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SAUER, 1999

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REFORMA AGRÁRIA 
E O SINDICALISMO RURAL: 
A LUTA PELA TERRA NO 
“ENTORNO” DE BRASÍLIA 
 
 
 
 
 
 
Sérgio Sauer1 
Brasília/DF, agosto de 1999. 
 
 
 
 
 
1 Mestre em Filosofia da Religião pela Faculty of Arts da University of Bergen (Noruega) e doutorando do 
Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). 
 1
Apresentação......................................................................................................................2 
Introdução ........................................................................................................................... 2 
1 – O processo de ocupação da Região Centro Oeste .................................................... 4 
1.1 – Desenvolvimento e modernização da agricultura .............................................. 4 
1.2 – Os projetos de colonização ................................................................................ 7 
1.3 – A evolução da produção agrícola de Goiás ........................................................ 9 
1.4 – O crescimento populacional ............................................................................. 11 
2 – O sindicalismo rural e a luta pela terra na Região Centro Oeste ......................... 14 
2.1 – A luta pela terra e o surgimento do sindicalismo rural .................................... 14 
2.2 – O sindicalismo rural e a luta pela reforma agrária a partir dos anos 1970 ....... 17 
3 – As conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do Entorno ............................. 19 
3.1 – A luta pela terra em Formosa ........................................................................... 19 
3.2 – A luta pela terra em Unaí ................................................................................. 24 
3.3 – A luta pela terra nos últimos anos: os projetos de assentamentos e as 
ocupações ......................................................................................................... 30 
Conclusão ......................................................................................................................... 32 
 
 
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Apresentação 
 
 
Esta publicação Série Experiências retrata algumas iniciativas que vem sendo 
desenvolvidas pelo movimento sindical dos trabalhadores rurais na busca de alternativas de 
desenvolvimento rural sustentável e de formas de organização do sindicalismo rural que 
mais se adeqüem a realidade atual. 
 
Esta iniciativa se insere dentro do Projeto CUT/Contag de Pesquisa e Formação Sindical, 
que numa primeira fase realizou um diagnóstico do atual quadro da organização sindical 
rural e dos elementos constituintes do atual modelo de desenvolvimento rural no Brasil. 
 
Nesta fase foi realizada uma pesquisa em todas as regiões do pais sobre estas duas 
temáticas, que partiu da sistematização da elaboração existente, tanto da produção científica 
e acadêmica quanto o acúmulo produzido pelos trabalhadores e suas organizações. 
 
Dentro deste processo foram selecionadas 13 experiências de ação e organização sindical, 
na diferentes regiões, que foram sistematizadas neste momento do diagnóstico, se 
transformando nesta Série Experiências. 
 
Posteriormente a esta sistematização, algumas destas experiências foram visitadas por 
delegações de dirigentes sindicais de diferentes regiões do país, propiciando a esses 
dirigentes o conhecimento e intercâmbio com realidades de outras regiões, através de um 
processo de visitas e debates, como uma atividade complementar de todo o processo 
formativo – de seminários e cursos – realizados no âmbito do Projeto CUT/Contag. 
 
O conhecimento e socialização destas experiências é uma iniciativa fundamental pois 
resgata a importância que as mesmas tem na viabilização das propostas e projetos 
realizados pelos trabalhadores e suas organizações, pois se situam no âmbito daquilo que 
podemos chamar de respostas do movimento sindical à chamada crise do sindicalismo rural 
e às desigualdades geradas pelo modelo de desenvolvimento rural brasileiro. 
 
Este texto trata de um relato da experiência de reforma agrária desenvolvida pelos 
Sindicatos de Trabalhadores Rurais da região do entorno de Brasília e do noroeste do 
Estado de Minas Gerais, iniciando com uma contextualização mais geral da luta pela 
reforma agrária no Brasil e a contribuição que o Movimento Sindical Rural teve neste 
processo específico desta região. 
 
 
 
 
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Introdução 
 O sindicalismo rural tem tido uma participação importante no processo de luta pela 
terra na Região Centro Oeste. A bandeira da reforma agrária faz parte da história do 
movimento sindical e o envolvimento direto nas lutas através da organização das 
trabalhadoras e trabalhadores, resistência à expulsão e ocupação de terras constituiu 
lideranças e fortaleceu o sindicalismo rural na Região. A resistência dos posseiros e a 
mobilização de agricultores sem terras, especialmente nos anos 1980, resultaram na criação 
de vários Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) em diversas regiões de Goiás e 
Noroeste de Minas Gerais. 
 Os STRs dos municípios de Formosa, Estado de Goiás, e Unaí, Estado de Minas 
Gerais são exemplos desse envolvimento e participação ativa nas conquistas das 
trabalhadoras e trabalhadores rurais. Essas conquistas se materializam em assentamentos 
que abrigam milhares de famílias, gerando emprego, renda e condições dignas de vida no 
meio rural. O objetivo desse ensaio é resgatar esse processo de luta no “Entorno” de 
Brasília desvelando aspectos importantes da contribuição do sindicalismo rural. 
 É importante observar que o uso do termo “entorno” não tem como objetivo definir, 
de forma precisa, uma região. Essa “imprecisão” é fruto de usos diferenciados por 
organismos governamentais e entidades sindicais. De acordo com a divisão geográfica do 
IBGE, o “entorno” designa uma microrregião de Goiás, composta por municípios que 
circundam o Distrito Federal (DF). 
A Federação de Trabalhadores do Entorno não segue essa delimitação porque 
abrange STRs dessa microrregião mas inclui o próprio DF e o Noroeste de Minas Gerais, 
estado que está localizado em outra Região. O STR de Formosa, um dos municípios da 
microrregião do Entorno, por sua vez, estendeu a sua base sindical para municípios de 
outras microrregiões do Estado. 
 Essa “falta de precisão geográfica” traz alguns problemas, especialmente em termos 
de dados, dificultando comparações e paralelos. É importante ter presente essas diferenças, 
mas é preciso ressaltar também que essa “região”2, abrangendo alguns municípios de Goiás 
e Noroeste de Minas, possui características muito semelhantes. É uma área de Cerrado, 
portanto, com características físicas e climáticas típicas do Centro Oeste. O processo de 
desenvolvimento e ocupação, tema da primeira parte desse ensaio, também foi muito 
semelhante, constituindo-se uma das chamadas “fronteiras agrícolas”. 
 A história nacional do sindicalismo rural, tema da segunda parte do ensaio, é 
ilustrativa do processo desencadeado na região, especialmente a partir dos anos 1970. A 
bandeira da reforma agrária fez parte do processo de criação, crescimento, tomadas de 
decisão, divergências e cisões no sindicalismo rural. Essa história está presente também na 
 
2 O uso do termo “Região” com letra maiúscula designa sempre a Região Centro Oeste. Em letra minúscula 
adquire um significado diretamente relacionado com o contexto onde é utilizado, podendo designar a área de 
alguns municípios ou, por exemplo, “a região do Noroeste mineiro” . 
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luta pela terra e constituição do movimento sindical no “Entorno” e na própria Região 
Centro Oeste. 
 A análise da atuação do STR de Formosa e Unaí, terceira parte desse ensaio, 
exemplifica o envolvimento domovimento sindical, construindo a história da luta pela 
terra na Região. Esses STRs foram criados como resultado da formação de lideranças e 
envolvimento nas lutas pela posse da terra. 
 
1 – O processo de ocupação da Região Centro Oeste 
 A Região Centro Oeste é conhecida por ser uma das últimas “fronteiras agrícolas” 
desbravadas no Brasil. O processo de expansão e ocupação teve várias fases marcadas por 
processos migratórios. Os movimentos mais importantes foram, sem sombra de dúvidas, 
primeiro, a chamada Marcha para o Oeste e depois a modernização da agricultura. Esses 
atraíram levas de migrantes e provocaram profundas mudanças na estrutura produtiva e 
populacional da Região. O processo de modernização agrícola, através da implantação do 
pacote tecnológico da Revolução Verde, é fundamental na constituição do atual quadro 
regional. 
 
1.1 – Desenvolvimento e modernização da agricultura 
A Marcha para o Oeste, que aconteceu na década de 50 com o deslocamento de 
migrantes vindos do Nordeste e Minas Gerais, foi um dos principais movimentos 
migratórios que afetou profundamente as características populacionais e produtivas da 
Região. 
Esse movimento migratório foi responsável por taxas altas de crescimento 
populacional regional, motivando a fundação e crescimento de cidades como Goiânia, 
nova fonte de atração de migrantes. Até a década de 1970, o Cerrado não era considerado 
propício para a agricultura e os agricultores migrantes utilizavam as áreas baixas, com 
terras mais férteis, para o cultivo de lavouras. 
O desbravamento da Região, nesse período, era feito por posseiros e pequenos 
proprietários através de derrubadas e cultivo de “roças no toco”3 com culturas de 
subsistência. A abertura de grandes áreas para a criação extensiva de gado era feita por 
fazendeiros tradicionais, especialmente nos chapadões, utilizando a vegetação natural do 
Cerrado. 
A agricultura de subsistência foi se constituindo através de práticas de cultivo 
baseadas no trabalho familiar e exploração da fertilidade natural do solo. O começo da 
produção agrícola foi feito através da derrubada da mata e a madeira era transformada em 
carvão para suprir as usinas siderúrgicas de Minas Gerais. Depois da derrubada e queimada 
da vegetação nativa, era cultivado milho, feijão, arroz e mandioca, produtos de consumo 
familiar com alguns excedente para abastecimento dos mercados locais. A fertilidade 
natural do solo era, portanto, um elemento fundamental nesse processo produtivo. 
 
3 Essa prática agrícola foi denominada de “roça no toco” porque os agricultores derrubavam a mata e 
plantavam no meio da galhadas e troncos. Era uma prática itinerante ou rotativa de desmatamento e cultivo, 
com ciclos curtos de duas ou três safras, procurando aproveitar a fertilidade natural do solo. 
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Este ciclo de fertilidade foi se encurtando à medida que as terras mais férteis foram 
se esgotando e as distâncias dos mercados iam aumentando. Isso forçou os agricultores 
familiares a um processo contínuo de deslocamento para novas frentes, constituindo um 
movimento de posseiros, praticando uma agricultura itinerante. As áreas desbravadas se 
transformavam, posteriormente, em áreas de cultivo extensivo ou pastagens para os 
grandes proprietários. 
A implantação da Revolução Verde, especialmente com a utilização de técnicas e 
produtos para corrigir a acidez do solo, mudou as características da produção agropecuária 
regional. A agricultura, monocultora e extensiva, se estabeleceu em vários pólos, abrindo 
áreas para a produção de soja e milho em grande escala. Essa nova fase agrícola foi a base 
de uma nova onda migratória, trazendo pessoas das regiões Sul e Sudeste, especialmente 
nos anos 1970 e inicio dos anos 1980. 
O desenvolvimento da agricultura moderna, promovida pela política governamental 
do Regime Militar, se deu através da criação de infra-estrutura e projetos de colonização. 
Vários programas de crédito, assistência técnica e pesquisa foram criados para dar suporte 
e motivar a ocupação da Região e abertura da fronteira agrícola. Programas como o PCI 
(Programa de Crédito Integrado) e PADAP (Programa de Assentamento Dirigido do Alto 
Paranaíba), criados em 1973 pelo governo de Minas Gerais, foram os primeiros que 
buscaram promover a "modernização agrícola" na Região. No entanto, o POLOCENTRO 
(Projeto de Desenvolvimento do Centro Oeste) e o PRODECER (Programa de 
Desenvolvimento do Cerrado) foram os mais importantes programas governamentais. 
O POLOCENTRO, como parte do Programa Nacional de Desenvolvimento do 
Governo Geisel, foi criado para atender aos agricultores capitalizados, oferecendo crédito 
subsidiado e assistência técnica. Esse programa tinha doze (12) áreas de atuação nos 
estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, investindo em infra-
estrutura (abertura de estradas, armazéns, etc.) e financiando a aquisição de terras para a 
produção de grãos. 
A implantação desse programa foi a principal motivação para novos deslocamentos 
populacionais para a Região Centro Oeste. Além do MS e MT, muitos agricultores se 
instalaram nas regiões sul e sudeste do Estado de Goiás, criando um grande pólo produtor 
de soja em municípios como Rio Verde e Mineiros. 
Muitos agricultores saíram, especialmente das regiões Sul e Sudeste, em busca de 
terras mais baratas para a produção agrícola. As facilidades de financiamentos e subsídios, 
de um lado, e a implantação de infra-estrutura de armazenagem e transporte, de outro, 
criaram as condições para o desenvolvimento da agricultura intensiva, produzindo grãos 
para exportação. 
Os investimentos do POLOCENTRO em pesquisa agropecuária resultou na criação 
do Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado (CPAC) da EMBRAPA, em 
Planaltina/DF. O objetivo fundamental desse centro era criar ou adaptar tecnologias para a 
produção de grãos, especialmente soja, na região de Cerrado. 
O POLOCENTRO funcionou de 1975 a 1979 mas não alcançou plenamente os seus 
principais objetivos. Os investimentos não tiveram o retorno econômico planejado porque 
mais de 60% dos recursos foram utilizados na pecuária, atividade tradicional na Região, e 
não no desenvolvimento agrícola através da implantação de lavouras de soja e milho. 
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A primeira fase do Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER I), em 
processo de negociação desde 1975, foi implantado a partir de 1979 no Noroeste de Minas 
Gerais, região de Paracatu. Esse programa, em funcionamento até 1984, foi financiado com 
recursos do governo japonês, através da JICA (Japan International Cooperation Agency). 
O Japão tinha interesse nesses projetos porque, além de possuir recursos fartos para 
investir, queria fugir da dependência da produção americana. Os Estados Unidos era o 
maior produtor mundial de soja, criando uma situação delicada para países importadores 
como o Japão. 
Diferente do POLOCENTRO e demais políticas governamentais, o PRODECER 
foi implantado com base em propriedades de porte médio. O programa financiava áreas de 
400 a 500 hectares para, prioritariamente, famílias vindas do Sul ou Sudeste, com 
experiência na aplicação das técnicas modernas de produção agrícola. O principal objetivo 
do PRODECER era a produção tecnificada de grãos para abastecer especialmente o 
mercado externo. 
A Companhia de Promoção Agrícola (CAMPO) era a responsável pela implantação 
do projeto, mas a participação de duas grandes cooperativas – a Cooperativa Agrícola de 
Cotia, São Paulo e a Cooperativa de Suinicultores de Encantado, Rio Grande do Sul, foi 
fundamental nesse processo de implantação e seleção das famílias beneficiadas. Essas 
eram responsáveis pela seleção da metade dos agricultores que seriam beneficiados com os 
recursos do projeto. O projeto buscava famílias sulistas com experiência em trabalho 
cooperativado e técnicas modernas de produção. A própria implantação e consolidação dos 
pólos deveriaacontecer através de cooperativas que organizavam e facilitavam a 
comercialização da produção. 
A segunda fase, a partir de 1984, estendeu o PRODECER para os Estados de Goiás, 
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mas não teve o mesmo sucesso do PRODECER I. 
Parte dos problemas enfrentados por esses programas estava relacionada com os diversos 
planos econômicos que acabaram endividando os agricultores, tornando os financiamentos 
inviáveis. O governo japonês retirou o seu apoio ao projeto, provocando novos problemas 
aos agricultores. 
No início dos anos 1990, a terceira fase do PRODECER começa a ser 
implementada nos Estados da Bahia e Tocantins. Dois novos pólos foram criados em 1995 
com quarenta (40) agricultores cada um. As áreas financiadas foram de mil hectares cada, 
todas voltadas para a produção de soja para exportação. 
Esses grandes projetos, marca do processo de ocupação e “abertura de fronteiras” 
através da promoção da agricultura mecanizada, extensiva e voltada para a produção de 
grãos, são os principais responsáveis pela baixa presença de agricultores familiares na 
Região. A implantação da agricultura moderna não abriu espaço para a reprodução do 
segmento familiar, carente de recursos financeiros e tecnológicos. 
Esse processo de ocupação explica o alto grau de concentração da propriedade da 
terra na Região Centro Oeste. De acordo com dados do Censo Agropecuário de 1995-1996, 
os imóveis acima de mil hectares representam apenas 7,11% do total dos estabelecimentos, 
mas ocupam 72,16% da área total dos imóveis na Região. Os imóveis com estrato de áreas 
entre 200 e 1 mil hectares ocupam outros 19,53% da área total. 
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As propriedades com áreas inferiores a 10 hectares somam 11,98% do total de 
imóveis e detêm apenas 0,14% da área total. O estrato de área mais significativo na 
estratificação regional são as propriedades com áreas entre 20 e 50 hectares, representando 
21,46% dos imóveis. A soma de todos os imóveis até 200 hectares representa 74,18% do 
número total de imóveis da Região mas ocupam apenas 8,48% da área total. 
Esses níveis de concentração da propriedade da terra se repetem no Estado de 
Goiás. Não há uma diferenciação acentuada na estrutura fundiária, mas as grandes 
propriedades, diferente do conjunto da Região, dividem suas áreas com o estrato de área 
entre duzentos e mil. Os imóveis com áreas superiores a 200 hectares e menores de 1 mil 
representam 20,2% do numero total de imóveis e possuem 35,16% da área total. Os 
imóveis com áreas superiores a mil hectares somam 4,9% do total de imóveis e possuem 
47,2% da área total dos imóveis. 
Os imóveis com áreas inferiores a 10 hectares representam 11,1% do número total 
de imóveis e detêm 0,25% da área total. A soma de todos os imóveis até 200 hectares 
resulta em 74,9% do número total, mas representam apenas 17,64% da área total dos 
imóveis do Estado de Goiás. Esses dados demonstram claramente o nível de concentração 
fundiária no Estado e na Região Centro Oeste. 
 
1.2 – Os projetos de colonização 
O programa de modernização agrícola do governo militar pós-1964 tinha como 
objetivo aumentar a produção através da industrialização da produção agrícola e abertura de 
novas áreas através dos projetos de colonização nas Regiões Norte e Centro Oeste do Brasil. 
As demandas sociais por reforma agrária foram enfrentadas através de mecanismos de 
repressão política, edição do Estatuto da Terra e criação dos projetos de colonização. 
A abertura de novas “fronteiras agrícolas” e áreas de colonização tinham o objetivo 
político de acomodar posseiros e sem terras, como uma forma de diminuir a pressão social por 
terra e trabalho nas regiões mais populosas. A abertura das “fronteiras agrícolas” era a solução 
ideal para amenizar os conflitos agrários e promover o desenvolvimento agrícola de novas 
áreas. O deslocamento de migrantes, direcionados pelos programas governamentais ou 
privados de colonização, deixava as terras mecanizáveis do Sul e Sudeste abertas para o 
processo de modernização, aumentando a concentração da propriedade. 
A mudança da base tecnológica na agricultura, promovida pela Revolução Verde, 
começou a expulsar muita gente do campo. As “fronteiras agrícolas” passaram a absorver 
esses contingentes de migrantes vindos das regiões Sul e Sudeste ou do Nordeste. O 
desbravamento de novas áreas e a abertura de “fronteiras” deslocaram parte dos históricos 
conflitos agrários, agravados pelo processo de modernização, amenizando também a pressão 
sobre as cidades e oferta de empregos em outros setores. As “fronteiras” eram a nova 
esperança de terra e trabalho para a massa sobrante de migrantes que não encontravam lugar 
nos centros urbano-industriais. 
Os projetos de colonização foram criados pelos governos militares com base em dois 
“pressupostos” ideológicos: 1) a existência de “terras vazias” e baratas na Região Norte e 
Centro Oeste e 2) a ocupação espacial como um caminho natural para resguardar as fronteiras 
contra possíveis invasões, baseada na doutrina da “segurança nacional”. Os projetos eram 
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criados como uma política governamental para tornar produtivas terras “ociosas” e 
“improdutivas”. 
Esses projetos de colonização eram concebidos como parte da doutrina de segurança 
nacional e necessidade de garantir a soberania territorial. A estratégia era integrar regiões 
periféricas, através da ocupação de terras “desocupadas” do Norte e Centro Oeste do país. A 
propaganda massiva do governo, oferecendo terras baratas, deslocou milhões de pessoas para 
as “fronteiras agrícolas”. 
Esse programa de colonização, concebido como uma estratégia de ocupação dos 
espaços “vazios” e inviabilização da reforma agrária, se constituiu num movimento social 
complexo que criou mecanismos de controle social e político e dominação da população rural. 
“A colonização de novas terras pode ser analisada como uma técnica social que utiliza 
mecanismos de controle do espaço e de controle dos homens, para se reproduzir enquanto 
forma de dominação exercida pelas classes subalternas da sociedade brasileira”4. 
As famílias migrantes que conseguiram terra foram abandonadas em meio a um 
ambiente estranho, isolado e sem infra-estrutura. Eram afetadas por doenças tropicais como a 
malária, e após muito trabalho para abrir a mata e preparar o solo, não tinham condições de 
comercializar a produção. Muitos foram forçados a abandonar suas áreas, deslocando-se 
novamente para as cidades ou de volta para suas regiões de origem, deixando as terras prontas 
para a criação extensiva de gado de corte. Esse êxodo rural fez a população rural decrescer na 
Região Centro Oeste, como é possível perceber nos dados do censos demográficos abaixo. 
As áreas de colonização, criadas para amenizar os conflitos agrários, se tornaram 
cenários de violência porque os antigos posseiros eram expulsos e as populações indígenas 
freqüentemente dizimadas. Os projetos de colonização, associados com os assim chamados 
“grandes empreendimentos” como a construção de grandes hidroelétricas e projetos de 
mineração, são as principais causas do extermínio das tribos indígenas da Região Norte. 
Em meados dos anos de 1970, o governo militar mudou a sua política em relação aos 
os projetos de colonização, piorando ainda mais a situação nas novas áreas provocando novos 
conflitos. Quando o governo compreendeu que podia controlar os conflitos sociais pela 
repressão policial abandonou completamente o discurso em torno do Estatuto da Terra e 
mudou os objetivos dos projetos de colonização. Desativou imediatamente os projetos para 
posseiros e camponeses, abandonando aqueles que já estavam assentados e deixando sem 
alternativas os que ainda buscavam terras. Os subsídios governamentais e incentivos fiscais 
foram totalmente direcionados para os grandes empreendimentos na Regiões Norte e Centro 
Oeste, como vimos acima.A nova política de colonização produziu uma nova aliança entre o latifúndio e o 
capital. O governo alterou sua política agrária favorecendo o aprofundamento da expropriação 
das populações rurais e implantação da grande empresa capitalista no campo, ampliando os 
processos de apropriação de renda através da especulação fundiária. Empresas privadas 
começaram a comandar os projetos de colonização e implantar projetos de desenvolvimento 
rural, a exemplo do PRODECER no Centro Oeste. Essa nova política de colonização 
 
4 SANTOS, José Vicente Tavares dos. As novas terras como forma de dominação. In.: Lua Nova - Revista de 
cultura política, no. 23. São Paulo: CEDEC/Marco Zero, março de 1991, p. 71. 
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representou também o reatamento da aliança entre os militares e a oligarquia, ameaçada desde 
a década de 1930 e piorada nos primeiros anos do regime pós-1964. 
Essa atitude aprofundou o processo expropriatório e os conflitos cresceram em 
conseqüência das resistências das populações rurais. Novos conflitos apareceram por todo o 
país e as áreas de colonização ou fronteiras agrícolas, que foram criadas para amenizar esses 
conflitos, acabaram por piorá-los ainda mais. O regime militar tentou acabar com essas lutas 
através da perseguição e repressão às lideranças, buscando destruir toda e qualquer mediação 
política. “O Estado se organiza e se esforça no sentido de evitar que a questão agrária se 
transforme efetivamente numa questão política e implique uma redefinição política do próprio 
Estado”5. 
Isso levou a militarização do problema agrário, transformando as reivindicações dos 
trabalhadores e trabalhadoras rurais em problemas de segurança nacional. Qualquer 
reivindicação por terra ou mobilização no meio rural era interpretado como uma ameaça à 
segurança da soberania do País. 
A política governamental de ocupação da Região, seguindo o processo de 
modernização conservadora implantado em todo o País, privilegiou os grandes 
empreendimentos, excluindo amplos setores da agricultura familiar do desenvolvimento no 
meio rural. Essa política é a principal responsável pela baixíssima presença da produção 
agrícola com base no trabalho familiar na Região Centro Oeste. 
 
1.3 – A evolução da produção agrícola de Goiás 
Os programas governamentais de modernização provocaram profundas mudanças 
na produção agropecuária regional com um processo de incorporação do pacote 
tecnológico da Revolução Verde. Esses programas foram bastante efetivos no aumento da 
produção e produtividade das lavouras de grãos, especialmente soja e milho, na Região, 
especialmente a partir de 1980. 
O CPAC e demais órgãos oficiais de pesquisa adaptaram variedades de grãos e 
pastagens, tolerantes à toxidez dos solos do Cerrado e desenvolveram técnicas de correção, 
permitindo a produção de soja no Centro Oeste. Segundo a FAO, “a soja, que apresentava 
restrições quanto à adaptação a baixas latitudes, foi a cultura que maior impacto promoveu 
na região. Por ser totalmente mecanizável, desde o preparo do solo à colheita, a cultura se 
adaptou aos cultivos em escala nos chapadões, compensando as elevadas demandas de 
insumos químicos, tendo sido ainda, impulsionada pelos reduzidos preços da terra, quando 
comparada às do Sul...”6 
O município de Formosa não apareceu como produtor de soja no Censo 
Agropecuário de 1980. O município de Rio Verde, na região sul de Goiás era o maior 
produtor dessa leguminosa com uma área de 25 mil hectares de lavoura. Os municípios de 
Jataí e Mineiros também figuravam entre os maiores produtores com áreas de 1.372 e 
6.694 hectares de lavouras de soja, respectivamente. 
 
5 MARTINS, José de Souza. A Igreja face à política agrária do Estado. In.: PAIVA, Vanilda (org). A Igreja e a 
questão agrária. São Paulo: Ed. Loyola, 1985, p. 121. 
6 FAO/INCRA. A agricultura familiar na região Centro Oeste. 1996, p. 8 – versão preliminar não 
publicada. 
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A evolução da área plantada de soja na Região Centro Oeste e no Estado de Goiás 
demonstra o grau de adesão ao processo de modernização. O salto na área plantada, entre 
1975 e 1980, confirma esse processo de adesão. Houve um aumento de mais de 300% na 
área plantada, passando de 62 mil para 213 mil hectares de lavouras. Foi, no entanto, a 
década de 1980 o período de maior crescimento da produção de soja no Estado, com o 
plantio de mais de 1 milhão de hectares em 1990. 
Evolução da área cultivada de soja em Goiás 
Fonte: Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980 e 1985-1996. 
Elaboração: Sérgio Sauer 
 O aumento da área plantada foi acompanhado também por um aumento 
significativo da produção e produtividade das lavouras. O Estado de Goiás passou de uma 
produção anual de 10 mil toneladas em 1970 para 368 mil toneladas em 1980 e quase 2 
milhões de toneladas em 1995. 
Nenhum outro produto obteve um índice tão elevado de adesão e crescimento no 
Estado de Goiás. A produção de milho teve um aumento progressivo de área plantada e 
produção, mas não com os mesmos saltos no cultivo da soja. Em 1975, as lavouras de 
milho somavam 687 mil hectares em Goiás e em 1990 chegaram a 902 mil hectares. 
Tiveram, portanto, um aumento de 76% em 15 anos. Certamente outras culturas como o 
plantio de laranja teve altos índices de crescimento. Não teve, no entanto, índices 
semelhantes ao cultivo da soja em Goiás nas últimas décadas. 
Esse crescimento das lavouras de soja também aconteceu nos municípios de 
Formosa e Unaí. Formosa não apareceu como produtor no Censo Agropecuário de 1980, 
mas, conforme dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE, em 1990, já tinha mais de 
5 mil hectares de soja plantados. Em 1994 chegou a 7.800 hectares, mas a média nos seis 
primeiros anos da década ficou em torno de 5 mil hectares por ano. O cultivo de soja 
possui a maior área plantada do município, seguido pelas lavouras de milho. 
O município de Unaí já tinha 35 mil hectares cultivados com soja em 1990. A área 
plantada cresceu ainda mais durante o decorrer da década, chegando a uma área de 40 mil 
hectares em 1996. O milho é a segunda cultura com uma área plantada semelhante a soja, 
ou seja, próximo aos 40 mil hectares de lavouras. 
Esse aumento da produção foi provocado pelo aumento significativo da área de 
lavoura e forte processo de incorporação de tecnologias. O Centro Oeste apresentou altas 
taxas de crescimento do número de tratores nesse período com 19,9% ao ano na década de 
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200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1970 1975 1980 1990 1995
joice
Realce
 11
1970 e 7,2% ao ano na década de 1980. Essa taxa de crescimento é um bom indicador do 
processo de incorporação de tecnologia e modernização agropecuária, dentro dos moldes 
da Revolução Verde. 
Conforme dados da tabela abaixo, esse processo de modernização foi 
implementado nos municípios do Entorno. Conforme dados do Censo Agropecuário de 
1975, o município de Formosa tinha apenas 80 tratores, sendo que a maioria (32 unidades) 
eram máquinas entre 10 e 50cv de potência. Esse número saltou, conforme dados do Censo 
Agropecuário de 1995, para 388 unidades, um aumento muito expressivo para apenas duas 
décadas. 
Cristalina é o município que mais tem tratores na Microrregião do Entorno de 
Brasília com 23% do total de unidades, sendo que o município de Luziania é o segundo 
com 460 unidades. Cristalina é um dos municípios com o maior número de tratores no 
Estado de Goiás. Apenas alguns municípios, não mais do que quatro (4), possuem mais 
unidades, sendo que nesses estão incluídos os municípios de Jatai e Rio Verde, onde houve 
fortes investimentos dos projetos de colonização e modernização da agricultura no 
processo de ocupação da Região. 
Número de tratores por município 
Municípios Até 50cv Acima de 50cv TotaisFormosa 71 317 388 
Cristalina 78 733 811 
Microrregião 904 2.611 3.515 
Fonte: Censo Agropecuário de 1995-1996 - IBGE 
Elaboração: Sérgio Sauer 
A região Noroeste de Minas Gerais também sofreu o processo de modernização 
agrícola. O município de Paracatu tinha, em 1996, 1.223, quase 34% do total de tratores da 
Microrregião. O município de Unaí tinha 1.668 unidades, ou seja, mais de 55% do total de 
tratores de sua microrregião. 
 
1.4 – O crescimento populacional 
Os Censos Demográficos demonstram o crescimento acelerado da população da 
Região Centro Oeste desde a década de 50, mantendo índices acima do crescimento 
nacional nas décadas de 1960 a 1980. Esse aumento populacional foi um dos resultados 
diretos dos planos governamentais para ocupação da Região, como vimos acima. 
A Região teve taxas de crescimento altas já na década de 1950, como conseqüência 
da Marcha para o Oeste. O Centro Oeste se tornou um pólo de atração de migrantes nesse 
período, quando apresentou um índice de crescimento populacional em torno de 7% ao 
ano. Esses dados confirmam o processo de deslocamento de migrantes e expansão das 
fronteiras agrícolas como uma forma de ocupar a Região e amenizar as demandas por 
terras em outras regiões do País. 
De acordo com o Anuário Estatístico do Brasil de 1997, a tendência de crescimento 
acelerado se manteve nas décadas seguintes, com um crescimento significativo da 
população de Goiás e Minas Gerais no período de 1960 a 1980. O Estado de Minas Gerais 
 12
teve taxas de crescimento em torno de, aproximadamente, 15 e 16% nas décadas de 1970 e 
1980. 
População residente em Minas Gerais 
1950 – 1996 
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, 1997 – IBGE. 
Elaboração: Sérgio Sauer 
O Estado de Goiás, no entanto, teve um crescimento muito maior, com índice acima 
das médias nacionais. Apresentou um crescimento de 57% entre 1950 e 1960, 53% entre 
1960 e 1970 e 31% entre 1970 e 1980. Esses índices demonstram bem o processo 
migratório e ocupação da Região através do deslocamento populacional. 
População residente em Goiás 
1950 – 1996 
 
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, 1997 – IBGE. 
Elaboração: Sérgio Sauer 
Apesar do crescimento populacional acelerado na Região, é possível perceber o 
nítido crescimento negativo da população rural a partir da década de 1970. Conforme 
0
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
14.000.000
1950 1960 1970 1980 1991 1996
rural urbana
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
1950 1960 1970 1980 1991 1996
rural urbana
joice
Realce
 13
gráfico acima, a população vivendo no meio rural superava a população urbana de Goiás 
em 1970. Houve um decréscimo da ordem de 14,3% da população rural entre 1970 e 1980, 
caindo de 1,7 milhões de pessoas para apenas 1,4 milhões. Seguindo a tendência nacional, 
o êxodo rural expulsou grandes contingentes para as periferias dos centros urbanos. 
Esse êxodo rural resultou em altos índices de urbanização da Região. De acordo 
com o Censo Demográfico de 1996, quase 86% da população do Estado de Goiás residia 
nas cidades. De um total de 4,5 milhões de pessoas apenas 642 mil, ou seja, 14,2% da 
população do Estado, ainda residiam no campo em 1996. O Estado de Goiás e a Região 
Centro Oeste apresentam um índice alto de urbanização. Muitos moradores urbanos, no 
entanto, ainda exercem atividades agrícolas, ou seja, o Estado de Goiás possui um número 
significativo de assalariados rurais. 
De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 1995, o pessoal ocupado no 
meio rural de Goiás, com idade acima de 14 anos, representa em torno de 9,5% da 
população total do Estado. Conforme tabela abaixo, 420.269 pessoas, entre mulheres e 
homens, estavam envolvidos em atividades agropecuárias no Estado. 
Pessoal ocupado no meio rural em Goiás 
 Homens Mulheres 
Atividades Maiores 
de 14 
anos 
Menores 
de 14 anos 
Maiores 
de 14 anos 
Menores 
de 14 anos 
Lavouras 62.324 3.500 15.914 2.878 
Pecuária 201.744 19.922 77.794 16.481 
Lavoura e pecuária 37.068 4.211 15.668 3.514 
Demais atividades 7.779 525 1.978 357 
Totais 308.915 28.158 111.354 23.230 
Fonte: Censo Agropecuário de 1995-1996 
Elaboração: Sérgio Sauer 
Conforme dados da tabela acima, mais de 51 mil crianças, menores de 14 anos de 
idade, trabalham no meio rural de Goiás. Isso representa quase 13% das pessoas ocupadas 
ou 8% das pessoas residentes no meio rural do Estado. A prática do trabalho infantil é 
ainda um problema social sério no Estado e Região. 
Apesar da fragilidade da agricultura familiar na Região Centro Oeste, os segmentos 
com estratos de áreas menores empregam a grande maioria das pessoas ocupadas no meio 
rural goiano. De acordo com a tabela abaixo, os imóveis com estratos de área inferiores a 
100 hectares ocupam mais de 76 mil mulheres e 151 mil homens. Isso representa em torno 
de 48% do pessoal ocupado no meio rural. 
Pessoal ocupado por estrato de área – Goiás 
Estrato de área Mulheres Homens 
0 a menos 10 ha 13.546 23.989 
10 a menos de 100 ha 62.813 127.295 
100 a menos de 500 ha 38.364 105.760 
500 a menos de 1.000 ha 9.269 30.890 
1.000 a menos de 10.000 ha 10.070 46.490 
joice
Realce
 14
Acima de 10.000 ha 507 2.568 
Sem declaração 15 81 
Totais 134.584 337.073 
Fonte: Censo Agropecuário de 1995-1996 
Elaboração: Sérgio Sauer 
Os imóveis com áreas superiores a 100 hectares e inferiores a 500 hectares ocupam 
mais de 38 mil mulheres e 105 mil homens. Isso representa em torno de 30,5% do total do 
pessoal ocupado nas atividades no meio rural. Os imóveis com áreas inferiores a 500 
hectares, portanto, são responsáveis pela ocupação de 78,8% de todo as pessoas ocupadas 
no meio rural de Goiás. 
No estado de Minas Gerais, os estabelecimentos com áreas inferiores a 100 hectares 
ocupam, de acordo com os dados do Censo Agropecuário de 1995-1996, quase 72% de 
toda as pessoas ocupadas no meio rural do estado. As propriedades com áreas entre 100 e 
500 hectares ocupam outros 20% das pessoas ocupadas. Isso significa que a agricultura 
familiar, em Minas Gerais, é responsável pela ocupação da esmagadora maioria das 
pessoas que vivem no meio rural. 
Os índices de ocupação por estrato de área de Goiás se repetem nos municípios de 
Unaí e Formosa. Os imóveis com áreas inferiores a 100 hectares ocupam 2.279 pessoas no 
município de Formosa. Isso representa 45,7% do total de pessoas ocupadas em atividades 
no meio rural do município. O município de Unaí apresenta característica, quanto a 
ocupação das pessoas no meio rural por estrato de área, semelhantes ao Estado de Goiás. 
As propriedades com estratos de área inferiores a 100 hectares ocupam 5.720 pessoas, ou 
seja, 48,2% do total de pessoas ocupadas no meio rural do município. 
 
2 – O SINDICALISMO RURAL e a luta pela terra na Região Centro 
Oeste 
 A história do sindicalismo rural tem uma intima relação com os movimentos 
agrários, especialmente com as Ligas Camponesas da década de 1950. A bandeira da 
reforma agrária, portanto, sempre fez parte desse movimento, apesar de que o seu trabalho 
de organização de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra e seu envolvimento direto 
na luta pela terra aconteceu efetivamente a partir dos anos de 1970. 
 
2.1 – A luta pela terra e o surgimento do sindicalismo rural 
A história do Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais tem o seu marco oficial 
em 1961, com a realização, no mês de novembro em Belo Horizonte, do 1º Congresso de 
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, o qual criou a União de Lavradores e Trabalhadores 
Agrícolas do Brasil (ULTAB). Esse encontro foi marcado por uma polêmica entre as 
diversas organizações presentes sobre o papel da reforma agrária. 
A mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais teve início já nos anos 1950, 
com a criação das Ligas Camponesas no Nordeste. Esse movimento iniciou em 1954 como 
uma reação às ameaças de expulsão das famílias que viviam no Engenho Galiléia, 
localizado no municípiode Vitória de Santo Antão, Pernambuco. O movimento das Ligas 
 15
se expandiu rapidamente devido a condições políticas e sociais favoráveis, especialmente 
pela ameaça de extinção dos foreiros7 – base social do movimento nesse período. 
A introdução das teses desenvolvimentistas no Nordeste, especialmente através da 
organização do “Congresso de Salvação do Nordeste” (1955), ampliou os espaço para a 
atuação das forças políticas populares. Vários setores da sociedade nordestina, inclusive 
bispos da Igreja Católica, passaram a defender a necessidade de mudanças nas condições 
do meio rural. O encontro dos Bispos do Nordeste (1956) enfatizou os problemas do setor 
rural, denunciando o desnível de desenvolvimento entre o Sul e o Nordeste do Brasil e 
reforçando a necessidade de expandir a industrialização da Região. 
As denúncias das condições precárias do campesinato da Região reforçaram a idéia 
da marginalidade do Nordeste no processo de expansão do capitalismo. O clima político 
criado, a partir de 1955, deu importância para a necessidade de urgentes medidas para 
solucionar a situação. Isso resultou na criação de espaço político propício às mobilizações 
camponesas e à emergência de suas reivindicações8. 
Os líderes das associações que se formavam em torno das lutas, a semelhança do 
Engenho Galiléia, José dos Prazeres e Francisco Julião, souberam aproveitar esse momento 
e organizaram outros grupos, ampliando a base social do movimento. As Ligas 
Camponesas expandiram-se pela Região e a filiação de outros trabalhadores provocou 
mudanças no projeto político inicial. O movimento arregimentou especialmente 
arrendatários, parceiros, posseiros e pequenos proprietários, deixando de lado as 
reivindicações dos trabalhadores assalariados. Esses fizeram parte das Ligas até o início da 
organização dos sindicatos e as suas reivindicações específicas não tiveram um papel 
importante na definição política do movimento. 
A luta contra o cambão, visto como uma forma de servidão, se transformou na 
principal bandeira do movimento. A luta contra o latifúndio, no entanto, evolui de uma luta 
pela permanência na terra para a demanda por uma reforma agrária radical. Entre 1960 e 
1961, as Ligas se expandiram ainda mais, criando federações em dez Estados e obtendo 
suporte nacional. Lançam a campanha nacional pela reforma agrária através de um 
documento sob o título “Dez mandamentos das Ligas Camponesas para libertar os 
camponeses da opressão do latifúndio”. Esse documento propunha, entre outras 
reivindicações e encaminhamentos, medidas enérgicas contra a concentração monopolista 
da terra, uma reforma agrária radical e expropriatória. 
Essa mudança, no entanto, provocou uma divergência profunda entre o movimento 
das Ligas e o Partido Comunista (PCB), principal partido de apoio do movimento. Essa 
polêmica era centrada na divergência sobre a ênfase na luta. As Ligas colocavam a reforma 
agrária como eixo central enquanto o PCB subordinava essa à luta anti-imperialista, 
considerando que a burguesia nacional seria uma aliada do campesinato em busca de novos 
mercados.9 Essa polêmica era a principal divergência entre as organizações presentes no 
congresso da ULTAB em 1961. 
 
7 O termo “foreiro” designava aquelas famílias que viviam e trabalhavam dos engenhos pagando o “foro”, 
uma espécie de arrendamento das terras utilizadas pelas famílias. 
8 BASTOS, Elide Rugai. As ligas camponesas. Petrópolis, Editora Vozes, 1984, p. 47. 
9 BASTOS, p. 84. 
 16
No final da década de 50 existiam muitas associações de trabalhadores espalhadas 
pelo país. A realização do congresso da ULTAB, reunindo essas organizações, tinha como 
objetivo discutir os problemas e elaborar um programa comum. Os líderes das Ligas 
Camponesas, em minoria no evento, acabaram impondo o seu ponto de vista e ganharam a 
polêmica desse Congresso, aprovando a bandeira de uma reforma agrária radical, contra 
medidas graduais, defendidas por outras organizações. 
A reforma agrária já era tema nacional e o encontro de Belo Horizonte atraiu outros 
setores como estudantes e trabalhadores do setor industrial. A “declaração de Belo 
Horizonte”, documento final do congresso da ULTAB, enfatizava a urgência da 
transformação da estrutura fundiária do país, substituindo o latifúndio pela propriedade 
camponesa individual, associada ou pela propriedade estatal. Exigia também, entre outras 
reivindicações trabalhistas, o acesso à posse e ao uso da terra por aqueles que desejavam 
nela trabalhar. 
Os anos de 1962 a 1964 foram conturbados para as Ligas, quando diversos 
acontecimentos geraram uma profunda crise e tentativas de redirecionar o movimento. Já 
logo após o congresso da ULTAB, um grupo de dissidentes do PCB provocou a formação 
de facções e lutas pela liderança do movimento. Formaram-se núcleos com diferentes 
orientações, alguns sob orientação das idéias de Julião e outros ligados à ULTAB. Um dos 
principais pontos de atrito e divergências entre esses grupos continuava sendo a recusa, 
pela direção das Ligas, da reforma agrária proposta pelo PCB. 
Os grupos sob a orientação da ULTAB, com base nas idéias do PCB, passaram a 
enfatizar as lutas relacionadas com as reivindicações salariais e melhores condições de 
trabalho no meio rural. Além da ênfase nas questões trabalhistas, outro ponto de 
discordância das Ligas era a aceitação, pela ULTAB, das teses da subordinação tática da 
luta agrária à questão nacional-democrática. 
Essas divergências levaram a um rompimento político e os movimentos se 
dividiram em três orientações distintas: a) a luta pela sindicalização sob o controle do PCB; 
b) a atuação isolada das Ligas e, c) o envolvimento da Igreja dirigindo o seu trabalho à 
organização sindical. O processo de sindicalização enfatizou a luta por direitos trabalhistas 
e melhoria das condições de trabalho através da aplicação do Estatuto do Trabalhador 
Rural. 
A política de Goulart, por outro lado, de estimular a sindicalização no campo, a 
partir de 1962, enfraqueceu e isolou ainda mais as ações das Ligas e fortaleceu o 
movimento sindical. As lideranças fizeram nova tentativa, em 1963, de reestruturar o 
movimento das Ligas, fortalecendo o trabalho no Nordeste e assumindo o caráter de “um 
partido agrarista radical”. As dificuldades para implementar essa reestruturação (inclusive 
em conseqüência do rompimento do “pacto agrário” firmando entre o poder central e a 
oligarquia) geraram um debate interno sobre a reorganização de um novo projeto político, 
forçando a radicalização da demanda por uma reforma agrária expropriatória. 
As Ligas passaram a sofrer enorme repressão em conseqüência da radicalização do 
discurso político de seus líderes. Essa repressão limitava o campo de ação e criava 
condições para a construção de projetos dos grupos conservadores para isolar a luta pela 
terra. As políticas governamentais, enfatizando que a questão agrária não era um problema 
 17
de terra mas de técnica e financiamento, procuravam neutralizar as reivindicações das 
Ligas e movimentos que defendiam a reforma agrária. 
Essas políticas eram fundamentadas na necessidade de superar a “agricultura 
atrasada”, através do aumento da produtividade e produção de alimentos para os centros 
urbanos. Essas políticas responderam à exigência de “terra para quem nela trabalha” 
através da criação de programas de colonização para ocupar terras novas e incentivo ao 
cooperativismo. Criaram também estrutura de mercado, definição de preços mínimos, 
estímulo à industrialização rural, melhorias das condições de vida dos trabalhadores, entre 
outras medidas, visando neutralizar as demandas dos movimentos sociais, especialmente a 
realização de uma reforma radical reivindicada pelas Ligas. 
Além dessas políticas, a repressão começa a perseguir as lideranças dos 
movimentos, apesar do apoio do governo Arraes na tentativa de articular os movimentos e 
absorver as demandas político-sociais em Pernambuco.Os conflitos aumentam com as 
ações dos trabalhadores e trabalhadoras, especialmente as greves, reivindicando a 
aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural e a luta pela terra (ocupações de engenhos). 
Em outubro de 1963 é preso Júlio Santana, um dos principais líderes do movimento das 
Ligas nesse período. 
 
2.2 – O sindicalismo rural e a luta pela reforma agrária a partir dos anos 
1970 
O golpe militar de 1964 desmobilizou as organizações e movimentos, prendendo os 
principais líderes das Ligas. O governo militar promoveu, então, uma perseguição acirrada 
às Ligas Campesinas e suas lideranças. Criou o Estatuto da Terra, colocou o sindicalismo 
rural sob forte controle e promoveu o “desenvolvimento do campo” através da 
“modernização conservadora”, aniquilando qualquer reivindicação de reforma agrária no 
País. 
Em 1964, o governo militar nomeou um interventor que se manteve até 1967 à 
frente da CONTAG, criada em 1963 em substituição à ULTAB. Representantes do setor 
mais atuante do sindicalismo rural do Nordeste retomaram a direção em 1967 e atraíram os 
segmentos mais conservadores para posições de defesa dos interesses da população rural. 
Colocaram a bandeira da reforma agrária no centro das reivindicações e implantaram o 
movimento sindical a nível nacional através da fundação de sindicatos de trabalhadores 
rurais (STRs) e federações. Um novo refluxo político aconteceu em 1972 com a 
intervenção estatal em vários STRs e federações. Nesse período se deu também o controle 
governamental dos STRs através da transferência de serviços assistênciais10. 
Esse período do sindicalismo rural foi marcado por uma série de contradições 
internas, resultado de uma unidade corporativa outorgada. Essa unidade foi fruto de uma 
legislação cujo objetivo era manter o movimento sindical atrelado ao Estado, restringindo a 
representação política dos trabalhadores e trabalhadoras. Isso provocou tensões e conflitos 
mas não rompeu a armadilha do corporativismo, reforçado pela necessidade de manter a 
unidade outorgada. O sindicalismo rural se restringiu então à prática institucionalizada e 
 
10 PALMEIRA, Moacir. A diversidade da luta no campo: luta camponesa e diferenciação do campesinato. In.: 
PAIVA, Vanilda (org.). Igreja e questão agrária, São Paulo, Edições Loyola, 1985, pp. 46 e 47. 
 18
contratual da negociação e greve11, o que impediu uma maior atuação na luta pela terra 
durante as décadas de 1970 e 1980. 
A reforma agrária, no entanto, não deixou de ser uma bandeira do sindicalismo 
rural apesar da sua pouca atuação na luta pela terra até meados dos anos 1980. Essa luta 
pela reforma agrária da CONTAG era uma luta pelo reconhecimento de um direito já 
obtido pelos trabalhadores mas não respeitado. Era a luta pela realização de uma reforma 
agrária dentro do marco legal do Estatuto da Terra12. 
Nos anos 1980 surgem novos atores no meio rural, estruturando novas organizações 
como o movimento dos atingidos por barragens, seringueiros, sem terra, posseiros, etc. 
Esses movimentos e suas mobilizações recolocaram a necessidade da reforma agrária na 
pauta política nacional. Também questionaram a postura da CONTAG porque combatiam 
veementemente o Estatuto da Terra, identificando-o com o processo de modernização 
conversadora e não com os direitos dos trabalhadores e a reforma agrária. 
As contradições e tensões internas no sindicalismo rural ficaram evidentes no IV 
Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais em 1985. As teses do congresso eram 
avançadas – reafirmando inclusive a reforma agrária como uma bandeira unitária do 
movimento sindical – mas a CONTAG jogou o seu peso político na mediação institucional. 
Esse congresso se tornou então palco para o lançamento do Programa Nacional de 
Reforma Agrária (I PNRA) do Governo Sarney. 
O período de 1985 a 1988 foi marcado por uma disputa acirrada em torno da 
reforma agrária, culminando com a derrota do projeto reformista do Governo Sarney. Essa 
derrota se deu, do ponto de vista institucional, por dois motivos básicos. Em primeiro 
lugar, o I PNRA acabou tendo, após várias reformulações, metas extremamente modestas 
diante do que era o projeto inicial. Segundo, a aposta de uma solução para a questão 
agrária via legislação se tornou refém, no processo Constituinte, da lógica da 
desapropriação de terras improdutivas. Ainda pior, a necessidade de regulamentar a 
matéria via legislação ordinária foi a desculpa necessária que paralisou todas as 
desapropriações no período de 1988 a 1993, por falta de um instrumento legal13. 
O fracasso do I PNRA, de um lado, e o surgimento de novos atores diretamente 
envolvidos com a luta pela terra – especialmente o Movimento dos Trabalhadores Sem 
Terra (MST) e o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais (DNTR) da CUT – de 
outro, forçaram uma nova postura do sindicalismo rural do sistema CONTAG frente o 
problema agrário. Os congressos de trabalhadoras e trabalhadores rurais continuaram 
colocando a bandeira da reforma agrária entre suas prioridades, mas houve uma mudança 
no processo de mobilização e luta. Como veremos nos exemplos abaixo, federações e 
STRs, especialmente nas Regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste, passaram a mobilizar 
famílias de sem terras e ocupar áreas exigindo a desapropriação para fins de reforma 
agrária. 
 
11 GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo. Petrópolis, 
Vozes/FASE, 1991, p. 63. 
12 MARTINS, José de Souza. Não há terra para plantar nesse verão: O cerco das terras indígenas e das 
terras de trabalho no renascimento político do campo. Petrópolis, Editora Vozes, 1988, p. 99. 
13 MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Impactos históricos do uso e da propriedade da terra no Brasil. In. 
STÉDILE, João Pedro (org.). A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis, Editora Vozes, 1997, p. 91. 
 19
A filiação da CONTAG à CUT, durante o 6º Congresso Nacional de Trabalhadores 
Rurais, em 1995, consolidou a luta pela reforma agrária através da organização e 
mobilização de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra. A reforma agrária, segundo 
as delegadas e delegados do 6º Congresso, “...continua sendo uma medida essencial para 
promover o desenvolvimento democrático da agricultura e o resgate da cidadania para 
milhões de camponeses que, expulsos da terra, se viram excluídos do processo produtivo”. 
Foi considerada uma medida estratégica no fortalecimento do modelo familiar de 
agricultura, pois “a realização da reforma agrária ampla, massiva e imediata tem o poder de 
induzir e transformar a realidade sócio-econômica do país. Sua contribuição para a 
construção de um novo estilo de desenvolvimento, pautado na equidade social, na 
eficiência econômica e na sustentabilidade, faz-se necessária e sua implantação é 
perfeitamente factível”14. 
A partir dessa compreensão, o sindicalismo rural deveria, entre outras ações, 
desempenhar o papel de articulador da sociedade em torno da necessidade de 
democratização do acesso à terra. Foi deliberado também que o sindicalismo rural deveria 
atuar na preparação, coordenação e encaminhamento das ocupações e das formas de 
resistência na terra, tendo as ocupações como prioridade de luta pela terra. As ocupações 
de terra passaram a ser parte das estratégias de luta do movimento sindical, consolidando a 
bandeira histórica da reforma agrária. 
 
3 – As conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do Entorno15 
 A história de surgimento dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) de 
Formosa e Unaí reflete o processo de atuação do movimento sindical na luta pela terra. 
Inicialmente, o processo de organização e resistência de posseiros que estavam sendo 
expulsos em conseqüência da modernização e depois a organização e ocupação de terras 
formou lideranças e deu condições políticas para a criação e consolidação desses STRs. 
Essa experiência se deu em outras regiões, sendo um bom exemplo da contribuição dosindicalismo rural nas conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras no meio rural. 
3.1 – A luta pela terra em Formosa16 
A microrregião de Goiás, denominada Entorno de Brasília, segundo divisão do 
IBGE, é formada por 13 municípios. A população microrregional, em 1980, era de 
aproximadamente 260 mil habitantes, saltando, em 1991, para cerca de 470 mil pessoas, ou 
seja, um crescimento de 55% em 10 anos. 
A pecuária é a principal atividade econômica da microrregião do Entorno. É 
produtora também de arroz, cana-de-açúcar, feijão, milho, laranja, trigo, e outros produtos 
em menor escala. A região é responsável pela produção da batata inglesa no Centro Oeste e 
a segunda maior produtora de soja do Estado de Goiás. Considerada uma região com um 
 
14 ANAIS do 6º. Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais da CONTAG, Brasília, 24 a 28 de abril de 
1995, pp. 36ss. 
15 Esse texto foi elaborado com base em entrevistas realizadas em 1997 por Deis Siqueira, professora da UnB, 
José Paulo Pietrafesa (doutorando na UnB) e Célia Maria Alves, assessores do Instituto de Formação e 
Assessoria Sindical (IFAS). 
16 As informações de Formosa foram fornecidas, em 1997, por João V. dos Santos Filho, presidente do STR 
de Formosa e Guilherme Pedro Neto, secretário de política salarial da CONTAG. 
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 20
grau médio de desenvolvimento, o Entorno contava com 39% de suas propriedades 
mecanizadas, sendo que 54% dos estabelecimentos utilizavam adubação química e 80% 
defensivos agrícolas. 
De acordo com os dados do Censo Agropecuário, a região possuía 13.595 
estabelecimentos rurais em 1985, ocupando uma área total de 3.044.258 hectares. Esse 
número, de acordo com o Censo Agropecuário de 1995, foi reduzido para apenas 9.263 
estabelecimentos rurais. Apesar da grande maioria dessas propriedades (3.478 
estabelecimentos) ter áreas inferiores a 50 hectares, a microrregião teve uma redução brutal 
no número de estabelecimentos. Houve uma perda de mais de 30% de seus 
estabelecimentos rurais num período de dez anos. 
Esse processo de concentração fundiária não aconteceu com o município de 
Formosa. Conforme dados abaixo, houve um crescimento de 40% no número total de 
estabelecimentos no município. É muito significativo que houve um crescimento no 
número de estabelecimentos com áreas até mil hectares e redução no número de 
estabelecimentos com áreas superiores a mil hectares. 
Estrutura fundiária de Formosa 
Grupos 1985 1995 
de 
Área 
N.º. de 
Estab. 
Área 
(ha) 
N.º. de 
Estab. 
Área 
(ha) 
Menos de 10 ha 43 316 98 504 
10 a menos de 100 ha 381 17.726 654 24.510 
100 a menos de 1.000 ha 390 130.341 480 159.450 
1.000 a menos de 10.000 ha 119 296.599 96 207.823 
10.000 hectares ou mais 3 54.143 2 30.357 
Sem declaração 17 -- -- -- 
Totais 950 505.129 1.330 422.644 
Fonte: Censos Agropecuários de 1980 e 1995-1996. 
Elaboração: Sérgio Sauer 
É importante observar que o crescimento dos estabelecimento com áreas menores 
também aconteceu em relação à área total. Os estabelecimentos rurais com áreas entre 10 e 
100 hectares aumentaram em número e área, em torno de 71% e 38% de aumento, 
respectivamente. O mesmo aconteceu com o estrato de área entre 100 e mil hectares, com 
um aumento de 23% no número de estabelecimentos e 22% na área total. 
 
Certamente, essa redistribuição fundiária foi resultado da luta pela terra e 
assentamento de famílias em projetos de reforma agrária, especialmente nos anos 1990. Há 
vários projetos na região e o município de Formosa conta com seis áreas desapropriadas 
em conseqüência da luta do sindicalismo rural. 
O sindicalismo rural é o principal agente da luta pela terra na microrregião do 
Entorno de Brasília. A ação do Movimento Sindical resultou no assentamento de 
trabalhadoras e trabalhadores nos municípios de Alvorada, Água Fria, Formosa, 
Pirenópolis e Padre Bernardo, conforme declaração do ex-presidente da FETAEG e atual 
secretário de política salarial da CONTAG, Guilherme Pedro Neto. O município de 
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Mostra um processo de desconcentração fundiária.
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Formosa tem o maior número de áreas desapropriadas do Entorno, reforçando a 
experiência histórica do STR de Formosa. 
Áreas de assentamentos em Formosa 
ASSENTAMENTO FAMÍLIAS 
Santa Cruz 90 
Bela Vista 62 
Paraneum 86 
Nova Piratininga 92 
Vale da Esperança 234 
Virgilândia 193 
Total 757 
Fonte: Entrevista com João V. dos Santos Filho - Pres. STR de Formosa. 
Elaboração: José Paulo Pietrafesa e Célia Maria Alves 
Segundo dados do cadastro fundiário do INCRA, esses projetos – excluindo o 
assentamento Bela Vista que não consta no cadastro pois é uma área do Estado – somam 
uma área total de 25.178 hectares, com uma média de 36,2 hectares por família assentada. 
Essa área corresponde à área total dos estabelecimentos com dimensões até 100 hectares. 
O número de famílias assentadas no município de Formosa também é significativo 
se comparado com o número total de estabelecimentos com áreas até 100 hectares. Esses 
dados confirmam o processo de redistribuição da propriedade fundiária no município nos 
anos entre os Censos de 1985 e 1995. 
Existem projetos de assentamentos em outros municípios da microrregião sob a 
coordenação do STR de Formosa. De acordo com dados cadastrais do INCRA, o 
município de Cabeceira de Goiás abriga um assentamento com 42 famílias e o município 
de Flores de Goiás possui dois assentamentos. O projeto de assentamento Bela Vista tem 
204 famílias e o São Felipe 635 famílias. A ocupação da Fazenda São Felipe, com quase 
20 mil hectares, foi coordenada pelo STR e Movimento Brasileiro de Sem Terra (MBST). 
Projetos de assentamento na microrregião do Entorno 
Municípios Número de 
Assentamentos 
Número 
de famílias 
Área 
(ha) 
Abadiânia 1 34 1.208 
Água Fria de Goiás 2 101 4.021 
Cabeceiras 1 42 1.270 
Cristalina 3 501 24.475 
Formosa 5 671 25.178 
Luziânia 2 116 2.671 
Pe. Bernardo 4 245 8.397 
Pirenópolis 2 178 5.350 
Flores de Goiás 2 839 26.492 
Planaltina 2 106 3.692 
Totais 24 2.833 102.754 
Fonte: Cadastro do INCRA – 1999. 
Elaboração: Sérgio Sauer 
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Os STRs tiveram um papel fundamental na luta pela terra na microrregião, 
resultando no assentamento de quase três mil famílias. Todos os projetos de assentamentos 
criados na região do Entorno a partir de 1990 foram resultados da ação do movimento 
sindical. Essa luta não teve o mesmo impacto na estrutura fundiária da microrregião como 
aconteceu em Formosa mas conquistou mais de 100 mil hectares de terra para os 
trabalhadores e trabalhadoras. 
Esse envolvimento do MBST no processo de luta e conquista teve algumas 
exceções. Essas ficam por conta dos STRs de Santo Antônio do Descoberto e Alexânia, 
apenas citados por Guilherme Pedro Neto “como sindicatos combativos que fazem 
mobilização, que fazem lutas, mas que não têm ainda a tecnologia e não avançaram como 
Formosa”. 
O STR de Formosa foi fundado em agosto de 1988, segundo João V. dos Santos 
Filho, atual presidente do sindicato, como conseqüência da luta pela terra no município. A 
base sindical se estende atualmente também pelos municípios de Vila Boa, Alvorada do 
Norte, Cabeceira de Goiás, Singolândia, Flores de Goiás e Buritinópolis. O impulso inicial 
para a organização dos trabalhadores e trabalhadores e fundação do STR de Formosa foi o 
envolvimento de algumas lideranças na ocupação de terras. 
A primeira ocupação aconteceu ainda nos anos 1980, resultando na criação do 
assentamento Santa Cruz em 1986. O assentamento Paraneum foi criado em 1979 por 
iniciativa do governo do Estado de Goiás, através do Instituto de Desenvolvimento Agrário 
(IDAGO). A luta pela terra foi retomada no início dos anos 90, após a criação do STR, 
com o então presidente Chico Mendes. 
As ocupações foram intensificadas no município, entre 90 e 93, mas muitas 
resultaram em despejos, inclusive com a ação de pistoleiros.A liderança de Chico Mendes 
gerou perseguições e ameaças de morte. Neste período, os trabalhadores e trabalhadoras 
ocuparam uma área do Estado, vizinha à fazenda Santa Cruz que, posteriormente, 
transformou-se no assentamento Bela Vista. Esse assentamento conta com um Colégio 
Agrícola que educa filhos de agricultores de toda a região. 
Em 1992, os trabalhadores e trabalhadoras, despejados de uma fazenda, ocuparam a 
Fazenda Nova Piratininga, localizada no Distrito Santa Rosa. A luta durou cinco anos e o 
assentamento foi criado em 1996, assentando 92 famílias. A luta pela desapropriação das 
Fazendas Virgilândia e Esperança datam também desse período, sendo que foi criado o 
assentamento na Virgilândia em 1996. 
O STR, além de organizar os trabalhadores e trabalhadoras na luta pela terra, 
acompanha a organização interna e desenvolvimento dos assentamentos. O sindicato 
contratou um técnico agrícola para dar assistência aos assentamentos, elaborar projetos e 
buscar recursos. 
Há reclamações das orientações técnicas, dadas pela EMATER às famílias 
assentadas sobre a utilização dos recursos oferecidos pelo governo. Segundo João dos 
Santos Filho “Se existe um dinheiro subsidiado, 50% de rebate nos juros para você plantar 
e você não tem coragem de incentivar a pessoa a plantar com um recurso desse, o que você 
está pensando? (...) Os técnicos da EMATER que deviam nos incentivar a plantar, vão lá 
fazer conta e dizer: ‘na hora de pagar você não vai conseguir. Então, não vai plantar não’. 
Daí a gente não planta e a nossa tendência é ir embora”. 
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Além da assistência técnica, o STR incentiva a organização interna através da 
criação de associações e grupos de comercialização. As associações dos assentamentos 
são, em sua maioria, ligadas ao Sindicato e à Central das Associações que reúne 22 
associações de comunidades rurais (não de assentamentos). Em 1988, quando o STR foi 
fundado, a EMATER começou a orientar os pequenos produtores para que fundassem uma 
associação. Embora, segundo João Filho, toda as associações fundadas em Formosa 
tivessem sido acompanhadas pelo Sindicato, a presença de recursos públicos e técnicos da 
EMATER faziam com que os pequenos produtores reconhecessem o governo como seu 
principal apoiador. Hoje, essa compreensão não é mais a mesma e o STR e as associações, 
através da Central, desenvolvem um trabalho de parceria. 
No Polo Sindical do Entorno existe a Cooperativa do Assentamento Santa Cruz que 
atualmente desenvolve um projeto de criação de cabras para produção de leite. A 
Cooperativa conta com 170 cabras, produzindo uma média de 3 litros de leite ao dia. O 
Projeto Santa Cruz possui ainda um armazém com 3.400 metros quadrados, equipado com 
um secador com capacidade para secar 200 sacas por hora. Como a produção do próprio 
assentamento não ocupa nem 30% da estrutura, a Cooperativa atende também produtores 
dos assentamentos Bela Vista e Piratininga. 
A organização dos assentamentos também acontece através do incentivo ao 
cooperativismo. Segundo o presidente do STR “o cooperativismo existe para que você 
possa produzir individualmente e comercialize junto. E para que você busque recurso em 
conjunto, divida para todo mundo plantar o mesmo tanto e comercializar junto. (...) Eu 
tenho certeza que o cooperativismo vai dar certo, assim que as lideranças dos trabalhadores 
tenham o conhecimento e defendam por este caminho. Quando você não conhece a coisa 
você tem dificuldade de defendê-la”. 
A história da luta pela terra no município de Formosa transformou o STR numa 
referência, em se tratando da atuação do movimento sindical nessa linha de ação. O Pólo 
Sindical Nordeste Goiano e Entorno de Brasília da Federação de Trabalhadores Rurais do 
Estado de Goiás (FETAEG), tinha como prioridade, em 1997, “assentar os trabalhadores 
rurais que vieram para a periferia da cidade”. Essa prioridade foi, certamente, assumida no 
processo de criação, em 1998, da Federação de Trabalhadores Rurais do Entorno. 
Segundo Guilherme Pedro, o sindicalismo rural teve uma participação fundamental 
na luta pela terra no Estado. “A Federação de Goiás é uma das federações que mais faz luta 
pela terra no Brasil. Ela tem uma grande experiência em ocupações de terra”. Essa 
participação trouxe resultados importantes para as trabalhadoras e trabalhadores rurais de 
Goiás. “Não conheço nenhum assentamento em Goiás que o governo tenha tido iniciativa e 
desapropriou antes da terra ser ocupada. Todos os assentamentos de Goiás - e a região do 
Entorno não é diferente - teve que ter ocupação. A gente acompanhou todas essas 
ocupações. Foram muitas viagens feitas nessa região, muitas noites organizando o 
pessoal”. 
A rica experiência no processo de ocupação de terras nesta região, no entanto, não é 
assumida pelo STR de Formosa como o resultado de uma luta conjunta das duas instâncias 
do sindicalismo rural. As falas dos entrevistados revelam que essas duas instâncias 
possuem compreensões diferenciadas sobre quem é o agente da reforma agrária no 
Entorno. A FETAEG afirma, através de Guilherme Neto, o trabalho articulado na luta pela 
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terra, o STR ignora a presença da Federação na sua base territorial. De acordo com João 
dos Santos “A gente já vem há uns dois ou três anos debatendo com a Federação porque a 
gente tem tocado o barco aqui sem a presença da Federação. Chega ao ponto da Federação, 
em um ano inteiro, não fazer uma visita ao Sindicato”. 
Esse dirigente sindical reconhece, no entanto, que houve melhoras, especialmente 
pela divisão do trabalho por secretarias específicas. “A presença deles (FETAEG) aqui tem 
sido mais efetiva a partir do último ano. Mas não é o suficiente quando se apresentam 
3.200 acampados e assentados no resto do Estado”. João Santos afirma que há dificuldades 
da Federação atender toda a demanda do Entorno. Aponta também problemas de 
“jurisdição”, pois, apesar da proximidade de Brasília, as decisões são tomadas em Goiânia. 
“Nós vamos para Brasília e Brasília não nos aceita, manda para a Federação. E isso vem 
acontecendo no caso da Previdência Social, no caso da Reforma Agrária no INCRA”. 
Além das dificuldades de relacionamento e falta de recursos da FETAEG para 
atender todas as demandas das trabalhadoras e trabalhadores rurais do Entorno, haviam 
preocupações e disputas com outros movimentos e entidades. De acordo com João Santos 
“Se a CONTAG e a Federação não acompanharem esse trabalho aqui da região aí nós 
vamos ter que dar o braço a torcer para o MST”. 
Esses problemas justificavam, já em 1997, a criação da Federação dos 
Trabalhadores do Entorno. De acordo com João Santos “A gente tem tido uma dificuldade 
muito séria de trabalhar com a Federação de Goiás aonde já chegamos ao ponto de 
começar a discutir a formação da Federação do Distrito Federal e Entorno”. A criação 
aconteceu em 1998 com o envolvimento de lideranças sindicais de Goiás, Distrito Federal 
e Noroeste de Minas Gerais. 
 
3.2 – A luta pela terra em Unaí17 
 Segundo a divisão territorial do IBGE, o município de Unaí está localizado na 
microrregião de Unaí e mesorregião Noroeste de Minas Gerais. Essa é composta por vinte 
municípios, incluindo a microrregião de Paracatu, onde o sindicalismo rural também tem 
uma história de organização e luta pela terra. 
 Conhecido como um município que sedia grandes estabelecimentos rurais, Unaí 
abrigava no final da década de 1970 e início dos anos 1980, centenas de trabalhadores 
rurais atuando na condição de meeiros, arrendatários ou posseiros. Nesse período, 
começaram a ser introduzidas no Noroeste mineiro as culturas de eucalipto e soja, 
principalmente nos municípios de Unaí e Paracatu. 
 Essas mudanças não causaram qualquer democratização da estrutura agrária 
regional. Houve apenas mudanças nas culturas, sempre baseadas na produção extensiva 
com lavouras de monocultura. Apesar dos investimentos no cultivo do eucalipto e depois 
na produção de grãos, a pecuária leiteirae de corte tornou-se a principal atividade 
econômica da região a partir da década de 1980. 
 
17 As informações foram fornecidas, em 1997, por Sebastião Neves Rocha, secretário de política agrária da 
CONTAG, José Faustino Pereira da Silva e Divino Aparecido Alves Barbosa, diretores do Sindicato de 
Trabalhadores Rurais de Unaí. 
 25
Segundo Sebastião Neves Rocha, o cultivo do eucalipto chegou à região em 
conseqüência de investimentos de companhias multinacionais, produtoras de aço em Belo 
Horizonte. As próprias empresas investiam e cultivavam o eucalipto, não terceirizavam 
nada. O objetivo era garantir matéria prima para alimentar os próprios fornos, mantendo a 
mesma lógica das décadas anteriores, ou seja, utilizar o Cerrado na produção de carvão 
para as indústrias mineiras. 
As florestas nativas da região Noroeste foram completamente dizimadas, 
especialmente na década de 1970, através das derrubadas e produção do carvão vegetal. 
Essa produção chegou a ser a principal atividade econômica no meio rural da região nesse 
período. As derrubadas e aberturas para o cultivo de pastagens ou “roças no toco” eram 
motivadas pelos ganhos na transformação do material lenhoso em carvão vegetal. 
O reflorestamento com eucalipto veio suprir a escassez de madeira na continuidade 
da produção de carvão. As terras arenosas da região tinham características boas para o 
cultivo do eucalipto. Esse cultivo e a produção de carvão tiveram os seus auges na década 
de 1970 até meados da década de 1980, criando muitos postos de trabalho na região. 
A crise do cultivo do eucalipto, já a partir da segunda metade da década de 1980, 
voltou os investimentos para as grandes lavouras de soja e milho. As terras do Noroeste 
mineiro não são as melhores para agricultura temporária, mas grandes investimentos em 
correção da acidez do solo possibilitaram a introdução do cultivo de soja. 
O incentivo ao cultivo da soja veio, especialmente para o município de Paracatu, 
através da implantação do PRODECER. Esse programa possibilitou modernizar a 
agricultura através de investimento em propriedades com áreas de 300 a 600 hectares. 
Segundo Sebastião Rocha, os beneficiários eram prioritariamente pessoas com curso 
superior, engenheiros agrônomos ou técnicos agrícolas. 
Junto com a soja veio o cultivo do café para o município de Paracatu. Unaí também 
teve um processo semelhante de modernização da agricultura e incentivo à produção de 
soja. Não houve incentivos ao cultivo do café porque não haviam variedades adaptadas ao 
clima quente de Unaí. A opção foi o cultivo da soja em grandes extensões de terra. Esse 
cultivo começou a expulsar centenas e centenas de posseiros que viviam nas propriedades, 
fenômeno muito comum no município na década de 1980. 
 Conforme vimos anteriormente, o plantio de soja já ocupava, em 1990, uma área de 
35 mil hectares em Unaí. À medida que os grandes proprietários iam expandido a área 
destinada a essa cultura ou à criação extensiva de gado, os trabalhadores e trabalhadoras 
iam sendo expulsos da terra. Esse processo provocou a reação e organização dos posseiros, 
buscando formas de resistência à expulsão. 
 Apesar dessa resistência e da existência de muitos assentamentos no Noroeste 
mineiro, a propriedade da terra na mesorregião é altamente concentrada. De acordo com 
dados do Censo Agropecuário de 1995-1996, 36,4% do total de imóveis (5.929 imóveis) 
são propriedades com áreas até 50 hectares. Esses imóveis detém apenas 2,5% da área total 
(121.033 hectares) das propriedades da mesorregião. Os imóveis com áreas superiores a 
duzentos hectares, 4.946 propriedades representando 30,4% do total, detém 4.140.700 
hectares, ou seja, mais de 86% da área total do Noroeste mineiro. 
 26
 Essa concentração fundiária se reproduz também no município de Unaí. De acordo 
com o gráfico abaixo, as propriedades com estrato de área superior a mil hectares detém 
49,2% da área total. Os imóveis com áreas inferiores a 100 hectares detém apenas 8,2% e o 
estrato de área entre 100 e mil hectares detém 42,6% da área total. 
 De acordo com os dados da tabele abaixo, entre 1985 e 1995, os imóveis até 10 
hectares perderam quase 25% de sua área total, em torno de 495 hectares. Houve também 
uma diminuição no topo da estrutura fundiária, pois os imóveis com áreas superiores a 10 
mil hectares diminuíram em número e área. A redução da área desses imóveis foi de 57%, 
perdendo 79.197 hectares, entre 1985 e 1995. 
 A diminuição da área total dos imóveis com áreas acima de 10 mil hectares e as 
desapropriações para fins de reforma agrária nesse período, diferente do que aconteceu em 
Formosa, não melhoraram a distribuição da propriedade da terra no município. A 
concentração se manteve especialmente pelo crescimento dos imóveis entre mil e dez mil 
hectares. A área desses imóveis cresceu quase 14% nesse período, adquirindo 42.450 
hectares. 
Estrutura fundiária de Unaí 
Grupos 1985 1995 
de 
área 
N.º. de 
Estab. 
Área 
(há) 
N.º. de 
Estab. 
Área 
(ha) 
Menos de 10 ha 386 1.990 300 1.495 
10 a menos de 100 ha 1.631 63.714 1.688 68.504 
100 a menos de 1.000 ha 1.129 332.707 1.200 361.584 
1.000 a menos de 10.000 ha 139 315.962 164 358.412 
10.000 ha ou mais 7 138.672 2 59.475 
Sem declaração 115 -- -- -- 
Totais 3.407 853.045 3.354 849.470 
Fonte: Censos Agropecuários de 1985 e 1995-1996. 
Elaboração: Sérgio Sauer. 
 De acordo com os dados acima, o número de imóveis inferiores a 10 hectares 
diminuiu em 28,7%. Os imóveis entre 10 e 100 hectares cresceram apenas 3,5%. Esse 
índice é muito inferior ao número de famílias assentadas e área desapropriada no 
município. De acordo com o cadastro do INCRA, foram assentadas 1.166 famílias em Unaí 
através da desapropriação de 49.274 hectares. 
 Apesar do município ter um número expressivo de assentamentos, 16 ao todo, as 
desapropriações não foram capazes de modificar o processo crescente de concentração 
fundiária. Em primeiro lugar, é importante observar que, com exceção de duas, todas as 
demais propriedades desapropriadas eram imóveis com áreas no estrato entre mil e dez mil 
hectares. Mesmo assim, esse estrato de área, como vimos acima, teve um aumento no 
número de imóveis e área total. 
 Em segundo lugar, a média de hectares por família assentada é de 42,3 hectares. O 
número de imóveis com áreas até 100 hectares, no entanto, diminuiu em 1,4%. A área 
desses imóveis cresceu apenas 6,5% entre 1985 e 1995. Diferente do município de 
Formosa, a luta pela terra conseguiu manter famílias no meio rural, mas não conseguiu 
reverter o quadro de concentração da propriedade da terra em Unaí. 
 27
Segundo Sebastião Neves, o cultivo do eucalipto criou mais empregos que o cultivo 
da soja, especialmente devido ao processo de mecanização e incorporação de tecnologia. A 
falta de empregos e a expulsão de agricultores familiares pelo processo de modernização 
da agricultura levou os trabalhadores e trabalhadoras rurais a se engajarem na luta pela 
terra. 
A luta pela terra começou primeiramente no município de Unaí, nos anos 1981 e 
1982, e se expandiu por toda a mesorregião Noroeste de Minas. A partir da experiência de 
Unaí outros STRs foram sendo fundados como resultado do envolvimento na luta pela 
terra. Já no Governo Sarney, foram feitas várias desapropriações na região, beneficiando 
famílias nos municípios de João Pinheiro, Paracatu, Arinos, Buritis, Presidente Olegário, 
entre outros. Essas desapropriações eram resultado da luta desencadeada pelos 
trabalhadores e trabalhadoras rurais organizados no sindicalismo rural. 
A atuação do sindicalismo rural nessa luta resultou em ganhos importantes, pois 
segundo dados do cadastro do INCRA, foram criados 53 projetos de assentamentos no 
Noroeste de Minas, desde o início dos anos 1980. Esses assentamentos envolvem mais de 
170 mil hectares de terras e abrigam 3.347 famílias. 
Projetos de assentamento no Noroeste de Minas 
Municípios Número de 
Assentamentos

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