Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O Mistério dos R$ 20 Bilhões: o que aconteceu e o que vai acontecer com a Lojas Americanas? Janeiro/2023 Janeiro/20232 No relatório de hoje... Colocamos luz aos fatos recentes sobre as Lojas Americanas, mostrando até onde o problema da "nova dívida" de R$20 bilhões pode ir e o mais importante: NÃO COMPRE! 03 Janeiro/2023 Há uma frase memorável, a qual dá início ao livro Anna Karenina, que diz: “Todas as famílias felizes são iguais. Já as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira.” A princípio essa pode parecer uma frase boba, mas há nela uma reflexão maior do que o vislumbre inicial pode revelar. Existem vários fatores necessários para tornar uma família ser feliz: empatia, amizade, saúde, condição financeira razoável... Toda família feliz conta com todos esses fatores – e, por isso, toda família feliz é igual. Já as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira: uma por falta de dinheiro, outra por falta de saúde, outra por falta de empatia e assim por diante. 04 Janeiro/2023 É essa peculiaridade que torna os escândalos financei- ros tão fascinantes. As empresas boas, em geral, são todas iguais: geram caixa, têm barreiras de entrada, crescem razoavelmente bem e com um bom ROIC. Já as empresas ruins… Estas são ruins cada uma do seu jeito. E a Lojas Americanas acaba de fundar a sua pró- pria maneira. Na noite de quarta-feira, a Lojas Americanas revelou o fato relevante fatídico: em palavras obtusas, a empresa dizia que havia encontrado “inconsistências” da ordem de R$ 20 bilhões de reais. Como se não bastasse a sur- presa, o documento também informava que Sergio Rial, o qual havia assumido a presidência da companhia há meros 9 dias, deixava de imediato o cargo, assim como o Diretor de RI. Nunca vi e não conheço ninguém que tenha presencia- do um fato relevante com uma densidade tão grande de catástrofes. Em 1 página, a empresa foi dizimada. Na verdade, pra ser mais preciso, ela foi deixada em esta- do vegetativo. Isso porque o fato relevante era extre- mamente obscuro e não deixava claro o que havia acon- tecido. Na hora, eu presumi que a inconsistência em questão se devia a uma zona cinzenta da contabilidade na qual as varejistas gostam de transitar há décadas. 05 Janeiro/2023 Essa zona cinzenta é acerca da contabilização de uma operação chamada “Risco Sacado. Toda varejista tem essencialmente o mesmo negócio: ela compra o produto do fornecedor e vende ao cliente. O cliente normalmente paga a compra em parcelas (o famoso 12x sem juros). Ao contrário do que muita gente imagina, a maquininha não adianta o dinheiro para a loja na hora. Ela demora a recebê-lo, apesar de ter contas para pagar. Uma dessas contas é o fornecedor. Pagar aos fornecedores por produtos que você vendeu, mas não recebeu ainda, é muito ruim. É como se você esti- vesse “adiantando” um dinheiro a ele. E, aqui no Brasil, o dinheiro tem um custo bem alto. Pra não ter que ar- car com esse custo sozinha, a empresa negocia com o fornecedor para pagá-lo daqui a 30, 60 ou 90 dias. Ele aceita, mas isso não resolve o problema. Isso porque o fornecedor também tem contas a pagar. Logo, o pro- blema só foi repassado. Companhias como o Walmart chegam a ter capital de giro negativo, já que têm um po- der de negociação tão grandes que conseguem pagar os fornecedores em até 120 dias, enquanto recebem o dinheiro das vendas na hora. Essa pode parecer uma estratégia inteligente, mas não demora muito para ela se revelar uma faca de dois gumes. Ter capital de giro negativo é ótimo. É como se você ganhasse dinheiro 06 Janeiro/2023 de graça. O problema é que ao fazer isso às custas do fornecedor, ele pode quebrar. Daí, você fica sem ter de quem comprar e o cuspe cai sobre a própria cabeça. Exemplo: Fonte: Twitter Lojas Americanas 07 A solução encontrada para contornar esse dilema foi adotar o “Risco Sacado". Nele, o banco mais “colado” com a empresa adianta a grana que os fornecedores tem a receber. Com isso, em vez de dever aos forne- cedores, a empresa passa a dever ao banco. Simples, prático e todos saem felizes. Como essa operação es- tava se tornando cada vez mais comum, a CVM emitiu o Ofício Circular CVM/SNC/SEP nº 01/17, explicando no item 2 como o Risco Sacado deveria ser tratado na contabilidade. 08 Janeiro/2023 Nele, não resta dúvidas: como o banco financia o for- necedor e a companhia passa a dever ao banco e não mais ao fornecedor, a dívida deveria ser considerada como uma dívida onerosa. Em bom português, o va- lor deveria sair da linha “Fornecedores” e ir para “Em- préstimos e Financiamentos”, ambas dentro do Pas- sivo Circulante (em ocasiões onde o prazo dado pelos fornecedores era menor que 1 ano, como normalmen- te acontece). Além disso, caso o valor que poderia ter sido pago a vista ao fornecedor e o valor que ele aceitou receber a prazo (30, 60 ou 90 dias) sejam diferentes, essa di- ferença é encarada como juros. É a história do celular Fonte: Comissão de Valores Mobiliários 09 Janeiro/2023 que é vendida em 12x sem juros mas tem desconto à vista. Na prática, há juros, mesmo que disfarçado. Na prática, a existência desses juros aumentaria a despe- sa financeira da empresa e o fato da dívida ter saído da linha "Fornecedores” e ido para “Empréstimos e Fi- nanciamentos” fará com que que a dívida onerosa da empresa aumenta. E isso é exatamente o que ela não quer. Quando os bancos vão emprestar dinheiro para a empresa e os investidores vão analisar suas ações ou debêntures, os indicadores mais usados para iden- tificar o quão endividada a empresa está e qual a ca- pacidade dela de pagar novas dívidas são: Dívida Líquida/EBITDA Mostra quanto tempo demoraria para quitar toda a dívida. EBITDA/Resultado Financeiro Mostra quantos reais ela gera para pagar cada real de ju- ros da da dívida. Dívida Bruta/Patrimônio Líquido Mostra quanto de dinheiro da empresa veio dos acionistas e quanto veio dos credores. 10 Janeiro/2023 Como diz o ditado, o Diabo mora nos detalhes. A dí- vida levada em consideração nesses indicadores é a chamada “Dívida Onerosa” – empréstimos, financia- mentos e debêntures. Ou seja, nada de levar em conta o quanto é devido aos fornecedores. Portanto, caso você queira maquiar os resultados da empresa e fazer a dívida dela parecer menor do que realmente é, basta deitar e rolar em cima da interpretação de como deve ser contabilizado o Risco Sacado. Exatamente como a Americanas fez. Ao longo de anos, talvez décadas, ela insistiu numa interpretação diferente da CVM (lem- brando que num Ofício Circular, a CVM dá uma orien- tação às companhias sobre como fazer algo, mas não obriga ninguém a adotá-la). De acordo com essa interpretação peculiar, o dinhei- ro deveria continuar constando como uma dívida aos fornecedores, não aos bancos, já que a essência da transação não mudou. Ora, isso é basicamente dizer que o banco financiou o fornecedor de graça. Quem aprovaria algo assim? Bom, aparentemente, a PwC. Detalhe: ela é a mesma auditora da Magazine Luiza e Via Varejo. 11 Janeiro/2023 O que são os R$ 20 bilhões? A primeira interpretação dos investidores ao ler o fato relevante foi: “ok, a Lojas Americanas deve R$ 20 bilhões a mais e ninguém sabia, pois estava fora do Balanço Patrimonial”. Deixando claro: isso não é ver- dade. Não, a Lojas Americanas não encontrou Notas Promissórias no valor de R$ 20 bilhões perdidas em meio a CDs da Sandy&Junior, calcinhas e KitKats. O que o CEO quis dizer com “inconsistências no valor de R$ 20 bilhões” foi: ao longo do tempo, a Lojas Ame- ricanas registrou como dívida aos fornecedores quan- tias que deveriam estar registradas como Emprésti- mos e Financiamentos. O valor total que foi registrado errado ao longo desses anos é de R$ 20 bilhões. Pegou a ideia? É uma questão muito mais de nomen- clatura do que de dívidas perdidas por aí. É como se você pegasse R$ 1 emprestado com o Leonardo toda manhã e o pagasse à noite. Daí, depois de 2 anos vocêdescobriu que o nome dele é Leandro, não Leonardo. No total, você teve “inconsistências” de R$ 730, que foi o quanto que você emprestou pra pessoa errada ao longo de 2 anos. Não significa que você deve R$ 730. Afinal, você pagava todo dia à noite. 12 Janeiro/2023 É por isso que no mesmo fato relevante é dito que o efeito caixa disso é imaterial. Ele é imaterial porque a empresa não terá que tirar dinheiro do caixa para pagar mais do que ela já teria que pagar até aquele momento. Isso não significa, obviamente, que as con- sequências dessa descoberta serão imateriais. Com a correção e a eventual contabilização de parte do valor que está em fornecedores como emprésti- mos e financiamentos, a dívida onerosa da empresa sairia de R$ 24 bilhões para R$ 30 bilhões. Isso leva- ria os indicadores dos atuais a patamares maiores. A relação entre dívida e patrimônio líquido sairia de 1,63 para 1,97. Já o indicador Dívida Líquida/EBITDA iria de 2,25 para 3,52 ao considerarmos que ao menos 80% da linha “Fornecedores” deveria ser considerada dívi- da onerosa. O mais grave é essa mudança sutil. Dentre as debên- tures e os contratos de capital de giro da Lojas Ameri- canas, a covenant – uma cláusula que caso não cum- prida pode levar a dívida a ser cobrada antes prazo – dizia que o indicador Dívida Líquida/EBITDA não po- deria estar acima de 3,5. 13 Janeiro/2023 Fonte: Comissão de Valores Mobiliários Pra piorar, há nas dívidas dela cláusulas de cross-de- fault. Essa cláusula diz que, caso haja inadimplência em um dos empréstimos, todos os outros vencem an- tecipadamente. É como andar num campo minado: se você fizer besteira, uma mina estoura e leva à explo- são de todas as outras. O que acontece agora e o que recomendamos fazer? Pelo tamanho dela e da sua dívida, a Americanas aca- bou virando cliente de praticamente todos os grandes bancos brasileiros. Há, ao menos, R$ 6 bilhões vindos de bancos privados, os quais financiam o capital de giro dela. O restante, cerca de R$ 800 milhões, vem de bancos ou fundos públicos (BNDES, FINEP e BNB). Pra evitar que um calote dê origem a um efeito cascata, os grandes bancos, aparentemente, haviam concordado em rolar a dívida, evitando que a empresa fosse à lona e gerasse um risco sistêmico ao setor financeiro. En- quanto escrevo isso, rumores de que o BTG Pactual não compactuará com a extensão do prazo e exigirá o pagamento antecipado da dívida fizeram com que 14 Janeiro/2023 a Americanas desse entrada numa Tutela Cautelar de Urgência, impedindo o bloqueio, sequestro ou pe- nhora de bens da empresa, evitando com isso que ela precise pagar suas dívidas por um curto período de tempo que, provavelmente, será usado para que ela negocie com os credores ou entre com um pedido de Recuperação Judicial. A condição imposta por esses credores, anteriormen- te, para que a dívida fosse rolada é que a America- nas fizesse um aumento de capital em tempo recor- de, no intuito de angariar alguns bilhões de reais dos seus acionistas. O aumento de capital é um processo simples. Nele, a empresa emite (cria) novas ações e as vende para os investidores. Quem já tem ações ga- nha um direito de subscrição, o que dá o direito de comprar as novas ações emitidas. Essa é uma etapa importante porque evita que os acionistas atuais se- jam diluídos (passem a ter uma fatia menor do total de ações) contra a sua vontade. De qualquer forma, é bom lembrar que este é um direito, não uma obrigação. Caso você queira participar do aumento e comprar as novas ações, basta avisar a sua corretora. Caso você não queira, basta vender o direito de subscrição que você ganhou (sim, ele é um “papel” como outro qual- quer, com um código que você digita no Home Broker 15 Janeiro/2023 e negocia como se fosse uma ação). De acordo com fontes, o martelo seria batido hoje, definindo o valor total que será captado e a qual preço as novas ações serão vendidas. O grupo 3G (Marcel Telles, Beto Sicu- pira e Jorge Paulo Lemann) seria obrigado a participar. Ao que parece, perderam o martelo. Ou o Beto jogou na cabeça de alguém, como o ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez. Supondo que o aumento de capital venha a ocorrer, ele teria que ser da ordem de 3 a 5 bilhões de reais, pe- las nossas estimativas. Isso significaria uma diluição de 50% a 65% dos acionistas que optassem por ficar de fora dele. Logo, o lucro que uma ação da America- nas lhe daria direito hoje pode ser cortado ao meio em breve. Isso se ela voltar a dar lucro, o que não aconte- ceu ao longo do último ano. Por conta da imprevisibilidade em relação à decisão dos credores, da real possibilidade de falência e de uma diluição incerta da ordem de 50% a 65%, não re- comendamos a compra das ações de Americanas. A volatilidade será alta nos próximos dias, porém nosso objetivo não é jogar dados, mas sim investir em boas empresas e de forma racional. 16 Janeiro/2023 Abraços, Felipe Arrais e Ana Luiza Ana Luiza Erthal é especialista em ações da Spiti. Gradua- da em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e com especialização em Finanças pela Alumni Coppead, atuou em auditoria externa na KPMG e, na área de finanças corporativas com enfoque em valuation, na KPMG e na EY. Entende que investimentos de longo prazo em boas empre- sas têm um enorme poder de transformação na qualidade de vida das pessoas e de toda a sociedade. Por isso, pretende ajudar investidoras e investidores nessa importante jornada Felipe Arrais é analista CNPI, especialista em fundos de in- vestimentos e investimentos globais da Spiti. Engenheiro de gestão e bacharel em Ciência e Tecnologia pela Universida- de Federal do ABC, Arrais também é engenheiro mecatrôni- co pela Middlesex University London. Iniciou sua trajetória no mercado financeiro ainda em 2015, atuando como consultor financeiro autônomo, quando se apaixonou pelo trabalho di- recionado à pessoa física, mantendo total independência em suas recomendações. Especializou-se em análise de fundos de investimento trabalhando com recomendações voltadas a pessoa física atuando em casas de análise independentes e expandiu sua experiência com fundos de investimento e alo- cação para além da fronteira brasileira ao se tornar um dos principais nomes do país no tema investimentos no exterior. 17 Janeiro/2023 Disclaimer. Este relatório de análise foi elaborado pela Spiti Análise Ltda. (“Spiti Análise” ou “Spiti”) de acordo com todas as exigências previstas na Resolução CVM nº 20, de 25 de fevereiro de 2021, tem como objetivo fornecer informações que possam auxiliar o investidor a tomar sua própria decisão de investimento, não constituindo qualquer tipo de oferta ou solicitação de compra e/ou venda de qualquer produto. As informações contidas neste relatório são consideradas válidas na data de sua divulgação e foram obtidas de fontes públicas. A Spiti Análise não se responsabiliza por qualquer decisão tomada pelos assinantes com base no presente relatório. O(s) signatário(s) deste relatório declara(m) que as recomendações refletem única e exclusivamente suas análises e opiniões pessoais, que foram produzidas de forma independente, inclusive em relação à Spiti Análise e que estão sujeitas a modificações sem aviso prévio em decor- rência de alterações nas condições de mercado. O analista responsável pelo conteúdo deste relatório e pelo cumprimento da Resolução CVM nº 20/2021 está indicado acima, sendo que, caso constem a indicação de mais um analista no relatório, o responsável será o primeiro analista credenciado a ser mencio- nado no relatório. Os analistas da Spiti Análise estão obrigados ao cumprimento de todas as regras previstas no Código de Conduta da APIMEC para o Analista de Valores Mobiliários e na Política de Conduta dos Analistas de Valores Mobi- liários da Spiti Análise. Os produtos apresentados neste relatório podem não ser adequados para todos os tipos de investidor. Antes de qualquer decisão, os assinantes deverão realizaro processo de suitability e confirmar se os pro- dutos apresentados são indicados para o seu perfil de investidor. Este material não sugere qualquer alteração de carteira, mas somente orientação sobre pro- dutos adequados a determinado perfil de investidor. A rentabilidade de produ- tos financeiros pode apresentar variações e seu preço ou valor pode aumentar ou diminuir num curto espaço de tempo. Os desempenhos anteriores não são necessariamente indicativos de resultados futuros. As informações presentes neste material são baseadas em simulações e os resultados reais poderão ser significativamente diferentes. Este relatório é destinado à circulação exclusiva para a rede de relacionamento da Spiti Análise. Fica proibida sua reprodução ou redistribuição para qualquer pessoa, no todo ou em parte, qualquer que seja o propósito, sem o prévio consentimento expresso da Spiti. A Spiti se exime de qualquer responsabilidade por quaisquer prejuízos, diretos ou indiretos, que ve- nham a decorrer da utilização deste relatório ou seu conteúdo. 18 Janeiro/2023 Redes Sociais Site https://www.facebook.com/Spiti.Analise https://www.instagram.com/spiti_analise/ https://www.youtube.com/@SpitiAnalise https://lp.invistaspiti.com.br/ Face 2: Insta 2: YouTube 2: Site 2:
Compartilhar