja: criando estereótipos para parcela da população “diferenciada” e atribuindo funções específicas aos ideários masculino e feminino. Ao homem cabem os papéis de ser o provedor familiar, de demonstrações de coragem e virilidade, independência, resistência à dor, espírito competitivo e dominação sobre os mais “fracos”, papel este que fica a cargo da figura feminina, a mulher. A ela, é permitido chorar, demonstrar fraqueza física e sentimental. Desde pequena é ensinada a lidar com trabalhos domésticos; seu “instinto maternal” é estimulado e, em muitos casos, ainda é vista como ser inferior e submisso ao homem Em suas brincadeiras, as meninas têm liberdade para ser cozinheiras, cabeleireiras, fadas madrinhas, mães que limpam seus filhos, enfermeiras, etc. brincadeiras que denotam a elas o caráter pacífico atribuído. [...] As manifestações espontâneas nas brincadeiras dos meninos costumam ser de caráter agressivo, como no caso de uma disputa de bola, no jogo de futebol. (MORENO,1999. p. 27,31) Para Foucault (1985), a sociedade criou dispositivos que regem a conduta sexual dos indivíduos. Deste modo, organiza se o que é dito e sabido sobre a sexualidade humana. O “poder saber” é um dispositivo que carrega em si toda uma verdade moral, criando os padrões de atos puros e impuros, naturais e não naturais. Assim, a sociedade vem regendo normas e engendrando padrões; criam-se as várias “classificações” da sexualidade humana: heterossexuais, bissexuais, homossexuais, transexuais, entre outros, gerando então, identidades limitadoras, que engendram a sexualidade humana e padronizam o desejo e atuação. Nota-se que até as expressões da sexualidade ditas como marginais sofrem tal padronização. Para Agnes Heller (1985), o preconceito tem a sua origem na fé e na ultrageneralização. Afinal, aquele que tem preconceito não o direciona a um ou outro indivíduo em específico, ele o faz a toda uma “classe”de pessoas, que supostamente, mantém o mesmo tipo de comportamento e mesmo que se comprove que de alguma forma o seu juízo não condiz com o real, o indivíduo provido de preconceitos o ignora. Não obstante é necessário acrescentar que o preconceito se faz presente a partir da normatização imposta por toda uma ideologia. Ao definirmos o que é normal, naturalmente também surgem definições da anormalidade. Os preceitos, tanto da normalidade quanto da anormalidade sofrem alterações temporais. Afinal, as mudanças pelas quais passam a sociedade exigem que esses parâmetros se modifiquem. As motivações para tais modificações podem ser cientificas ou socioculturais. Consideramos como cientificas aquelas em que há relação direta com novas descobertas da ciência; deste modo, a exclusão da homossexualidade do rol das doenças pela Organização Mundial de Saúde (OMS) veio a auxiliar a “normalizar” a homossexualidade, alterando assim o termo “homossexualismo” (o sufixo “ismo” denota doença, desvio) para “homossexualidade”, embora, ainda posto em xeque, já que encontramos milhares de estudos que procuram conhecer as origens da homossexualidade. De outro lado consideramos como fatores sócio-culturais a ampliação das discussões em torno da sexualidade humana e deste modo também a homossexualidade. Também o fato de uma camada mais visível da sociedade se declarar homossexual ou simpatizante à causa como artistas, políticos, escritores vem desmistificar a crença popular de que homossexuais não fazem parte produtiva da sociedade. Ainda em Heller: Os juízos provisórios refutados pela ciência e por uma experiência cuidadosamente analisada, mas que se conservam inabalados contra todos os argumentos da razão, são preconceitos [..] Crer em preconceitos é cômodo porque afirma nossas ações anteriores. (HELLER, 1985 p.47) Deste modo, a crença em preconceitos não nos faz alterar o cotidiano e questionar o antes posto como verídico. Ela se faz necessária a toda uma compreensão de realidade e saber. Dependendo de quão elevado é nosso preconceito, mais difícil e doloroso é questioná-lo, pois, tal questionamento pode nos levar a descrer no que anteriormente nos era indiscutível. Assim é gerada uma cultura heterossexista que, de acordo com o site “ABALO”, consiste em: Nomear uma opressão paralela, que suprime os direitos das lésbicas, gays e bissexuais. Heterossexismo descreve uma atitude mental que primeiro categoriza para depois injustamente etiquetar como inferior todo um conjunto de cidadãos. Numa sociedade heterossexista, a heterossexualidade é tida como normal e todas as pessoas são consideradas heterossexuais, salvo prova em contrário. O heterossexismo está institucionalizado nas nossas leis, órgãos de comunicação social, religiões e línguas. Tentativas de impor a heterossexualidade como superior ou como única forma de sexualidade são uma violação dos direitos humanos, tal como o racismo e o sexismo, e devem ser desafiadas com igual determinação. (MORAES, 2007. on-line) Em reportagem da revista Época de abril de 2009 é explicitado como o preconceito permeia a sociedade como um todo e por meio de fatos ocorridos em ambiente escolar, a publicação comprova que a homofobia pode ser encontrada em todas as classes sociais, independente do grau de formação Quando era aluno de colégio federal do Rio de Janeiro, Pedro Gabriel Gama fez um protesto na escola contra a falta de água. No dia seguinte à manifestação, Pedro ouviu do diretor do colégio que sua atitude não era "coisa de homem, e sim de veado". O estudante não reagiu. "Nem sabia que aquilo se chamava homofobia", afirmou. [..] No começo do ano, Daniel foi recusado em sete escolas particulares de São Paulo. Ele é transexual, um menino que se sente e age como uma menina. Só conseguiu vaga em uma escola especial, para alunos com alguma deficiência. [...] Em Piracicaba, interior de São Paulo, um aluno move ação contra a Secretaria de Educação. No meio de uma aula sobre fotossíntese, no ano passado, o professor se recusou a lhe entregar uma apostilha. “As bichinhas não precisam desse material”, disse. (ARANHA, 2009 p. 87) Ao invés de encontrarmos uma educação libertária, nos deparamos com educadores que são engendrados no preconceito. A educação para a diversidade é simplesmente inexistente, afinal, nas escolas só se é ensinado que a heterossexualidade é o modo correto de se viver, deste modo se explicita apenas a heteronormatividade como algo natural. [...] em uma educação de base e de construção positiva no sentido da igualdade, respeitando sempre a diversidade. No caso da discriminação, a penalização deve ser o mais imediata possível e devem ser considerados estes atos discriminatórios como crimes, sejam eles comissivos ou omissivos. [...] Todos temos preconceitos. Em diferentes escalas e graus. Não temos como fugir deles. Eles vêm arraigados como nossa cultura. Entretanto, reconhecer o preconceito é a principal arma que temos para lutar contra ele”. (SCHNEIDER, 1999, p.1 apud NETO, 2001 p.37) Ao afirmarmos que todos possuem algum tipo de preconceito em nossa sociedade, não podemos excluir os próprios homossexuais. Assim, ao refletir também o que a sociedade pensa, a sua autoaceitação se apresenta como sendo um período extremamente confuso, conflitante e delicado. Segundo Pinheiro O primeiro desafio dos gays e lésbicas é aceitar seu desejo sexual. Nessa fase, eles são tomados por uma onda de questionamentos. Isso vai passar? Será que não é doença da qual posso me livrar? [...] Ao perceber que a opção sexual não é passageira, o garoto e a garota entram num momento tenso, o da iniciação propriamente dita, em que se misturam as angustias da primeira vez dos heterossexuais com a sensação de que algo muito estranho e indesejável (mas ao mesmo tempo irresistível) está por acontecer. (PINHEIRO, 2000, p. 108 apud NETO, 2001 p.39) A ideologia dominante que dita os parâmetros sociais trata o homossexual como promíscuo, efeminado, indivíduo com a sexualidade e pensamentos deturpados. E é assim que grande parcela da sociedade acredita ser o homossexual. 2. Desenvolvimento Parâmetros estereotipados e difundidos pela sociedade atingem também os pais de homossexuais, como podemos demonstrar a seguir, a partir de alguns relatos retirados do site da primeira ONG (Organização Não Governamental) brasileira fundada para acolher pais de homossexuais que ainda não aceitam a orientação de seu filho(a). O Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) é presidido por Edith Modesto, escritora, professora universitária e pesquisadora, mestra e doutora em Semiótica francesa pela Universidade de São Paulo (USP) e escritora de ficção juvenil e de livros para adultos sobre homossexualidade. É autora do livro “Vidas em arco-íris – Depoimentos sobre a homossexualidade”, escrito a partir de 89 entrevistas com homens e mulheres homossexuais, de 15 a 62 anos. Em seu trabalho de orientação para pais de homossexuais, Edith obteve as seguintes falas: Mãe 1 “Eu e meu marido já fomos dirigentes por dois mandatos do Encontro de Casais com Cristo em paróquias de São Paulo e já dirigimos o ECC – Encontro de Casais com Cristo, desde 1981, em diversas paróquias. Também fomos dirigentes de Grupo de Jovens, de 1995 a 2000. Foi quando soube da homossexualidade do (nome do filho) e me afastei de todas as pastorais. Quando nos afastamos da igreja, eu e o (nome do marido), estávamos fazendo o curso de preparação para Ministros da Eucaristia, na Catedral da Sé, em São Paulo. Eu, meu marido e meus filhos, fomos atuantes em quase todas as pastorais de importante paróquia de São Paulo, por 20 anos. Depois de entrar para o GPH – Grupo de Pais de Homossexuais, estamos voltando, fomos convidados a fazer parte do Conselho das Pastorais, mas não aceitamos, preferimosatuar um pouco mais, ser mais um servidor, sem cargos. Ainda não tenho coragem de virar a vidraça, por mais que todos tenham compreendido e terem sido solidários com „o nosso problema‟, a homossexualidade do (nome do filho), sei que muitos irão falar que não somos uma família “modelo de exemplo” para a comunidade.” (MODESTO, Coluna Depoimentos. on-line) No depoimento acima encontramos o conflito presente em uma família atuante na Igreja Católica. A mãe apresenta já ter atuado no Encontro de Casais com Cristo (ECC) e também no Grupo de Jovens. È interessante notar que quando descoberta a homossexualidade do filho o casal obrigou-se a se afastar das pastorais católicas, o que provavelmente se dá pelo cunho pecaminoso que a homossexualidade carrega dentro da religião. A família sofre um processo de isolamento temendo o julgamento da comunidade católica. O depoimento dá-nos a impressão de que mesmo após a turbulência da descoberta e idas e voltas à vida católica, o preconceito está intimamente embutido na família e esta já não se vê merecedora das bênçãos da comunidade. Embora citado o medo de que outros não os acharão mais modelo de família, a recusa em retomar as antigas funções nas pastorais nos indicam que a própria família não se enxerga mais deste modo. Mãe 3 “Acho que foi o momento mais sofrido de toda a minha existência! O meu mundo foi destruído na totalidade. Meus sonhos, dilacerados. Meu filho não parecia mais meu filho. Era o fim de tudo! Pensei que enlouqueceria que não resistiria a tanto sofrimento. Chorei dias e dias seguidos. Não comia, não dormia, não conseguia trabalhar. Fiquei doente. Menstruei fora da época, vomitava, tinha diarréia. Meu único pensamento era esse: Como aceitar que o meu filho, querido e amado, inteligente, íntegro, honesto, não passava de uma “bicha”? O que eu conhecia sobre o mundo dele era negro. Era muito nojento. Era promíscuo. Por tempos, sofri sozinha... Estava de luto.... Li livros, textos e tudo que surgia na minha frente... Descobri então o Grupo de Pais de Homossexuais. Parece que uma porta se abria para mim. Edith me recebeu de braços abertos e me mostrou que eu não estava sozinha. Como eu, muitos pais e mães passavam pelo mesmo processo, inclusive ela. Uns passavam por processos mais dolorosos; outras, menos. Existiam mães desesperadas, mães, como eu, em processo de aceitação e outras que já tinham aceitado. Era o cantinho que eu precisava... No grupo, ninguém estava ali pra me apontar, me criticar. Pelo contrário, as pessoas estavam ali para uma ajuda mútua, para se aconchegar, para que pudessem chorar todas as suas lágrimas, ter um colo. Penso que todos os pais como eu, que se encontrassem nessas condições e tivessem a chance de encontrar um grupo de apoio, as coisas seriam menos sofridas. Apenas 1 ano se passou desde a minha descoberta, mas a relação com o meu filho é excelente. Somos parceiros, somos mãe e filho, integrados...” (MODESTO, Coluna Depoimentos. on-line) Assim como o filho que um dia se enxerga homossexual e tem que lidar com uma nova forma de viver, os pais também sofrem um processo parecido. A escritora Edith cita que para alguns pais se trate até mesmo de uma forma de luto. Pois, todos os planos idealizados aos filhos são desfeitos e desta forma, é preciso que novos planos sejam gerados. Porém, com um agravante, é necessário reiniciar um processo de reconhecimento de seu filho. Fazer analises de quais são os seus reais desejos, e não aqueles por ele explicitados anteriormente, que mascaravam a realidade presente no seu desejo. Isto se dá em todas as instâncias da vida. Não se diz apenas à orientação sexual, mas também às escolhas de profissão, ter ou não filhos, enfrentamento social, etc. Também assim como o filho, os pais se imaginam serem únicos. Não sabem com quem e nem como partilhar estes novos sentimentos. Ao contrário de seus filhos que um dia acabam por encontrar iguais, sejam em guetos, bares, boates dedicados ao grupo GLS, os pais dificilmente os encontram e passam por esse processo sozinhos. Habitualmente, os pais procuram nas suas religiões o acolhimento necessário. Infelizmente, poucos procuram por ajuda, realmente especializada e caem nos estigmas pressupostos pelas religiões. Um grupo como o GPH é de extrema importância, como verificado no depoimento anterior. Pois, ao encontrarem pais na mesma situação, podem, aos poucos, se afastarem da sensação de solidão, estranheza e desconformidade que os invadem quando acontece o descobrimento. Depoimento de uma mãe que é terapeuta “Antes de saber que eu era mãe de gay, mesmo sendo terapeuta e estudando sobre sexualidade eu acreditava também que era opcional. A pessoa escolhia por se sentir mais atraída e tal pelo mesmo gênero. Só depois que conheci o GPH passei a me interessar por tudo que falam sobre isso: opiniões, fundamentos teóricos e também de me dar conta de que já tinha a experiência própria de ter percebido que meu filho, desde bem pequeno, quando não podia escolher nada e nem sabia direito o que estava fazendo, já se comportava diferente é que me convenci de que eles „foram escolhidos‟, como bem diz a Edith, e „não escolheram‟...” (MODESTO, Coluna Depoimentos. on-line) Neste caso, notamos que até mesmo uma mãe, que se espera maior conhecimento sobre a sexualidade humana e todas as suas nuances, por se tratar de uma terapeuta apresenta um desconhecimento sobre o tema. Ainda que não se tenha nenhum estudo cientifico que ateste as causas e motivações que levam alguém a apresentar uma orientação sexual diferente da heterossexualidade, esperava-se que uma mãe terapeuta, dialogasse com várias teorias sobre o assunto e não que apresentasse, simplesmente, uma ideia amplamente manifestada pelo senso comum. A relevância deste depoimento esta em apontar que a alienação, mistificação, desconhecimento e também desinteresse sobre a homossexualidade esta presente em todos os níveis sociais e acadêmicos. Pai 2 “Quando soubemos da orientação sexual do nosso filho, eu e a minha companheira, tivemos a sensação que não teríamos forças suficientes para suportar tamanha dor. Foi como se me arrancassem o coração pela boca, o cérebro explodisse, e tudo sem nenhuma anestesia, a seco. Para mim, foi um período de trevas, desespero, muito, muito, muito choro, sem nenhuma luz no fim do túnel. Queria achar alguma justificativa, culpados, aonde eu errei, culpei esta vida e até Deus por permitir que esta desgraça atingisse a minha família. Por que conosco, que sempre fomos pessoas boas, honestas, que só praticamos o bem?... Desprezei a todos, principalmente o meu filho, renegando-o, achado que havia criado um mau caráter, por haver optado em ser homossexual e ter uma vida marginal.... (Nome) que nos indicou a Edith. Foi nossa corda para sairmos do poço e ver uma luz no fim do túnel. Fomos acolhidos com muito amor, carinho e generosidade. Podíamos discutir, desabafar e aprender com nossos pares. Tenho orgulho de estar me empenhando com todas as minhas forças, junto com a minha companheira e junto com meus amados filhos, e diariamente estarmos nos aceitando e nos amando com mais intensidade e respeito, admitindo os desígnios do desconhecido. Também tenho orgulho e o privilégio de pertencer a esta ONG e ter a oportunidade de acolher os próximos pais que estão precisando de ajuda, como nós fomos acolhidos e ajudados um dia.” (MODESTO, Coluna Depoimentos. on-line) Ainda que se apresentem mães e pais de vivências tão díspares, a característica mais marcante encontrada nos relatos diz respeito à dor e ao preconceito que seus filhos e filhas serão vítimas. Em nenhum depoimento se vislumbra a possibilidade de encontro da felicidade para um filho homossexual. Apenas ao indício de uma provável homossexualidade imagina-se dor e privações durante todaa vida. Há aqueles que se indagam sobre onde foram cometidos erros na criação de seus filhos (a tão repetida frase “Onde foi que eu errei?”), que possa ter gerado neles desejos impróprios ou desvios comportamentais e há ainda, os que fazem da condição homossexual de seus filhos fonte para suas próprias dores e angústias, como se suas vidas fossem interrompidas por uma terrível tragédia. Pai 1 “Quando soubemos o que estava acontecendo com nossa adorada filha, tivemos uma reação de impacto muito grande, fomos a terapeutas, religiosos, pessoas que deram as mais diversas opiniões, na sua maioria nada aproveitáveis. Não sabíamos o que fazer, o sofrimento tomando conta da família (nada de parentes, pois os mesmos só atrapalharam nas suas colocações).(MODESTO, Coluna Depoimentos. on-line) Na grande maioria das vezes, esses pais não se dão conta da dor que tal reação causa nos filhos e procuram todos os tipos de “tratamentos” para que alcancem a paz tão desejada para si, deixando o filho em segundo plano. Ainda é muito forte em nossa sociedade a ideia de que a homossexualidade se encontra no rol das opções, demonstrando que tal vivência se apresenta aos olhos do senso comum apenas como “escolha”, uma forma de transgressão, de rebeldia contra os parâmetros de normalidade impostos pela sociedade, de safadeza, promiscuidade e vadiagem ou ainda pior, de que a mesma seria uma doença. Mesmo os pais que aceitam “tranquilamente” a condição sexual de seus filhos, os imaginam solitários e angustiados. E quando são surpreendidos ao serem apresentados aos pares de seus filhos, se assustam, se veem absortos em ideias de certo ou errado, pois o relacionamento e sexualidade do filho se materializa como real, e desta forma, imutável, o que antes ficava somente no abstrato, tendo de se confrontar com uma situação, no mínimo constrangedora, uma vez que imaginam que os atos, práticas e preferências de seu filho seriam restritos aos guetos e nunca adentrariam seu lar. Em palestra 5 Edith salientou que não raramente recebe e-mails de jovens adolescentes que a chamam de “mãe”. Para ela isso se dá, principalmente, quando os pais destes jovens não aceitam sua orientação sexual. Edith declarou que o jovem necessita neste momento de acolhimento e, principalmente, de uma identificação com o carinho materno que por ora, foi perdido. E nem sempre é restaurado. A não aceitação do indivíduo homossexual no meio familiar é uma das principais problemáticas enfrentadas pelo homossexual. O preconceito manifesto pelos familiares, amigos, contamina o adolescente. Ele encampa em parte o preconceito contra ele próprio. Ele se vê entre o prazer de estar com seu amigo, e uma culpabilidade e uma solidão que ele não sabe reconhecer muito bem. Nada disso facilita qualquer forma de afirmação, e encaminha para comportamentos depressivos e para uma vida dupla: precisa esconder, manter aparentemente, uma vida como os outros querem e, às escondidas, satisfazer os seus amores e desejos. (PINSKY, 2001 p.20) A rejeição do jovem homossexual em sua família faz com que o próprio não se reconheça mais como elemento integrante da mesma, produz em si uma sensação de estranhamento e anormalidade, provocando desde a ruptura dos vínculos familiares, à situações de depressão e, em casos mais graves, o suicídio. Levantamentos apontam que o índice de suicidas entre homossexuais é três vezes maior que entre os heterossexuais (Mott, 2000). 3. Considerações finais Há ainda um grande conservadorismo oculto em toda a sociedade quando falamos de sexo e sexualidades. Mesmo que o sexo esteja por toda a parte, na mídia, na televisão, na literatura, entre outras, a sua discussão é esvaziada e pontual, sendo apenas citado o sexo heterossexual; deste modo, fala-se muito sobre sexo e pouco sobre sexualidade. Aos pais e professores é incumbida a tarefa de educação sexual, porém além do desconhecimento e preconceito, eles têm medo de estarem, de alguma forma, incentivando a sexualidade nas crianças e assim tal discussão fica atrelada á mídia, aos amigos, às experiências pessoais e/ou á modelos estereotipados e pré-concebidos. 5 III Encontro da Diversidade Sexual de Franca e Região, ocorrida no dia 29 de outubro de 2009. Em um país onde existe uma grande população de crença cristã a educação é falha temos a mídias televisivas e a igrejas, sobretudo a católica com o papel de educador e regulador sobre todo e qualquer assunto. As expressões da religião permeiam todas as esferas da vivência em sociedade, por isso não é difícil entender o quão é sofrido a aceitação de outras orientações sexuais do que daquela imposta pelas religiões, haja vista que esta imposição nas escrituras sagradas é amplamente discutida por filósofos, teólogos, historiadores e religiosos. Assim, a possibilidade de educação para a superação de preconceitos não é satisfatória, se esta não for dirigida a uma meta específica. Os conceitos difundidos tanto pela educação formal quanto pelas religiões e outros setores da sociedade estão atrelados ao consenso social e a moral religiosa, assim sendo perde-se o foco das discussões coletivas e concentra-se nas de cunho pessoal. Conceitos de liberdade, igualdade, equidade, preconceito, cidadania, democracia, sexualidade estão atrelados a outro conceito, o de ditadura. Uma "ditadura" dos costumes, impostos por uma maioria, e neste caso, a heterossexista que, não considera a ideia de discuti-los por temer a perda de poder e controle. O Estado, por outro lado, como mantenedor do controle social, ora abre discussões com a sociedade, ora as ignora como forma de manter-se e/ou aparentar-se “democrático”, mas sem mudar a ordem estabelecida, desta forma têm se uma falsa impressão de que se abriram novos espaços para discussões de temas relevantes, porém, que ainda são tabus em nosso país. Não basta incluir o direito da livre orientação sexual em códigos de ética profissionais, ou apresentar somente os anos de dívida que a sociedade tem para com os negros por conta de séculos de cultura escravista. Se não forem geradas culturas e debates laicos focalizados em temas que engendram a sociedade estaremos fadados a uma cultura discriminatória, ainda que velada. A convivência familiar é complexa e cada família tem comportamento próprio e um ideal. Sempre haverá pessoas que acreditam existir alguma "anormalidade" em sua família e que, como diz o ditado, a família do vizinho que é perfeita e isso o faz sentir-se incompetente. Contudo, nem sempre se pode fazer uma interpretação de comportamento de uma família, pois, a própria sociedade impõe mudanças que alteram os comportamentos, da família ou de algum de seus membros. Por vezes, isto ocorre de maneira tão natural que passa despercebido pelo grupo. REFERÊNCIAS ARANHA, Ana. Tolerância se aprende na escola: A rede educacional brasileira começa a enfrentar o preconceito contra alunos homossexuais. Revista Época, 25/04/2009. Ed. 571. <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI69793-15228-3,00- ESCOLAS+AINDA+NAO+SABEM+LIDAR+COM+OS+ALUNOS+GAYS.html>Acesso em: 18/10/2009. BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Mulher, casa e família. São Paulo: Fundação Carlos Chagas: vértice, Revista dos tribunais,1990. CHAUÍ, Marilena de Sousa. 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