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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR SULANNY DE SOUZA SAMPAIO ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O PERFIL SOCIOECONÔMICO E O DESEMPENHO ACADÊMICO NO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICA FORTALEZA 2020 SULANNY DE SOUZA SAMPAIO ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O PERFIL SOCIOECONÔMICO E O DESEMPENHO ACADÊMICO NO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICA Dissertação de Mestrado apresentada à coordenação do Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior da Universidade Federal do Ceará. Linha de pesquisa: Políticas Públicas da Educação Superior. Orientador: Prof. Dr. Maxweel Veras Rodrigues. FORTALEZA 2020 SULANNY DE SOUZA SAMPAIO ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O PERFIL SOCIOECONÔMICO E O DESEMPENHO ACADÊMICO NO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICA Dissertação de Mestrado apresentada à coordenação do Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior da Universidade Federal do Ceará. Linha de pesquisa: Políticas Públicas da Educação Superior. Aprovada em: 22/10/2020. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Prof. Dr. Maxweel Veras Rodrigues Universidade Federal do Ceará (UFC) ______________________________________________ Profa. Dra. Sueli Maria de Araújo Cavalcante Universidade Federal do Ceará (UFC) ______________________________________________ Profa. Dra. Ana Cláudia Uchôa Araújo Instituto Federal do Ceará (IFCE) A Deus. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo seu amor que excede todo entendimento. Aos meus pais, pelo amor, cuidado, dedicação, educação, conselhos e muita oração. Aos meus avós Sampaio e Rita, Almir e Maria do Carmo e minha tia Rute, pelo amor, oração e carinho que ultrapassa as barreiras do tempo e da distância. Ao Rafael, pelo companheirismo, pelo amor, motivação e paciência em relação a minha intensa rotina de estudos e trabalho. Ao meu orientador Prof. Dr. Maxweel Veras Rodrigues, pela orientação, disponibilidade, pelos ensinamentos, compreensão, incentivo, pelos momentos de descontração em meio à intensa demanda das atividades do mestrado e por sua alegria e bom humor que são únicos. As professoras participantes da banca examinadora Prof.ª Dra. Sueli Maria de Araújo Cavalcante e a Profa. Dra. Ana Cláudia Uchôa Araújo, pela disponibilidade e pelas valiosas contribuições ao trabalho. À Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas que efetiva as políticas da UFC para os servidores, pela concessão do afastamento necessário para cumprimento da carga horaria do curso. Aos colegas de trabalho, pela compreensão e apoio no período letivo e de produção da dissertação. Aos Professores do mestrado pelos conhecimentos transmitidos e pelo apoio. Aos colegas da turma de mestrado, pelas conversas, companheirismo, reflexões, críticas, sugestões recebidas e pelos momentos de convivência que contribuíram para equilibrar a rotina intensa. Em especial minha amiga Marcela, pela parceria na elaboração de artigos e seminários e meu amigo Gultierrez pelas conversas, conselhos, amizade, ambos foram fundamentais para tonar a caminhada do mestrado mais serena. RESUMO Nas últimas décadas a educação superior tem sido alvo de diversas políticas de democratização do acesso e permanência, objetivando alterar seu cenário que se caracterizava como excludente. Diante dessas ações, tem-se observado a diversificação do perfil dos discentes das instituições de ensino superior e com isso a preocupação em manter esse aluno com desempenho acadêmico satisfatório. Paralela a essa expansão, tem-se a consolidação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, com o objetivo de promover um processo de avaliação nacional, que assegure a qualidade da educação superior. Entre as ferramentas desse sistema, está o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) que avalia o desempenho dos discentes das IES. Este estudo, de caráter quantitativo, tem como objetivo estabelecer um método de análise da relação entre o perfil socioeconômico e o desempenho acadêmico no Enade, dos alunos do curso de Ciências Contábeis de uma instituição de ensino superior pública. Quanto à natureza, a pesquisa classifica-se como aplicada, e quanto aos propósitos, assume características de pesquisa descritiva. Como ferramentas de coleta de dados, foram utilizados dados secundários. Os dados referentes ao perfil socioeconômico e desempenho na prova do Enade foram coletados a partir dos microdados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Para a interpretação e análises de dados foram aplicados os métodos estatísticos: Anova, Análise de Correlação e Análise Fatorial. Os resultados obtidos através da aplicação da correlação revelam que, apenas o recebimento de bolsa acadêmica mostrou relação com o desempenho discente. Com a aplicação da análise fatorial, complementando o estudo, identificou-se que as variáveis com maiores pesos na relação com o desempenho discente foram as relacionadas com a situação de moradia, situação financeira, forma de ingresso na graduação e incentivo familiar. Observa-se, portanto, que existem variáveis que compõem o perfil socioeconômico que possuem relação com o desempenho discente e por isso devem ser analisadas pelos gestores, objetivando elaborar ações que busquem sanar possíveis deficiências que possam interferir na formação discente e consequentemente no seu desempenho. Palavras-chave: Perfil socioeconômico. Desempenho acadêmico. Ciências contábeis. ABSTRACT Throughout the last decades, higher education has been the target of several policies to democratize access and permanence, aiming to alter its scenario characterized by its exclusiveness. In face of such actions, there has been a diversification of the profile of students in higher education institutions and, with that, the concern to keep such student with a satisfactory academic performance. Parallel to this expansion, there is the consolidation of the National System of Higher Education Assessment, with the aim of promoting a national assessment process that ensures the quality of higher education. Among the tools of such system is the National Exam of Student Performance (Enade), which assesses the performance of students from HEIs. This quantitative study aims to establish a method of analyzing the relationship between the socioeconomic profile and the academic performance at Enade, of students enrolled in the Accounting Sciences course at a public higher education institution. In regards to the study’s nature, it is an applied research, and, as for its purposes, it assumes characteristics of a descriptive research. Secondary data were used as data collection tools. The data regarding the socioeconomic profile and performance at the Enade exam were collected from the microdata provided by the National Institute for Educational Studies and Research Anísio Teixeira. The Statistical methods: Anova, Correlation analysis e Factor analysis were applied for the interpretation and analyses of data. The results obtained through the application of correlation revealed that only the receipt of an academic scholarship has been shown to have a relation to student’s performance. With the application of factor analysis, thus complementing the study, it was identified that the variables with thegreatest weight in relation to student performance were those related to the housing situation, financial situation, manner of enrollment in the undergraduation course and family incentive. It is observed, then, that there are variables that make up the socioeconomic profile that are related to student’s performance and therefore must be analyzed by managers in order to develop actions that seek to remedy possible deficiencies that may interfere with the student’s education and consequently their performance. Keywords: Socioeconomic profile. Academic performance. Accounting sciences. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Exemplos de gráficos de dispersão................................................................... 45 Figura 2 – Níveis de correlação.......................................................................................... 46 Figura 3 – Método proposto................................................................................................ 52 Figura 4 – Sentido e força da correlação em função do valor r.......................................... 56 Figura 5 – F de significância de cada questão a partir da Anova (Nota Geral) ................. 80 Figura 6 – F de significância de cada questão (Nota de Formação Geral) ........................ 80 Figura 7 – F de significância de cada questão (Nota do Componente Específico) ........... 81 Figura 8 – Questões com relação direta com a Nota Geral................................................ 81 Figura 9 – Questões com relação inversa com a Nota Geral.............................................. 81 Figura 10 – Questões com relação direta com a Nota de Formação Geral........................... 82 Figura 11 – Questões com relação direta com a Nota do Componente Específico.............. 82 Figura 12 – Questões com relação inversa com a Nota de Formação Geral........................ 82 Figura 13 – Questões com relação inversa com a Nota de Componente Específico............ 82 Quadro 1 – Divisão da prova do Enade................................................................................ 32 Quadro 2 – Classificação metodológica............................................................................... 51 Gráfico 1 – Quantas pessoas da família moram com o discente.......................................... 66 Gráfico 2 – Tipo de escola que cursou o Ensino Médio....................................................... 67 Gráfico 3 – Situação de trabalho.......................................................................................... 68 Gráfico 4 – Recebimento de Bolsa Acadêmica.................................................................... 70 Gráfico 5 – Médias da prova de Formação Geral e Específica (UFC x Brasil) .................. 75 Gráfico 6 – Nota Geral dos discentes de Contabilidade da UFC......................................... 76 Gráfico 7 – Notas de Formação Geral.................................................................................. 77 Gráfico 8 – Notas de Formação Específica.......................................................................... 78 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Análise de variância.......................................................................................... 44 Tabela 2 – Caraterização dos alunos participantes do Enade 2015.................................... 64 Tabela 3 – Onde o discente mora e com quem................................................................... 66 Tabela 4 – Situação Financeira........................................................................................... 69 Tabela 5 – Perfil Socioeconômico predominante............................................................... 71 Tabela 6 – Componentes da Nota de Formação Geral....................................................... 73 Tabela 7 – Componentes da Nota de Formação Específica............................................... 74 Tabela 8 – Desempenho dos discentes de Contabilidade da UFC..................................... 75 Tabela 9 – Confiabilidade das dimensões do estudo – Cenário 1...................................... 83 Tabela 10 – Confiabilidade das dimensões do estudo (Nota de Formação Geral) .............. 84 Tabela 11 – Confiabilidade das dimensões do estudo (Nota Componente Específico) ....... 84 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLA ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior AF Análise Fatorial ANOVA Análise de Variância CASa Comunidade de Cooperação e Aprendizagem Significativa CONSUNI Conselho Universitário ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes ENC Exame Nacional de Cursos ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FEAAC Faculdade de Econômica, Administração, Atuaria, Contabilidade e Secretariado Executivo FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior FONAPRACE Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis ICA Instituto de Cultura e Arte IES Instituição de Ensino Superior IFES Instituições Federais de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IRA Índice de Rendimento Acadêmico KMO Teste de Kaiser – Meyer – Oklin MEC Ministério da Educação ONG Organização Não Governamental PAIUB Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil PROUNI Programa Universidade Para Todos PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SiSU Sistema de Seleção Unificada SQER Soma de quadrados de erro SQTR Soma de quadrados de tratamento STQ Soma total dos quadrados UFC Universidade Federal do Ceará UFES Universidade Federal do Espírito Santo UFFS Universidade Federal da Fronteira Sul UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSJ Universidade Federal de São João del-Rei UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso UNESPAR Universidade Estadual do Paraná UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13 1.1 Contextualização e problematização .................................................................. 13 1.2 Objetivos ................................................................................................................ 16 1.2.1 Objetivo geral ......................................................................................................... 16 1.2.2 Objetivos específicos .............................................................................................. 16 1.3 Estrutura do trabalho .......................................................................................... 16 2 ENSINO SUPERIOR NO BRASIL .................................................................... 18 2.1 Políticas de acesso ao ensino superior ................................................................. 18 2.2 O novo perfil discente das universidades ........................................................... 24 2.3 A UFC e a democratização do ensino superior .................................................. 28 2.4 Considerações ....................................................................................................... 30 3 DESEMPENHO ACADEMICO EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR ...........................................................................................................31 3.1 Desempenho acadêmico na Educação Superior ................................................ 31 3.2 Desempenho acadêmico na UFC ......................................................................... 35 3.3 Desempenho acadêmico em Ciências Contábeis ................................................ 38 3.4 Considerações ....................................................................................................... 42 4 FERRAMENTAS ESTATÍSTICAS DE SUPORTE AO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO: ANÁLISE DE VARIÂNCIA, CORRELAÇÃO E ANÁLISE FATORIAL ....................................................... 43 4.1 Análise de variância ............................................................................................. 43 4.2 Coeficiente de correlação ..................................................................................... 45 4.3 Análise fatorial ...................................................................................................... 46 4.4 Considerações ....................................................................................................... 48 5 METODOLOGIA DO ESTUDO ........................................................................ 50 5.1 Metodologia da pesquisa ...................................................................................... 50 5.2 Método proposto ................................................................................................... 52 5.2.1 Fase 1 - Descrever o ambiente onde será aplicado o estudo e definir a amostra 53 5.2.2 Fase 2 - Analisar dados referentes as informações socioeconômicas dos alunos ..................................................................................................................... 54 5.2.3 Fase 3 - Analisar os dados dos rendimentos dos discentes no Enade ................. 54 5.2.4 Fase 4 - Definir a relação entre o perfil socioeconômico e o desempenho dos discentes e sua intensidade .................................................................................... 55 5.2.4.1 Etapa 4.1 – Aplicar a Análise de variância ........................................................... 55 5.2.4.2 Etapa 4.2 – Aplicar a Correlação .......................................................................... 55 5.2.4.3 Etapa 4.3 - Aplicar a Análise fatorial .................................................................... 56 5.3 Considerações ....................................................................................................... 57 6 APLICAÇÃO DO MÉTODO PROPOSTO ....................................................... 58 6.1 Fase 1 - Descrição do ambiente onde será aplicado o estudo e definição da amostra .................................................................................................................. 58 6.2 Fase 2 - Análise dos dados referentes as informações socioeconômicas dos alunos ..................................................................................................................... 63 6.3 Fase 3 - Análise dos dados dos Rendimentos dos discentes no Enade ............. 72 6.4 Fase 4 - Definição da relação entre o perfil socioeconômico e o desempenho dos discentes e sua intensidade ............................................................................ 79 6.4.1 Etapa 4.1 – Aplicar a Análise de variância .......................................................... 79 6.4.2 Etapa 4.2 – Aplicar a Correlação .......................................................................... 81 6.4.3 Etapa 4.3 – Aplicar a Análise fatorial .................................................................. 83 6.4.4 Análise dos resultados ........................................................................................... 84 6.5 Considerações ....................................................................................................... 88 7 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 90 7.1 Conclusões da pesquisa ........................................................................................ 90 7.2 Limitações da pesquisa ........................................................................................ 93 7.3 Sugestões para trabalhos futuros ........................................................................ 93 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 94 APÊNDICE A – ANOVA – NOTA GERAL ...................................................... 107 APÊNDICE B – ANOVA – NOTA DE FORMAÇÃO GERAL ...................... 114 APÊNDICE C – ANOVA – NOTA DO COMPONENTE ESPECÍFICO ...... 121 ANEXO A – QUESTIONÁRIO DO ESTUDANTE (INEP) ............................ 128 13 1 INTRODUÇÃO Este estudo se inicia com o presente capítulo que versa sobre os seguintes tópicos: definição do problema, objetivos e estrutura do trabalho. 1.1 Contextualização e problematização A história da educação superior no Brasil é marcada pelo seu início tardio, em relação aos outros países da América Latina, e pela dificuldade de acesso das camadas pobres da população do país, sendo assim, por muito tempo, um privilégio da elite brasileira. Apesar da expansão do ensino superior que ocorreu no governo militar (1964- 1985), pode-se afirmar que ela beneficiou mais diretamente as instituições de ensino superior privadas, não promovendo amplo acesso para a camada pobre da população apta a esse nível de ensino. Com a promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e da Lei 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), foi possível observar, ainda que de forma tímida, a ampliação do acesso à Educação Superior. Os anos seguintes ao ano 2.000, por sua vez, foram marcados por vários programas e políticas governamentais de acesso e permanência ao ensino superior, seja esse acesso a uma instituição privada ou pública, em cursos presenciais ou a distância. Em ambos os casos é observado um aumento de ingressos. Segundo o Censo da Educação Superior 2017, houve aumento de 56,4% no número de matrículas nos cursos de graduação entre 2007 e 2017, com média de crescimento anual de 4,6% (INEP, 2018). A variação de 2017 para 2018 foi menor, crescimento de apenas 1,9% nas matrículas (INEP, 2019a). Entre os programas que ampliaram o acesso às instituições federais de ensino superior (IFES) estão o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de abril de 2007 (BRASIL, 2007a), que tem seu objetivo disposto logo no art. 1º “[...] criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais” e a Lei 12.711/2012 (BRASIL, 2012b, p. 1) que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 63 universidades federais e 40 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. 14 Esse contexto promoveu a diversificação do perfil dos discentes das Instituições de Ensino Superior (IES), decorrente das políticas públicas inclusivas, que passaram a receber alunos considerados vulneráveis economicamente e, por isso, com níveis de educação de base bastante distintos. Nas instituições federais, não foi diferente, pois essa mudança é notória e objeto de pesquisa de vários autores. Nesse enfoque, surge a preocupação com o desempenho acadêmico satisfatório, tendo em vista que, acredita-se que a conclusão do curso superior é o fator que possibilitará a competitividade no mercado de trabalho e não apenas, o fato de estar matriculado em uma universidade.A universidade tem o papel de fornecer educação adequada aos discentes de forma que os torne aptos a escolher pela atividade profissional para a qual foram capacitados ou dar continuidade a formação acadêmica. Vários pesquisadores realizaram estudos objetivando investigar o desempenho acadêmico dos alunos oriundos das políticas de acesso e permanência a educação superior e dos discentes em geral após a implantação dessas políticas (CAVALCANTI et al., 2019; MOREIRA; PEREIRA, 2017; SIMON; SILVA; PACHECO, 2017; TRESOLDI et al., 2015). Paralelo à expansão da educação superior ocorre a promulgação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), instituído pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, com o objetivo de, art. 1º “[...] assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes [...]” (BRASIL, 2004a, p. 1). Acredita-se que as Instituições de Ensino Superior possuam seus próprios métodos para mensurar o desempenho acadêmico dos seus alunos, o quanto do que foi ensinado foi absorvido pelo discente. Todavia, com a instituição do Sinaes, foi possível analisar todo universo das instituições de ensino superior, quanto à avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes, sob os mesmos parâmetros. Dentro do Sinaes, no que se refere à mensuração do desempenho dos discentes, existe o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) que possibilita ainda, a produção de indicadores de qualidade. Segundo Freitas et al. (2015), o relatório elaborado a partir dos resultados obtidos com a aplicação do exame é muito importante para os gestores das IES, sendo muito útil para a tomada de decisões. Diante desse cenário, vários estudiosos têm buscado investigar que fatores influenciam no desempenho acadêmico. E em algumas pesquisas, inclusive, os pesquisadores 15 relacionam esses itens com o perfil socioeconômico, porém na sua grande maioria, objetivando, apenas, comprovar a existência da relação entre eles. Dentro do universo dos cursos de graduação, destaca-se o curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Ceará (UFC) por ser um dos mais antigos, que remonta ao ano de 1949, quando da sua criação e por formar um dos profissionais mais antigos e essenciais para as empresas, o contador. O curso é ofertado pela UFC desde os anos de 1956 e apresenta ótimo desempenho nos sistemas de avaliação do Ministério da Educação (MEC). O Curso é bastante procurado pelos futuros graduandos e possui baixa quantidade de evadidos, quando comparado com demais cursos da instituição. Isto posto, faz-se necessário investigar a relação entre o perfil socioeconômico do discente das IFES, dentro do cenário das políticas de democratização da educação superior, e o desempenho acadêmico no Enade e em que intensidade essa relação ocorre. Esta pesquisa é relevante sob o aspecto de várias perspectivas, principalmente, a institucional, a acadêmica e a social. Na perspectiva institucional, a pesquisa contribuirá com subsídios que possibilitem o estabelecimento de ações e políticas institucionais voltadas para uma maior qualidade na formação dos estudantes universitários, proporcionando ensino de qualidade que promova a eficácia e a equidade. Sob a ótica acadêmica, com a proposta de pesquisa, pretende-se colaborar com os estudos sobre a relação entre o perfil socioeconômico e o desempenho acadêmico, ampliando o arcabouço teórico que trata o tema, possibilitando a elaboração de ações efetivas que melhorem os resultados e indicadores e, que mensuram o desempenho acadêmico dos discentes. Do ponto de vista social, destaca-se a importância do desempenho acadêmico satisfatório, pois resulta em profissionais mais preparados, repercutindo positivamente na sociedade de maneira geral. Diante do exposto, levantou-se o seguinte questionamento: Como definir um método de análise da relação entre o Perfil Socioeconômico e o desempenho acadêmico dos alunos do Curso de Ciências Contábeis de uma instituição de ensino superior pública no Enade e em que intensidade ocorre? 16 1.2 Objetivos Diante do problema proposto, apresentam-se os objetivos geral e específicos, norteadores do presente estudo. 1.2.1 Objetivo geral Estabelecer um método de análise da relação entre o perfil socioeconômico e o desempenho acadêmico dos alunos do Curso de Ciências Contábeis de uma Instituição de Ensino Superior Pública no Enade e em que intensidade ocorre. 1.2.2 Objetivos específicos a) Analisar os perfis socioeconômicos existentes em discentes do Curso de Ciências da Universidade Federal do Ceará b) Avaliar o rendimento acadêmico dos alunos do Curso de Ciências da Universidade Federal do Ceará c) Identificar as relações encontradas entre o perfil socioeconômico e rendimento acadêmico. 1.3 Estrutura do trabalho Este trabalho encontra-se estruturado em sete capítulos, descritos a seguir: O Capítulo 1 apresenta a introdução do trabalho, contendo a contextualização da pesquisa, sua importância na prática, o problema a ser estudado, o objetivo geral e objetivos específicos, que norteiam a pesquisa, e a estrutura a ser seguida. O Capítulo 2 traz uma contextualização sobre as políticas de acesso a educação superior, o novo perfil discente das universidades, consequência dessas políticas, além de apresentar o processo de democratização na Universidade Federal do Ceará (UFC) na visão dos pesquisadores como Ristoff (2014), Oliveira e Silva (2017) e Dias Sobrinho (2013). O Capítulo 3 trata do desempenho acadêmico, sua mensuração e relevância, na perspectiva no ensino superior, no curso de Ciências Contábeis e no âmbito da Universidade Federal do Ceará, sob a ótica dos pesquisadores Freitas et al. (2015), Miranda et al. (2015), Feldmann e Souza (2016). 17 O Capítulo 4 apresenta as técnicas estatísticas utilizadas para alcance do objetivo proposto. São elas: análise de variância, análise de correlação e análise fatorial. O Capítulo 5 traz a metodologia aplicada no estudo, a classificação do trabalho, sob a ótica de autores como Ganga (2012), Gil (2008, 2010) e Yin (2010), além de apresentar o método proposto. O capítulo 6 aborda a aplicação do método proposto e a análise dos resultados obtidos. No sétimo e último capítulo, constam as considerações finais do estudo, limitações da pesquisa e sugestões para trabalhos futuros. Ao final do trabalho seguem as referências, anexo e apêndices. 18 2 ENSINO SUPERIOR NO BRASIL Neste item, o ensino superior é tratado sob a ótica das políticas de democratização de acesso e permanência, de maneira que se consiga entender o contexto em que se forma a política de acesso à educação superior, inclusive na UFC e a mudança no perfil discente, em decorrência desse novo cenário. Para isso, são abordados os aspectos teóricos a respeito do assunto e o cenário em que se deu esse avanço educacional, sob a visão de autores como, Ristoff (2014), Oliveira e Silva (2017), Dias Sobrinho (2013). Em seguida, são apresentadas pesquisas que buscaram abordar a alteração do perfil discente, após essas mudanças. Por fim, este item traz pesquisas que abordam a democratização no âmbito da Universidade Federal do Ceará. 2.1 Políticas de acesso ao ensino superior Um país com uma elevada desigualdade social e dificuldade em manter uma economia estável, muitas vezes, não consegue garantir os direitos sociais impostos na sua Constituição Federal, como é o caso do Brasil. A educação é um desses direitos. Dias Sobrinho (2013) chega a afirmar que a educação é um bem público, indispensável aos cidadãos e que há uma distinção básica entre o que o autor chama de educação-bem público e educação-mercadoria. A primeiratem como diretriz o aperfeiçoamento do bem comum, de acordo com valores da equidade e da igualdade democrática e social; a segunda tem como objetivo gerar lucro para seus investidores e desenvolver uma sociedade competitiva e cada vez mais individualista. O ensino superior é ofertado por instituições públicas e por instituições privadas, porém, Vieria, Troccoli e Silva (2011) afirmam que a maior parte da educação superior é ofertada pelo setor privado. As políticas neoliberais na educação superior foram bastante estimuladas nos governos que atuaram entre 1995-2002, fragilizando o setor público e viabilizando o crescimento indiscriminado de IES e cursos na rede privada (PAULA, 2017). O problema é que a grande maioria das pessoas com perfis para ingressar em cursos de nível superior não possui poder aquisitivo suficiente para custear o ensino nessas instituições privadas. No cenário das instituições públicas, Costa, Barbosa e Goto (2011) afirmam que o ensino superior sempre foi considerado como algo de difícil acesso para a maioria dos brasileiros, devido à baixa competitividade dos alunos das escolas públicas frente aos alunos 19 das escolas particulares, decorrente da deficiência na qualidade do ensino básico gratuito, no momento das seleções para as universidades públicas. Oliveira e Silva (2017) afirmam que ao longo dos anos o ensino superior vem se caracterizando como excludente e para combater isso, o governo federal tem realizado ações objetivando garantir o acesso à população historicamente excluída. Diante desse cenário, as duas últimas décadas têm apresentado um avanço quando se trata de políticas de democratização da educação superior. Ristoff (2014) segrega esse avanço em dois momentos, o primeiro entre 1999 e 2003, observado pelas altas taxas de crescimento, notadamente em função da proliferação de instituições privadas. O segundo momento, são os anos seguintes, que mantêm o crescimento, porém, em harmonia com as políticas de inclusão social, uma expansão relacionada à democratização do que o autor chama de campus brasileiro. Observa-se o entendimento pacificado dos pesquisadores quanto ao cenário bastante desfavorável para o acesso a cursos de nível superior pelas classes menos favorecidas, mas, também, o reconhecimento do surgimento de ações para possibilitar a reversão dessa situação e o avanço da educação superior no Brasil. Dentro desse cenário, tem-se a política pública que é o instrumento que coloca em execução as ações que o governo decide ou não executar, muitas delas, criadas a partir das necessidades apresentadas pelos cidadãos e condicionada à existência de orçamentos. Logo, tem-se a elaboração de uma política pública a partir da identificação do problema a ser solucionado, seguido da definição dos focos de atuação do governo, e dos focos que a política abrangerá, posteriormente executa-se o planejado e, paralelo a isso, monitora-se e avalia-se o que está sendo realizado para possíveis ajustes (BARBOSA, 2015). A política de acesso ao ensino superior surge então, da deficiência do estado em possibilitar o ensino base de qualidade que conceda a todos os estudantes condições de competir de forma igualitária a vagas no ensino superior público, e da deficiência em manter uma economia estável que geraria uma sociedade com condições de proporcionar a seus filhos o acesso ao ensino superior, ainda que em instituições privadas. Entre as políticas adotadas para propiciar a democratização do acesso à educação superior estão às políticas voltadas para o setor privado e para o setor público. No âmbito privado, pode-se destacar o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) criado pela Lei nº 10.260/2001 (BRASIL, 2001) e redefinido pela Lei nº 12.202/2010 (BRASIL, 2010b), período de grande procura e adesão e o Programa Universidade para Todos 20 (ProUni) criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizada em 2005 através da Lei n 11.096/95 (BRASIL, 2005). Paralelo a essas ações, tem-se em 2006 a instituição do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, através do Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006 (BRASIL, 2006), que segundo Barretto (2015) tinha a intenção de possibilitar a ampliação da educação superior no setor público e para as populações distantes dos centros onde se concentram as IES, via educação a distância. No âmbito das instituições de ensino superior públicas, houve várias ações que objetivaram possibilitar o amplo acesso e a permanência dos diversos perfis de alunos aptos à educação superior nas instituições. No ano de 2007 foi instituído o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), por meio do Decreto nº 6.096/ 2007 (BRASIL, 2007a). O programa objetivou criar condições de expansão física, acadêmica e pedagógica na rede federal de educação superior. Em 2008, a Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008) instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica criando, entre outros, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que são instituições que oferecem a educação superior e foram um forte instrumento para a expansão e democratização do Ensino Superior público. Posteriormente, tem-se a criação do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) pelo Ministério da Educação, no ano de 2010, objetivando utilizar os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), juntamente com um conjunto de ações afirmativas, como critério de seleção nas instituições públicas de educação superior, em substituição ao vestibular tradicional (RISTOFF, 2014). Esse sistema de seleção possibilitou ao candidato optar por até duas escolhas de cursos e selecionar qualquer universidade do país, caso existisse vaga disponível. Em julho de 2010, é promulgada uma importante normativa que trata do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), por meio do Decreto nº 7.234/2010 (BRASIL, 2010a), objetivando democratizar a permanência dos jovens, minimizar os efeitos das desigualdades sociais, reduzir as taxas de retenção e evasão e contribuir para a promoção da inclusão social pela educação. Essa foi uma ação muito importante, tendo em vista que voltou seu olhar para meios que possibilitassem a permanência dos jovens na educação superior, principalmente aqueles que seriam oriundos de uma política posterior ao PNAES, a Lei das cotas. Um mês depois da promulgação do PNAES, em agosto de 2012, é publicada a Lei nº 12.711/2012, dispondo sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições 21 federais de ensino técnico de nível médio e determinando a reserva de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Costa, Barbosa e Goto (2011) afirmam que, a população estava demandando junto às políticas governamentais o acesso à educação superior, entre outros, por meio da criação ou reservas de vagas e democratização do acesso. A Lei das cotas se apresenta então, como uma ação afirmativa que objetiva reduzir as distorções existentes (ASSAD, 2013). Observa-se uma sequência de ações por parte do governo com o objetivo de sanar a demanda da sociedade por inclusão social na educação superior e, com isso, a ampliação de oportunidades no mercado de trabalho, seja ele público ou privado, que surgem em decorrência dessa capacitação adquirida através de um curso de nível superior. Os resultados efetivos dessas políticas podem ser vistos em várias pesquisas, trabalhos científicos e, inclusive, em dissertações. Abreu (2013) verificou em seus achados que, do ponto de vista institucional, a adoção do Enem/SiSU e, posteriormente, as cotas pela UFC, provocou o que ele chamou de uma leve deselitização discente. A dissertação de Fontele (2013) que objetivou analisar criticamente o ProUni, de acordocom a opinião dos beneficiários, relacionando o que pretendia o programa em seu texto legal e sua efetividade na busca da redução da desigualdade social, concluiu, entre seus achados, que o programa foi avaliado positivamente pelos discentes apesar de carecer de ajustes. O trabalho de Suliano (2013) identificou que o processo de interiorização da UFC, possibilitado de forma mais acentuada em decorrência do Reuni, se mostrou imprescindível ao desenvolvimento regional dos locais onde a instituição se instalou, além de repercutir de forma bastante positiva no cotidiano da população beneficiada. Para Trevisol e Nierotka (2015), a Lei das cotas teve um impacto bastante representativo para a realidade brasileira, pois anterior a essa lei a maioria das instituições não adotavam políticas voltadas às minorias e aquelas que faziam, tinham seus próprios critérios, que nem sempre garantia acesso à população marginalizada. Os achados de Araújo e Santos (2014a), no trabalho realizado com moradores da cidade de São João del-Rei, identificaram que, apesar dos entrevistados não terem grande conhecimento a respeito do termo Reuni, os moradores reconhecem que a expansão repercutiu em crescimento para a cidade com a melhoria das condições de vida e reconhecem mudanças positivas como oportunidade de trabalho, estudo e atividades. 22 Em outro trabalho, as autoras Araújo e Santos (2014b) objetivaram investigar a opinião de gestores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) acerca dos impactos produzidos na cidade após a adesão da UFSJ ao Reuni e identificaram, entre outros, que os gestores compreenderam que os impactos do Reuni não se limitam à comunidade interna, mas atinge a cidade integralmente. Heringer (2014) aponta que as políticas de ação afirmativa foram um importante fator para propiciar um cenário de muitos avanços no que diz respeito à ampliação do acesso ao ensino superior para estudantes oriundos de escolas públicas, negros e indígenas. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a adesão ao Reuni, passou por uma grande expansão. Em 2001, foram ofertadas 6.118 vagas para ingressantes e, em 2011, esse número aumentou para 10.406 vagas. O número de matrículas cresceu de 25.379 em 2001 para 39.856 em 2010, um aumento anual no número de ingressantes equivalente a 7%. A UFRJ aderiu ao SiSU e ao sistema de reserva de vagas e criou uma superintendência responsável pelas políticas de permanência e assistência estudantil (HERINGER; HONORATO, 2015). Na pesquisa de Arruda e Gomes (2015), evidenciou-se que, após a prática do Reuni na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), houve grande diferença entre o número de aprovados oriundos de escola pública. Os autores afirmam ainda que, em uma sociedade com elevado grau de desigualdade, a democratização da educação superior demanda políticas de acordo com a composição da estrutura social desse país. A interiorização da educação superior, fruto das políticas públicas de acesso e democratização, na região Sudoeste do Paraná, produziu não apenas mão de obra qualificada e novos conhecimentos, mas levou a comunidade a vislumbrar uma realidade diferente do que existia no lugar, além de estimular o desenvolvimento regional, através de novas alternativas (MASSUCATTO; PEZARICO; OLIVEIRA 2016). Observa-se que os autores têm identificado impactos positivos nas ações de democratização, não apenas para os estudantes, mas para a localidade onde as universidades estão inseridas. Sobre os impactos da Lei das cotas, os achados de Karruz (2018) indicaram que, em Minas Gerais, essa lei aqueceu a demanda pelo ensino superior entre seu público, reduziu as desigualdades no acesso para concluintes do ensino médio e foi mais efetiva nas licenciaturas e cursos diurnos. Souza e Brandalise (2017) analisaram a democratização do acesso e permanência no ensino superior na perspectiva de seus implementadores, sob a ótica da política de cotas, 23 em uma Instituição de Ensino Superior pública estadual paranaense e afirmaram que a política é efetiva, pois possibilita a democratização do acesso para uma parcela de estudantes antes excluídos do ensino superior. A pesquisa de Carvalho e Waltenberg (2015) analisou evolução da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior no Brasil, comparando o ano de 2013 e 2003 (antes da política de ações afirmativas no acesso ao ensino superior público) e identificou que houve transferência de oportunidades dos grupos não vulneráveis para os grupos vulneráveis e um leve aumento no acesso à educação superior, no espaço de uma década. Gómez e Torres (2015) discutiram em sua pesquisa o acesso e a evasão nos cursos de Engenharia do Campus Medianeira da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e afirmaram que boa parte da ampliação do acesso à universidade ocorreu como consequência do aumento das vagas nas Instituições Federais, por meio do Programa de Apoio à Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e constataram que, apesar da adoção do SiSU não ter reduzido a evasão, a partir da implementação das ações de permanência estudantil realizadas por meio do PNAES, pode-se perceber essa redução. Os autores identificaram ainda que, a partir da implementação e ampliação do PNAES, pode-se perceber de forma mais acentuada a queda da evasão dos cursos de engenharia investigados na pesquisa. Filipak e Hennerich Pacheco (2017) afirmam que a democratização do acesso à educação superior é indispensável no cenário de construção da “sociedade do conhecimento”, nas mudanças no mundo do trabalho, nas alterações que vem ocorrendo no papel do Estado e quanto à garantia do acesso e da permanência, essas se mostram indispensáveis para a construção de uma sociedade justa, igualitária e democrática. Ainda que estatisticamente a sociedade brasileira ainda seja altamente desigual, com um sistema de ensino claramente excludente, as políticas de ações afirmativas surgem como um movimento em direção à democratização do acesso (DENTZ; SATO; VALLE, 2019). Entre as conclusões da pesquisa de Dias Sobrinho (2013) está a afirmação que, a democratização da educação superior não é apenas ampliação de acesso, mas qualidade, pertinência e relevância social e que essa democratização deve fazer parte da democratização da sociedade. Além do entendimento que a elevação da qualidade de todo o sistema educativo reflete na melhoria da qualidade da educação superior e, consequentemente, em transformações da sociedade. 24 A educação superior promove a mobilidade social, pois o mercado de trabalho da sociedade atual tem exigido o diploma com o requisito para as vagas ofertadas, e possibilita a igualdade de resultados (GISI; PEGORINI, 2016). O compromisso em tornar a educação superior mais democrática não pode estar limitado apenas na ampliação de vagas e oportunidades de acesso, mas em entender que é importante preocupar-se com o sucesso acadêmico dos discentes, que está vinculado à qualidade do ensino superior (USTÁRROZ; QUADROS; MOROSINI, 2017). É imprescindível possibilitar o acesso à educação superior através de políticas que, quando executadas, geram os resultados esperados, como observado nos achados dos diversos pesquisadores apresentados, porém, é fundamental atrelar a isso a qualidade do ensino ofertado e os mecanismos que garantam a conclusão do curso ofertado. 2.2 O novo perfil discente das universidades A democratização do acesso à educação superior possibilitou a diversificação do perfil dos ingressantes e, por isso, a investigação desse assunto passou a ser objeto de estudo de vários pesquisadores e estudiosos. Esse interesse pode ser observado em relação à educação superior como um todo e em cursos específicos. A pesquisa de Santos (2012) caracterizou socioeconomicamente os discentesde Psicologia, Administração e Direito, oriundos do ProUni na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e identificou que os beneficiados pertencem aos grupos de classe social, renda, cor e origem escolar que, por muitos anos, tiveram pouca participação no ensino superior. A autora afirma, ainda, que os resultados de sua pesquisa sugerem que o Programa Universidade para Todos (ProUni) funcionou de forma positiva para a inclusão dos grupos excluídos da educação superior. Bisol e Valentini (2012) afirmam que a expansão da educação superior modificou o perfil dos estudantes e que essa mudança é percebida pelos professores. Essa alteração reflete, inclusive, na qualificação dos professores que tem que repensar suas práticas pedagógicas dentro desse novo cenário. Ao analisar os estudantes ingressantes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), oriundos do programa de reserva de cotas sociais, observou-se que esses estudantes contribuíram para alterar o perfil dos discentes dos cursos considerados de maior prestígio social, no que se refere à renda familiar e grau de escolaridade dos pais (MONGIM, 2012). 25 Ristoff (2014) buscou discutir até que ponto o conjunto de políticas para expansão da educação superior, citada no tópico anterior, é perceptível no perfil socioeconômico dos estudantes de graduação e começou a alterá-lo. Entre outros achados, o autor enfatiza que, pode-se constatar que nas universidades federais, o campus brasileiro ganhou uma maior variedade de perfis, refletindo o que o autor chama de a cara do Brasil. Feres Júnior e Daflon (2014) afirmam que a educação tem a capacidade de influenciar a mobilidade social e a distribuição de oportunidades, e, em sociedades com histórico de grande desigualdade social e educacional, como é o caso do Brasil, desigualdades ainda mais acentuadas para as populações pretas e pardas, somente a adoção de políticas de ação afirmativa podem modificar essa realidade. Entre os resultados encontrados no trabalho dos autores, pode-se observar um incremento expressivo na presença de pretos e pardos nas universidades federais, se comparado os anos de 2003 e 2010. Na mesma pesquisa, observou- se o incremento na proporção de alunos das classes C, D e E. Artes e Ricolde (2015) buscaram estudar as mudanças observadas no perfil dos estudantes de graduação entre os anos 2000 e 2010, descrevendo as mudanças nas taxas de acesso ao ensino superior sob a ótica da variável cor/raça e sexo e indicaram que houve melhora no quantitativo de negros que tiveram acesso à educação superior. Uma pesquisa realizada na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) constatou que políticas e as ações afirmativas de acesso trouxeram para a universidade estudantes jovens, mulheres, com baixa escolaridade e renda familiar até três salários mínimos, abrindo a universidade para os jovens das camadas populares (NIEROTKA; TREVISOL, 2016). Outra pesquisa realizada na UFFS, universidade criada no contexto do Reuni, com egressos diplomados entre 2014 e 2017, apontou que o grupo investigado era composto, em sua maioria, por jovens oriundos do campo, com pais que não tinham a educação básica completa, que não residem mais com os pais ou que já são pais, e que reconhecem a importância da formação acadêmica (SIMON; SILVA; PACHECO, 2017). Pode-se observar um público bastante distinto daquele que por muito tempo predominou nas universidades. Oliveira e Silva (2017) identificaram que os dados que eles analisaram mostram que houve modificação no perfil dos alunos que entraram no ensino superior, se comparada com os alunos ingressantes nos anos anteriores a 2010 e que foi identificado um maior número de alunos oriundos de classes sociais menos favorecidas após as políticas e programas de acesso ao ensino superior. 26 Na pesquisa de Ferri, Duarte e Neitzel (2018) com ingressantes no primeiro semestre de 2016 em uma universidade comunitária em Santa Catarina, o perfil dos estudantes investigados era na sua maioria do sexo feminino, com até 25 anos, dependentes economicamente das famílias e oriundos de escolas públicas. A pesquisa de Franco e Cunha (2017) que utilizou os dados da IV Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES e objetivou apontar as principais transformações observadas no perfil socioeconômico dos graduandos das IFES de acordo com as pesquisas anteriores e fazer um paralelo com as características da população brasileira observou que os dados mostraram que, nos últimos anos, houve uma crescente incorporação de graduandos das classes C, D e E, oriundos de escolas públicas, negros e pardos, o que aproximou o perfil socioeconômico dos graduandos das IFES ao da população brasileira. Observa-se, através das pesquisas já apresentadas, que as políticas de acesso à educação superior mostram-se como responsáveis pelas alterações identificadas pelos estudiosos, no perfil dos discentes, em características como: renda familiar, cor/raça, sexo, origem escolar. A V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos graduandos das IFES (FONAPRACE; ANDIFES, 2019) realizada em 2018, pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), em parceria com o Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), confirmou o que foi observado no relatório da IV pesquisa (FONAPRACE; ANDIFES, 2016), demonstrando que as políticas públicas de acesso à educação superior influenciaram na mudança do perfil dos discentes das IFES. Tal mudança é atestada pelo aumento na presença de discentes do sexo feminino, de autodeclarados pretos, pardos e indígenas, cuja renda mensal é de até 1 salário mínimo e a maioria deles, egressos do ensino médio cursado em escolas públicas. Melo, Núñez e Santos (2018) buscaram identificar as possíveis mudanças no perfil socioeconômico dos estudantes de Engenharia Civil, Engenharia de Produção, Engenharia Elétrica, Engenharia Química e Engenharia Têxtil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), nos anos de 2005, 2012 e 2016, e concluíram que os cursos avaliados apresentam mais ingressantes oriundos do ensino médio público, pretos, pardos e indígenas, trabalhadores e pertencentes a famílias com renda mensal até cinco salários mínimos, mudança que, segundo os autores, ocorreu de maneira mais acelerada após a implementação de políticas públicas como a Lei das Cotas. 27 Na pesquisa realizada por Lima, Malange e Borges (2018), que objetivou compreender o ingresso após a implementação do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e sua relação com o processo de democratização da IES, na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), campus de Cáceres, os pesquisadores identificaram que, após a adoção do SiSU, uma das mudanças identificadas foi no perfil acadêmico dos discentes. Pires e Wargas (2018) analisaram o perfil dos ingressantes oriundos dos programas de acesso no âmbito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e observaram que, num primeiro momento, até 2013, a modificação no perfil dos ingressantes foi tímida, porém após 2014, observou-se um aumento no número de ingressantes oriundos de escolas públicas e estudantes pretos, pardos e indígenas. Os pesquisadores acreditam que esse aumento seja ainda maior após 2019. Senkevics e Mello (2019) pesquisaram se houve mudança no perfil discente nas universidades federais após a Lei das Cotas e os resultados sugeriram que a Lei apresentou resultados inclusivos sobre a maioria das IFES no Brasil, principalmente, entre os ingressantes oriundos da rede pública e entre os autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Pataro (2019) traçou em sua pesquisa o perfil dos discentes dos cursos de graduação da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) no Campusde Campo Mourão entre 2015 a 2018 objetivando conhecer os ingressantes da instituição e conhecer suas dificuldades. O pesquisador identificou que 75% dos estudantes são os primeiros de suas famílias a ingressarem na educação superior. O perfil socioeconômico era, em sua maioria, de estudantes egressos de escola pública, do sexo feminino, brancos e pardos, mais de 70% trabalham e cerca de 40% possuem renda mensal de até um salário mínimo. Independente das mais variadas opiniões sobre os Programas e Políticas de Ações Afirmativas, pode-se afirmar que eles garantem a inclusão dos grupos excluídos por questões econômicas, sociais e étnico-racial. Na Universidade Federal de Santa Catarina, pôde-se observar avanços no acesso por parte de pessoas de diferentes etnias (DENTZ; SATO; VALLE, 2019). As políticas de ações afirmativas, além de possibilitar a ampliação do acesso à educação superior, transformam o ambiente da universidade, trazendo para seu contexto uma diversidade de pessoas com experiências diferentes, propiciando a troca de conhecimento entre estudantes de diferentes raças e classes sociais (BARROS, 2019). Diante desse cenário e desse novo perfil discente que passa a integrar a universidade, é fundamental a presença de ações, por parte das instituições, que garantam a permanência e o êxito desses discentes. 28 Através dos achados da dissertação de Palácio (2012) pode-se observar que a UFC apresentou ações que possibilitaram não apenas o acesso, mas a permanência do estudante na Instituição, como, programas de ajuda de custo, auxílio moradia, residência universitária, incentivo ao desporto, acompanhamento pedagógico e/ou psicológico, assistência médica e odontológica, entre outras ações. Esses são apenas alguns exemplos de como as instituições podem atuar de forma a possibilitar o êxito dos seus discentes, principalmente os mais vulneráveis. É fundamental que as instituições tenham um corpo discente que reflete a pluralidade da sociedade brasileira, mas também é imprescindível a presença de ações que proporcionem ferramentas que auxiliem os discentes, sobretudos aqueles vulneráveis, a obterem o sucesso tão esperado. 2.3 A UFC e a democratização do ensino superior A Universidade Federal do Ceará (UFC) aderiu tempestivamente às políticas de democratização do acesso e permanência a educação superior para as instituições públicas, entre elas, o Reuni, com adesão no ano de 2007 e a Lei das Cotas, parcialmente em 2013 com a Resolução do Conselho Universitário (Consuni) nº 18, de 30 outubro de 2012, e integralmente, conforme disposto na lei, em 2014, com a Resolução do Consuni nº 31, de 4 de outubro de 2013. Em outro documento oficial da instituição, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), a UFC abordou as ações de democratização. O PDI que vigorou de 2007 a 2011 trouxe em seu texto a adoção ao Reuni por parte da UFC, e como decorrência da previsão da elevação do número de matrículas na graduação e pós-graduação, a previsão da contratação de novos professores e servidores técnicos administrativos (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2007). O texto do PDI 2012 trouxe como meta global a expansão de vagas, preconizado pelo Reuni, com a oferta de 6.200 vagas e o PDI 2013 a 2017 trouxe em seus princípios institucionais a promoção da inclusão social, e a previsão de adoção da política de cotas que se consolidou através de resolução do Consuni, citada anteriormente (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2012b, 2013a). O PDI vigente, 2018 a 2022, trata da expansão da educação superior com a discussão da inclusão de cotas raciais para a pós-graduação e da capacitação de servidores técnicos e docentes para lidar com os discentes provenientes das diversas cotas, que se 29 constitui como o novo público da instituição (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2018b). Observa-se que a UFC apresenta ações tempestivas, que possibilitem a democratização da educação superior, trazendo, em seus normativos e planos norteadores, diretrizes que viabilizam a adoção de ações efetivas junto as políticas de acesso. Pode-se observar, através de matéria publicada na Revista Universidade Pública (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2011) que a adoção ao Reuni, pela UFC, possibilitou a expansão de programas como o Programa Bolsa-Arte, a transformação da Rádio Universitária e o investimento em obras de infraestrutura nos campi de Fortaleza e no interior, destacando-se em Fortaleza as instalações do Instituto de Cultura e Arte (ICA) e o novo bloco didático da Faculdade de Economia, Administração, Atuaria, Contabilidade e Secretariado Executivo (FEAAC), no Campus do Benfica. A edição seguinte da Revista Universidade Pública (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2012a, 2012c) apresentou os novos cursos de graduação ofertados pela instituição, desde a implantação do Reuni, que tiveram como característica comum a sintonia com a realidade local e a grande demanda de formação e trabalho. Como consequência da integração curricular cada vez mais interdisciplinar, houve a grande possiblidade de atuação profissional por parte dos graduados. Na UFC Cariri, foi criada uma escola de música que atende tanto os alunos da universidade como pessoas de fora do ambiente acadêmico. A dissertação de Mesquita (2016) concluiu que o Reuni foi preponderante para a modernização e gestão do sistema de bibliotecas da UFC e que o Sinaes também contribui para melhoria e aumento do acervo das bibliotecas. Observa-se, com esse resultado, que a política pública objetiva, também, proporcionar infraestrutura que possibilite melhor utilização dos recursos disponíveis, por parte dos alunos. Quanto à adoção da Lei das cotas, nº 12.711/2012 (BRASIL, 2012b), esta foi regulamentada pelo decreto n º 7.824/2012 (BRASIL, 2012a), que determinou o prazo máximo para sua implantação, porém a UFC optou por implantar integralmente em 2014, dois anos antes do prazo final, e no percentual de 50%. Como consequência da adoção dessas políticas, houve a expansão da instituição e a alteração do perfil dos seus discentes. Alguns pesquisadores, através de seus trabalhos, buscaram tratar do processo de democratização, expansão e impactos na instituição. Andriola e Suliano (2015) buscaram identificar de que maneira a presença da UFC impactou os municípios do interior do Ceará, após a adesão ao Programa de Apoio a 30 Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), por parte da instituição. Os achados mostraram que a presença da UFC dinamizou a economia local, influenciou no crescimento municipal, gerou novos postos de trabalho e proporcionou a população oportunidade de qualificação profissional, por meio dos cursos ofertados. Senkevics e Mello (2019) observaram que a Lei das cotas influenciou na ampliação do acesso de estudantes de escolas públicas, principalmente, em instituições mais elitizadas e bem-conceituadas na avaliação institucional, como é o caso da UFC, que dobrou o número de discentes ingressantes oriundos de escola pública, aumentando de 28,4% em 2012 para 56,9% em 2016. Segundo os pesquisadores, é evidente que a Lei das cotas ampliou a participação de pretos, pardos e indígenas de escolas públicas nas Instituições Federais de Ensino Superior. Observa-se que o processo de democratização na UFC vem ocorrendo de forma gradual, e que já é possível observar as alterações que ocorrem como consequência da aplicação das políticas de acesso à educação superior. Pode-se identificar inclusive que elas vão além do ambiente institucional, impactando, também, a comunidade ao seu redor. 2.4 Considerações Neste capítulo, foi abordado o processo de democratização da educação superior sob a ótica de diversos pesquisadores, que defenderam a necessidade e a importância de tais ações e apresentaram variadas consequênciasdessas políticas. Posteriormente, corroborando com os objetivos da democratização, foram apresentadas pesquisas que buscaram mostrar a diversificação do perfil dos discentes das universidades após as políticas de acesso à educação superior. Por fim, mostraram-se as consequências da adoção das políticas de acesso à educação superior na UFC, sua expansão e diversificação. O próximo capítulo versa sobre o desempenho acadêmico nas IES, como é mensurada sua importância, seguido da explanação do assunto no âmbito da UFC e do curso de Ciências Contábeis. 31 3 DESEMPENHO ACADEMICO EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR Este capítulo objetiva explanar o desempenho acadêmico sob a ótica da educação superior e o instrumento que avalia o desempenho dos discentes em nível nacional, no âmbito da UFC e do curso de Ciências Contábeis. Para isso, traz uma contextualização de como é mensurado o desempenho acadêmico no ensino superior, sua importância, sob a ótica de autores como Freitas et al. (2015), Miranda et al. (2015), Feldmann e Souza (2016). Logo em seguida, o assunto é tratado no âmbito da Universidade Federal do Ceará e do curso de Ciências Contábeis. 3.1 Desempenho acadêmico na Educação Superior O desempenho acadêmico é mensurado a partir de um processo de avaliação, seja esse processo através de avaliações diagnósticas, formativas, comparativas ou somativas, adotados segundo critérios dos professores e das instituições. Segundo Polidori (2009), no Brasil, esse processo teve uma trajetória bastante interessante e inovadora, passando de uma avaliação totalitária e primitiva para um processo que respeita as diversidades e as especificidades de cada Instituição de Ensino Superior. No processo de ensino e aprendizagem, é fundamental identificar o quanto do conhecimento foi apreendido pelos alunos, após o trabalho pedagógico de conteúdo e matérias por parte dos docentes. As Instituições de Ensino Superior (IES) possuem seu método próprio de análise desse desempenho, inclusive por ser o critério que será adotado para aprovação ou reprovação do aluno, que na maioria das vezes é a modalidade de avaliação somativa. Porém, esses critérios são específicos de cada instituição e não podem ser comparados. O número crescente de IES no Brasil, que pode ser explicado pelo crescimento da rede privada, do ensino a distância e do investimento do próprio Estado no financiamento da Educação Superior, viabilizou um cenário onde a qualidade da educação tornou-se um fator fundamental na orientação e condução de políticas para a educação superior. Esta qualidade é mensurada, por exemplo, por uma avaliação de desempenho acadêmico (FREITAS et al., 2015; MIRANDA et al., 2015). Na década de 1990, foi implantado o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), posteriormente o Exame Nacional de Cursos (ENC) e, em 2004, foi implantado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), 32 ainda vigente, que busca melhorar a qualidade da educação superior por meio de processos de avaliação (FREITAS et al., 2015). O Sinaes entra em vigor com o objetivo de assegurar um processo de avaliação nacional que promovesse a qualidade da educação superior, o compromisso e a responsabilidade social por parte das IES, por meio do estimulo dos valores democráticos, respeitando as diferenças, as diversidades, a autonomia e a identidade das instituições (BRASIL, 2004a). O sistema é formado pelos seguintes componentes: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos alunos em torno dos eixos ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo docente e as instalações, o qual, através de uma série de instrumentos complementares, permite que sejam atribuídos conceitos, ordenados numa escala com cinco níveis. Os resultados obtidos subsidiam o processo de regulação das IES, compreendendo Atos Autorizativos e Atos Regulatórios (INEP, 2015). Dentro do sistema, o componente que mensura o desempenho dos alunos da graduação é o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com inscrição obrigatória para ingressantes e concluintes habilitados e situação de regularidade do estudante registrada no histórico escolar. O Exame avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação com relação ao conteúdo programático previsto nas diretrizes curriculares dos cursos (INEP, 2019b). De acordo com a Portaria Normativa nº 40, de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007b), republicada em 2010, o Enade é realizado anualmente, porém com aplicação trienal para cada curso, composto por uma prova geral de conhecimentos aplicada para os ingressantes e concluintes aptos e uma prova específica de cada área de avaliação aplicada apenas para os concluintes. O Quadro 1 apresenta os pesos que são dados a cada parte da prova, para a composição da nota final. Quadro 1 – Divisão da prova do Enade Partes Número das questões Peso das questões no componente Peso dos componentes no cálculo da nota Formação Geral: Discursivas D1 e D2 40% 25% Formação Geral: Objetivas 1 a 8 60% Componente Específico: Discursivas D3 a D5 15% 75% Componente Específico: Objetivas 9 a 35 85% Questionário da Percepção da Prova 1 a 9 - - Fonte: Inep (2018). 33 A partir da aplicação dos pesos em cada componente da prova, é formada a nota dos discentes na prova no Enade. Observa-se que, para o discente ter uma nota melhor, é necessário um bom desempenho na parte específica da prova, pois representa a maior parte da nota. Logo, esse bom desempenho depende não apenas do esforço do discente, mas da instituição de ensino, que é a responsável pelo repasse de conteúdo e capacitação. Os alunos respondem ainda ao questionário do estudante que tem por objetivo conhecer o perfil socioeconômico e acadêmico dos participantes do Enade, além de possibilitar a avaliação do curso. Existem diferentes entendimentos quanto à qualidade das instituições de ensino superior e seus cursos e, nesse contexto, o Enade se consolida como um procedimento avaliativo usado pelo governo e pela sociedade para reconhecer os cursos e as instituições como detentoras ou não de qualidade (BERTOLIN; MARCON, 2015). Wainer e Melguizo (2018) afirmam que os resultados dos desempenhos dos alunos obtidos através do Enade são bastante relevantes, pois medem o rendimento dos discentes ao final do curso de graduação sendo por isso, mais próximo dos conhecimentos totais que deveriam ser adquiridos pelos alunos durante a carreira acadêmica e a preparação para a carreira profissional. Tal conhecimento é denominado por Lopes e Vendramini (2015) como ganho acadêmico. Para Cesso e Ferraz (2017), o caráter avaliativo e comprobatório do Enade proporciona as IES além da oportunidade de melhorias institucionais, metodológicas, de conteúdo programático dos cursos, a avaliação da influência do desempenho docente na transmissão do conhecimento. Esta é uma avaliação obrigatória que comprova a qualidade das IES junto aos órgãos responsáveis. Para Santos et al. (2016), o Enade tem o papel de estimular a integração entre a avaliação, o desempenho e a inovação, possibilitando assim o fortalecimento da formação com o trabalho dos professores e o aprimoramento dos aspectos metodológicos e da avaliação, que refletirão em alunos aptos a adquirir as competências e as habilidades necessárias ao perfil do curso de graduação, através da aplicação de modelos pedagógicos que colocam a figura do estudante como principal componente. Feldmann e Souza (2016) afirmam que o Estado, ao estabelecer avaliações como o Enade, promove a visibilidade do que foi ensinado e do que se pretende alcançar e queos resultados dos exames dão suporte para elaborações de ações, reformulações de normas e definições de estratégias que influenciam o ambiente acadêmico. 34 Observa-se que o Enade se apresenta como uma ótima ferramenta para avaliar os discentes, pois, além de viabilizar a identificação do desempenho dos alunos, sob os mesmos parâmetros, possibilita ainda uma análise geral, através da comparação do desempenho dos discentes a nível regional e nacional. Diante disso, diversos pesquisadores têm realizado estudos envolvendo o desempenho acadêmico dos alunos da educação superior na prova do Enade, tanto em IES públicas como em instituições privadas, e as possíveis motivações, fatores que justificam ou influenciam o desempenho dos discentes no cenário das políticas de acesso à educação superior. Lemos e Miranda (2015), considerando relevante o resultado apresentado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior e suas ferramentas na área contábil, buscaram identificar em sua pesquisa quais variáveis utilizadas pelo Sinaes influenciaram no desempenho dos discentes de Ciências Contábeis no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. A pesquisa realizada por Vendramini e Lopes (2016) buscou identificar se existia diferença entre o desempenho no Enade dos discentes bolsistas do ProUni se comparado com os discentes com bolsa ofertada pela própria instituição, estudantes com outros tipos de bolsas e os que não possuíam nenhuma bolsa, e ainda, verificar se esse desempenho permanecia o mesmo para os discentes ingressantes e concluintes. Staniszewski (2016) pesquisou os cursos de Publicidade e Propaganda de suas IES, que obtiveram nota máxima do Enade em 2012, objetivando compreender o que essas instituições tinham em comum. Entre as conclusões, a autora afirma ser o Enade uma ferramenta que auxilia na melhoria do ensino superior brasileiro e que é um instrumento de partida que levará a outras investigações. Por ser o Enade um componente curricular obrigatório nos cursos de graduação, Ott et al. (2016) analisaram as questões aplicadas no exame para o curso de Farmácia, sob a ótica dos docentes, objetivando compreender se as questões aplicadas e o intuito da prova são condizentes com o que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Farmácia, e seus achados foram positivos. As questões específicas se mostraram adequadas e as de formação geral apresentaram caráter crítico-reflexivo, humanista e ético. Diante dos grandes investimentos na educação superior visando à melhoria da qualidade e aumento no acesso à educação superior, Lepchak et al. (2016) buscou identificar que fatores influenciaram nos indicadores de desempenho da educação superior, baseando-se no Índice Geral de Cursos, Conceito Preliminar de Curso e Enade nas universidades federais 35 brasileiras. Entre os achados, constatou-se que a variável número de alunos influencia a nota do Enade. Bertolin e Marcon (2015) afirmaram que a literatura internacional evidencia que os fatores que mais impactam o desempenho dos discentes em provas como o Enade é o contexto familiar, social, econômico e cultural e concluíram com seus achados que, estudar o desempenho diferenciado dos alunos em cursos ou instituições distintas é fundamental para o desenvolvimento de políticas. Rocha, Leles e Queiroz (2018) verificaram em sua pesquisa a associação entre o desempenho de estudantes concluintes de Nutrição no Enade e fatores socioeconômicos, trajetória acadêmica e perfil da instituição. Os achados mostraram que os discentes oriundos das políticas de acesso à educação superior apresentaram desempenho maior que os discentes que não ingressaram por essas políticas. A pesquisa de Medeiros Filho et al. (2019) buscou identificar quais fatores poderiam estar associados ao desempenho dos estudantes no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes e os resultados mostraram que diversos fatores influenciam no desempenho dos estudantes no exame. Entre os que estão associados a um maior desempenho, destaca-se, maior renda familiar, melhor infraestrutura das IES, maior titulação do corpo docente e alunos oriundos de IES pública. Observa-se que os pesquisadores analisam positivamente a aplicação da prova do Enade, pois ela viabiliza, inclusive, a avaliação, por parte das instituições, em quesitos que precisam de melhoria ou aperfeiçoamento, além da possiblidade de análise a nível geral e nacional do desempenho dos discentes considerando o cenário da democratização da educação superior. 3.2 Desempenho acadêmico na UFC A Universidade Federal do Ceará (UFC) tem como missão “[...] formar profissionais da mais alta qualificação, gerar e difundir conhecimentos, preservar e divulgar os valores éticos, científicos, artísticos e culturais, constituindo-se em instituição estratégica para o desenvolvimento do Ceará, do Nordeste e do Brasil” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2020d, p. 1), para isso ministra cursos e estimula a pesquisa em todas as áreas do conhecimento. Em 2019, a UFC ofereceu 119 cursos de graduação e 94 de pós-graduação. Além da capital, a instituição está presente em Crateús, Quixadá, Russas e Sobral, influenciando no desenvolvimento socioeconômico dessas localidades e colaborando para a 36 melhoria da qualidade de vida dos cidadãos (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2020a). A instituição reflete suas expectativas e projetos, construídos a partir de debates com a comunidade acadêmica, no seu Plano de Desenvolvimento Institucional e a preocupação com o desempenho discente não poderia ser um assunto ausente. Diante disso, no PDI 2013-2017 a instituição abordou o tema no Eixo Ensino e Aprendizagem, dividido no programa melhoria da qualidade do ensino e expansão da oferta, que teve como alguns dos seus objetivos a realização de avaliações periódicas do curso de graduação e o compartilhamento desses resultados com a comunidade vinculada ao curso de graduação (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2013a). Identifica-se a preocupação da instituição em realizar ações que resulte em desempenho positivo em seus cursos. O PDI 2018-2022 deu continuidade a ações voltadas ao tema, no eixo ensino, apresentando em seus objetivos estratégicos a implementação de currículos flexíveis e formação baseada em metodologias ativas de ensino e aprendizagem (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2018b). A instituição tem buscado estar sempre à frente, desenvolvendo pesquisas e achados que se destacam no campo da ciência e tecnologia. No eixo ensino não é diferente: a instituição se destaca no estado, na região nordeste e no Brasil pelo ótimo desempenho dos seus discentes. Em matéria disponível no website da Universidade Federal do Ceará (2018a), a instituição teve, 34 dos 51cursos avaliados na prova do Enade do ano anterior, com notas 4 e 5, desempenho superior ao de instituições do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Internamente, a UFC avalia seus discentes através do Índice de Rendimento Acadêmico (IRA), calculado ao fim de cada período letivo. De acordo com o Guia do estudante (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2020c), plataforma digital da UFC, existem dois IRAs, o individual relativo a um único estudante e considerando apenas seu desempenho, e o geral, calculado de acordo com o curso e considerando todos os seus alunos. O cálculo desse índice leva em consideração a nota final de cada disciplina, a carga horária dela, o período em que foi cursada, considerando a previsão da integralização curricular e a ocorrência ou não de trancamentos parciais. O IRA é utilizado como fator de desempate no processo de matrícula, em alguns processos internos que oferecem bolsas e quando há mais interessados que vagas ofertadas. Segundo o Painel de indicadores elaborado pela Pro-reitoria de graduação, a Faculdade de Economia, Administração, Atuária