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SAUER, 2010 Terra e modernidade

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Prévia do material em texto

Terra e modernidade: 
a reinvenção do campo brasileiro
editora 
expressão popular
Sérgio Sauer 
1ª edição
São Paulo, 2010
Terra e modernidade: 
a reinvenção do campo brasileiro
4
Copyright © 2010, by editora expressão Popular e Sérgio Sauer 
revisão: Sérgio Sauer e Laura Bregenski Schühlli
Projeto gráfico e capa: ZAP Design
diagramação: Mariana Vieira de Andrade
arte da capa: Obra de Cândido Portinari, intitulada “Homem com 
feixe de feno” (desenho a crayon colorido/papel), 1956 – imagem do 
acervo Projeto Portinari, gentilmente autorizada a reprodução por 
João Cândido Portinari.0
impressão e acabamento: Cromosete
apoio: Esta publicação foi possível graças ao apoio do Decanato de 
Pesquisa e Pós-graduação (DPP) da Universidade de Brasília (UNB)
Todos os direitos reservados. 
nenhuma parte deste livro pode ser utilizada 
ou reproduzida sem a autorização da editora.
1ª edição: março de 2010
ediTora exPreSSão PoPular
rua abolição, 197 – Bela Vista
CeP 01319-010 – São Paulo-SP
Fone/Fax: (11) 3105-9500
vendas@expressaopopular.com.br
www.expressaopopular.com.br
Sumár io
Prefácio .........................................................................................................7
Introdução ....................................................................................................11
Capítulo 1
A luta pela terra, reforma 
agrária e a reinvenção do campo...............................................................19
Capítulo 2
A luta pela terra e a construção de heterotopias ....................................47
Capítulo 3
Movimentos sociais rurais 
e a construção da democracia no Brasil ..................................................75
Capítulo 4
Democracia, direitos humanos e criminalização dos 
movimentos sociais .....................................................................................115
Capítulo 5
Modernização do campo e ciência: os transgênicos 
e a agricultura ...............................................................................................139
7
Pr e fác i o
nos últimos 20 anos, proliferaram no Brasil os estudos sobre 
luta pela terra e assentamentos rurais. Tratava-se, do ponto de vista 
das Ciências Sociais, de enfrentar um desafio de realizar um inves-
timento empírico e teórico que permitisse entender novas situações 
que emergiam e que se constituíam em verdadeiros laboratórios 
para a produção de conhecimento, em especial na Sociologia e 
na antropologia. Como explicar a força da luta pela terra num 
momento em que a modernização tecnológica da agricultura 
aparecia como consolidada, em que o processo de urbanização se 
acelerava e parecia irreversível e em que a bandeira reforma agrária 
era considerada como parte de um passado já superado? Quais as 
relações entre o que se poderia chamar, seguindo Charles Tilly, 
de um novo repertório de ações, baseado fundamentalmente nas 
ocupações, e as formas de luta por terra que marcaram as décadas 
de 1950, 1960 e 1970, baseadas na resistência de posseiros, foreiros 
e moradores, mas que não excluíram, em algumas situações, as 
ocupações? Que novos temas a luta pela terra traz para o século 
que se abre?
o trabalho de Sérgio Sauer se soma a esse empreendimento 
coletivo, jogando luzes sobre as expectativas dos assentados, os 
significados que a luta pela terra assumiu para eles, as tensões 
resultantes da passagem do acampamento para o assentamento, 
as relações entre luta pela terra e democratização do país. 
8
a marca forte do trabalho é o esforço de diálogo intenso com 
as teorias sociais contemporâneas, especialmente no que se refere 
à discussão sobre modernidade/pós-modernidade e às relações 
entre o local e o global. no conjunto de ensaios que compõem o 
livro, o autor procura mostrar que o tema do acesso à terra, longe 
de ser residual, pode e deve ser compreendido à luz dos debates 
teóricos atuais, se quisermos perceber suas modulações e impli-
cações. Como Sauer ressalta, 
a modernidade – historicamente um conceito relacional identificado 
com a cidade – produz representações sociais e valores que perpassam 
os itinerários de vida e influenciam a reconstrução da identidade das 
pessoas que lutam pelo acesso à terra. os processos sociais possibi-
litam, no entanto, releituras e reapropriações destes valores, criando 
oportunidades e perspectivas de vida que se diferenciam do “modo 
de vida moderno”. 
desse ângulo, “os movimentos sociais como sujeitos políticos, 
especialmente na luta pela terra, recolocam a importância do rural 
tanto na agenda política brasileira como nas interpretações da 
sociedade ocidental contemporânea”. 
exemplos da importância dessa abordagem podem ser en-
contrados na extraordinária vitalidade dessas demandas não 
só no Brasil, mas em toda a américa latina, o que se reflete 
nos novos espaços de reconhecimento ganhos pelo campesinato, 
permitindo que se possa falar, em pleno início do século 21, que 
uma das marcas das nossas sociedades é o crescente protagonismo 
de populações antes consideradas pouco relevantes, residuais ou 
avessas ao progresso. mas, não se trata do mesmo camponês, nem 
das mesmas questões.
desse ponto de vista, deve-se realmente refletir sobre um mo-
vimento de recriação do campo, como aponta Sérgio Sauer, mas 
em novas bases, na medida em que surgem novos protagonismos e 
reivindicações, lutas por direitos e por reconhecimento de direitos. 
9
Trata-se de um instigante processo em que, longe de encarnar a 
tradição, os que vivem de seu trabalho no campo querem garantir 
para esse espaço justamente as conquistas da modernidade. não 
se trata apenas, como, durante muito tempo, a tecnocracia moder-
nizante pregou, de levar tecnologias, mas também de transformar 
o meio rural em um espaço de vida, como nos ensina maria de 
nazareth Wanderley. e isso implica em repensar as próprias bases 
tecnológicas.
não por acaso, a reflexão de Sérgio Sauer caminha do debate 
sobre a luta pela terra, assentamentos e acampamentos para a dis-
cussão sobre democratização no campo e biotecnologias. Se a luta 
pela terra é marcada por elementos religiosos e de valorização do 
trabalho, também é de onde emergem concepções de direito, não 
só de direitos tradicionalmente negados, mas também de direitos 
que se incorporam às pautas pela própria riqueza de contatos e 
perspectivas que a modernidade oferece, num mundo cada vez 
mais marcado pela rapidez das comunicações e pela rápida difusão 
de informações. assim, se terra e condições adequadas de produ-
ção permanecem como fundamentais, no rural contemporâneo 
proliferam também demandas por educação qualificada, acesso 
aos meios de comunicação, lazer, inclusão digital, enfim, acesso a 
bens que, cada vez mais, tiram o rural de seu relativo isolamento 
e o aproximam da civitas e de novos temas, em especial da im-
portância das questões ambientais.
ao longo do texto, o leitor tem algumas importantes chaves 
interpretativas que permitem refletir sobre esses processos sociais 
contemporâneos.
Leonilde Servolo de Medeiros
Professora do Programa de Pós-graduação de Ciências em De-
senvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal 
Rural do Rio de Janeiro.
11
i ntro d u ç ão
o Brasil tem sido palco de um rico processo social e de constru-
ção teórica sobre o campo, sendo esses resultantes de mobilizações 
populares, conflitos e reflexões sobre as lutas e embates no meio ru-
ral. Há dezenas de movimentos sociais e entidades de trabalhadores 
e trabalhadoras que, organizados nacional, regional ou localmente, 
lutam pelo direito de acesso à terra e melhores condições de vida e 
trabalho. apesar de mais conhecida, a dinâmica social no campo 
não fica restrita à luta pelo acesso à terra, pois há outros atores 
sociais como, comunidades quilombolas e indígenas, ribeirinhos, 
extrativistas, quebradeiras de coco e geraizeiros, os quais lutam pelo 
direito de vir a ser, sendo que o território é parte da essência do viver.
associado às demandas, percalços e conquistasdestes mo-
vimentos sociais e entidades populares, há uma fértil produção 
acadêmica (pesquisas, publicações, eventos científicos etc.) que, di-
reta ou indiretamente, se nutre desta dinâmica social. as reflexões 
acadêmicas também são controversas e permeadas por disputas 
e desencontros. as construções teóricas vão desde posições que 
defendem a condição preterida de uma possível reforma agrária – a 
qual estaria supostamente superada pelos avanços tecnológicos e 
ganhos de produtividade do modelo de desenvolvimento agrope-
cuário adotado – à defesa de uma reforma profunda da estrutura 
fundiá ria como uma condição essencial para a construção de uma 
real democracia no Brasil. 
12
Fora desse contexto de embates políticos e formulações acadê-
micas, palavras como terra, campo e rural expressam dimensões e 
perspectivas completamente exteriores, para não dizer contraditó-
rias, às representações e teorizações filosóficas sobre a modernidade 
ocidental ou sobre a sociedade global. não são nenhuma novidade 
reflexões sobre a realidade atual que consideram estes temas e pala-
vras anacrônicos e ultrapassados, especialmente porque, como bem 
colocou Giddens, “a modernidade, quase por definição, sempre se 
colocou em oposição à tradição” e, consequentemente, aos lugares 
que mais claramente a expressam, como campo, terra e território.
esta construção filosófica ou representação está na base de 
uma frequente confusão que estabelece uma dicotomia entre, de 
um lado, meio rural e tradição e, de outro, cidade e secularização, 
um moderno que rompe com as amarras do passado e exaspe-
ra o individualismo. nestas representações, um polo é sempre 
identificado como o espaço da comunidade e da tradição e, por 
extensão, como o lugar do atraso, e o outro é identificado como 
o lugar da liberdade, da novidade e do progresso. Consequente-
mente, reflexões sobre temas como luta pela terra e pelo território 
não passam de tentativas de entender o passado e seus resquícios, 
portanto, estudos e explorações sobre o exótico, para não dizer 
sobre o arcaico e ultrapassado.
Profundamente influenciado pelos debates sobre modernida-
de, pós-modernidade, modernidade reflexiva, sociedade global, 
globalização, globalismo, e tantas outras noções e representações 
que procuram explicar mudanças sociais, econômicas, políticas e 
culturais contemporâneas, o título Terra e modernidade se cons-
titui em ensaios que problematizam as frequentes conexões entre 
progresso humano, industrialização e modernização. Já presente 
na elaboração da tese de doutoramento, em 2002, esse título 
expressa uma contradição e uma tentativa de explicitar que as 
lutas sociais agrárias não fazem parte dos resquícios do passado, 
13
mas são lutas contemporâneas pela construção de cidadania no 
campo – também uma contradição, em termos. as disputas pelo 
acesso à terra e pelo reconhecimento de territórios, portanto, são 
vistos como processos sociais, culturais, econômicos e políticos 
de modernização da sociedade brasileira.
não se trata da formulação de um olhar pós-moderno sobre 
o campo e sua revalorização contemporânea, mesmo sendo uma 
postura teórica que se constitui em uma reafirmação do direito à 
diferença, entendida como algo estranho à maioria. a retomada 
de dimensões esquecidas da modernidade, a exemplo do lugar 
e da espacialidade, poderia ser entendida como parte da consti-
tuição de um espetáculo (Baudrillard), onde as lutas no campo 
apenas representariam a materialização do substrato estético da 
alteridade pós-moderna. em outras palavras, esses ensaios não são 
expressão de reflexões pós-modernas em que a dinâmica social é 
compreendida como parte da sociedade do simulacro (Jameson) e 
do espetáculo (exacerbação das imagens), a qual elimina o residual 
ou o valoriza como diferente para o “estandariza(r), empacota(r) 
e comercializa(r) no mercado global” (Jameson).
esse olhar reduziria as lutas sociais e reivindicações de igualda-
de econômica e política a simples estudos sobre resquícios de um 
tempo pretérito, arcaico e exótico. além do mais, essa construção 
pós-moderna não é capaz de explicar as razões das históricas e 
permanentes oposições acirradas contra qualquer reconhecimento 
de direitos territoriais de comunidades quilombolas, indígenas, 
implantação de assentamentos de reforma agrária, ou mesmo das 
demandas e tentativas de preservar espaços naturais e o meio am-
biente. na verdade, está em curso uma disputa pelo território no 
Brasil, o que não pode ser explicado por correntes de pensamento 
que enfatizam apenas a urbanidade do país.
a intenção desses ensaios é levantar aspectos e temas, como 
por exemplo a espacialidade como uma dimensão esquecida na 
14
modernidade ou a presunção da ciência ocidental como único 
caminho para o progresso humano, a partir de processos sociais 
em curso no campo. a terra e o território (espaço de produção e 
reprodução) e as lutas que os envolvem oferecem perspectivas que 
não se enquadram nas representações e reflexões sobre sociedades 
globais-urbanas e se chocam com dicotomias da modernidade, 
como a separação espaço-tempo. o desenvolvimento deste debate, 
no entanto, não tem a intenção de construir um argumento con-
tra a modernidade ou supervalorizar a dimensão do lugar como 
uma forma de negar a temporalidade na experiência humana. a 
intenção é afirmar a terra e a luta de trabalhadoras e trabalhadores 
rurais por um lugar como espaço para um contraponto no debate 
sobre a modernidade, inclusive enfatizando as lutas e mobilizações 
como parte constitutiva da construção da democracia (dimensão 
política) na sociedade brasileira.
Procurando discutir representações e significados das lutas e 
perspectivas dos movimentos sociais agrários, a perspectiva adota-
da nos ensaios aqui reunidos é bastante diferente de qualquer visão 
que coloca a luta pela terra e pelo território (espacialidade) como 
expressão do atraso ou mesmo de um retorno – contemporâneo, 
mas saudosista – ao rústico e ao exótico. a luta pela terra – e o acesso 
a ela, seja pelas ocupações e assentamentos, seja pela garantia de 
posses e reconhecimento de territórios – representa um processo de 
reinvenção do campo e da sociedade. esta reinvenção ou recriação 
não se restringe a uma simples justaposição social e cultural do 
arcaico e do moderno (em uma suposta desordem pós-moderna), 
mas se constitui em uma novidade social e política que reconstrói 
e amplia as “concepções ordenadoras da vida social” (martins).
o primeiro ensaio retoma o debate sobre a diluição das con-
tradições e diferenças entre campo e cidade, especialmente as 
teses de pensadores que enfatizam que o tecido urbano já domina 
toda a sociedade porque a modernização capitalista está completa 
15
(Jameson), mesmo que de modo relativo. Contestando reflexões 
e representações que colocam a cidade como lugar privilegiado 
do desenvolvimento econômico, problematiza interpretações que 
afirmam a dominação do urbano e a consequente diluição das con-
tradições e diferenças entre o rural e o urbano. então, não haveria 
mais espaços geográficos e sociais para a existência de valores e 
modos de vida que não seja o urbano ocidental, relegando a vida 
no campo a dimensões residuais e, inexoravelmente, destinada a 
desaparecer.
À luz desse debate, o ensaio discute o que tem sido caracteriza-
do como um ressurgimento ou retomada do campo e do rural, tanto 
pela ação dos movimentos sociais agrários como por tentativas 
teóricas de resgatar diferentes processos de transformação pelos 
quais passa a sociedade ocidental contemporânea. esta retomada 
pode ser interpretada como um processo social e cultural no in-
terior do que se denominou de globalização, a qual seria marcada 
por contradições entre a diluição de fronteiras (aspecto político) e 
o reforço às identidades locais (dimensão cultural da modernida-
de). este ensaio, tomando a luta pela terra e pelo território como 
processos sociais e políticos de recriação ou reinvenção do campo,recoloca a dimensão da espacialidade na modernidade.
na sequência, o segundo ensaio é uma tentativa, a partir das 
lutas pela terra no estado de Goiás, de sistematizar representações 
sociais sobre terra e trabalho de famílias acampadas e assentadas, 
como reconstruções e redefinições simbólicas no contexto de 
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais do campo 
brasileiro. em processos constantes de mudanças – o que podemos 
definir como itinerários biográficos –, as pessoas sonham com a 
terra porque esta representa um lugar de vida e fartura. 
as buscas por tornar esse sonho da terra prometida em realida-
de, além de permear as construções ou reconstruções identitárias, 
moldam outros lugares – nas formulações de Foucault, heterotopias 
16
–, significativamente distintos de espaços vazios, ausentes de 
identidade e história. em total identificação com essas recons-
truções sociais simbólicas, esse ensaio expressa um deslocamento 
do olhar, buscando ver a partir dos sujeitos que lutam contra a 
exclusão política, contra a ausência de significados, por uma vida 
qualitativamente diferente no campo.
o terceiro texto – fruto de pesquisa recente sobre contribuições 
dos movimentos sociais agrários à construção da democracia em 
seis países – é uma reflexão sobre relações políticas das lutas do 
campo e seus sujeitos com partidos políticos e governos nacionais. 
o resgate histórico procura inserir a constituição dos movimentos 
sociais e suas demandas por terra nas mobilizações populares que 
exigiram a redemocratização política do país, em meados dos 
anos de 1980. a partir daí, com base nas entrevistas, analisa os 
constantes embates entre movimentos sociais e os governos fede-
rais, procurando entendê-los nos dois mandatos dos presidentes 
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e luiz inácio lula da 
Silva (2003-2010).
Como parte da construção política, o ensaio explicita ainda 
opiniões sobre a relação entre os movimentos e partidos, com espe-
cial destaque para o papel histórico do Partido dos Trabalhadores 
(PT). analisa também alianças e espaços de cooperação (fóruns e 
redes) entre movimentos sociais agrários, e desses com movimentos 
populares urbanos, tentando sistematizar possíveis contribuições 
desses sujeitos à democracia social, política e econômica no Brasil.
o quarto texto, escrito em coautoria com marcos rogério de 
Souza, é uma reflexão sobre processos recentes de criminalização 
das lutas populares, em geral, e do movimento dos Trabalhado-
res rurais Sem Terra (mST), em particular. o ano de 2009 foi 
simbólico, pois completou 25 anos de existência do mST e 20 
anos da Constituição “cidadã” brasileira, a qual estabeleceu o 
mandado da função social da propriedade. no entanto, esse ano 
17
foi marcado também por contradições entre a afirmação do estado 
democrático de direito, opção clara do texto constitucional, e por 
ações de vários órgãos estatais, buscando criminalizar movimen-
tos e lutas populares. Contradizendo o espírito da Constituição, 
setores do Judiciário e de outros órgãos, a exemplo do Tribunal 
de Contas da união e do ministério Público, constituídos para 
promover a democracia, envidaram muitos esforços na tentativa de 
deslegitimar lutas e a própria existência do mST, transformando 
atividades e mobilizações em ações ilícitas e crimes. 
o quinto e último ensaio é uma reflexão sobre a modernização 
do campo e o papel da ciência, a partir dos embates travados nos 
últimos anos em torno da liberação para a produção comercial 
de organismos geneticamente modificados. Procurando dialogar 
com vários pensadores, a exemplo de Herbert marcuse, Thomas 
Kuhn e Karl Popper, entre outros, esse trabalho intenta desmis-
tificar a isenção da ciência, demonstrando interesses e intenções 
nos embates sobre a produção comercial de transgênicos no Brasil. 
esses embates foram especialmente acirrados nos anos de 
2003 a 2007, a partir das decisões governamentais de liberar a 
comercialização de soja, mas não se restringem nem a esse período 
nem a esse cultivo. as decisões recentes da Comissão nacional 
Técnica de Biossegurança (CnTBio) e as tentativas de diminuir as 
responsabilidades das empresas, por exemplo, no monitoramento 
dos cultivos autorizados, mantêm essa temática na pauta nacional, 
exigindo o aprofundamento do debate em torno do uso comercial 
dessa tecnologia e as implicações do princípio da precaução. 
apesar de terem sido escritos em momentos históricos di-
ferentes, os cinco ensaios lidam com uma temática comum, ou 
seja, procuram refletir sobre distintas dimensões do protagonismo 
social, cultural e político dos movimentos sociais agrários. Seja 
na luta pela terra ou nas demandas pelo reconhecimento de ter-
ritórios, seja nas mobilizações e oposições ao uso indiscriminado 
18
da tecnologia genética, esses sujeitos sociais coletivos moldam a 
realidade e desafiam à reflexão. 
É preciso destacar ainda que, nos processos de construção e 
apreensão do real, os movimentos sociais agrários, as organizações 
representativas e as entidades de apoio têm incorporado novos 
aspectos e perspectivas nas elaborações sobre o rural brasileiro. 
novos temas vêm sendo agregados às reflexões e pautas como, por 
exemplo, a importância econômica e a capacidade redistributiva da 
produção familiar; a relação entre um programa de acesso à terra e 
a democratização das relações políticas na sociedade brasileira; ou 
ainda a formulação de alternativas de desenvolvimento, especial-
mente a perspectiva da sustentabilidade ambiental, entre outros. 
esses temas também estão presentes nas páginas que seguem, em 
uma constante reafirmação da importância social, econômica e 
política da agricultura familiar camponesa e da necessária promo-
ção de uma reforma na estrutura fundiária brasileira.
esta coletânea de ensaios e textos, assumindo o compromisso 
com a causa agrária, é uma tentativa de, analisando as transfor-
mações recentes nas lutas por terra, contribuir nesse processo de 
reconstrução e reinvenção do campo brasileiro. essa publicação, 
reunindo esses ensaios, se tornou possível graças ao apoio do 
decanato de Pesquisa e Pós-graduação (dPP), da universidade 
de Brasília (unB), ao qual sou imensamente grato! Grato e espe-
rançoso de contribuir para a construção de uma sociedade justa 
e igualitária!
Sérgio Sauer
Brasília, janeiro de 2010.
19
A lutA PelA terrA , reformA 
Agrár iA e A re invenção do 
c A mPo *
o desenvolvimento do capitalismo ocidental transformou a 
cidade em um lugar privilegiado para a localização da indústria, 
do comércio e dos serviços, ou seja, um lugar de produção e trocas. 
os centros urbanos passaram a ser polos irradiadores de merca-
dorias e tecnologia e, consequentemente, de valores ideológicos 
e culturais, reforçando uma distinção dicotômica entre a cidade 
e o campo. esta dicotomia tem funcionado como uma lógica 
explicativa fundante da realidade social, que ora contrapõe os 
dois polos, ora subordina, incondicionalmente, o rural ao urbano.
Historicamente, as reflexões e elaborações sobre a modernidade 
exacerbaram esta dicotomia, especialmente através do estabele-
cimento de uma estreita identificação entre urbano e moderno, 
de um lado, em oposição ao rural e tradicional, de outro. mais 
recentemente, as discussões em torno da globalização e da pós-
modernidade têm mantido esta mesma racionalidade, provo-
cando ou aprofundando a exclusão do rural das representações 
e explicações do real, pensado sob a ótica da modernidade. as 
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais têm sido 
interpretadas a partir de uma visão centrada na importância da 
* elaborado a partir da tese de doutorado Terra e modernidade: a dimensão de espaço 
na aventura da luta pela terra, defendida em 2002 na unB/Sol, esse texto foi ori-
ginalmente elaborado e submetido ao GT 10 sobre movimentos sociais rurais em 
múltiplas dimensões, do xi Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em 2003.
20
indústria (dimensãosetorial) e da cidade (dimensão geográfica), 
relegando um espaço residual ao mundo rural e seus significados.
É verdade que esta exclusão do rural e de suas populações 
das reflexões teóricas e interpretações da realidade não é novida-
de, nem é uma criação exclusiva da modernidade. este tipo de 
leitura excludente remonta aos pensadores gregos e à construção 
de conceitos como cidadania e cidadão, tão caros ao pensamento 
moderno ocidental. aristóteles, por exemplo, em seu tratado Po-
lítica – considerando que a cidade é uma espécie de comunidade 
e toda comunidade se forma com vistas a um bem – afirmou que:
(...) a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um 
animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, 
não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima 
da humanidade (...). de fato, se cada indivíduo isoladamente não é 
autossuficiente, consequentemente em relação à cidade ele é como as 
outras partes em relação a seu todo, e um homem incapaz de integrar-
se numa comunidade, ou que seja autossuficiente a ponto de não ter 
necessidade de fazê-lo, não é parte de uma cidade, por ser um animal 
selvagem ou um deus (1997, pp. 15 e 16).
diferentemente da centralidade da cidade na antiguidade, a 
idade média (ocidental e europeia) centrou o poder político na 
propriedade da terra, criando uma sociedade baseada na “sobe-
rania fundiária e militar sobre o solo ocupado por comunidades 
subjugadas” (lefebvre, 2001, p. 41). o desejo de vencer este do-
mínio abriu espaço para a representação da cidade como o lugar 
de liberdade ou, no dizer próprio da época, “os ares da cidade 
libertam”. o advento da modernidade – na esteira da filosofia 
iluminista que entendia a cidade como “lugar da virtude, da 
cidadania e da civilização” – marca também a reconquista do 
domínio político da cidade, incorporando ou transformando a 
estrutura feudal, dando um novo significado ao sistema urbano 
a partir da industrialização.
21
o encantamento pela efervescência dos espaços urbanos e 
suas possibilidades (augé, 1997) relegou o rural ao esquecimento 
ou a uma posição de antítese, de oposição à cidade, ao urbano 
e ao moderno (como o lugar de manutenção de resquícios feu-
dais). o processo recente de globalização e muitas das tentativas 
de interpretação das mudanças sociais, políticas, culturais e 
econômicas deste processo exacerbaram esta visão cunhando 
expressões e conceitos como “cidade global” (ianni, 1997; ortiz, 
1997) ou “cidade mundo” (augé, 1997). expressões totalizadoras 
porque, segundo augé, “o mundo da cidade basta-se a si mesmo. 
ele tem sua própria história, suas referências, seus símbolos” 
(1997, p. 171), que eliminam qualquer oposição ou realidade 
distinta da urbana.
a luta pela terra se coloca no contexto do debate sobre a es-
pacialidade e a territorialidade na modernidade, transformadas 
pelo processo de globalização. a modernidade – historicamente 
um conceito relacional identificado com a cidade – produz repre-
sentações sociais e valores que perpassam os itinerários de vida e 
influenciam a reconstrução da identidade das pessoas que lutam 
pelo acesso à terra. os processos sociais possibilitam, no entanto, 
releituras e reapropriações destes valores, criando oportunidades e 
perspectivas de vida que se diferenciam do modo de vida moderno.
as lutas pela terra e pela reforma agrária se inserem em um con-
texto de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais 
da modernidade ocidental. estas transformações são exacerbadas 
pelo que, mais recentemente, se tem denominado de globalização. 
esta globalização é constituída, basicamente, por rearranjos nos 
processos de acumulação do capital que atingem todas as dimen-
sões da vida, inclusive o meio rural brasileiro, abrindo espaço para 
novas interações com o espaço urbano.
a globalização tem provocado mudanças nas representações 
de tempo e espaço, estabelecendo novas relações entre o local e o 
22
global (Giddens, 1991). a mobilidade social e geográfica – carac-
terística desta globalização – provoca novas interações entre estas 
duas dimensões espaciais (não apenas o domínio de uma sobre a 
outra), recolocando a importância do local, da territorialidade e da 
espacialidade na experiência cotidiana. a luta pela terra torna-se 
também uma luta por um lugar que contrasta com os processos 
constantes de mobilidade geográfica e identitária, dando novos 
significados ao local.
Urbano e rural no mundo contemporâneo
Segundo lefebvre, o papel secundário e residual do rural já 
está presente nas reflexões de marx sobre o desenvolvimento do 
sistema capitalista ocidental (lefebvre, 2001). a partir de relei-
turas de textos de marx como, por exemplo, os Manuscritos de 
1844, lefebvre afirma que este aponta a necessidade de superar 
a relação pessoal do dono com a propriedade – característica do 
sistema feudal na idade média – para que a terra ganhe o status 
de mercadoria. Para marx, esta passagem ou superação aconteceu, 
historicamente, com o processo de industrialização (na inglater-
ra), a qual deu um novo impulso à cidade e um novo sentido à 
urbanização da sociedade moderna ocidental.1
apesar de reconhecer que marx não desenvolveu muito esta 
lógica, lefebvre sustenta que há uma centralidade (inclusive a partir 
de noções e conceitos como a divisão social do trabalho, práxis, 
produção e reprodução etc.) da noção de cidade e da oposição desta 
com o campo no pensamento marxista. esta oposição dá-se, por 
exemplo, na divisão do trabalho social onde ocorre, primeiro, uma 
separação entre trabalho industrial e comercial (dentro do espaço 
urbano) e, segundo, destes com o trabalho agrícola (lefebvre, 2001, 
p. 39), materializando a divisão e a oposição entre campo e cidade.
em sua releitura da obra A ideologia alemã, lefebvre é ainda 
mais incisivo afirmando que marx e engels teriam colocado “a 
23
cidade como sujeito da história” (2001, p. 48).2 Segundo ele, apesar 
de marx nunca ter explicitado claramente a questão do sujeito em 
suas elaborações, nesse texto o “sujeito da história é incontesta-
velmente a cidade” (idem, p. 49), pois os autores deixam claro a 
divisão entre cidade e campo, a supremacia da primeira sobre o 
segundo e a necessidade de superar tal divisão. Segundo lefebvre,
o campo, em oposição à cidade, é a dispersão e o isolamento. a cidade, 
por outro lado, concentra não só a população, mas os instrumentos 
de produção, o capital, as necessidades, os prazeres. logo, tudo o que 
faz com que uma sociedade seja uma sociedade. É assim porque “a 
existência da cidade implica simultaneamente a necessidade da admi-
nistração, da polícia, dos impostos etc., em uma palavra, a necessidade 
da organização comunal, portanto, da política em geral” (2001, p. 49).
a separação e oposição entre cidade e campo – fruto da divi-
são social do trabalho – bloqueiam a totalidade social (lefebvre, 
2001, p. 49), relegando um “trabalho material desprovido de 
inteligência” ao campo (idem, p. 49). esta separação resulta na 
divisão de classes e na alienação e, consequentemente, deve ser su-
perada. a superação (como fruto do processo histórico e da práxis 
da sociedade) desta oposição “é uma das primeiras condições da 
comunidade” (idem, p. 50).
Segundo lefebvre, a oposição ou conflito (dialético) entre 
cidade e campo abarca certa unidade, criando dificuldades para 
apreender, teoricamente, a relação entre unidade e contradição 
(2001, p. 55). esta dificuldade estaria na base da ambiguidade 
com que marx e engels “trataram do fim da cidade”,3 pois o sur-
gimento da grande indústria fez com que a cidade deixasse de ser 
o “sujeito do processo histórico” (idem, p. 63). em todos os casos, 
lefebvre reafirma a noção da superação do rural pela urbanidade 
capitalista ocidental.
a concentração da população acompanha a dos meios de produção. 
o tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida 
24
agrária. estas palavras, “o tecido urbano” não designam,de ma-
neira restrita, o domínio edificado nas cidades, mas o conjunto das 
manifestações do predomínio da cidade sobre o campo (lefebvre, 
1999, p. 17).
Partindo da premissa de que o desenvolvimento capitalista 
na pós-modernidade abarcou todas as esferas da vida (inclusive 
a natureza e o inconsciente), Fredric Jameson aponta na mesma 
direção de lefebvre afirmando a “superação” do rural porque “a 
modernização está, mesmo que relativamente, completa” (1997a, 
p. 26). diferente do período moderno, as pessoas já não têm ne-
nhuma possibilidade de se contrapor ao rural, ao residual porque 
“aquela satisfação mais profunda de ser ‘absolument moderne’ se 
dissipa quando as tecnologias modernas estão em toda parte” 
(Jameson, 1997, p. 26 – ênfases no original).4
nessa perspectiva, Jameson avalia que houve uma completa 
assimilação do rural pelo processo de industrialização da sociedade 
ocidental. a implantação da revolução Verde, da industrializa-
ção da agricultura, em um primeiro estágio, “reteve um modo 
de produção pré-capitalista na agricultura, mantendo-o intacto, 
explorando-o de maneira tributária, obtendo capital de relações 
essencialmente pré-capitalistas” (Jameson, 1997a, p. 40). o novo 
estágio do capital abarcou todas as esferas da vida, inclusive a 
agricultura, eliminando as diferenças e tornando-a parte da própria 
exploração industrial (Jameson, 1997a, p. 40).
diferentemente de lefebvre, no entanto, Jameson afirma que 
este processo de assimilação capitalista da agricultura (e da na-
tureza) acaba deteriorando o “outro termo da oposição binária”. 
Segundo ele, “o desaparecimento da natureza – a mercantiliza-
ção do campo e a capitalização da própria agricultura em todo o 
mundo – começa agora a desgastar o seu outro termo, o que antes 
era o urbano” (Jameson, 1997a, p. 42), provocando um processo 
de deterioração da vida nas cidades.
25
a urbanização e de deterioração e a cidade são muito evidentes 
no recente processo histórico brasileiro. o deslocamento força-
do de milhões de pessoas do campo para as cidades gerou um 
crescimento artificial dos grandes centros urbanos, praticamente 
inviabilizando qualquer possibilidade de fornecimento de serviços 
básicos como infraestrutura (asfalto, energia elétrica, sistema de 
esgoto etc.), saúde, educação etc. um dos resultados é a condição 
sub-humana de existência nas periferias urbanas, contradizendo 
inclusive a lógica de que o êxodo rural deveria libertar as pessoas 
das amarras comunitárias.
emmanuel Wallerstein aponta em uma direção semelhante 
utilizando a noção de “desruralização do mundo” moderno. de 
forma diferente de lefebvre e Jameson, no entanto, esse autor 
não explica o processo de “desruralização” através da justificativa 
tradicional de “que a industrialização exige a urbanização” (1999, 
p. 245). Wallerstein busca outra explicação porque, segundo ele, 
“ainda restam indústrias localizadas nas regiões rurais e já temos 
notado a oscilação cíclica entre concentração e dispersão geográfica 
da indústria mundial” (idem, p. 245).
na verdade, Wallerstein recorre a outra noção definindo o 
rural como o lugar depositário de mão de obra barata. diante da 
necessidade de rearranjos no sistema de acumulação para com-
pensar a transferência de parte da mais valia para os operários 
qualificados e organizados, os proprietários dos meios de produção 
transferem setores de atividade econômica pouco rentáveis para 
regiões com mão de obra rural disponível (Wallerstein, 1999, p. 
246). essas novas localidades urbanas atraem mão de obra rural 
porque os salários representam “um aumento de sua renda fami-
liar, mas que no cenário mundial representam custos mínimos 
de trabalho industrial” (idem, p. 246).
esta lógica de acumulação força constantes processos de des-
locamento de setores menos competitivos para regiões depositárias 
26
de mão de obra barata. este é o processo social e econômico que 
resulta na “desruralização” do mundo moderno, porque “(...) para 
resolverem as dificuldades recorrentes das estagnações cíclicas, 
os capitalistas fomentam em cada ocasião uma desruralização 
parcial do mundo” (Wallerstein, 1999, p. 246). Segundo esse 
autor, o grande problema é que já não há mais população para 
desruralizar, o que se transforma em um dilema insolúvel para o 
sistema capitalista (idem, p. 246).
este processo de desenvolvimento capitalista dos anos de 1950 
e de 1960 forjou uma concepção de progresso baseada em uma 
relação linear entre modernização – industrialização – urbaniza-
ção.5 o desenvolvimento econômico e social mundial não teria 
outro caminho a não ser um processo crescente de industrializa-
ção, atraindo as pessoas para os aglomerados urbanos, na mesma 
lógica da interpretação de Wallerstein sobre a “desruralização” 
do mundo moderno. nesta mesma perspectiva, lefebvre sugere 
então que o caráter essencial da “sociedade industrial” é, acima do 
crescimento quantitativo da produção material, o desenvolvimento 
das cidades ou da sociedade urbana.
É a vida urbana que dá sentido à industrialização, que a contém como 
segundo aspecto do processo. É possível que a partir de certo ponto 
crítico (onde podemos nos situar), a urbanização e sua problemática 
dominem o processo de industrialização. o que resta como perspec-
tiva à “sociedade industrial”, se ela não produz a vida urbana em sua 
plenitude? nada mais que produzir por produzir (lefebvre, 1991, p. 
55 – ênfases no original).
nesta perspectiva, o fenômeno da urbanização, como uma 
realidade mundial e inevitável, se transforma na grande aventura 
da humanidade. a cidade, em contraposição ao atraso do meio 
rural, é considerada o espaço fundamental para o desenvolvimento 
econômico e a construção da cidadania (Wanderley, 2001, p. 2).6 
modernização significa então um processo histórico de generali-
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27
zação de um padrão cultural urbano, sinônimo de emancipação, 
autonomia, desenvolvimento, progresso e cidadania.
estas concepções levam a interpretações que afirmam a 
diluição das contradições e diferenças entre o rural e o urbano 
(ianni, 1997; Silva, 1996), pois o tecido urbano domina toda a 
sociedade porque a modernização capitalista está relativamente 
completa (Jameson, 1997a). não há mais espaços geográficos e 
sociais para a existência de valores e modos de vida “tradicionais”, 
distintos, porque este tecido urbano consumiu todos os resíduos 
da vida agrária (lefebvre, 1999). Consequentemente, segundo 
octavio ianni:
Faz tempo que a cidade não só venceu como absorveu o campo, o 
agrário, a sociedade rural. acabou a contradição cidade e campo, na 
medida em que o modo urbano de vida, a sociabilidade burguesa, 
a cultura do capitalismo, o capitalismo como processo civilizatório 
invadem, recobrem, absorvem ou recriam o campo com outros sig-
nificados (1997, p. 60).
este processo civilizatório capitalista abarca todas as esferas da 
vida e da sociedade, integrando, modernizando e mesmo diluindo 
o mundo agrário. este perde as suas características (inclusive a sua 
base econômica passa a ser de atividades não agrícolas) deixando 
de ser o lugar de manutenção e reprodução de valores tidos como 
tradicionais, a exemplo do comunitarismo e do familismo. o 
processo de urbanização do campo traz consigo também secula-
rização, individualização e racionalização, destruindo os últimos 
resquícios que poderiam diferenciar o espaço rural do urbano. 
o que permanece é o bucólico, a nostalgia da natureza, a utopia da 
comunidade agrária, tribal, indígena, passada, pretérita, remota, 
imaginária. (...) a própria cultura de massa, agilizada pela indústria 
cultural, retrabalha continuamente a nostalgia da utopia bucólica. 
Tanto pasteuriza como canibaliza elementos presentes e pretéritos, 
reais e imaginários do mundo agrário. reinventa o campo, country, 
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28
campagna, champ, sertão, deserto, serra, montanha, rio, lago, verde, 
ecologia, meio ambiente e outras formulações, aparecidas no imagi-
náriode muitos como sucedâneos da utopia do paraíso (ianni, 1997, 
p. 63 – ênfases no original).
muitas objeções poderiam ser feitas a estas concepções de rural 
e do desenvolvimento atual do mundo contemporâneo. o padrão 
de modernização, por exemplo, não é um dado que abarca o con-
junto da sociedade de forma igual, como entende Jameson. Por 
outro lado, a modernização agropecuária no Brasil é implantada 
de forma desigual, possibilitando um profundo descompasso social 
e político, bem como a convivência de situações e valores plurais, 
quando não contraditórios, frutos de uma “produção capitalista 
baseada em relações não capitalistas” (martins, 1989).
a noção de caráter residual do rural – quando não é relegado 
ao completo esquecimento – faz parte das reflexões e produções 
teóricas sobre a modernidade (conceito essencialmente urbano). 
Por outro lado, a diluição ou descentramento do rural vem sendo 
colocada em xeque tanto por reflexões teóricas recentes quanto 
pelos processos sociais e políticos de resistência e luta de diversos 
segmentos da população rural. os movimentos sociais como 
sujeitos políticos, especialmente na luta pela terra, recolocam a 
importância do rural tanto na agenda política brasileira quanto 
nas interpretações da sociedade ocidental contemporânea.
Industrialização e urbanização ou especificidade do rural
as questões relacionadas com a terra e a exploração de seus 
habitantes fazem parte da história da américa latina desde que os 
primeiros colonizadores aportaram no continente.7 estas questões 
ganharam relevância e ênfases diferenciadas ao longo desta histó-
ria, influenciando a própria produção teórica sobre os problemas 
e perspectivas do campo. diferente de muitas interpretações da 
sociedade ocidental contemporânea, este desenvolvimento histó-
29
rico tem mantido o rural, negando sua diluição ou urbanização. 
inclusive, a resistência da população rural aos processos de mo-
dernização, expropriação e exclusão, tem mantido o meio rural, os 
seus problemas e as suas perspectivas, na agenda política nacional, 
forçando reflexões e novas interpretações do real.
estas questões adquiriram, no entanto, uma perspectiva nova 
a partir dos anos de 1950 e de 1960, quando os programas de mo-
dernização agropecuária começaram a ser implantados através da 
chamada revolução Verde na américa latina e de seu consequente 
“processo de modernização conservadora” no Brasil (Silva, 1994). as 
situações agrária e agrícola brasileiras sofreram profundas mudan-
ças, pois a agropecuária passou por um processo de transformação 
tecnológica, possibilitando a incorporação de tecnologias modernas 
e uma integração à dinâmica industrial de produção.
estas mudanças foram realizadas basicamente através de pe-
sados investimentos governamentais no setor industrial, buscando 
modernizar a economia nacional e destruindo sua antiga base 
agrícola. o principal instrumento, utilizado pelo estado para 
promover esta transformação, foi o crédito agrícola subsidiado 
que capitalizou os grandes proprietários, possibilitando a crescente 
incorporação de insumos industriais na produção agropecuária. 
os subsídios governamentais abriram a oportunidade para in-
vestimentos pesados na agropecuária, promovendo seu avanço 
tecnológico através do uso de tratores e máquinas, sementes 
selecionadas, fertilizantes químicos e pesticidas etc.
os pesados subsídios e incentivos fiscais concedidos pelo estado às 
grandes empresas abriram o campo ao investimento capitalista, pro-
tegeram e reafirmaram a renda da terra e a especulação imobiliária, 
incluíram a grande propriedade fundiária num projeto de desenvol-
vimento capitalista que tenta organizar, contraditoriamente, uma 
sociedade moderna sobre uma economia rentista e exportadora. um 
capitalismo tributário atualizado (martins, 1989, p. 85).
30
o apoio à modernização do latifúndio deu ao programa seu 
caráter conservador. os incentivos possibilitaram a modernização 
da produção agropecuária (mecanização, aumento da produção 
e produtividade, competitividade no mercado exportador), mas 
mantiveram e ampliaram a má distribuição da propriedade da 
terra e, consequentemente, aprofundaram um modelo excludente 
e concentrador no país.
a distribuição social, setorial e espacial dos incentivos 
provocou uma divisão de trabalho crescente; grosso modo, 
maiores propriedades, em terras melhores, tiveram acesso a 
crédito, subsídios, pesquisa, tecnologia e assistência técnica, a 
fim de produzir para o mercado externo ou para a agroindústria 
(martine, 1991, p. 10).
o cultivo monocultor de grandes extensões – padrão predo-
minante do modelo de modernização – aumentou a produção 
agrícola do país. não promoveu, porém, o bem-estar social da 
maioria da população rural, ao contrário, provocou concentra-
ção da propriedade da terra, êxodo rural, fome e violência. a 
dominação do capital industrial, ou agroindustrial, permitiu uma 
subversão do processo produtivo e uma expropriação do saber dos 
agricultores familiares e camponeses. este processo provocou a 
dominação destes, imobilizando sua força de trabalho (através do 
trabalho escravo ou semiescravo) ou expropriando seus meios de 
produção através da expulsão da terra (Porto, 1997).
o desenvolvimento agropecuário da revolução Verde foi pla-
nejado e implantado em uma contraposição entre campo e cidade. 
isso resultou no reforço de um modelo industrial concentrador, 
predatório e excludente. este modelo seguiu a lógica dominante 
de privilegiar investimentos no setor industrial voltado para o 
desenvolvimento dos centros urbanos, transformando o “atraso do 
meio rural” no contraponto ideal, na imagem e na representação 
de como o desenvolvimento moderno não deveria ser.
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31
a modernização e a modernidade criam e recriam suas 
próprias representações ou, nos termos de duarte (2000), seus 
próprios mitos. estes mitos se constituem em fundamentos de 
práticas sociais, permeando inclusive muitas das análises e inter-
pretações da realidade contemporânea. Segundo duarte, um dos 
mitos fundantes da modernidade – resultado de uma “urbani-
zação generalizada e desorganizada” – é a crença “da igualdade 
socioeconômica e do sucesso nos grandes centros urbanos ditos 
desenvolvidos” (2000, p. 2), a qual reforça a exclusão do rural 
e do campo das análises teóricas e definições de progresso e de 
desenvolvimento econômico.
o processo de modernização provocou um deslocamento de 
milhões de pessoas do meio rural para os meios urbanos (peri-
feria das cidades) ou para as áreas de colonização na região da 
amazônia legal. Tal deslocamento espacial não resultou em um 
processo de emancipação, como uma consequência natural do 
desenraizamento e urbanização, como apregoavam os defensores 
da modernização. Para a maioria, a mobilidade social e espacial 
– raiz da emancipação do indivíduo da dependência tradicional 
da comunidade rural, segundo concepções modernistas – não 
resultou em mudança de valores dos padrões tradicionais no sen-
tido da autodeterminação individual no estilo de vida, mas em 
fome, pobreza e exclusão.
o aprofundamento da contraposição entre sociedades urbanas 
modernas e atrasos do meio rural tem influenciado pensadores 
brasileiros em suas interpretações, perspectivas e possibilidades 
de vida no campo, negando a importância da luta pela terra e de 
qualquer processo de redistribuição da propriedade fundiária.8 
Partindo de um pressuposto de que cidadania no campo é um 
contrassenso e que modernização é sinônimo de urbanização, 
estas interpretações condenam o meio rural por sua inviabilidade 
como espaço social e produtivo (Franco, 1996).9
32
em uma perspectiva um pouco diferente, José Graziano da 
Silva – enfatizando a racionalidade econômica das empresas rurais 
e do atual padrão técnico-produtivo agrícola – afirma que já não 
se pode caracterizar o meio rural somente como agrário. o campo 
não pode ser pensado apenas como um lugar produtor de merca-
dorias agropecuárias,pois o surgimento de uma série de atividades 
não agrícolas está recriando o meio rural brasileiro (Silva, 1996), 
seguindo uma tendência constatada nos países desenvolvidos.
este processo – associado a outras transformações como, por 
exemplo, as das relações de trabalho – leva Graziano da Silva a 
concluir que as melhorias de condições de vida da população rural 
dependem do “grau de urbanização do interior” (Silva, 2000, p. 
8), inclusive com incentivos para a geração de empregos não agrí-
colas no meio rural. ainda, segundo ele, o “meio rural brasileiro 
se urbanizou como resultado do processo de industrialização da 
agricultura”, mantendo uma análise que privilegia o urbano sobre 
o rural (Silva, 1996).10
esta lógica – exacerbada recentemente pelos avanços da 
globalização (Silva, 1998) – reforça a noção de que, em vez de 
diferenciação, existe um continuum entre o rural e o urbano. as 
dificuldades de delimitar fronteiras (exacerbadas inclusive pela 
ideia de que a globalização elimina todas as fronteiras territoriais) 
entre cidades, vilas e o campo reforçam noções que enfatizam 
processos de indiferenciação entre estes espaços. a consequência 
é “o fim do isolamento entre as cidades e o meio rural”, o que “é 
frequentemente expresso através do conceito de continuum rural-
urbano” (Wanderley, 2001, p. 32).
o problema fundamental desta noção de continuum é justamen-
te a tendência a privilegiar uma visão centrada no urbano, relegando 
o rural novamente ao polo atrasado desta inter-relação (Wanderley, 
2001). Siqueira e osório (2001) afirmam que a noção de continuum 
tem como base a dicotomia já conceitualmente postulada, a qual 
33
acaba se sobrepondo ao antigo conceito de rural como um lugar de 
permanência de mão de obra barata e desqualificada.11
levada às últimas consequências, esta vertente das teorias da urba-
nização do campo e do continuum rural-urbano apontam para um 
processo de homogeneização espacial e social, que se traduziria por 
uma crescente perda de nitidez das fronteiras entre os dois espaços 
sociais e, sobretudo, o fim da própria realidade rural, espacial e so-
cialmente distinta da realidade urbana (Wanderley, 2001, pp. 32s).
os questionamentos sobre a diluição de fronteiras não levam 
necessariamente à reforçar qualquer visão dicotômica para pre-
servar as singularidades do campo. a noção de continuum – ou 
de um processo inter-relacional – não leva a uma homogeneização 
dos espaços urbano e rural. mesmo ressaltando as semelhanças, 
interferências e continuidades, “as relações entre o campo e a 
cidade não destroem as particularidades dos dois polos e, por 
conseguinte, não representam o fim do rural” (Wanderley, 2001, 
p. 33).
nesta perspectiva, Wanderley formula a hipótese de que o 
desfecho dos processos recentes de transformação não é o fim 
do rural e a urbanização completa do campo (2000, p. 89). as 
transformações do rural, intensificadas pelas trocas materiais e 
simbólicas com o urbano, fazem emergir uma nova ruralidade 
(idem, p. 89), sendo que o espaço local é, por excelência, o lugar de 
convergência entre o urbano e o rural (Wanderley, 2001, p. 33).
maria José Carneiro também enfatiza esta perspectiva, apesar 
de reconhecer a importância das mudanças no campo inclusive 
uma reorientação da capacidade produtiva. afirma que a integra-
ção do rural à economia global, ao invés de diluir as diferenças, 
“pode propiciar o reforço de identidades apoiadas no pertenci-
mento a uma localidade” (Carneiro, 1997, p. 5). 
esta “âncora territorial” permite interações e garante a “manu-
tenção de uma identidade” (Carneiro, 1997, p. 5). não é possível, 
34
segundo ela, entender a ruralidade apenas como um processo de 
urbanização do campo, “mas também do consumo pela sociedade 
urbano-industrial, de bens simbólicos e materiais (a natureza como 
valor e os produtos ‘naturais’, por exemplo) e de práticas cultu-
rais que são reconhecidos como tendo a sua origem no chamado 
mundo rural ou agrário” (Carneiro, 1997, p. 7).
Wanderley enfatiza também as diferenciações presentes nas 
representações sociais do rural. mesmo com os atuais graus de 
homogeneização e indiferenciação, provocados pelos processos 
de globalização, “as representações sociais dos espaços rurais e 
urbanos reiteram diferenças significativas, que têm repercussão 
direta sobre as identidades sociais, os direitos e as posições so-
ciais dos indivíduos e grupos, tanto no campo quanto na cidade” 
(Wanderley, 2001, p. 33).
mais importante do que uma definição precisa das fronteiras 
entre o rural e o urbano é buscar os significados, do ponto de vista 
dos diferentes agentes, das práticas sociais que operacionalizam as 
interações entre estes espaços (Carneiro, 1997, p. 7). neste sentido, 
há um ressurgimento que transcende a um simples esforço de reto-
mada teórica do campo. estes esforços buscam incluir o campo e 
seus agentes sociais no contexto dos diferentes processos de trans-
formação pelos quais passa a sociedade ocidental contemporânea.
Certamente a retomada do rural poderia ser interpretada como 
uma simples tentativa de análise do exótico, de algo marginal à 
racionalidade ocidental, como uma tática para apreender aspectos 
que a cultura contemporânea exclui de seu discurso (Certeau, 
2000). a perspectiva aqui é transcender esta tática, tomando em 
consideração processos sociais e políticos (a luta pela e a conquista 
de terra) que podem ser compreendidos como recriações do mundo 
rural brasileiro.
este ressurgimento ou retomada do rural pode ser interpretado 
também como um processo social no interior das transformações 
35
sociais e econômicas atribuídas à globalização, a qual é marcada 
por contradições entre a diluição de fronteiras, de um lado, e o 
reforço às identidades locais, de outro. Segundo Hall, a tendência 
de “homogeneização global” (fruto da diluição das fronteiras 
na modernidade) possui uma antítese, pois “há também uma 
fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da 
‘alteridade’” (1999, p. 77). esta fascinação pela diferença e pela 
alteridade abre espaço para a revalorização do local, em geral, e 
do rural, em particular, nas caracterizações e interpretações da 
sociedade ocidental contemporânea.12
em que pese às diferenças, vários aportes teóricos, discussões 
sobre ruralidade (Wanderley, 2000 e 2001; Carneiro, 1997), 
desenvolvimento territorial (abramovay, 2000), neo-ruralismo 
(Giuliani, 1990) e desenvolvimento sustentável (duarte, 2000) 
constituem exemplos que retomam o rural e as relações rural-
urbanas sob outras perspectivas. São aportes teóricos que procuram 
demonstrar a existência de uma realidade mais complexa, permea-
da por fenômenos e processos que negam modelos explicativos e 
valores predominantes na mentalidade “moderno-desenvolvimen-
tista” (Giuliani, 1990).
diferentemente das representações e concepções dicotômicas 
sobre o rural, é possível compreender o campo, em geral, e a luta 
pela terra, em particular, a partir de outras perspectivas que não 
eliminam o rural. em primeiro lugar, é fundamental romper 
com qualquer concepção dicotômica da realidade evitando sepa-
rar o rural do urbano. estes dois espaços não possuem divisões 
ou fronteiras tão explícitas, pois há um processo permanente de 
interações e intercâmbios que precisam ser levados em conta nas 
análises (Carneiro, 1997), sem perder as especificidades e identi-
dades de cada um.
em segundo lugar, é fundamental considerar que as lutas dos 
movimentos sociais no campo não se restringem às lutas pela 
36
propriedade fundiária e pela manutenção dos valores tradicionais 
camponeses. Transcendem à luta pelo acesso aos meios de produção 
e se transformam em um processo de construção de sujeitos po-
líticos, recriando relações sociais e transformando o espaço rural 
na constituição de uma nova ruralidade.
Vários autores, a exemplo de martins, têm demonstrado 
que as lutas camponesas ultrapassam a simples demanda por 
terra porque são lutas pela libertação eemancipação humanas. 
estas lutas em busca de sobrevivência e reprodução social não 
se restringem à dimensão econômica, mas incluem demandas 
por saúde, educação, justiça, paz. São lutas que reivindicam 
“integração política, emancipação, (isto é, de libertação de todos 
os vínculos de dependência e submissão), reconhecimento como 
sujeitos de seu próprio destino e de um destino próprio, diferente, 
se necessário” (martins, 1994, p. 159 – ênfases no original), pos-
sibilitando processos sociais e políticos de recriação do campo 
e de uma nova ruralidade.
em terceiro lugar, é fundamental considerar a importância da 
terra como meio de trabalho, retomando a perspectiva da terra de 
trabalho.13 Celso Furtado enfatizou esta perspectiva ao relacionar 
a terra como um fator fundamental no combate ao grande dilema 
da sociedade industrial moderna: o desemprego em massa. 
de 1990 para cá, a agricultura criou 4 milhões de empregos, o que é 
extraordinário, mesmo sendo de subsistência. o setor urbano deixou 
de criar empregos. Quer crise maior do que essa? Só que em nosso 
país temos um milagre: a terra. Há hoje no mundo algum país que 
crie empregos na agricultura? (Furtado, 1997, p. 9).
a democratização do acesso à propriedade da terra – mais do 
que uma simples política social compensatória de combate à pobre-
za rural14 – representa a possibilidade da construção de identidades 
e cidadania no meio rural. além das implicações políticas, como 
a constituição de sujeitos pela redistribuição do poder (martins, 
37
1993), a luta pela terra representa uma aventura em busca de um 
lugar de oportunidades e autodeterminação, diferente (mas não 
necessariamente em oposição ao) do espaço urbano.
A luta pela terra como uma recriação do rural
além das formulações teóricas, há um movimento social 
e político de recriação do campo através da luta pela terra no 
Brasil (martins, 2000). este movimento agrário – gestado como 
resistência ao aprofundamento da expropriação e exploração das 
populações rurais com a implantação da modernização agrope-
cuária – recoloca a importância da realização de uma reforma 
agrária no país, a partir de uma perspectiva que transcende a 
mera implantação de políticas governamentais compensatórias.
a luta pela terra – como um processo social de resistência ao 
modelo agropecuário e à “ruralidade de espaços vazios” (Wander-
ley, 2001) – se transforma em uma luta política, social, cultural, 
pela construção e realização da cidadania das populações rurais 
(martins, 1994). está em curso uma “práxis espacial emancipa-
tória” (Soja, 1993), ou seja, um processo social de “reinvenção” 
do campo no Brasil sendo que a luta pela terra materializa esta 
recriação, agregando novos elementos e perspectivas à vida no 
meio rural, criando uma nova ruralidade.
esta “práxis espacial emancipatória” (Soja, 1993) se materializa 
em embates sociais e políticos contra a concentração da proprie-
dade fundiária e o latifúndio, instrumento e local de exercício de 
poder e dominação. mais do que falta de eficiência econômica, o 
latifúndio – como promotor do deslocamento geográfico através 
do êxodo rural – é símbolo, instrumento e lugar de exclusão social 
e marginalização política. Grandes extensões de terras são repre-
sentadas como “não lugares” (augé, 1994) que geram a “ruralidade 
de espaços vazios”, ou seja, espaços que materializam ausências e 
são representados como vazios identitários para milhões de pessoas.
38
Por outro lado, as famílias acampadas e assentadas, como 
agentes sociais, lutam e atuam construindo a realidade social a 
partir de estruturas estruturantes, mediadas pelo habitus (Bour-
dieu, 1996). nesse processo, apreendem o mundo real e concreto, 
organizando imagens, linguagem e representações sociais para que 
este mundo faça sentido. os acampamentos e assentamentos são 
espaços de reinvenção da sociedade através das interações sociais 
das diferentes biografias na busca de um lugar de vida, trabalho 
e cidadania.
a luta pela terra é um processo social, político e econômico que 
abarca um conjunto de transformações no campo, redistribuindo 
a propriedade da terra e o poder, redirecionando e democratizando 
a participação da população rural no conjunto da sociedade bra-
sileira. a luta social pela realização de uma reforma agrária está, 
portanto, baseada, em primeiro lugar, na busca de instrumentos 
que gerem emprego e renda, criando melhores condições de vida 
no meio rural.
as experiências de luta e de acesso à terra, no entanto, além de 
garantir bem-estar social e melhoria das condições de vida (Stedile, 
1997), são também impulsionadoras de transformações culturais, 
simbólicas e representacionais. este processo social gesta valores e 
representações sociais, dando novas perspectivas ao mundo rural, 
permitindo inclusive transformações nas relações com o meio 
ambiente, com o lugar e entre as pessoas (novaes, 1998).
a participação nas mobilizações e lutas pela posse da terra 
produz uma renovação das representações e valores das pessoas 
acampadas e assentadas (Geiger, 1995). esta renovação não se 
reduz a uma atualização momentânea – como resultado, por 
exemplo, da unidade exigida pelo contexto de privações, ameaças e 
medo dos acampamentos – mas em ressignificações que modificam 
representações e a própria consciência das pessoas. o envolvimento 
nas lutas é um processo social que possibilita a reorganização das 
39
diversas representações, provocando alterações da percepção da 
própria identidade. isto possibilita também uma reconstrução da 
consciência de sujeito, baseada na conquista do direito ao trabalho 
e no significado simbólico da produção.
este é um aspecto fundante de uma nova ruralidade, ou seja, 
constituída por relações de sujeitos autônomos que protagonizam 
histórias e biografias. a modernidade é – de acordo com muitos 
teóricos, a exemplo de Giddens, Touraine, Beck – caracterizada 
por um processo político e cultural de constituição de sujeitos 
livres e autônomos, protagonistas da história. independentemente 
dos questionamentos a esta autonomia (a exemplo das posições 
adotadas por Jameson e Hall), os processos sociais agrários (lutas, 
mobilizações, negociações etc.) também constituem atores sociais 
e sujeitos da história.
este protagonismo abre possibilidades para a diluição da 
oposição entre terra (rural como atraso) e modernidade (urbano 
como local do moderno).15 a contraposição histórica entre estes 
se desfaz na constituição de sujeitos políticos e atores sociais no 
meio rural, impedindo leituras dicotômicas que estabelecem uma 
relação estreita entre moderno e urbano em contraposição a tradi-
cional e rural. Consequentemente, a conquista da cidadania e do 
direito ao trabalho, através do acesso à terra, criam protagonistas 
da história e sujeitos modernos, mas que se apropriam de valores 
e perspectivas de uma forma distinta dos sujeitos urbanos.
os valores simbólicos e culturais da modernidade não são fe-
nômenos exclusivos do contexto urbano industrial, mas perpassam 
o conjunto da sociedade brasileira. na verdade, esta sociedade é 
marcada por uma mescla de valores e códigos tradicionais e mo-
dernos (araújo, 2000), gerando disjunções e situações paradoxais 
e contraditórias. Historicamente, a adoção de dimensões e valores 
da modernidade no Brasil sempre esteve mesclada com a manu-
tenção de valores culturais e práticas políticas arcaicas como, por 
40
exemplo, o exercício do poder político baseado na propriedade de 
grandes áreas de terras.
estas formulações contestam às interpretações das transfor-
mações sociais e representacionais da sociedade brasileira baseadas 
apenas em uma lógica linear de passagem do tradicional para o 
moderno, e deste para o pós-moderno. o rural brasileiro (assim 
como a sociedade brasileira, em geral) é caracterizado por com-
binações – muitas vezes contraditórias e desiguais – de valores e 
códigos pré-modernos e modernos (araújo, 2000), os quais exigem 
uma leitura distinta de modelosexplicativos baseados na lógica 
moderno-desenvolvimentista.
a luta pela terra não pode ser compreendida, portanto, como 
uma “volta ao passado”, nem como uma tentativa de preservar 
“resquícios bucólicos” (ianni, 1997) ou de construir a “utopia da 
comunidade agrária” (Carvalho, 2002). não se trata, no entan-
to, de simplesmente identificar processos sociais e simbólicos, 
decorrentes da mobilização e da luta pela posse da terra, com 
transformações recentes no contexto da modernidade. a luta pela 
terra constitui sujeitos históricos, impedindo que seja classificada 
como um movimento social arcaico ou antimoderno.
de acordo com ortiz, as transformações mundiais recentes 
provocaram alterações também na percepção do espaço, ou seja, 
a modernidade e a globalização criaram o que ele definiu como 
uma “territorialidade desenraizada” (ortiz, 1997). esta é resul-
tado de processos de desterritorialização e reterritorialização, os 
quais alteram a percepção espacial. uma característica essencial 
da globalização é a desterritorialização (Santos, 1997), mas a con-
quista e o acesso à terra não representam a sua antítese. o acesso 
à terra, como um processo de localização, não é uma antítese à 
globalização e seus processos de interação entre global e local 
(Giddens, 1991), mas representa uma reterritorialização que dá 
novos sentidos aos lugares.
41
diferentemente da noção de deslocamento e esvaziamento do 
espaço como “unidade geográfica elementar” (ortiz, 1997), esta 
luta recoloca a importância da noção de território e de lugar, como 
parte da experiência humana de espacialidade. a estrutura espacial 
(entendida como resultado de processos sociais, inclusive de em-
bates pelo poder) é parte fundante da construção e representação 
da vida cotidiana. a luta pela terra materializa esta importância 
porque é, explicitamente, a busca por um lugar, geograficamente 
localizado e delimitado.
a luta pela terra é um processo social de reforço de vínculos 
locais e de relações de pertencimento a um determinado lugar, se 
constituindo em um processo de reterritorialização que situa as 
pessoas em um espaço geograficamente delimitado. o assenta-
mento (e as próprias parcelas e lotes) é caracterizado por limites e 
fronteiras, resultado de conflitos e lutas sociais que dão identidade e 
sentimentos de familiaridade a seus habitantes. isto não representa 
necessariamente uma contradição com a globalização, mas é uma 
revalorização da importância do lugar e do local (Giddens, 1995).
a luta pela terra é uma busca por um pedaço de terra como 
um lugar de trabalho, de moradia, de cidadania, de vida. apesar 
de todas as dificuldades e problemas, os assentamentos – gran-
des propriedades fundiárias repartidas – são a materialização de 
uma espacialidade efetivamente vivida e socialmente construída 
(Soja, 1993). resultado de conflitos sociais e disputas políticas, 
os assentamentos são lugares identitários, históricos e relacionais 
(augé, 1997). 
apesar de descontinuidades espaciais, os assentamentos não 
são ilhas, mas territórios, social e politicamente demarcados, 
resultados do exercício do “poder de di-visão” (Bourdieu, 1996), 
ou simplesmente “contexturas das práticas sociais” (Soja, 1993). 
São, portanto, espaços singulares que possibilitam um “convívio 
face a face” (Berger e luckmann, 1998), abrindo a possibilidade 
42
para novas interações e ressignificações identitárias e represen-
tacionais.16
a criação dos assentamentos gera uma nova organização social, 
econômica e política. Segundo martins, os projetos de assentamen-
tos são “uma verdadeira reinvenção da sociedade” como “uma clara 
reação aos efeitos perversos do desenvolvimento excludente e da 
própria modernidade” (2000, p. 46s).17 nessa mesma perspectiva, 
Carvalho (1999) trata os assentamentos como “um processo social 
inteiramente novo”. Segundo ele,
nesse espaço físico, uma parcela do território rural, plasmar-se-á uma 
nova organização social, um microcosmo social, quando o conjunto 
de famílias de trabalhadores rurais sem terra passarem a apossarem-
se formalmente dessa terra. esse espaço físico transforma-se, mais 
uma vez na sua história, num espaço econômico, político e social 
(Carvalho, 1999, p. 7).
Pensados como “encruzilhadas sociais” (Carvalho, 1999), 
os acampamentos e assentamentos são lugares de sociabilidade, 
diferenciados entre si basicamente pela oportunidade de acesso 
à terra. as experiências de luta, privações, desejos e sonhos – as-
sociadas às histórias de vidas, verdadeiros itinerários biográficos 
de deslocamentos18 em busca de sobrevivência – forjam novas 
identidades e perspectivas de vida.
apesar de considerar os acampamentos como espaço de “so-
ciabilidade instável”, martins enfatiza que a ressocialização nesta 
fase da luta pela terra “por força do convívio e dos enfrentamentos 
conjuntos com estranhos. Há aí, pois, um alargamento de hori-
zontes e de convivência” (2000, p. 47). este convívio cotidiano e a 
interação face a face abrem caminho para o “intercâmbio contínuo 
das diferentes expressidades” (Berger e luckmann, 1998, p. 47)19 
e a construção de novos vínculos identitários.
o acampamento é o lugar onde diferentes biografias se encon-
tram e iniciam novos processos de interação e identidade sociais, os 
43
quais ganham diferentes contornos nos projetos de assentamento. 
mais do que um simples espaço de transição (uma passagem) é 
um lugar identitário, um lugar privilegiado de reconstrução de 
identidade e de interação sociais. estas “encruzilhadas sociais” são 
lugares (diferente dos assentamentos) de sociabilidade e construção 
de identidades, e não apenas uma passagem na luta pela terra, 
temporária e marcada pela ausência de significação.
diferentemente dos processos de deslocamento do espaço 
do lugar (Giddens, 1991), a terra é representada como um local, 
geograficamente localizado, que possibilita trabalho e moradia, 
portanto, um lugar de vida, que dá sentido à existência. Como 
lugar de morada, a terra se transforma em símbolo de fartura e 
garantia de futuro, materializando a possibilidade de reprodução 
social. a luta pelo acesso à terra significa ainda um processo de 
construção de alternativas à realidade atual, portanto, na constru-
ção simbólica da terra como uma heterotopia, ou seja, um lugar, 
simultaneamente real e imaginário, de oposição às tendências 
de homogeneidade do espaço da modernidade (Foucault, 1984).
Consequentemente, a terra não significa somente a susten-
tabilidade física da vida humana, portanto, não tem apenas um 
significado real de cunho político, econômico e social, mas tem 
também um sentido simbólico. Terra é vida, portanto, lugar e meio 
de produção e reprodução social. a luta dos sem-terra é uma luta 
por uma heterotopia (Foucault, 1984), um outro lugar qualitativa-
mente diferente e de resistência ao processo de desterritorialização, 
forçada pelo modelo agrário e agropecuário implantado no Brasil.
no contexto de globalização, a luta pela terra materializa a luta 
por um lugar, buscando melhores condições de vida (cidadania) 
e transformando as conquistas em processos de apropriação de 
territórios, ou seja, em reterritorializações. as mobilizações, arti-
culações e lutas dão protagonismo social e político às organizações 
agrárias. este protagonismo representa também um processo 
44
pedagógico que transforma as pessoas em atores e sujeitos de suas 
próprias biografias. isso faz dessa luta um movimento moderno que 
permite releituras e consolidação de novos valores no meio rural, 
o que não dilui diferenças, mas estabelece novas inter-relações 
entre campo e cidade.
as mobilizações e lutas pela terra constroem sujeitos e trans-
formam a realidade rural possibilitando a emergência de uma nova 
ruralidade. Baseada em valores e pressupostos diferentes do atual 
padrão de modernização e desenvolvimento, esta ruralidade se cons-
titui na materialização da modernidade no campo. a luta pela terra 
é, portanto, a passagem para esta modernidade porqueimplica em 
uma série de mudanças, reais e simbólicas, que alteram as condições 
de vida, produção, relações com a natureza, no meio rural brasileiro.
Notas
1 Segundo Soja, as preocupações de lefebvre se estendiam muito além de uma sim-
ples compreensão ou defesa da cidade, pois para ele “a urbanização era metáfora 
resumida da espacialização da modernidade e do “planejamento” estratégico da 
vida cotidiana, que haviam permitido ao capitalismo sobreviver, reproduzir com 
êxito suas relações essenciais de produção” (Soja, 1993, p. 65 – ênfases no original).
2 esta releitura de lefebvre reconhece que o próprio marx não tratou diretamente (ou 
extensivamente) sobre a questão urbana. no entanto, segundo ele, “as numerosas 
considerações emitidas por marx só têm sentido e importância em um contexto 
social: a realidade urbana. ora, marx não fala disso. uma ou duas vezes somente, 
mas de uma maneira decisiva, ele traz o encadeamento dos conceitos para esse 
contexto, no entanto continuamente implicado” (2001, p. 32).
3 lefebvre defende que há uma lacuna no pensamento de marx e engels porque “não 
exploraram a cidade como lugar de nascimento, quadro social e condição de uma 
sequência de ideologias e de conhecimentos...” (2001, p. 65). Segundo ele, é preciso 
afirmar não o “fim da cidade”, mas a sua superação pelo “urbano”, pois “o trabalho 
não acaba no lazer, mas no não trabalho. a cidade não acaba no campo, mas na 
superação simultânea do campo e da cidade. isso deixa um vazio que pode ser preen-
chido pela imaginação, pela projeção e pela previsão teórica” (idem, pp. 72s).
4 a crítica de Jameson à sociedade contemporânea é a lógica e a estratégia de eliminar 
qualquer tipo de diferença em busca da homogeneização (espacial) e estandardização 
(do consumo) global (Jameson, 1997a, p. 41).
45
5 a promoção do modelo de desenvolvimento, a partir dos anos de 1950 e de 1960, 
foi baseada e aprofundou a contraposição teórica entre as “economias agrárias 
atrasadas” e as “sociedades modernas”. de acordo com Friedrich W. Graf, os 
sociólogos idealistas estadunidenses definiram o termo “modernização” como um 
processo no qual as sociedades atrasadas e tradicionais se “desenvolveriam” em 
direção a sociedades modernas (1993, p. 32).
6 o texto disponibilizado como base para as reflexões do 10º Congresso mundial de 
Sociologia rural, realizado em 2000, naturalizou o processo crescente de migração 
campo – cidade, estabelecendo uma relação automática entre urbanização e melhorias 
na qualidade de vida. Segundo o autor, “essa rápida urbanização cria oportunidades 
melhores de vida, mas também gera desafios assustadores: superpopulação, pobreza, 
e destruição ambiental” (Serageldin 2000, p. 7 – ênfases adicionadas).
7 de acordo com martins, a “questão agrária” surge no Brasil em meados do século 
19 com o processo de abolição da escravidão e criação da lei de Terras, de 1850, 
que impediu o acesso à terra àqueles que não podiam comprar, forçando os pobres 
livres, inclusive os imigrantes europeus, a trabalhar para os grandes proprietários. 
a questão agrária surge “...quando a propriedade da terra, ao invés de ser atenuada 
para viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital, é enrijecida para viabilizar a 
sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra” (martins, 1997, p. 12).
8 Ver, por exemplo, as reflexões de Francisco Graziano neto sobre a ausência de re-
torno econômico da política fundiária redistributiva e a necessidade de “recriar” a 
reforma agrária, tendo como base a necessidade de criar ocupação rural, ou seja, não 
centralizar as ações governamentais na redistribuição da propriedade fundiária mas 
utilizar outros mecanismos para gerar empregos no campo (Graziano neto, 1998).
9 augusto de Franco, por exemplo, enfatizando a “inevitabilidade” devido à má qua-
lidade de vida no meio rural, conclui que “o fim do campesinato na ultrapassagem 
da modernidade é o fim do campo enquanto espaço social e econômico oposto à 
cidade” (Franco, 1996).
10 Segundo Graziano da Silva, a diluição da diferenciação entre estes dois espaços se 
dá inclusive porque a cidade já não pode ser caracterizada única e exclusivamente 
como industrial. Há uma crescente semelhança nas formas de organização do 
trabalho industrial com o trabalho rural como, por exemplo, a flexibilidade de 
tarefas e da jornada, a contratação por tarefa ou por tempo determinado etc. (Silva, 
1996).
11 os encantos com a efervescência urbana relegaram o rural a um lugar marginal, 
palco de tradições e práticas sociais residuais, sendo que as noções de progresso 
e desenvolvimento foram identificadas apenas como parte da sociedade urbana 
industrial. as leituras das transformações recentes, baseadas na “urbanização do 
campo” (Silva, 1996), mantêm essa mesma lógica relegando o especificamente 
rural à tradição e ao atraso.
46
12 a definição de Giddens (1995) de que a globalização constitui uma “ação à dis-
tância” – a qual aproxima o local e o global e permite uma maior interação entre 
estes espaços – reforça a importância do rural (mesmo em uma perspectiva de 
“exótico”) nas análises das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais 
da sociedade contemporânea.
13 José de Souza martins tem utilizado amplamente este conceito enfatizando a im-
portância histórica da resistência dos posseiros da amazônia. resistência centrada 
na compreensão de que o acesso à terra representa a garantia do direito ao trabalho, 
dimensão que precisa ser resgatada, considerando, porém, contribuições e debates 
recentes sobre as transformações no mundo do trabalho. Ver, por exemplo, antunes, 
1999.
14 Francisco Graziano neto enfatiza apenas a dimensão social da reforma agrária 
quando afirma “...nada comprova que dar um pedaço de terra para essas famílias 
marginalizadas seja a única, nem a melhor solução, do ponto de vista do interesse 
público. Talvez um bom emprego seja preferível ao assentamento. ou então, tratá-
las com mecanismos de política social, assistindo-as devidamente, garantindo-lhes 
alimentação e saúde” (Graziano neto, 1998, p. 168).
15 esta perspectiva tem como referência a ideia de que não há um desenvolvimento 
linear e progressivo, mas processos e valores sociais contraditórios, reforçados por 
uma globalização desigual (Hall, 1999). o processo de modernização, a modernidade 
e a globalização são, na verdade, misturas complexas de fenômenos que, contradito-
riamente, geram disjunções e novas formulações sociais e culturais (Giddens, 1995).
16 esta perspectiva abre espaço para interpretar a luta pela terra como a busca e a 
construção de “heterotopias” (Foucault, 1984), ou seja, a constituição de “outros 
lugares” como espaços, simultaneamente reais e imaginários, contestatórios de 
valores estabelecidos pela sociedade ocidental contemporânea.
17 ainda segundo martins, o processo de re-socialização modernizadora nos acampa-
mentos resulta que, nos assentamentos “... a sociedade é literalmente reinventada, 
abrindo-se para concepções mais largas de sociabilidade e, ao mesmo tempo, 
fortalecendo as concepções ordenadoras da vida social provenientes do familismo 
antigo” (2000, p. 47).
18 os relatos biográficos – como verdadeiros itinerários de deslocamentos em busca 
de sobrevivência ou simplesmente “sintaxes espaciais” (Certeau, 2000) – revelaram 
uma série de desejos, imagens, sonhos e representações que desvelam a realidade 
social e política da luta pela terra em Goiás, influenciadas pelos processos ampliados 
de transformações na sociedade brasileira.
19 Segundo esses autores, a vida cotidiana é partilhada com outros na situação face 
a face. esta é a experiência mais importante – o “protótipo da interação social” 
– quando as expressões de uma se orientam na direção da outra pessoa, criando 
uma “reciprocidade de atos expressivos” (Berger e luckmann, 1998, p. 47).
47
A lutA PelA terrA e A 
con Strução de heterotoP iAS *
os debates e reflexões recentes, especialmente a partir

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