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Naturalistas Viajantes e a História Natural

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Biogeografia
(Aula 02 - 29/07)
Naturalistas viajantes
O naturalista viajante é aquele que nos séculos ⋆ 
XVIII e XIX dedicava-se ao estudo da história
natural, ou seja, da natureza, compreendendo os
astros, o ar, os animais, os vegetais e minerais da
superfície e da profundidade da terra. Enquanto os
naturalistas-viajantes do período colonial eram
exclusivamente súditos da Coroa portuguesa,
encarregados de revelar as riquezas e utilidade dos
recursos naturais, os que percorreram o Brasil no
século XIX, após 1808, vinham de diversas regiões
da Europa e estavam empenhados na observação
e classificação dos homens e de suas línguas
considerados entre as espécies da natureza.
Ligados à nobreza ou a sociedades científicas,
percorriam o solo brasileiro num esforço conjunto
e planejado de revelar, colecionar e classificar os
reinos naturais da América.
A História Natural bu�oniana
De acordo com Buffon ,o objeto de estudo
da História Natural é um vasto conjunto de
objetos naturais, no qual está incluído toda
variedade de minerais,plantas e animais,
tanto os que se encontram nas entranhas
da terra, no fundo das águas e sobre a
superfície terrestre. Em relação a esse
ponto, Buffon é herdeiro de uma longa
tradição que remonta a Aristóteles de
Estagira (384-322a.C.)
A biogeografia traducianista e o livro do Gênesis
→ Que o patriarca Noé levará em sua arca, por
ordem divina, sete casais de cada espécie de
animais puros e um casal de cada espécie de
animais impuros, a fim de salvá-los do dilúvio (que,
diga-se preliminarmente, foi quase sempre aceito
como um fenômeno universal, e não local) foi
questão mais ou menos pacífica entre os
pensadores e filósofos naturais da Europa cristã,
até pelo menos o século XVIII. Cessado o
cataclismo e escancarada a porta da arca, esses
animais, obedecendo a ordem de Deus (crescei e
multiplicai-vos), voltaram a povoar o mundo
(Browne, 1983);
→ Mais do que um episódio bíblico, esta foi a
primeira teoria biogeográfica proposta e a que
mais tempo permaneceu vigente. Seus postulados
básicos (considerem-se também os episódios da
criação dos animais no Jardim do Éden e da Torre
de Babel) são: existe um único centro de origem da
biota, um ponto bem definido da face da Terra (o
Éden o centro de origem e dispersão primordial, o
Ararat e Babel centros secundários); desse centro
de origem animais (e homens) dispersam-se para
povoar o mundo; durante a dispersão radial, podem
eles sofrer mudanças em seus caracteres
somáticos, provocadas pela influência direta do
meio e herança desses caracteres adquiridos
(assim se teriam originado as diferenças dos
diversos grupos de raças humanas, por exemplo)
→ Como toda teoria científica, entretanto, acabou
esbarrando em certos fatos, que serviram para
testá-la. Exemplificando, teria Noé transportado
todas as espécies de animais originalmente
criadas por Deus no Jardim do Éden ou apenas as
espécies de vertebrados terrestres bissexuadas de
fecundação cruzada? Os animais aquáticos não
necessitariam ser levados pelo patriarca, nem
aqueles nascidos por geração espontânea (como
então se acreditava) depois do dilúvio, para estes
últimos, havia grande quantidade de matéria
orgânica em decomposição, de cuja fermentação
poderiam surgir (Papavero, 1992, p. 51);
→ Em sua obra De Civitate Dei (A cidade de Deus),
santo Agostinho (354-430) chegou à conclusão de
que Noé teve que transportar em sua arca todas as
espécies de animais, sem exceção. Foi levado a
isto por duas razões. A primeira é que, para os
maniqueístas seus contemporâneos, Deus não
havia criado os animais e as plantas, seres
destinados à corrupção e à morte; Deus criara
apenas os seres do universo supralunar aristotélico
(como o sol, a lua, os planetas e as estrelas fixas),
o éter, os anjos e a alma humana coisas perfeitas,
1
belas, imperecíveis. Todo o resto, destinado à
degeneração e à corrupção, perecível, só podia ter
sido criado por um poder maligno oposto a Deus.
Ora, se santo Agostinho admitisse que Noé deixará
fora da arca certo número de espécies de animais,
os maniqueístas aproveitar-se-iam imediatamente
disso para corroborar suas idéias de que essas
espécies não haviam saído das mãos do Criador e
que teriam morrido juntamente com os pecadores,
afogadas pelo dilúvio. A segunda razão, e a mais
importante, era que as espécies de animais
levadas por Noé simbolizavam os povos da Terra:
todas as nações tinham o direito de encontrar a
salvação na nova arca representada pela Igreja
cristã. Noé teve que transportar casais de todas as
espécies, mesmo das aquáticas e das nascidas por
geração espontânea, para simbolizar que nenhum
povo, por menor e mais insignificante que pudesse
parecer, seria deixado fora da Igreja, justamente
cognominada de católica (termo que em grego
significa para todos, universal);
O traducianismo biogeográfico do Santo Agostinho e o
problema das barreiras à livre dispersão
⇒ Uma vez isso resolvido, tem-se que enfrentar um
problema decorrente: como podem animais que
não conseguem atravessar grandes extensões de
mares, por não serem capazes de voar ou nadar,
povoar as ilhas oceânicas e talvez outros
continentes distantes do Velho Mundo? Este
problema, o das barreiras à livre dispersão,
preocupou sempre os biogeógrafos dispersionistas
ou traducianistas, e Santo Agostinho foi o primeiro
a tentar solucioná-lo. Ainda em A cidade de Deus
no capítulo intitulado Questão acerca das ilhas
remotas, se elas receberam sua fauna a partir dos
animais que foram preservados na arca durante o
dilúvio , concluiu-se que os animais que sabiam
nadar ou voar passaram às ilhas por seus próprios
meios. Os que tinham alguma utilidade para os
homens (na caça, na agricultura etc.) foram por
estes transportados em canoas;
⇒ A grande maioria das espécies, contudo, não se
enquadra em nenhuma dessas duas categorias;
para elas, o grande doutor da Igreja só teria visto
uma solução: Não se pode negar que, pela
intervenção dos anjos, esses seres (os animais)
tenham sido transferidos (para as ilhas oceânicas
remotas) pela ordem ou permissão de Deus. Santo
Agostinho postulava assim, pela primeira vez,
agentes externos que promoviam a dispersão a
longas distâncias dos animais, saltando barreiras
naturais. Essa solução é recorrente na literatura
traducianista; vamos encontrá-la, só para citar
alguns autores, em Lineu (1744), De Candolle
(1821) e Charles Darwin (1859)
A questão dos antípodas
⍖ Aristóteles havia explicado, em Meteorológica,
que a Terra era dividida em cinco zonas climáticas
latitudinais, duas glaciais, próximas aos pólos,
duas temperadas, e uma zona média tórrida,
situada no equador, tão quente e sáfara que não
possuía nem águas nem pastagens. Assim, as
duas zonas temperadas (norte e sul), aptas para
serem habitadas, não podiam ter comunicação
alguma entre si, inexoravelmente separadas pela
zona tórrida. Endossando a opinião de outros
sábios gregos, Aristóteles acreditava que havia
também terras no hemisfério sul do globo terrestre,
o que garantia certa simetria e o próprio equilíbrio
de nosso planeta. Seriam essas terras do
hemisfério sul habitadas por homens e animais? É
coisa com que os antigos não chegaram a se
preocupar, pelo que consta;
⍖ Santo Agostinho, que aceitava a esfericidade da
Terra, combateu a idéia de que homens pudessem
viver do lado oposto do mundo, dizendo que não
falam as Escrituras de tais descendentes de Adão.
Para ele, Deus não permitiria que ali vivessem, pois
não teriam acesso ao cristianismo. Como
poderiam os apóstolos de Cristo (que viera ao
mundo no hemisfério norte) atravessar a zona
tórrida para chegar a esses antípodas, a fim de
levar-lhes a luz do Evangelho? Pois estava escrito:
A sua voz estende-se por toda a Terra e suas
palavras até as extremidades do mundo (Salmo 18:
5), observação reiterada no Novo Testamento
(Epístola aos Romanos 10: 18): Por toda a Terra se
espalhou a sua voz e até a extremidade da Terra
chegaram suas palavras.
⍖ O bispo de Hipona desenvolveu assim sua recusa
em aceitar a existência de populações humanas no
2
hemisfério sul,tendo como premissa a leitura dos
textos sagrados. Para santo Agostinho, se todos os
povos da terra descendiam de Adão, através dos
filhos de Noé; se todas as raças provinham de
Babel; se os apóstolos foram enviados a pregar a
palavra de Deus a todos os povos sem exceção
(povos simbolizados pelas espécies de animais
salvas na arca de Noé); se não há no Novo
Testamento notícia alguma de que os apóstolos
tenham ido pregar para os antípodas; se o Mar
Oceano (o Atlântico) é impossível de ser navegado;
se qualquer ser material é literalmente incinerado
ao passar pela zona tórrida do globo; então só se
pode chegar a uma única conclusão verdadeira:
não pode haver seres humanos no lado oposto da
Terra (supondo-se, obviamente, que a Terra tenha
um lado o posto!)
⍖ Raciocínio semelhante poderia ser feito em
relação aos animais. Para chegarem ao hemisfério
sul, aqueles animais que não possuem meios
próprios para ultrapassar barreiras geográficas, e
mesmo os que podem voar ou nadar (no caso de
distâncias muito grandes), teriam que ser
transportados por anjos; mas a zona tórrida
incinerá-los-ia inexoravelmente, uma vez que só os
anjos podiam passar incólumes por ela, visto não
serem materiais;
⍖ Conclui-se, necessariamente, por razões físicas e
teológicas, que o hemisfério sul tinha que ser
desabitado. Houve uma única criação, no Jardim
do Éden: isto era indiscutível. Todos os animais e
homens tinham que se dispersar a partir de um
único ponto no hemisfério norte;
⍖ E plantas, poderiam existir no hemisfério sul? Por
esse tempo (e até muitos séculos depois)
acreditava-se que as plantas eram originadas, em
sua esmagadora maioria, por geração espontânea.
Prova é que, quando Noé soltou a pomba da arca,
esta trouxe de volta um ramo, que a tradição
atribuiu erroneamente a uma oliveira. Como
explicar, se o dilúvio havia sido universal, e se havia
assolado a face do planeta, a existência dessa
planta verdejante? Por nascerem
espontaneamente, depois da baixa das águas do
dilúvio... Por esta razão Deus não ordenara a Noé
que levasse também plantas em sua arca, para
salvá-las do cataclismo, por ser desnecessário;
O impacto da descoberta da fauna americana pelos
europeus
➙ A descoberta, pelos europeus, de animais e
populações humanas no Novo Mundo,
notadamente na América do Sul, foi o mais severo
teste que a biogeografia traducianista de origem
bíblica teve que arrostar. Esse fato obrigou os
pensadores a formular novas hipóteses ad hoc
para imunizar a teoria;
➙ Um dos resultados mais espetaculares do ciclo
dos descobrimentos em fins do século XV e início
do XVI foi a derrocada da antiqüíssima ideia da
zona tórrida. O périplo da África e o descobrimento
do Brasil, essas esplêndidas realizações de
Portugal, demonstraram a inexatidão desse
conceito. Permitia que os animais oriundos da arca
de Noé se dispersassem, a partir do Ararat, até
chegar ao Novo Mundo. O problema era explicar
como ali foram ter, e como puderam atravessar
distâncias tão espantosas. A ideia ingênua de que
anjos os tivessem transportado não tinha voga.
Explicações mais naturais precisavam ser
encontradas;
➙ O acúmulo gradativo de informações sobre
plantas e animais, publicadas por viajantes e
cronistas que visitavam as plagas do novo mundo
descoberto ou através de suas figuras surgidas na
cartografia (George, 1969), acrescentou mais um
problema para os traducianistas: por que muitas
espécies americanas eram tão distintas das do
Velho Continente? Algumas (como os marsupiais,
só para mencionar um exemplo) nem mesmo
tinham qualquer semelhança com os animais do
mundo antigo. Até as espécies marinhas (que
supostamente podiam nadar e se deslocar do
Velho ao Novo Continente) eram distintas das da
Europa, como já em 1504 notava Binot Paulmier de
Gonneville (DAvezac, 1869): la mer poissoneuse:
les espèces dissemblables de celles d Europe (o
mar venenoso: as espécies dessemelhantes
daquelas da Europa);
A imunização do traducianismo bíblico
3
⤳ Para salvar o traducianismo biogeográfico
vigente, várias hipóteses ad hoc foram propostas.
A Atlântida, uma ponte entre o Velho e o Novo
Mundo, através da qual poderiam ter passado a pé
enxuto os animais descendentes dos indivíduos
transportados por Noé, foi uma das soluções
apresentadas, tendo essa ilha, entretanto,
dimensões muito maiores do que se supunha.
Foram adeptos dessa hipótese, entre outros,
Girolamo Fracastoro (1530), Francisco López de
Gómara (1553) e Agustín de Zárate (1555;
⤳ A improcedência dessa hipótese foi
brilhantemente demonstrada pelo genial jesuíta
padre Joseph D’Acosta (1590), que a substituiu por
um hipotético estreito (o então chamado estreito
de Anian, mencionado por Marco Polo, hoje estreito
de Bering) que permitiria aos animais (e homens)
oriundos da Ásia passarem à América do Norte e
desta continuarem sua dispersão rumo ao sul, até
o cabo Horn (Browne, 1983; Papavero, 1991;
Papavero, Llorente e Espinosa, 1995; Papavero,
Teixeira e Llorente-Bousquets, 1997). Essa
brilhante hipótese de D’Acosta persistiu até alguns
anos atrás. Persistia, porém, o problema das
diferenças morfológicas e do número sempre
crescente de espécies que iam sendo descritas e
por vezes registradas pelo traço dos viajantes e
naturalista;
⤳ Walter Raleigh (1614) aventou uma explicação
simplesmente engenhosa para evitar esses óbices.
Ponderou, inicialmente, que nem todas as espécies
de animais conhecidas já nessa época poderiam
ter cabido nas exíguas dimensões da arca. Para
Raleigh, a questão estava em que, na arca, foram
salvas apenas as espécies originais, criadas por
Deus no Jardim do Éden, na semana da Criação.
Estas eram poucas, e couberam facilmente na
embarcação de Noé. Encalhada a arca no Ararat, e
aberta sua porta, os animais começaram a emigrar
a partir desse ponto, reproduzindo-se não só
dentro de sua própria espécie, mas também
hibridizando e dando origem a novas espécies
(combinações das primitivas criadas por Deus),
que, por sua vez, também iriam se transformando à
medida que se afastam do centro de origem, por
influência do meio, herdando esses caracteres
adquiridos. Ora, quanto mais longe do Ararat, mais
diferentes deveriam ser, pois teriam mais tempo
para hibridar e degenerar, o que era confirmado
pelos relatos de naturalistas e viajantes na América
do Sul o ponto mais distante possível do Ararat,
onde se encontravam animais espantosamente
distintos, por vezes monstruosos, como capivaras,
tamanduás, preguiças, marsupiais, tapires e assim
por diante;
⤳ Essa hipótese de Raleigh serviu de inspiração
para o jesuíta Athanasius Kircher, que, em sua obra
intitulada Ar ca Noë (1675), admitiu que o patriarca
transportara apenas umas poucas espécies de
vertebrados os bissexuais de fecundação cruzada,
praticamente só alguns mamíferos e aves. Não
levará o patriarca nem os aquáticos nem os que
nasciam por geração espontânea (que eram a
grande maioria). Havia assim espaço mais que
suficiente na arca para todas as espécies de
mamíferos e aves originalmente criadas por Deus,
as únicas que incorreram no perigo de se afogar.
Dessas espécies haviam surgido todas as outras,
por meio de cópula promíscua (hibridação) e de
diferenciação ulterior por sua exposição, no
caminho da dispersão, a diferentes ambientes.
Assim da cópula promíscua do camelo com o
pardo, surgirá o camelopardo ou girafa; do camelo
com o pardal, o avestruz; do leão com o pardo, o
leopardo; do leão com a águia, o grifo etc.
(Papavero, Teixeira e Llorente-Bousquets, 1997);
O criacionismo no século XVII
⏯ Entrementes, crescia assustadoramente o
número das espécies novas assinaladas no Novo
Mundo. As antigas idéias sobre hibridação de
espécies animais iam sendo cada vez mais
restritas a raros casos híbridos interespecíficos,
quando existiam, eram estéreis, o que chegou a
invalidar as conjeturas de Raleigh e Kircher. Como
explicar, pois, a imensa diversidade de formas
animais encontrada nas Américas? E por que eram
tão diferentes das do Velho Mundo?
⏯ O pensador e diplomata francês Isaac de La
Peyrère (1594- 1676) discorda frontalmente do
pensamentotraducianista reinante, duvidando que
os animais pudessem migrar tão amplamente
como sugeria a filosofia corrente. Tudo isso se
baseava ainda no pressuposto de que o dilúvio
noético foi universal. Recorrendo à sua própria
4
exegese de um trecho mais ou menos obscuro da
Epístola aos Romanos (5: 12-14), que reza:
Portanto, assim como por um só homem entrou o
pecado neste mundo, e pelo pecado a morte, e
assim passou a morte a todos os homens, (por
aquele homem) no qual todos pereceram. Porque
até a lei o pecado estava no mundo; porém, não
havendo lei, o pecado não era imputado. Todavia, a
morte reinou desde Adão até Moisés. Assim,
mesmo sobre aqueles que não pecaram por uma
transgressão semelhante à de Adão, Lá Peyrère
especulou que o dilúvio não fora universal,
interessando apenas a uma parte do Oriente
Médio; que Adão não fora o antepassado de todos
os homens, mas só dos judeus; que Adão fora
precedido por muitas nações, que viveram na
China, na América, na Groenlândia e no misterioso
continente do Sul. Essas nações não foram
destruídas pelo dilúvio;
⏯ Inaugurou, para outros autores, uma nova era de
hipóteses, ora destinadas a explicar a distribuição
das espécies de animais nas distintas partes do
mundo. Deus criara-as separada e
simultaneamente, cada qual em sua própria região.
Não houvera um único centro de origem e
dispersão no Jardim do Éden; não fora necessário
levar todas as espécies dentro da arca de Noé. Se
na realidade existiram Noé e sua arca, o dilúvio foi
um acontecimento local, no Oriente Médio;
⏯ E dessa forma, Deus criara, desde o início, e
simultaneamente, as regiões biogeográficas, cada
qual com suas próprias espécies. Entre outros,
defenderam essas idéias Abraham van der Mijl (De
Origine animalium et migratione populorum, 1667;
traduzida pela primeira vez, para o francês, por
Chiquieri et alii, 1998); um anônimo (De Diluvii
universalitate dissertatio pr olusoria, 1667;
traduzida pela primeira vez, para o francês, por
Chiquieri, 1999); Edward Stillingfleet (Origines
sacrae, or a rational account of the growth of
Christian Faith, 1662); Matthew Poole (Synopsis
criticorum aliorumque Sacrae Scripturae
interpretem, 1669); e Jean Le Clerc (Commentarii
philologici et paraphrases in Veterum
Testamentum , 1690-1731) (Papavero e Pujol-Luz,
1997);
Ulteriores progressos da biogeografia
❖ Nos séculos XVIII e XX, sucederam-se
várias teorias, criacionistas e
traducianistas, que não podemos examinar
neste curto espaço. Entre as traducianistas,
situam-se as de Lineu (De telluris habitabilis
incremento, 1744; Papavero e Pujol-Luz,
1999) e a de Buffon (1778; Papavero,
Teixeira e Llorente-Bousquets, 1997),
incluindo a de Darwin (propostaem A
origem das espécies, 1859). No século XX,
surgiria a revolucionária teoria da
biogeografia por vicariância, a maior
revolução já ocorrida dentro dessa ciência.
Charles Darwin Alfred Russel Wallace×
↻ Uma leitura dos artigos publicados pelos dois
naturalistas em 1858 mostra que ambos fizeram
referência à luta pela existência que existe na
natureza, onde o indivíduo melhor adaptado
sobrevive e deixa descendentes, enquanto que o
menos adaptado deve sucumbir e sua variedade ou
espécie entrar posteriormente em extinção.
Verifica-se também que, embora Wallace não tenha
utilizado a expressão “seleção natural”, referiu-se a
um princípio cuja conotação é a mesma daquele
proposto por Darwin. Além do artigo de 1858,
Darwin e Wallace publicaram nas décadas
seguintes outras obras onde suas idéias sobre o
princípio da seleção natural foram ficando mais
claras e abrangentes;
↻ No entanto, sabe-se que houve pontos de
discordância. De acordo com Malcolm Jay Kottler,
as raízes da divergência entre Darwin e Wallace
estavam na diferença de opinião quanto às leis da
herança das variações e suas relações com a
seleção natural. O próprio Darwin havia
reconhecido em uma carta datada de setembro de
1868 dirigida a Wallace: “Eu penso que nós
partimos de noções fundamentais de herança
diferentes”. Wallace acreditava que, de modo geral,
as variações que apareciam em um sexo eram
herdadas igual-mente por ambos os sexos mas
que a seleção natural poderia conver-ter esta
5
herança em herança limitada ao sexo, produzindo
dimorfismo sexual;
↻ Tanto Darwin como Wallace consideravam que a
seleção artificial feita pelo homem nos animais e
plantas é extremamente importante. A ela
atribuíam o aperfeiçoamento das raças
domésticas. Outro importante aspecto
considerado pelos dois autores é a constante luta
pela existência relacionada à busca pelo alimento,
contra os inimigos e as forças da natureza, ou seja,
o meio (Carmo, capítulo 2, seção 2). Eles
concordavam que a luta entre as espécies poderia
ocorrer tanto entre indivíduos de uma mesma
espécie como entre indivíduos de espécies
diferentes. No primeiro caso, ela seria mais severa
e mais relevante para o processo evolutivo. Os dois
autores comentaram também sobre o aspecto
ético da luta pela existência;
↻Wallace e Darwin atribuíram um papel importante
à seleção natural ou sobrevivência do mais apto
concordando que esta ocorre devido ao grande
poder de aumento dos organismos que existem na
natureza. Para ambos, a seleção natural atua
sempre no sentido de preservar as variações que
forem úteis para a espécie. Entretanto, Wallace
explicitou que a preservação das variações que
fossem benéficas para o organismo não implicava
em qualquer lei que preconizava um progresso na
organização dos indivíduos, como aparece em
Lamarck, por exemplo. Embora muitas vezes
ocor-resse no processo evolutivo um aumento na
organização, formas mais simples, como as
serpentes também poderiam ser preservadas;
↻ Wallace não concordava com a explicação
oferecida por Darwin para as diferenças sob o
ponto de vista da ornamentação, estrutura, cor
existentes entre machos e fêmeas serem devidas
quase que unicamente à seleção sexual, por
conferirem ao macho superioridade em relação à
beleza, defesa, etc. e serem transmitidas somente
à descendência masculina. Para Wallace, tais
diferenças podiam ser explicadas pela seleção
natural estando relacionadas à defesa, proteção ou
reconhecimento pela própria espécie, não
dependendo, portanto, da escolha da fêmea;
↻ Wallace discordava de Darwin que o instinto dos
animais tivesse surgido a partir do acúmulo de
variações que tivessem utilidade para a espécie,
selecionadas pela seleção natural, e que estas
fossem herdadas;
↻ A posição adotada por Darwin em relação à
origem da natureza moral e das faculdades
mentais do homem, através de modificações
graduais e desenvolvimento a partir de animais
inferiores, sob a ação da seleção natural, não era
compartilhada por Wallace. Ao contrário de Darwin,
que acreditava que todas as variações que
ocorriam no homem “eram induzidas pelas
mesmas causas gerais e governadas pelas
mesmas leis gerais e que estavam sujeitas à ação
da Seleção Natural”;
↻ Tais características não poderiam ter sido
desenvolvidas através da ação da seleção natural.
Isso o levou a crer que havia uma diferença entre a
origem das características físicas e mentais do
homem em relação àquelas de outros animais.
Assim, ele pensava que a presença de tais
características não podia ser explicada pela
seleção natural, como pensava Darwin;
O Canto do Dodô
⦽ É cada vez mais evidente o desafio em que vive
o mundo moderno: enfrentar a onda crescente de
extinção de espécies, comunidades e
ecossistemas que compõem a biodiversidade,
exacerbada pela atuação humana. Por conta de
ações como o desmatamento,redução de habitats,
introdução de espécies exóticas, homogeneização
genética de recursos agrícolas, superexploração de
recursos naturais, entre outras,ambientes antes
contínuos estão se tornando cada vez mais
fragmentados, formando para as espécies
remanescentes o que os ecólogos chamam de
“ilhas de habitat" nos continentes;
⦽ A “insularização” ou o isolamento de espécies e
comunidades biológicas, conseqüências da
fragmentação crescente de habitats, e o resultante
aumento de sua vulnerabilidade à extinção, são os
temas centrais abordadosno livro O canto do
Dodô,de David Quammen;
6
⦽ Dodô (Raphus cucullatus) uma espécie de ave
agigantada que viveu nas ilhas Maurício, com
características típicas de evolução e distribuição
insulares, levada à extinção pela ação direta e
indireta dos colonizadores portugueses e
holandeses;
⦽ A idéia do livro consiste em demonstrar como os
estudos de biogeografia de ilhas foram
fundamentais para a formulação da teoria da
evolução proposta por Darwin e Wallace na
segunda metade do século XIX e para a
consolidação da biologia enquanto disciplina
específica, diferenciada de outras ciências
naturais.Foram fundamentais também para a
construção recente de campos científicos mais
aplicados, como a ecologia e a biologia da
conservação, essa última voltada para enfrentar o
grande desafio moderno de conservar e proteger a
biodiversidade em um mundo cada vez mais
fragmentado;
⦽ No início do livro, o termo biogeografia é definido
como “a ciência que se ocupa de onde os animais
e plantas estão, onde não estão e por que” (p.17).
O autor dedica um capítulo inteiro – “O homem que
conhecia ilhas” - a relatos relacionados ao
naturalista Alfred Russel Wallace, um dos pioneiros
na observação da distribuição de espécies em
ilhas e, em sua opinião, um dos maiores
biogeógrafos de todos os tempos. Quammen
considera uma injustiça histórica que Wallace não
seja amplamente reconhecido como formulador da
mais importante teoria da biologia, desenvolvida
por ele e Charles Darwin – a teoria da evolução. Os
dois chegaram a essa teoria na mesma época e a
partir de observações sobre a distribuição de
espécies em ilhas em diferentes contextos;
⦽ Quammen chama a atenção do leitor para o
processo de especiação em ilhas, ou seja, o
processo pelo qual uma espécie se divide em duas
ou mais espécies novas, ocasionando a
diversificação. Isso teria levado Darwin e Wallace a
perceber que as espécies variam no espaço e no
tempo, pressuposto básico da evolução. Quammen
aproveita essa parte do livro para definir alguns
conceitos importantes da biologia evolutiva e
explicar como essa disciplina se desenvolveu na
primeira metade do século XX a partir da
contribuição da genética e, sobretudo, da
proposição da “síntese moderna”, que originou o
neodarwinismo;
⦽ O que teria causado a extinção do dodô não
seria apenas a ação humana direta, como a sobre
caça,mas diversas ações indiretas que levam à
raridade da espécie. Como diz Quammen, “a
raridade é a pré-condição para a extinção”. Ele
classifica a raridade como perigosa, pois as
populações pequenas são mais susceptíveis a
tragédias determinísticas (essencialmente
decorrentes de atividades humanas) e
estocásticas(não previsíveis). Além disso, essas
populações apresentam forte probabilidade de, no
processo natural de dinâmica populacional, oscilar
até zero. Dessa forma, a extinção de espécies em
ilhas é muito mais frequente que no continente. A
tendência observada é de que, quanto menor a ilha,
maior a incidência de extinções locais. A raridade,
no entanto, não pode ser considerada igual para
todas as espécies, pois a estrutura social e as
características ecológicas determinam diferentes
limiares de estabilidade populacional para cada
espécie;
⦽ Em ilhas ou ambientes isolados, as espécies
normalmente experimentam uma intensificação
nos processos de migração, especiação e extinção,
o que faz com que o nível de diversidade se
mantenha razoavelmente constante ao longo do
tempo, apesar da ocorrência de extinções.Embora
o número de espécies seja relativamente estável,
há nesses ambientes uma taxa elevada de
substituição ou turnover de espécies, o que
acarreta em modificação constante no conjunto de
espécies que ali habitam;
⦽ Com a teoria da biogeografia de ilhas, esses
parâmetros podem ser medidos, experimentados e
comparados, o que levou a ecologia ao rol das
ciências que permitem certa previsibilidade de
situações futuras;
⦽ No entanto, o fator mais importante da teoria da
biogeografia de ilhas foi a percepção de que seus
princípios eram aplicáveis não somente para ilhas
reais, mas para fragmentos de habitats sujeitos a
diferentes níveis de isolamento, cada vez mais
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freqüentesno mundo moderno, a partir da
expansão humana em praticamente todos os
ecossistemas da Terra. Com a formulação dessa
teoria, os biólogos começaram a perceber que as
ações do homem sobre a natureza estavam
causando às espécies, comunidades e
ecossistemas da biodiversidade um processo de
“insularização” nos continentes;
⦽ A teoria de biogeografia de ilhas e os estudos
sobre decaimento de ecossistemas influenciaram
também a criação da nova disciplina de biologia da
conservação, sobretudo fornecendo as bases
teóricas para modelar reservas e áreas de proteção
da biodiversidade. Por outro lado, muita polêmica
foi gerada sobre como seriam as formas mais
eficientes de conservação em contextos
diferenciados, tendo se formado diferentes
facções de pesquisadores e ambientalistas;
⦽ Na finalização do livro, Quammen ressalta a
diferença entre o nível padrão de extinção de
espécies ao longo do tempo geológico e o nível
que ocorrerem eventos de extinção em massa, que
acontecem quando a taxa de extinção ultrapassa
em mais que o dobro a taxa de especiação e
acarreta perdas significativas de biodiversidade.
Na opinião de grande parte dos cientistas naturais,
estamos vivenciando um evento de extinção em
massa, de proporções nunca vistas antes e, se
continuarmos nesse ritmo, a tendência é perder
grande parte da diversidade, que, entre outras
coisas, fornece suporte de sobrevivência à espécie
humana;
⦽ O canto do dodô poderia ser considerado um
instrumento eficaz para conscientizar o público
geral sobre a necessidade de mudança de atitude
frente à natureza, de forma a garantir a
manutenção da biodiversidade em níveis aceitáveis
e mesmo a sobrevivência da espécie humana no
longo prazo.
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