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DESCRIÇÃO
A produção da vulnerabilidade como impasse para o desenvolvimento social.
PROPÓSITO
Compreender como se produzem situações de vulnerabilidade na sociedade em que vivemos é importante para desenvolver um pensamento crítico da estrutura social e suas dinâmicas.
PREPARAÇÃO
Levando-se em conta a riqueza e as múltiplas possibilidades de análise do tema, é importante ter à mão um bom Dicionário de Teoria Política ou de Ciências Sociais. Sugerimos o Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, e o Dicionário de Sociologia, da UFSC/Repositório. Ambos disponíveis em formato virtual.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer a diversidade social como potencializadora da igualdade
MÓDULO 2
Reconhecer as dinâmicas de exclusão estruturantes da sociedade
MÓDULO 3
Contrastar o problema social da população de rua com o instituto legal da dignidade humana
Fonte: R.classen / Shutterstock.com
INTRODUÇÃO
Propomos caminharmos juntos, tendo à frente um desafio: refletir sobre a vulnerabilidade em suas diversas dimensões, desenvolvendo um olhar crítico voltado para as estruturas da sociedade em que vivemos.
Nesse caminho, aprenderemos os significados de conceitos como “diferença” e “desigualdade” social e estabeleceremos um raciocínio voltado para o problema da invisibilidade de certas mazelas sociais que se arrastam ao longo da história.
Por que alguns problemas como a fome e a pobreza são tão antigos apesar de todos os avanços técnicos e tecnológicos? Será que, em nossa vida diária, conseguimos enxergar ou pensar com clareza sobre a parte oculta deste imenso “iceberg” que é a exclusão social? Quais são os desafios de uma sociedade mais inclusiva? E por onde começar a pensar e a trabalhar um tema tão complexo?
Abordaremos as relações possíveis entre diversidade e igualdade, para que você seja capaz, ao final deste estudo, de desvincular a ideia de exclusão e injustiça social do fenômeno da variedade e multiplicidade de perfis individuais e grupos nas sociedades contemporâneas. Também encontraremos ferramentas para relacionar as condições de vulnerabilidade e a noção de inclusão social. E assim, compreenderemos o princípio moral e jurídico norteador das discussões feitas sobre este tema.
MÓDULO 1
Reconhecer a diversidade social como potencializadora da igualdade
DIVERSIDADE
Fonte: Lightspring / Shutterstock.com
O conceito de diversidade se refere à variedade de tipos humanos e grupos existentes no planeta. Há múltiplas culturas mundo afora, como as nacionais, por exemplo. E múltiplas microculturas dentro de um recorte cultural maior, como é o caso das regionais, se tomarmos as culturas nacionais como exemplo. Existem culturas religiosas variadas, também com suas próprias clivagens e seus subtipos. Pense na variedade de formas que o cristianismo assumiu ao longo da história: no final dos anos 1990, o ISER já contabilizava, no Brasil, mais de 85 diferentes denominações pentecostais. Além disso, há ainda comportamentos culturais relacionados à classe social à qual o indivíduo pertence, bem como comportamentos culturais relacionados ao sexo e ao gênero dos indivíduos.
Perceba a diversidade de formas de vida existentes no mundo se considerarmos apenas a diversidade cultural dos grupos humanos.
ISER
Instituto de Estudo da Religião – foi fundado há 50 anos e apresenta, em seu site, uma série de documentos, pesquisas e publicações que permitem ampliar a análise social no campo religioso-cultural-social. Um exemplo clássico de diversidade.
Fonte: Smithsonian Institution / Wikimedia commons
A antropóloga Margareth Mead realizou um estudo clássico chamado Sexo e temperamento (2011), no qual pesquisou entre três sociedades tribais da Nova Guiné: os arapesh, os mundugumor e os tchambuli.
Em cada uma dessas tribos ela observava os comportamentos culturais relacionados ao valor da masculinidade e, em função dos contornos específicos que cada uma das culturas dava aos papéis sociais do homem na comunidade, tinha-se como resultado um temperamento específico, uma espécie de tônica relacional entre homens e mulheres que conduzia as interações humanas ali.
MARGARETH MEAD
A questão do desenvolvimento da personalidade na infância, sua relação com as formas culturais estabelecidas e o "caráter" adulto daí resultado foi desenvolvida em diferentes trabalhos da antropóloga estadunidense Margaret Mead (1901-1978). Seus estudos sobre a infância na Nova Guiné e mesmo seu trabalho mais conhecido sobre as relações entre sexo e temperamento abordam a condição infantil em termos de sua progressiva moldagem rumo à personalidade adulta. (MENDONÇA, 2010)
Assim, enquanto os tchambuli pareciam operar uma espécie de inversão dos nossos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres (as mulheres ocupavam-se da pesca e negociação de excedentes, enquanto os homens mostravam-se emocionalmente frágeis e se ocupavam de atividades artísticas e estéticas), entre os mundugumor os valores relacionados à masculinidade, como a virilidade e a coragem, dominavam toda a cultura e, entre os arapesh, os mesmos valores não eram tão expressivos.
Mas, além de toda a variedade cultural, existem ainda múltiplas características individuais, físicas e psicológicas que tanto se constituem através das culturas nas quais o indivíduo está inserido quanto são interpretadas pela cultura fazendo com que um indivíduo ocupe determinada posição na sociedade e goze de certo status social.
Podemos entender que as culturas são teias de significados (GEERTZ, 2015). Mas isso nos leva a perguntar:
Que significados culturais são tecidos, atualmente, por exemplo, a respeito do corpo de uma pessoa com algum tipo de deficiência física?
E que significados a deficiência física encontra em uma tribo indígena nômade?
E que significados culturais havia, na Europa do século XVIII, para esses mesmos sujeitos?
Você pode responder a essas perguntas imaginando como seria a vida de uma pessoa deficiente física nesses três contextos culturais. E você pode pensar ainda que, mesmo em cada um desses contextos, seria interessante conhecer mais especificamente a posição do sujeito – indivíduo que tem nome, mora em tal lugar e exerce determinado papel social –, naquela cultura, a fim de imaginar como seria a sua vida. Por exemplo:
Fonte: Agência Brasil Fotografias / Wikimedia commons
Seria concebível que, há alguns séculos, pessoas deficientes pudessem participar de competições esportivas?
Podemos dizer que, no mundo globalizado atual, a diversidade se coloca como uma questão muito importante. Pessoas de diversas partes do mundo estão em contato, os fluxos de deslocamentos e a comunicação nunca foram tão intensos. Há também um avanço tecnológico sem precedentes que pode, como nos faria pensar a foto, concorrer para a inclusão de pessoas com as mais diversas formas de vida e necessidades.
E para mantermos nossa proposta reflexiva, vale perguntar:
Como os avanços técnicos e tecnológicos têm sido usados?
De que modo o seu acesso está distribuído entre as pessoas de todo o mundo?
Isso nos remete a um segundo conceito fundamental no contexto do tema estudado. Vejamos!
DESIGUALDADE
Fonte: tomertu / Shutterstock.com
Podemos caracterizar a desigualdade social como o problema relacionado à distribuição dos recursos e do acesso aos serviços. De fato, os avanços técnicos e tecnológicos não estão disponíveis a todas as pessoas independentemente da sua posição na sociedade. Para seguirmos em diálogo com tópico anterior, basta mencionar que o equipamento da atleta, na foto, custa caro demais para a imensa maioria da população. Nossa sociedade é marcada pela desigualdade em diversos níveis: de renda, de direitos, de status.
Isso tem a ver com pessoas que pertencem a diferentes classes sociais, religiões, residentes em vários locais do Brasil e do mundo, homens e mulheres, com orientações sexuais distintas, com corpos sãos e doentes, com ou sem deficiência, pertencentes a diversas gerações; velhos, jovens.
Mas como cada uma dessas pessoas, com as suas especificidades, consegue ter acesso aos bens, serviços, a uma vida digna e o quantoconseguem fazer valer os seus direitos?
Uma sociedade desigual é aquela que não garante igualdade ou justiça no acesso aos bens, serviços e a uma vida digna.
Fonte: Sapann Design / Shutterstock.com
DESIGUALDADE
Fonte: Sapann Design / Shutterstock.com
DIFERENÇA
É hora, então, de percebermos que desigualdade não é o mesmo que diferença. Vimos que as sociedades atuais são plurais, convivemos com o diferente o tempo todo, muito mais do que nas sociedades dos séculos anteriores. Desde que você acorda até o momento em que vai dormir, provavelmente interage, ou pelo menos cruza na rua, com pessoas que têm uma vida muito diferente da sua e uma em relação à outra: o padeiro e o motorista de ônibus; o dono e os funcionários de uma pequena loja; o morador de rua.
Isso porque, na sociedade globalizada, as diferentes tarefas estão divididas entre muitas pessoas para que as coisas funcionem. Chamamos isso de divisão social do trabalho. As formas de trabalho são também muito diversas, e cumpridas por milhões e milhões de indivíduos.
Se você pensar no sistema feudal, por exemplo, ou em uma tribo indígena de pequeno porte, verá que o trabalho pode ser muito menos variado, se comparado à maneira como o trabalho é dividido na sociedade capitalista contemporânea.
Fonte: Rawpixel.com / Shutterstock.com
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
A expressão “divisão social do trabalho” tem sido usada no sentido cunhado por Karl Marx (1818-1883) para designar a especialização das atividades presentes em todas as sociedades complexas, independentemente de os produtos do trabalho circularem como mercadoria ou não. Designa a divisão do trabalho social em atividades produtivas, ou ramos de atividades necessárias para a reprodução da vida.
Fonte: Dicionário de Educação Profissional / FioCruz
Para compreendermos essa diferença, podemos buscar os conceitos de Durkheim (2010):
SOCIEDADES DE
SOLIDARIEDADE MECÂNICA
Em sociedades que ele chama de “simples”, o “vínculo de solidariedade” que dá aos indivíduos o sentimento de pertencerem a uma mesma sociedade é de tipo mecânico. É a identificação que mantém as pessoas como partes de um mesmo grupo. Entre os yanomami, por exemplo, os homens caçam e as mulheres cultivam a terra. Isso quer dizer que um homem yanomami se identifica com outro homem yanomami, que desempenha a mesma tarefa que ele para que sua sociedade funcione.
SOCIEDADES DE
SOLIDARIEDADE ORGÂNICA
Nas sociedades ditas complexas, de solidariedade de tipo orgânico, o trabalho é muito estratificado, com funções variadas e muito especializadas. E, nesses casos, o que mantém as pessoas unidas e a sociedade coesa é a complementaridade de funções.
Podemos concluir, até agora, diante do exposto, que vivemos em uma sociedade plural, onde a divisão social do trabalho é imensa. Nela, cada um dos indivíduos que vemos na rua, em um dia comum, tem um trabalho bastante específico e que depende dos papéis desempenhados por todos os demais indivíduos para funcionar.
Fonte: Agência Brasil Fotografias / Wikimedia commons
Mas isso valeria para todos os indivíduos? Se sim, qual é o papel do morador de rua, por exemplo, no funcionamento social?
Ele não tem um papel na cadeia produtiva, a não ser o de garantir que haja sempre mais gente do que as funções sociais conseguem absorver, sejam essas funções o trabalho remunerado ou as instituições sociais como a família, as instituições de saúde ou o Estado.
Por fim, e pensando especificamente na questão do trabalho remunerado para trazer a discussão das desigualdades para um plano mais imediato, imaginemos quanto ganham um engenheiro e uma empregada doméstica por seus respectivos trabalhos; um jogador de futebol reconhecido, um médico, uma manicure, um professor, uma modelo com fama internacional, uma bailarina do Faustão. E o próprio Faustão? E o padeiro? O motorista de ônibus? Paralelamente à remuneração, pensemos na importância e no reconhecimento que cada uma dessas ocupações agrega ou pode agregar a cada uma das pessoas que as desempenham.
Concluímos que a diferença (também chamada de alteridade quando pensamos em diversidade cultural) é o produto da convivência de pessoas diversas na sociedade, com ocupações distintas, corpos diversos, culturas diferentes; a desigualdade é quando essa diferença é decodificada hierárquica e excludentemente, de maneira que se torne uma diferença de reconhecimento, de salário, de direitos, de oportunidades, de acesso a bens e serviços.
CIDADANIA
Fonte: Ljupco Smokovski / Shutterstock.com
Podemos definir cidadania como a qualidade de ser cidadão. E quem é o cidadão? Cidadão é o indivíduo socialmente inserido. Como parte de uma sociedade, um indivíduo se torna sujeito de direitos e deveres. Provavelmente, você já ouviu o provérbio que tenta resumir a questão: “o direito de um acaba onde o do outro começa”.
Aprofundando um pouco mais o conceito, podemos compreender a cidadania moderna subdividindo-a em três grandes grupos de direitos e deveres (MARSHALL, 1967):
DIREITOS CIVIS
Fincaram raízes e se espalharam pelo mundo após a Revolução Francesa, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, um documento que listava, na forma de artigos, prerrogativas relacionadas às liberdades individuais. Assim é que, tomando por base nossa Constituição, podemos citar, como exemplos de direitos civis: o direito de ir e vir, a liberdade de expressão, a liberdade de culto.
Fonte: Freedom Studio / Shutterstock.com
DIREITOS POLÍTICOS
São aqueles que se referem à participação do povo no processo político e foram sendo gradualmente conquistados desde o século XIX como resultado das reivindicações dos movimentos sociais: movimento feminista, movimento negro e movimentos de trabalhadores, organizados por meio de sindicatos. São exemplos de direitos políticos: o voto universal, o direito a manifestar-se pacificamente e o direito de organização e participação em partidos políticos.
Fonte: Rawpixel.com / Shutterstock.com
DIREITOS SOCIAIS
Constituem o grupo de direitos mais recentes na história da cidadania. Passaram a ser garantidos pelos Estados especialmente a partir do século XX. São exemplos: o direito à educação, à saúde, à vida digna, ao lazer, ao trabalho e à moradia. Muitos desses direitos são apenas formalmente garantidos, e não garantidos de fato, haja vista que muitas pessoas não têm acesso aos benefícios que eles prescrevem. E embora essa problemática seja, talvez, mais evidente quando se trata desse grupo de direitos, podemos pensar a respeito de todos os direitos que caracterizam o cidadão moderno. Existem, portanto, a cidadania real e a cidadania formal.
Fonte: Monkey Business Images / Shutterstock.com
Tal problemática nos leva à discussão sobre os Direitos Humanos, tão propalados quanto incompreendidos pelo senso comum atualmente. Para a historiadora Néri de Barros Almeida, professora da UNICAMP e coordenadora do Comitê Gestor do Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos da UNICAMP, os Direitos Humanos têm sido erroneamente interpretados como um “cobertor curto”: alguém tem que passar frio, ela diz (ALMEIDA, 2018).
É como se os direitos e as garantias do Estado não pudessem mesmo alcançar todos os indivíduos e, sendo assim, os direitos devessem ser garantidos apenas ao “cidadão de bem”, identificado por meio de um viés moral: aquele que não delinque, que tem uma retidão de caráter e que trabalha. Segundo essa narrativa, a história atual é lida através de uma ambivalência simples: de um lado, os “cidadãos de bem”, dignos, trabalhadores; do outro, os “bandidos”, aqueles que fazem o mal e que, portanto, não merecem ter garantidos os seus direitos. Mas, como quase todas às vezes que estruturamos um raciocínio de forma ambivalente, essa é uma leitura superficial e equivocada do que sejam e de para que servem os direitos humanos.
NÉRI DE BARROS ALMEIDA
Graduada em História pela Universidade de São Paulo, Neri de Barros Almeida é doutora em História Social pela mesma instituição e livre-docente pela UniversidadeEstadual de Campinas. Realizou pesquisas de pós-doutorado nas universidades do Porto (Portugal) e Lyon 2 (França) e no Centre Nationale de la Recherche Scientifique (CNRS/França).
Atualmente é professora junto ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. É coordenadora do núcleo UNICAMP do Laboratório de Estudos Medievais.
Fonte: IFCH / Unicamp
Fonte: Lightspring / Shutterstock.com
De fato, só faz sentido pensar em Direitos Humanos ao admitir que eles não são negociáveis caso a caso e em função do contexto.
Trata-se de um grupo de direitos básicos extensíveis a todos, independentemente de credo, raça, sexo, religião, gênero, classe social, geração, cultura, orientação sexual, moralidade. Independe de ser ou não um trabalhador, um homem de bem ou um criminoso. Independente também de que tipo de crime possa ter cometido. É, de fato, uma ideia radical e, historicamente, foi gestada como tal.
DIREITOS HUMANOS
São um grupo de direitos reconhecidos mundialmente como fundamentais para garantir a cidadania de qualquer pessoa.
Vejamos como isso se institui, a partir de três legislações fundamentais, nas quais se reconhece, internacional e nacionalmente, a igualdade de direitos básicos entre todos os homens:
1
“Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”. (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, art. 1º).
2
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, art. 1º).
3
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (Constituição Federal do Brasil, 1988, art. 5º).
Fonte: Denis Cristo / Shutterstock.com
O que sustenta os dispositivos legais, fazendo com que atravessem as barreiras do Estado-Nação e estejam presentes em regramentos e pactos internacionais, é o princípio geral da igualdade, que vai sendo gestado lentamente ao longo da história do Ocidente. Esse princípio vai inspirando tanto as formas pelas quais os Estados se organizam (estabelecendo-se como princípio democrático) quanto os contornos morais da cultura como um princípio que deva ser buscado. Vai se estabelecendo também como palavra de ordem dentro do próprio regime científico de produção do conhecimento, desde que o sujeito de conhecimento se torne o homem comum, não mais o sacerdote dos regimes de saber mágicos ou religiosos.
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre cidadania e direitos humanos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
Parte superior do formulário
1. VIMOS QUE DIFERENÇA E DESIGUALDADE SOCIAL NÃO SÃO SINÔNIMOS. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE CORRESPONDE A EXEMPLOS DE CADA UM DOS DOIS CONCEITOS, RESPECTIVAMENTE:
O racismo e as repercussões do gênero nos direitos do indivíduo.
A estrutura social que prevê que haja ricos e pobres, e a multiplicidade de características físico-anatômicas nos corpos das pessoas.
O regionalismo e o nacionalismo.
A existência, nas sociedades contemporâneas, de indivíduos de diversas origens étnico-raciais e o racismo.
O feminismo e as distâncias geracionais.
Parte inferior do formulário
Parte superior do formulário
2. A RESPEITO DA DISCUSSÃO SOBRE CIDADANIA, MARQUE A ÚNICA ALTERNATIVA INCORRETA.
Cidadania é a garantia de pertencimento do indivíduo à sociedade, regulada por direitos e deveres.
Cidadania formal é o conjunto de direitos e deveres garantido aos indivíduos por lei.
Cidadania real é o conjunto de direitos e deveres pertinente a determinados indivíduos, independentemente de qualquer distinção ou condição.
A discussão sobre cidadania está intimamente relacionada ao valor da igualdade nas sociedades ocidentais contemporâneas.
A cidadania, segundo Thomas Marshall, é um conjunto de direitos civis, políticos e sociais.
Parte inferior do formulário
GABARITO
1. Vimos que diferença e desigualdade social não são sinônimos. Assinale a alternativa que corresponde a exemplos de cada um dos dois conceitos, respectivamente:
A alternativa "D " está correta.
A variedade étnico-racial configura a diversidade humana, constituindo, portanto, uma diferença. O racismo, por sua vez, tem a ver com a má distribuição de direitos e oportunidades, constituindo um modo de desigualdade social.
2. A respeito da discussão sobre cidadania, marque a única alternativa incorreta.
A alternativa "C " está correta.
A cidadania real não se confunde com a cidadania formal. A cidadania real tem a ver com o conjunto de direitos e deveres que, de fato, é garantido aos indivíduos de carne e osso na nossa sociedade.
MÓDULO 2
Reconhecer as dinâmicas de exclusão estruturantes da sociedade
VULNERABILIDADE
Fonte: karnaval2018 / Shutterstock.com
Se buscarmos, no dicionário, o significado da palavra “vulnerabilidade”, vamos encontrar definições que se aproximam da ideia de “fragilidade”. No contexto das discussões sobre sociedade, é comum utilizarmos a expressão “vulnerabilidade social” para nos referirmos a condições de vida precárias e que, portanto, resultam em uma diminuição das possibilidades de escolha dos indivíduos. E sendo assim:
Que peso devemos dar a uma “escolha” feita em um universo de possibilidades tão restrito?
EXEMPLO
Para pensarmos a questão da vulnerabilidade social, temos o caso da prostituição de rua. Mulheres que se prostituem na rua estão expostas à violência diariamente por desempenharem uma atividade profundamente estigmatizada. São, em geral, mulheres pobres, que enxergam, na prática da prostituição, uma alternativa para o seu sustento, algo que pode ser mais rentável que outras atividades que não exijam qualificação profissional ou formação.
Pesquisas apontam que, quando perguntadas sobre que motivos levam essas mulheres a se prostituir, elas respondem que a prostituição lhes dá muito mais dinheiro e ainda mais flexibilidade de horário que outras atividades igualmente precarizadas.
Mas como garantir que essa opção de trabalho seja uma escolha legítima, uma vez que essas mulheres se encontram na pobreza e enfrentam dificuldades para manter seu próprio sustento e de suas famílias?
No limite, podemos pensar no quão válida é a “escolha” de alguém que toma alguma atitude sob coação. Um caixa de banco, por exemplo, no caso de um assalto e sob a mira de uma arma, faz uma escolha ao entregar o dinheiro para o assaltante. Ele poderia ter feito a escolha de ser morto a colaborar com o criminoso. Mas poderíamos esperar isso dele?
Da mesma maneira, muitas discussões sobre a vulnerabilidade social passam por questionar as próprias escolhas dos vulneráveis, considerando que tais pessoas fazem suas escolhas sob grande pressão. Há, por exemplo, uma polêmica atual sobre a forma de nascimento de crianças no Brasil. No nosso país, as taxas de nascimento por cirurgia cesariana são, segundo o Ministério da Saúde (CONITEC, 2015), de 55,5% ao ano enquanto, segundo a comunidade médica internacional, a taxa ideal de cesáreas em cada país não deveria ultrapassar 15% dos nascimentos. Acontece que a duração de uma cirurgia cesariana é muito menor do que o tempo de duração médio de um parto normal. O que faz com que seja muito mais rentável, para um obstetra e para as empresas dos planos de saúde, optar pela cirurgia, ainda que se reconheça que o parto normal é fisiologicamente mais saudável e indicado para os nascimentos.
Fonte: Ollyy / Shutterstock.com
Durante o trabalho de parto, as parturientes, sob a dor das contrações uterinas, ficam vulneráveis às sugestões médicas. Pedem que seja feita cesariana, pedem anestesias que atrasem as contrações, pedem injeção de hormônio para acelerar o nascimento, entre outras práticas médicas interventivas. Movimentos sociais envolvidos com a questão dos direitos que dizem respeito aos nascimentose às parturientes têm denunciado, sistematicamente, o que chamam de “violência obstétrica” — que seriam abusos médicos da condição da mulher no parto. Essa discussão tem a ver com as reflexões em torno do juízo de consentimento e poder de escolha de uma pessoa em situação de fragilidade por qualquer motivo que seja.
Pensemos agora nas variadas situações possíveis e frequentes de vulnerabilidade social. O morador de rua, o pobre, o desempregado, a mulher vítima de violência doméstica, a criança pequena, o órfão, o idoso sem condições de cuidar de si mesmo, o refugiado, aquele que cumpre trabalho análogo à escravidão, o que precisa do serviço público de saúde e não recebe assistência, entre muitos outros casos.
Podemos admitir que esses indivíduos sejam capazes de escolher, de opinar e de consentir sobre os assuntos que dizem respeito à sua condição de vulneráveis?
Se, por um lado, parece justo considerar que suas escolhas têm o peso das circunstâncias que envolvem precariedade, violência e ausência de cuidado devido, por outro, descredibilizar essas escolhas pode, às vezes, significar apenas subtrair mais um direito das pessoas em situação de vulnerabilidade.
INCLUSÃO SOCIAL
A inclusão social é um movimento contrário em relação àquele movimento que constitui a segregação ou a exclusão social. A inclusão social passa por políticas públicas e práticas cotidianas que visam à ampliação do acesso aos bens e serviços disponíveis para os cidadãos — passa mesmo por amplificar a própria cidadania real.
Fonte: Corepics VOF / Shutterstock.com
Mas existe uma distinção conceitual entre:
EXCLUSÃO
Tem a ver com o abandono de certos grupos ou indivíduos.
SEGREGAÇÃO
Significa a separação de grupos ou indivíduos menos favorecidos, tendo em vista o já referido acesso aos bens e serviços.
Tanto a exclusão quanto a segregação são processos sociais que nos afastam de uma sociedade igualitária, fazendo com que proliferem as situações de vulnerabilidade. E a vulnerabilidade é, como vimos, um entrave filosófico à consolidação da democracia, uma vez que lança sombras sobre o poder de consentimento e o sentido do agir dos indivíduos.
Podemos lembrar agora a pergunta que encerra o tópico anterior. Devemos admitir que a melhor resposta para aquela difícil questão seja a que vai ao sentido de localizar quais são as dinâmicas que estruturam a sociedade, gerando excluídos, segregados, vulneráveis e violentados em diversos níveis.
Por que existe, afinal, o morador de rua? O pobre? O desempregado? A mulher agredida pelo cônjuge?
Será que podemos depositar sempre e apenas nos próprios indivíduos a responsabilidade por esses incidentes? Se sim, por que esses são fenômenos de grande escala, recorrentes?
Será culpa da mulher que sofreu violência conjugal o fato de ter sido agredida? Será verdade o que dizem, que ela “certamente fez por merecer”?
Fonte: Tiko Aramyan / Shutterstock.com
Uma interessante discussão, a respeito da relação entre “gênero” e “violência”, é feita por Maria Filomena Gregori para pensar sobre o movimento, na história recente do Brasil, de relações envolvendo dominação, vulnerabilidade e expectativa de um ordenamento social justo e inclusivo que respeite a equidade e a igualdade das mulheres em relação aos homens:
REFLEXÃO
Para pensar os paradoxos que envolvem as relações violentas, em uma abordagem que não abandona as dinâmicas concretas e experienciais de que elas são revestidas, adotamos a perspectiva que acredita na coexistência de vários núcleos de significado que se sobrepõem, se misturam e estão permanentemente em conflito.
Na situação das relações familiares, por exemplo, cruzam-se concepções sobre sexualidade, educação, convivência e sobre a dignidade de cada um. Cruzam-se também posições definidas por outros marcadores ou categorias de diferenciação que implicam variadas posições de poder: geracionais ou etárias, marcadores raciais e também os relativos à classe e à ascensão social.
Exercer uma posição é agir em função de várias dessas concepções, posições e marcadores, combinando-os mesmo quando são conflitivos. Desse modo, importa salientar que ao tratar de posições de gênero é preciso considerar que, certamente, existem padrões legitimados socialmente importantes na definição de identidades e condutas.
Contudo, é preciso ter em mente que eles devem ser vistos como construções, imagens, referências compostas e adotadas de modo bastante complexo, pouco linear e nada fixo. (GREGORI; GUITA, 2008).
MARIA FILOMENA GREGORI
Professora livre-docente do Departamento de Antropologia (UNICAMP), possui graduação em Ciências Sociais pela mesma universidade, mestrado em Ciência Política (USP), doutorado em Antropologia Social (USP), estudos de pós-doutorado no Departament of Anthropology (University of California, EUA) e programa de Visiting scholar na Columbia University (Nova York).
Fonte: PAGU / Unicamp
A inclusão social, pensada em uma lógica de garantia de direitos, significa então admitir que existe um limite. O limite, nesse caso específico, seria: ainda que a mulher “mereça”, o marido, ou quem quer que circunstancialmente se encontre na posição do agressor — posição conferida, mesmo no âmbito das relações matrimoniais, conforme as autoras argumentam, por diferentes marcadores sociais além do gênero —, esta pessoa não pode dar o tapa, o soco, o chute. Não pode agredir! Esse é o limite que separa a civilização da barbárie. O limite da lei. Faremos, outra vez, a pergunta:
Quais são as dinâmicas que estruturam, na sociedade, essa modalidade típica de violência que é a doméstica? O que, na cultura e na história, criou as condições necessárias para a recorrência desse evento?
Diversos elementos devem ter concorrido para isso. A narrativa cultural segundo a qual a mulher é um ser biologicamente mais frágil, bem como a fragilidade legal dos direitos das mulheres, ao longo da história, com certeza devem entrar nessa conta. Basta dizer que, no Brasil, apenas no início da década de 1930, as mulheres tiveram o seu direito ao voto reconhecido. E toda a cultura ocidental, que se desenvolveu tendo por referência a Antiguidade clássica, é herdeira de tradições democráticas nas quais não se consideravam nem as mulheres, nem os escravos ou os estrangeiros como cidadãos.
A família patriarcal é um modelo institucional que esteve na base da formação social brasileira desde a nossa colonização, marcada pelo instituto jurídico do “pátrio poder”, que depositava, na figura do pai, o papel de chefe e administrador do grupo familiar.
O sociólogo Pierre Bourdieu é autor de uma obra, atualmente considerada clássica nas Ciências Sociais, chamada A dominação masculina, na qual ele analisa o funcionamento das relações entre homens e mulheres na família e também na escola, na Igreja e no Estado.
Ele conclui que, na nossa sociedade, “as mulheres são bens simbólicos que circulam em um mercado de trocas protagonizado pelos homens” (BOURDIEU, 2002).
Fonte: Ciramor1992 / Wikimedia commons
PIERRE BOURDIEU
Considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas, Pierre Bourdieu (1930-2002) é um dos mais importantes pensadores do século XX. Sua produção intelectual, desde a década de 1960, estende-se por uma extensa variedade de objetos e temas de estudo. Embora contemporâneo, é tão respeitado quanto um clássico. Crítico mordaz dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais, Bourdieu construiu um importante referencial no campo das ciências humanas.
Fonte: Secretaria da Educação do Paraná
Vejamos que curiosos são os sentidos ocultos da linguagem coloquial: “apanhar” é um verbo transitivo, que necessita de um complemento. Quem apanha, apanha alguma coisa de alguém. Quando uma mulher “apanha”, ela “apanha” todo um legado cultural de violência que passa, inclusive, por momentos históricos e acordos relacionais privados onde não há o reconhecimento das agressões como situações de violência, então entendidas como parte da normalidade.
Para retomarmos a questão dos nascimentos, apontada no tópico anterior, faremos tambéma mesma pergunta, que nos serve de eixo para a discussão do tópico presente:
Quais são as dinâmicas que estruturam, na sociedade, esta modalidade típica que é a violência obstétrica?
Anterior ao problema de se é legítimo ou não o pedido de cesariana por uma parturiente em estado de contrações dolorosas durante o trabalho de parto, a questão que devemos observar é: por que ela chega a pedir cesariana? Apenas a dor motiva esse pedido, ou será que há, em volta da mulher que opta por cesariana, um contexto maior de não acolhimento da opção pelo parto normal?
Entendemos que o debate sobre inclusão social passa pela discussão de fenômenos violentos, nas suas mais diversas manifestações, porque, afinal de contas, a exclusão e a segregação tanto produzem situações de violência quanto, ao nos afastar de uma sociedade justa e igualitária, são dinâmicas violentas.
É LEGÍTIMO OU NÃO O PEDIDO DE CESARIANA
Para perceber que a questão não é simples, vale lembrar a Lei nº 17.137, de 23 de agosto de 2019 (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), apresentada pela deputada estadual Janaina Paschoal, que permitia à parturiente optar pela cesariana ou pelo parto normal, dando à mulher o direito a essa escolha. Em menos de um ano, em 1 de julho de 2020, a lei foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ainda há quem, de um lado, afirme que a lei valorizava a mulher, sua escolha e saúde. E, por outro, quem afirme que a cesariana é mero instrumento rentável.
No caso do Brasil, as discussões que giram em torno da inclusão social intensificaram-se nos últimos anos, graças ao fôlego que os movimentos sociais têm ganhado com debates e denúncias feitos pelas redes sociais. Movimentos de mulheres vêm se popularizando, com múltiplas bandeiras e reivindicações. O Movimento Negro tem feito, nos últimos vinte anos, uma importante discussão sobre a política de cotas raciais e sociais, atualmente vigente em parte dos processos seletivos para vagas de empregos, de escolas, bolsas e benefícios em universidades públicas e privadas.
Fonte: Tyler Olson / Shutterstock.com
Essa política de ação afirmativa tem sido levada, inclusive, para o debate sobre a inclusão de diversas outras minorias de direitos, como os deficientes físicos e as mulheres.
Em 2012, foi criada a Lei de Cotas, pelo Governo Federal, para promover a inclusão no ensino superior de estudantes oriundos de escolas públicas, de famílias de baixa renda, negros, indígenas e pessoas com deficiência.
Na educação, aliás, fala-se muito na inclusão de crianças com deficiências físicas e mentais e em uma transformação da instituição escola no sentido de acolher os perfis mais variados de alunos, passando por um apelo pela necessidade de atenção aos mais diversos perfis e urgências do público discente.
Fonte: Joanna Dorota / Shutterstock.com
RESUMINDO
Pode-se afirmar que os debates sobre a inclusão social assumem, contemporaneamente, quatro principais vieses, embora se possa pensar em uma variedade muito maior de situações onde as práticas sociais são segregacionistas e excludentes e a respeito das quais cabe reflexão sobre como seria possível transformar esse quadro.
Os referidos vieses (cada um dos quais merecia um módulo próprio de discussão) são:
INCLUSÃO DE PESSOAS COM ALGUM TIPO DE DEFICIÊNCIA FÍSICA OU MENTAL
INCLUSÃO DE GÊNERO (PESSOAS TRANSGÊNERO E MULHERES)
INCLUSÃO DE PESSOAS NEGRAS
INCLUSÃO DE PESSOAS PERTENCENTES ÀS CLASSES SOCIAIS MAIS BAIXAS OU MENOS FAVORECIDAS
Entende-se que cada um desses núcleos tem sofrido sistematicamente processos de exclusão e segregação. Para percebermos isso, é importante estarmos atentos a alguns dados, a fim de que não deixemos a discussão cair em mera questão opinativa.
Quando, no módulo 1, dávamos como exemplo que pessoas com deficiências motoras poderiam encontrar entraves para a sua adaptação, que passam pelo próprio valor dos recursos adaptativos, apresentamos uma atleta usando uma cadeira de rodas especial para atletismo. Uma pesquisa com 27 deficientes visuais e 22 deficientes motores que tinham disponível um Núcleo de Esporte Adaptado já demonstrava claramente a questão (COTTA, 2007). Um dos motivos (41%) que, estatisticamente, mais contam para afastar a pessoa com deficiência física (motora) da prática dessas atividades, como podemos ver no gráfico a seguir, é a falta de material adequado; podemos, sem dúvida, considerar as questões financeiras como umas das razões para isso. Porém, o motivo mais importante (45%) é a falta de transporte adequado para chegar a locais de treinamento.
PERCENTUAL DOS MOTIVOS QUE DIFICULTAM A PRÁTICA DAS ATIVIDADES ESPORTIVAS ADAPTADAS
MOTOR
VISUAL
LEGENDA:
Falta de profissional especializado;
Falta de transporte;
Falta de local adaptado;
Medo da exclusão;
Falta de desporto adaptado;
Vergonha de me expor;
Condição financeira;
Medo de me machucar;
Falta de material adequado;
Não me sinto bem com muitas pessoas reunidas;
Outros.
Imagem adaptada / Fonte: Leituras: Educação Física e Esportes
Fonte: Angyalosi Beata / Shutterstock.com
Outro fator estatístico refere-se à Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). A associação libera dados bimestrais a respeito do número de mortes de pessoas transexuais.
No primeiro semestre de 2020, há registros oficiais de 89 mortes de pessoas transexuais no país: um número bastante alto, se considerarmos a subnotificação que marca, normalmente, grande parte dos registros públicos de diversos tipos e, ainda, a proporção de pessoas transexuais em relação às pessoas chamadas cisgênero, ou seja, aquelas que se identificam com o seu sexo de nascimento.
Outro dado importante! Segundo Rezende (2016), o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) demonstra que a taxa mais alta registrada de mulheres, em cargos de direção, está na casa dos 30%, embora sejam a maioria da população.
De acordo com os dados apresentados em 2016, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, apenas 13,6% dos quadros executivos são compostos por mulheres e 4,7% por negros. Segundo dados do IBGE, liberados em 2020, 65% dos mais de 12 milhões de desempregados no país atualmente são negros.
Fonte: Fizkes / Shutterstock.com
Em estudo realizado em 2018, o IPEA fez um levantamento do perfil racial entre os estratos de maior e menor rendimento per capita na população brasileira. Constatou que, entre os 10% com maior rendimento, os brancos representavam 70,6%; enquanto, entre os 10% de menor rendimento, 75,2% são negros.
A questão da pobreza e da inclusão dos estratos mais baixos da população tem sido muito representada nas grandes cidades pelas discussões a respeito das populações residentes em favelas. Mas, em áreas rurais, há formas comuns de ocupação irregular, como as palafitas.
Segundo dados de 2019, do IBGE, há mais de 5 milhões de domicílios classificados como “subnormais”. O Estado do Amazonas lidera o ranking da maior proporção de domicílios em ocupações irregulares: 34,59% dos domicílios do estado. As populações que vivem sob essas condições de moradia, geralmente, têm um acesso mais difícil aos serviços públicos básicos, como o de saneamento.
Fonte: Tamaphotography / Pixabay.com
Que essas pessoas sejam incluídas entre as parcelas da população que gozam de acesso aos bens e serviços públicos ou privados de que necessitam para viverem sua vida de forma confortável é, antes de tudo, uma responsabilidade do Estado. Nosso Estado Democrático de Direito sustenta-se, como instituição, graças a um “contrato social” assegurando que os poderes administrativos da nação e das federações serão delegados aos representantes eleitos que devem garantir, em troca, a boa ordem social e a vida digna a todos os seus cidadãos.
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre vulnerabilidade e escolha.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. A VULNERABILIDADE SOCIAL É UMA CONDIÇÃO QUE PODE AFETAR QUALQUER PESSOA. A ESSE RESPEITO, MARQUE A ALTERNATIVA CORRETA.
A vulnerabilidade social tem a ver com a condição física ou inata da pessoa, mais do que coma sua posição na sociedade.
A vulnerabilidade é socialmente determinada e depende do contexto histórico e cultural.
A vulnerabilidade é uma condição que pode afetar qualquer pessoa, mas, atualmente, é um fenômeno raro na sociedade brasileira.
Se o indivíduo possui cidadania real, ele não enfrentará nenhuma condição de vulnerabilidade social.
A vulnerabilidade é marca característica de uma sociedade justa e igualitária.
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Parte superior do formulário
2. UMA SOCIEDADE INCLUSIVA NÃO DEVE APRESENTAR PROBLEMAS RELACIONADOS À:
Segregação territorial de populações menos favorecidas.
Violência entre indivíduos cônjuges.
Mortes acidentais de crianças e idosos.
Mulheres e pessoas negras em cargos de chefia.
Respeito às parturientes e opções de procedimentos médicos para nascimentos mais humanos e saudáveis, conforme orientações da OMS.
Parte inferior do formulário
GABARITO
1. A vulnerabilidade social é uma condição que pode afetar qualquer pessoa. A esse respeito, marque a alternativa correta.
A alternativa "B " está correta.
Conforme os exemplos abordados no tópico “vulnerabilidade”, a condição de fragilidade que um indivíduo enfrenta depende, sobretudo, de como o contexto social em que ele está inserido interpreta e cria narrativas para os fatos da cultura. E de como gera dinâmicas de violência e solidariedade, inclusão e exclusão.
2. Uma sociedade inclusiva não deve apresentar problemas relacionados à:
A alternativa "A " está correta.
Uma sociedade inclusiva não é aquela em que não existem problemas pessoais, relacionais ou mesmo culturais. Mas a inclusão é sempre um movimento que se estabelece por oposição aos movimentos de exclusão e de segregação.
MÓDULO 3
Contrastar o problema social da população de rua com o instituto legal da dignidade humana
POPULAÇÃO DE RUA
Fonte: Panitanphoto / Shutterstock.com
De acordo com a definição da Secretaria Nacional de Assistência Social, a população de rua é um grupo social misto, heterogêneo, de pessoas que se encontram “em situação de rua” pelos mais variados motivos. Essa condição pode ser transitória/temporária ou permanente. Pode ser de menor duração ou se alongar. O que faz com que pensemos nessas pessoas como um grupo são as seguintes características em comum: pobreza absoluta, falta de moradia e vínculos sociais fragilizados.
A pobreza absoluta significa a total ausência de rendimentos e, portanto, que essas pessoas não têm condições de se manter, não têm renda que as permita se alimentar, se deslocar ou se vestir dignamente.
A falta de moradia, por sua vez, está especialmente relacionada à fragilização dos vínculos familiares e sociais. Essas pessoas não encontram maneiras de se sustentar em suas redes de relações nucleares, seja por serem oriundas de famílias que já vivem em condições de extrema pobreza quanto por enfrentarem situações de violência sistemática ou, ainda, por sofrerem com dependência química ou doença mental sem o devido tratamento médico ou acompanhamento especializado.
Fonte: Luis War / Shutterstock.com
A população de rua é, talvez, o mais imediato exemplo de exclusão social, e seu crescimento indica uma intensificação das dinâmicas de exclusão. Segundo os dados recentes do IPEA, a população de rua tem aumentado muito nos últimos anos. Mais que dobrou, segundo o levantamento feito em 2012. Quase alcança a marca de 222 mil habitantes que estão distribuídos, principalmente, pelas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, nas grandes cidades brasileiras. Essas informações, dado o contexto sanitário da pandemia de COVID-19 em 2020, nos lembram do quanto estamos ligados por este vínculo que Durkheim (2010) chamou de “solidariedade social” e as mazelas de um grupo tendem a se tornar as mazelas de muitos, ou de todos.
Poderíamos confirmar esse raciocínio pensando em problemas como a violência urbana. A partir do momento em que se cria um estado cultural de violência nas cidades, passamos todos a viver em uma cidade mais perigosa e estaremos, portanto, expostos a perigos. Mas, no caso da pandemia, em que os governos do mundo inteiro adotaram políticas de isolamento social para conter a disseminação do vírus, a importância de ter quase 222 mil pessoas que, simplesmente, não têm onde morar, passa a afetar mesmo aqueles que têm casa, comida, trabalho, conforto e que estão em isolamento. Nesse contexto, medidas assistenciais foram adotadas em caráter emergencial pelos governos das capitais do país, como o abrigamento, a higiene e a alimentação dessas pessoas.
Outras pesquisas como essa, que procuram compreender o problema social da população de rua durante a pandemia, focalizaram o grupo de crianças e adolescentes em situação de rua. Constitui grave violação dos Direitos Humanos que crianças sem qualquer tutela dos pais, responsáveis ou do Estado, estejam nas ruas expostas à violência, ao trabalho precoce, ao racismo estrutural e à própria luta pela sobrevivência.
Historicamente, a ineficácia das políticas públicas para atender às populações em situação de rua abriu espaço para a atuação de organizações não governamentais (ONGs) e religiosas, que tradicionalmente distribuem alimentos e roupas aos moradores de rua. E muitas das pesquisas feitas sobre as populações de rua, seja nas Ciências Sociais ou no Serviço Social, desenvolvem-se em diálogo com essas experiências assistencialistas.
É o caso da pesquisa que nos serve de referência teórica para este tópico: o trabalho do antropólogo doutor Tomás Henrique de Azevedo Gomes Melo.
Fonte: Tamaphotography / Pixabay.com
Melo (2016) aborda a transformação do perfil da população de rua nos últimos vinte anos em cidades grandes do Sul e Sudeste em virtude do surgimento e crescimento de dependentes químicos do crack. Assim como o sistema capitalista de produção prevê um “exército de reserva” — uma mão de obra pauperizada que o mercado não consegue absorver, e que se torna um grupo de desempregados crônicos e disponíveis para o trabalho mal remunerado —, os dependentes de crack, em situação de rua, com seu contato direto e frequente com o tráfico para a compra da droga, acabam constituindo um exército de reserva para o tráfico, disponíveis para prestar pequenos serviços e realizar favores em troca de dinheiro ou da própria droga.
Fonte: Lucas lg54 / Wikimedia commons
Como vimos no módulo 2, os poderes administrativos outorgados ao Estado são constituídos por meio de um contrato social, prevendo uma gestão na qual a dignidade da vida humana seja garantida pelo estatuto da cidadania.
Na tentativa de cumprimento dessa responsabilidade, no que tange ao problema social da população vulnerável em situação de rua, em 2009, foi instituída, por meio de decreto, a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a fim de assegurar o acesso dessa população aos serviços assistenciais especializados. Conforme dispõe no seu parágrafo único, o decreto, em conformidade com a definição prevista pelos estudos especializados no tema, considera:
(...) POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA O GRUPO POPULACIONAL HETEROGÊNEO QUE POSSUI EM COMUM A POBREZA EXTREMA, OS VÍNCULOS FAMILIARES INTERROMPIDOS OU FRAGILIZADOS E A INEXISTÊNCIA DE MORADIA CONVENCIONAL REGULAR, E QUE UTILIZA OS LOGRADOUROS PÚBLICOS E AS ÁREAS DEGRADADAS COMO ESPAÇO DE MORADIA E DE SUSTENTO, DE FORMA TEMPORÁRIA OU PERMANENTE, BEM COMO AS UNIDADES DE ACOLHIMENTO PARA PERNOITE TEMPORÁRIO OU COMO MORADIA PROVISÓRIA.
(DECRETO nº 7.053/2009, art. 1º)
Dentre os valores cultivados pela Política Nacional para a População em Situação de Rua estão o respeito e a promoção da igualdade e da diversidade. E entre suas principais diretrizes, a tentativa de promover campanhas de conscientização da população em geral a respeito da condição do morador de rua, o compromisso de cumprimento dos Direitos Humanos e o incentivo à pesquisa sobre esse problema social a fim de que se pudessem desenhar caminhos para minoração dessa antiga mazela social:
SÃO PRINCÍPIOS DA POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA, ALÉM DA IGUALDADE E EQUIDADE:
I - RESPEITO ÀDIGNIDADE DA PESSOA HUMANA;
II - DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA;
III - VALORIZAÇÃO E RESPEITO À VIDA E À CIDADANIA;
IV - ATENDIMENTO HUMANIZADO E UNIVERSALIZADO;
V - RESPEITO ÀS CONDIÇÕES SOCIAIS E DIFERENÇAS DE ORIGEM, RAÇA, IDADE, NACIONALIDADE, GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIOSA, COM ATENÇÃO ESPECIAL ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.
(DECRETO nº 7.053/2009, art. 5º)
A respeito da sua efetividade, podemos ponderar o quanto a assistência social, no Brasil, desliza, historicamente, da caridade às políticas nacionais assistenciais. O que tem sido objeto de críticas frequentes é o problema que certas políticas públicas apresentam de manterem um público-alvo cativo que não encontra inclusão na sociedade englobante. Em outras palavras, mantendo um ranço caritativo, políticas públicas voltadas ao atendimento da população marginalizada e em situação de rua não encontram efetividade quando se pensa na dimensão da solução estrutural do problema social que elas atacam.
A escassez dessas políticas ainda, ou a invisibilidade desse problema social, mantém o quadro geral no qual iniciativas da sociedade civil prestam assistência a essa população com medidas emergenciais que se esgotam em si mesmas.
DIGNIDADE HUMANA
Fonte: Yevgenij_D / Shutterstock.com
A dignidade humana é um princípio moral que norteia o conjunto de direitos fundamentais dos indivíduos. Juridicamente falando, a dignidade seria uma qualidade inerente ao ser humano, sendo essa condição naturalmente marcada por uma busca e manutenção de nossa própria dignidade.
Fonte: Arthimedes / Shutterstock.com
REFLEXÃO
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2007).
A dignidade é uma busca pessoal e social por respeito, a consciência que temos de nosso próprio valor, “imprecificável”, segundo Immanuel Kant (2004). Tem a ver com nossa honra e autoridade.
É como se buscássemos instintivamente manter nossa dignidade como pessoas para que um “ser humano”, um ser cultural, possa habitar nosso corpo animal. É, pois, a dignidade que nos distingue dos animais ao procurarmos manter a coerência nos nossos atos e nas nossas palavras e com a tentativa permanente de evitação do sentimento de vergonha.
Para Kant, é a dignidade que limita a autonomia, ou seja, é a ética contida na noção de dignidade que impõe freio à liberdade dos homens. A liberdade, como autonomia, traduz-se então no primeiro princípio da República. E a dignidade da pessoa é o que o filósofo chamaria de um imperativo categórico, isto é, um princípio categoricamente imperativo, ou necessário, para o bem viver. Nossa razão, como seres humanos e pensantes, capazes de calcular, nos garante que o estabelecimento do respeito à dignidade, ou a dignidade como limitadora da autonomia, seja um caminho fecundo para a civilidade e a vida.
O FILÓSOFO ALEMÃO PROCUROU ENTENDER O QUE SERIA AQUELA LEI MORAL DENTRO DE TODOS OS SERES RACIONAIS QUE, A TODO MOMENTO, DIZ “ISSO É CORRETO” OU “ISSO É INCORRETO”, SERVINDO COMO UMA BÚSSOLA NO JULGAMENTO DE TODAS AS AÇÕES. PARA A MODERNIDADE, O AVANÇO PROMOVIDO PELA CONCEPÇÃO UNIVERSALISTA DA FILOSOFIA PRÁTICA KANTIANA É BASTANTE IMPRESSIVO, SOBRETUDO QUANDO SE PRECONIZA FIELMENTE A UNIDADE E A DIGNIDADE DE TODOS OS SERES HUMANOS, INDEPENDENTEMENTE DA COR DA SUA PELE OU DO TIPO E DO GRAU CIVILIZACIONAL DAS SUAS SOCIEDADES.
(WEYNE, 2007)
No ordenamento jurídico nacional e internacional, diversos dispositivos estão baseados no princípio da dignidade humana, como a citada Declaração Universal dos Direitos Humanos e a própria Constituição Federal de 1988. O Estado tem por obrigação tutelar defender o bem jurídico, que é a dignidade da pessoa humana, porque é ele o valor supremo da democracia.
Entende-se que a dignidade não é estabelecida juridicamente ou culturalmente. Ela seria preexistente e fundante, tanto do ordenamento jurídico, ou do Estado Democrático de Direito, quanto da própria cultura.
Poderíamos até dizer que a eminência da dignidade da pessoa humana é tal que é dotada ao mesmo tempo da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspira a ordem jurídica. Mas a verdade é que a Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe como fundamento da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito, se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da federação, do país, da democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional (SILVA, 1998).
Trata-se de um princípio moral, legal e cultural que atravessa todas as discussões apresentadas nestes três módulos. Está presente como o elemento de fundo e que dá sentido a absolutamente todas as questões propostas até agora por meio de exemplos, e costura os conteúdos dos módulos uns aos outros.
É a dignidade humana que está em jogo no parto, no problema da violência doméstica e conjugal, das crianças em situação de rua, e também, claro, no drama social de toda a população de rua, especialmente no contexto pandêmico. Está na dependência química do uso do crack e outras drogas, no racismo e na transfobia, e nos obstáculos que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho para alcançar os cargos decisórios.
É uma questão de dignidade humana tornar urgente que os transportes estejam adaptados às pessoas com deficiências motoras, para que elas tenham condições de superar suas próprias limitações físicas. É, no fim das contas, a atenção ao cumprimento do princípio da dignidade humana que pode fazer com que a diversidade não seja marcada por movimentos socioculturais de exclusão e para que as diferenças não nos pareçam mais sinônimo de desigualdade, mas uma forma, justamente, de alcançar a igualdade por meio da inclusão.
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre o atendimento à população de rua.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA ESTÁ AUSENTE DO SEGUINTE DISPOSITIVO:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Constituição Federal.
O Contrato Social que confere poder ao Estado.
A Convenção Americana de Direitos Humanos.
Na prática contratual de trabalho análogo à escravidão.
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2. SOBRE O PROBLEMA SOCIAL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL, MARQUE A OPÇÃO CORRETA:
Devemos pensar que, na maioria dos casos, as pessoas que estão na rua encontram-se nessa condição graças à sua única e exclusiva responsabilidade (ou falta de), como é o caso de alcoólatras e dependentes químicos.
A população que vive em situação de rua é um grupo heterogêneo com diversos perfis etários, majoritariamente negro, com baixa escolaridade e com indivíduos que têm em comum a dependência química de crack e outras drogas.
O Estado não deveria ser responsabilizado por garantir a dignidade dessas pessoas já que, muitas vezes, nem elas mesmas querem que sua própria condição seja transformada.
Graças à ineficácia das políticas públicas para lidar com esse problema, ONGs e entidades religiosas prestam assistência a essas pessoas. A pandemia trouxe visibilidade para a questão do morador de rua, trazendo-a para o debate público.
No caso do Brasil, o problema social dos moradores de rua não é tão grave como há alguns anos. Trata-se de um fenômeno eminentemente rural, que se diferencia do que ocorria no passado, quando os moradores de rua se concentravam mais noscentros urbanos.
Parte inferior do formulário
GABARITO
1. O princípio da dignidade humana está ausente do seguinte dispositivo:
A alternativa "E " está correta.
O trabalho análogo à escravidão desrespeita o princípio moral de uma justa remuneração e condições de trabalho adequadas ao trabalhador livre. Por isso fere a dignidade do contratado.
2. Sobre o problema social da população em situação de rua no Brasil, marque a opção correta:
A alternativa "D " está correta.
A ineficácia da gestão desse problema social pelo poder público criou um vazio de soluções políticas que as iniciativas civis como das ONGs e entidades religiosas vêm tentando suprir. Essa mazela antiga e negligenciada pelo Estado e por parte da própria sociedade somente com a pandemia chamou a atenção para o fato ignorado de que, em sociedade, não se pode pensar sempre e apenas de forma individual e isolada.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Elaboramos, no estudo que fizemos até aqui, uma apreciação socioantropológica dos assuntos relacionados à vulnerabilidade na sociedade, abordando aspectos da cultura por meio de exemplos e conceitos.
Tais exemplos e conceitos devem motivar a reflexão e permitir a desnaturalização do olhar sobre processos excludentes estruturais, como o da má distribuição do acesso aos bens e serviços necessários à manutenção de uma vida digna e o da precariedade na garantia de direitos pelo Estado.
Assim, você, após o estudo acerca da vulnerabilidade e sociedade, terá adquirido familiaridade com o corpus conceitual apresentado, sendo capaz de desenvolver um raciocínio crítico a respeito da sociedade em que está inserido, bem como dos próprios conceitos que foram apresentados. Afinal, como afirmamos, o sujeito do conhecimento tem de ser cada um de nós.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Brasília, 2009.
CONITEC - Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias no SUS. Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Relatório de recomendação. Ministério da Saúde. Brasília – DF, 2016.
COTTA, D. et al. Fatores que influenciam a adesão de deficientes motores e deficientes visuais a prática desportiva. In: FDeportes, Buenos Aires, ano 11, nº 104, jan. 2007.
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DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Assembleia Geral da ONU. Paris, dez. 1948.
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GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2015.
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INSTITUTO Superior de Estudos da Religião (ISER). CUNHA, Cristina Vidal e MENEZES, Renata (Orgs.). Religiões em conexão: Números, Direitos, Pessoas. 2014.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1967.
MEAD, Margareth. Sexo e temperamento. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
MELO, Tomás. Mundos que refugam, ruas como refúgio: reconfigurações no perfil social da população em situação de rua. In: Revista Florestan Fernandes. Ano 3, n. 1, 2016, p. 10-31.
MENDONCA, João Martinho de. Margaret Mead, Bali e o Atlas do comportamento infantil: apontamentos sobre um estudo fotográfico. In: Horizonte antropológico, Porto Alegre, v. 16, n. 34, dez. 2010, p. 315-348.
REZENDE, Daniela Leandro. Mulher no poder e na tomada de decisões. In: Retrato das desigualdades de gênero e raça. Rio de Janeiro: IPEA, 2016.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
SILVA, José Afonso da. Dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. In: Revista de Direito Administrativo. v. 2012. 1998, p. 89-94.
WEYNE, Bruno Cunha. Dignidade da pessoa humana na filosofia moral de Kant. In: THEMIS – Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado do Ceará. v. 5, n. 1, 2007, p. 15-41.
EXPLORE+
· Para uma discussão sobre a falsa oposição entre “integração” e “diferença”, leia o artigo do sociólogo Renato Ortiz: Diversidade cultural e cosmopolitismo.
· Veja uma discussão detalhada sobre as disputas em torno das formas de parto no artigo de Sara Sousa Mendonça: Modelos de assistência obstétrica concorrentes e ativismo pela humanização do parto.
· Como forma de contraponto a alguns conceitos apresentados, exatamente porque sempre é importante apresentar vertentes, ampliando os pontos de vista, vale conferir os artigos Como a cultura progressista está destruindo as legítimas aspirações das mulheres, de Catarina Rochamonte, e A diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil, de Leandro Narloch.

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