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AGUIAR, Leonel A. de. Discurso Biocêntrico: O sagrado na Pós-Modernidade. Revista Aulas, Dossiê Religião, n.4, abril/julho, 2007. Unicamp, São Paulo. O Homem Como Parte da Natureza Iasmin Rodrigues Rosa # Instituto Federal Fluminense – campus Campos Guarus iasmin.rosa@gsuite.iff.edu.br O professor e pesquisador Leonel de Aguiar apresenta em seu texto uma análise entre os extremos: cartesianismo moderno, cuja perspectiva é antropocêntrica e de negação a um "valor intrínseco da natureza"; e Ecologia Profunda pós-moderna, centrada numa visão biocêntrica que coloca todos os seres como sujeitos de direitos. Publicado em 2007, o artigo discute sobre a possível responsabilidade - ou co- responsabilidade - da religião e cultura judaico-cristã sobre a atual crise ambiental que enfrentamos e mostra os paradigmas sob os quais a questão ecológica, vinculada às tradições judaico-cristãs, já havia sido apresentada. O autor também comenta sobre até que ponto - ou se - a Ecologia Profunda e uma ética biocêntrica teriam fundamento e seriam viáveis. De acordo com o texto, há duas interpretações sobre a responsabilidade da tradição judaico-cristã pela crise ecológica-ambiental: a primeira considera essa alegação errônea, pois, a palavra de Deus não poderia revelar nenhum tipo de destruição à vida; a segunda considera que a teologia judaico-cristã foi propícia para o surgimento do pensamento moderno que culminou na tecno-ciência e no avanço do processo de secularização. Leonel analisa o sentido antiecológico da tradição judaico-cristã a partir de seis perspectivas já apresentadas: o patriarcalismo, que além de provocar desequilíbrio social entre os gêneros também produz a ideia de um paraíso verde que foi perdido; o monoteísmo que, juntamente ao patriarcalismo, produz a imagem de um deus único masculino e apaga a sacralidade do cosmos; o antropocentrismo, que na modernidade interpreta os textos bíblicos de forma a legitimar a exploração humana sobre a natureza; a ideologia tribalista do "povo eleito de Deus", que arrogantemente produz uma lógica de exclusão e superioridade; a crença da queda da natureza, que devido ao pecado do homem retira da terra seu caráter sagrado e a encara como amaldiçoada, de forma que os desastres naturais sejam castigos para o homem; e a ruptura da religação com o cosmos, que extingue a contemplação do mundo. De certa forma, todas essas perspectivas analisadas partem do antropocentrismo, pois, todas separam o homem do resto dos seres e o colocam como ponto de partida e também de chegada. Seguindo este pensamento, é perceptível que, para o homem, é complicado não se colocar em primeiro lugar. É impossível não ser antropocêntrico sendo humano, sendo o único ponto de vista que se pode genuinamente experienciar. Entretanto, pelo fato de sabermos tanto - no campo das ciências biológicas e químicas - sobre os outros seres que aqui habitam, é possível criar a falsa interpretação de que sabemos o que eles "pensam". Mesmo no que tange a Ecologia Profunda, sendo mailto:iasmin.rosa@gsuite.iff.edu.br essa a concessão e a garantia de direitos a natureza, essa interpretação do que a natureza precisa e "quer" é totalmente humana. O escritor cita em seu texto um paradoxo vinculado à Ecologia Profunda: "a rejeição do antropocentrismo e sua substituição pelo biocentrismo levam a um retorno ao antropomorfismo". Essa crítica se baseia na busca da Ecologia Profunda por um processo de sacralização da natureza, resgatando a contemplação e respeito à biosfera que havia nas religiões e tradições espirituais da antiguidade. Inicialmente é difícil entender como o texto evidência, de certa forma, a religião como possível causa e ao mesmo tempo possível solução da atual crise ambiental global. O impasse é dissipado no entender de que, de acordo com a perspectiva do texto, a religião monoteísta e tradições judaico-cristãs são apontadas como um ponto de virada para a dessacralização do mundo - entende-se nesse ponto o "mundo" como a biosfera -, retirando da natureza seu caráter místico e sagrado e tornando o homem o centro de tudo, inclusive do Deus, que a partir daí se torna um semelhante - rompendo drasticamente com as tradições de religiões politeístas de sociedades mais antigas onde a natureza era morada e também manifestação das divindades, o que provocava um senso de veneração e respeito a ela. Sendo assim, como causa, a religião se daria por parte da tradição judaico-cristã, que teria sido fundamental à ascensão da ética antropocêntrica e carregaria grande sentido antiecológico. E quanto à "solução" a religião se daria no retorno a uma tradição espiritual como nas sociedades antigas, uma "ressacralização" do mundo. Desta forma, a "religião" seria nada mais que um conjunto de ideais e fundamentos para a formação de uma cultura - envolvendo todas as esferas e estruturas da sociedade. Uma questão que essas discussões parecem muitas vezes esquecer é que o colapso ambiental não é só sobre a "sobrevivência" de árvores ou animais selvagens. A crise é global. Suas consequências afetam toda a natureza e, apesar de muitas vezes este também ser um fato esquecido, os homens também são parte da natureza. O homo sapiens é mais uma das espécies que habitam esse planeta e, em comparação a muitas outras, uma espécie bem recente. O que está em jogo não são "apenas" florestas, rios e mares, mas também a própria sobrevivência dessa espécie dominante, que depende desses outros recursos para sobreviver. Tanto essa quanto outras espécies podem ser dizimadas e extintas, mas o mundo não vai acabar. E eventualmente ele pode se recuperar. No fim, a crise ecológica é muito mais sobre o homem – tanto nas causas quanto nas conseqüências. A ideia de um mundo natural totalmente intocado é utópica, tanto porque o homem precisa de recursos do ambiente para sobreviver, quanto porque ele já faz isso no mundo todo a muito tempo. Porém, as relações ecológicas precisam de equilíbrio para funcionar. A relação do homem com o seu habitat, com as outras espécies do planeta e com seus respectivos habitats precisa de controle. E a Ecologia - como ciência - nos mostra a necessidade de preservar algumas áreas com o mínimo de interferência humana possível. Há inclusive estudos sobre a relação entre a fragmentação de habitats e a defaunação com o surgimento de novas doenças e epidemias e pandemias. A questão é: as práticas consumistas humanas atuais são insustentáveis para a preservação da existência da sua e de outras espécies num futuro próximo. Sendo assim, um bom ponto de partida para a discussão da resolução da crise ambiental iminente seria a assimilação de que somos todos - todas as espécies do planeta - partes de um grande sistema, um sistema que necessita de todas suas peças para funcionar corretamente. Ao se enxergar como parte da natureza e não algo superior a ela é mais fácil entender a importância da preservação ambiental a todas as partes desse sistema. Um sistema que vem sofrendo com as intempéries de nossas práticas econômicas, políticas e culturais já há bastante tempo.