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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) EM RIBEIRÃO PRETO - SP VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos Monitora: Lara Cardoso Dalperio Presidente Prudente 2011 PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) EM RIBEIRÃO PRETO - SP VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos Presidente Prudente 2011 VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) EM RIBEIRÃO PRETO - SP Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros: Presidente Prudente, novembro de 2011 AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a meu pai Josué Alves e minha mãe Maria da Conceição, por tudo que eles fizeram por mim e por eu esta aqui hoje. Ao movimento MST pela luta e dedicação para com seus militantes que estão sempre em processo de formação. Em particular ao MST de Ribeirão Preto por ter me indicado para este curso e aos companheiros da regional que contribuíram nesta jornada. A ENFF pelo apoio e contribuição nestes cinco anos do curso CGEO e a todos os professores do curso CGEO, em especial Antônio Tomas Junior e ao Bernardo Mançano Fernandes pelos seus respectivos desempenhos e dedicação nesta jornada. Agradeço a todos os colegas da turma Milton Santos pelo carinho e companheirismo nestes cinco anos de convivência, juntamente com todos da equipe de monitoria do curso CGEO, em especial a Luciana e a Lara que me cobravam resultados intensamente. Agradeço em especial a minha orientadora Valeria de Marcos que aceitou esta tarefa de orientação nesta pesquisa, com toda sua paciência, muita atenção e carinho com as minhas dificuldades e exigindo o máximo da minha capacidade intelectual. Brasil diferente Eu quero um Brasil para todos Quero um Brasil diferente Quero um Brasil com justiça Com os homens conscientes Quero um Brasil com paz e amor E que viva independente. Eu quero o Brasil com tudo Com saúde e educação Eu quero a liberdade Pra toda a população Um Brasil onde os sem terra Tenham um pedaço de chão. É assim que eu quero um Brasil Vivendo com paz e amor Porque Deus nos deu a terra E nada ele nos cobrou Pois a terra é da nação De todo o trabalhador. Quero o Brasil com Reforma Agrária Porque é a solução O Brasil vivendo livre Do latifúndio ladrão Quero que todo o sem terra Tenha onde ganhar o pão. Luiz Beltrame de Castro RESUMO Este trabalho de pesquisa analisa o processo de conquista territorial do Assentamento Comuna da Terra Mario Lago, localizado no município de Ribeirão Preto – SP, realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Nosso intuito é o de compreender o surgimento do MST e seu crescimento no estado de São Paulo, destacando como ocorreu sua chegada na região e o processo de organização da luta que levou à desapropriação de uma área, onde existiam vários processos de multas por passivo ambiental cometido pela sua antiga proprietária devido à exploração da área para a produção da monocultura da cana-de-açúcar. Vale destacar a importância desse fato uma vez que o local onde hoje está situado o PDS da Barra, subdividido nos assentamentos Índio Galdino (Bandeira Branca), Santos Dias (MLST) e o pioneiro e com maior expressão a Comuna da Terra Mario Lago (MST), na antiga Fazenda da Barra, é área de recarga do Aquífero Guarani. Busca-se também entender como se deu a conquista da posse da área e a proposta do MST em construir novos assentamentos Agroflorestais com a concepção da Comuna da Terra e os desafios na produção agroecológica, na expectativa de que as famílias envolvidas possam produzir alimentos para sua subsistência e poder tirar uma renda com o excedente da produção. ABSTRACT This monograph analyzes the territorial conquest process of the Settlement Commune of Earth Mario Lago, localized in the municipality of Ribeirão Preto - SP realized by the Landless Workers' Movement - MST. Our aim is to understand the MST' s emergence and its growing in the São Paulo state, highlighting how its arrival in the region occurred and its fight organization process which led to an area's expropriation, where various process for environmental fines had been committed by the old owner, due to the area's exploration for the sugar cane's mono culture's production. It is worth mentioning the importance of this fact since the area where, today, the Barra's PDS' settlements Indio Galdino, Santos Dias and the pioneer Commune of Earth Mario Lago, are situated, in the old Barra's Farm, is a recharge area of the Guarani's Aquifer.One also seeks to understand how the conquest of the area's ownership took place and the MST proposal to build new agroforestry settlements with a Commune of Earth conception as well as the challenges of an agro-ecological production. Thus, allowing the farmers' families involved to produce aliments for their own subsistence as well as being able to get a rent with the production's excess . ÍNDICE DE MAPAS MAPA 1: Mapa do Corte da Área 44 ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo 36 Quadro 2- Áreas da Fazenda da Barra 44 Quadro 3- Áreas de Reserva Legal 45 Quadro 4- Quantidade de área de reserva por assentamento 46 Quadro 5-Áreas de lotes 46 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Localização da Fazenda da Barra 18 Figura 2 – Fazenda da Barra 1984 19 Figura 3 – Proposta do corte da área 1996 20 Figura 4 – Fazenda da Barra 2000 21 Figura 5 - Ocupação do Sítio Braghetto 23 Figura 6 - Área ocupada da Fazenda da Barra 26 Figura 7 - Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago 28 Figura 8 - Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago 28 Figura 9 - Território dos movimentos 40 Figura 10 - Áreas de Reservas Legais: 45 Figura 11 - Construção de moradia no Mario Lago. 48 Figura 12 - Foto aérea dos Assentamentos na Fazenda da Barra 2010 52 LISTA DE SIGLAS APP – Área de Preservação Permanente BR 330 – Rodovia Federal Brasileira CEBs – Comunidades Eclesiais de Base CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz CPT – Comissão Pastoral da Terra CUT – Central Única dos Trabalhadores DAEE – Departamento de Água e Esgoto Estadual DAERP – Departamento de Água e esgoto Ribeirão Preto DEPRN - Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais EMPBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia FEPASA – Ferrovia Paulista SA FHC – Fernando Henrique Cardoso IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MLST – Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MPE – Ministério PúblicoEstadual MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PA – Projeto Assentamento PAA – Projeto de Aquisição de Alimento PDA – Projeto de Desenvolvimento do Assentamento PDS – Projeto Desenvolvimento Sustentável PU – Projeto Utilização RL – Reserva Legal SAFs – Sistema Agroflorestais SIPRA - Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária TAC – Termo de Ajustamento de Conduta UDR – União Democrática Ruralista SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST 12 1.1 - Formação do MST em São Paulo 14 CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO DO ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA 18 2.1 - Passivos ambientais da Fazenda da Barra (1983 – 2004) 18 2.2 - Acampamento Mário Lago 22 CAPÍTULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO 30 3.1 - A Proposta da Comuna da Terra 30 3.2 - os elementos fundamentais da proposta 32 3.3 - O PDS como alternativa para assentamentos agroecológicos 35 CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERRA MARIO LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP. 37 4.1 - A dificuldade da implantação do Projeto PDS 40 4.2 – As principais dificuldades para implantação dos assentamentos agroflorestais 42 4.3 - Parcelamentos da área 43 4.4 - Assentamento “Comuna da Terra” Mario Lago 46 4.5 - Questão ambiental 49 4.6 - A proposta da produção na Comuna da Terra Mario Lago 50 CONSIDERAÇÕES FINAIS 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55 ANEXOS 57 10 INTRODUÇÃO: A questão do desenvolvimento rural vem sendo discutida por diferentes agências e agentes governamentais e não governamentais, que direcionam os debates para a convergência entre as questões agrícola, agrária e ambiental. Nesta abordagem, a conservação e a recomposição dos recursos naturais são consideradas tão importantes quanto a produção camponesa. No Brasil, esta perspectiva tem colocado os assentamentos de reforma agrária como territórios importantes para a implantação de projetos agroecológicos, baseados na sustentabilidade agroambiental. O presente estudo do assentamento Comuna da Terra Mario Lago, localizado na Fazenda da Barra, em Ribeirão Preto, região nordeste do estado de São Paulo, revela que a implantação de projetos agroflorestais faz com que se levante o debate com relação ao modelo de produção na região. Confrontando as diferentes concepções de assentamentos do MST e das propostas implantadas pelo Estado, objetivamos compreender no que consiste a sustentabilidade ambiental, renda familiar e os novos modelos de assentamentos para o estado de São Paulo. O modelo de desenvolvimento da agricultura na região nordeste do estado de São Paulo, especialmente aquele baseado na Revolução Verde implantado a partir dos anos de 1970, configura-se como um exemplo vivo das transformações colocadas pelo processo de modernização da agricultura brasileira. A mecanização, o uso de insumos industrializados, a crescente utilização de agrotóxicos e a exploração do trabalho por meio do assalariamento ou de trabalho degradante são características desse modelo. A implantação de tal modelo teve como consequência, de um lado o desenvolvimento de uma agricultura de alto valor comercial, sobretudo nas atividades dos complexos agroindustriais da cana-de-açúcar e da laranja e, de outro lado, sérios problemas do ponto de vista social e ambiental. A região de Ribeirão Preto1, situada no interior do estado de São Paulo, traz uma trajetória de ocupação vinculada diretamente ao setor sucroalcooleiro, que atualmente passa por um processo de mudança na forma de produzir, caracterizado pela intensa mecanização do plantio e corte da cana-de-açúcar. A região historicamente apresenta-se como pólo de atração de força de trabalho nas épocas de safra da cana-de-açúcar, o que intensifica as 1 Esta região compreende 104 municípios. Nela os serviços, atendimento médico e hospitalar especializados, órgãos federais e de justiça são centralizados na cidade pólo que é Ribeirão Preto. As principais cidades desta região são: Ribeirão Preto, Jaboticabal, Franca e Sertãozinho. 11 situações de desemprego e ocupação tanto no campo como na cidade no período de entressafras. Esses aspectos refletem a ideologia dominante na região, que são transmitidas através de propagandas de empresas agrícolas com frases do tipo “Agronegócio: sua vida depende dele!” ou “e se não fosse à cana?”. Assim, ao mesmo tempo em que cresce o endeusamento da cana e as estratégias de manutenção do controle político da região (reproduzido e disseminado pela mídia), cresce a depreciação do trabalhador. Neste contexto, o enfrentamento entre os trabalhadores e o agronegócio foi conformando novas frações de territórios, entre os quais se encontra o Assentamento PDS da Barra, sendo formado por três assentamentos distintos, o Índio Galdino, o Santos Dias ligado ao MLST e o mais antigo deles, que começou a luta pela conquista da Fazenda da Barra, o assentamento Comuna da Terra Mário Lago, o único assentamento do MST localizado no município de Ribeirão Preto, organizado segundo a construção coletiva da proposta de Comuna da Terra. Para que seja possível compreender como se deu a chegada do MST na região, como ocorreu o processo de luta que culminou na conquista do assentamento e quais são os desafios postos para o assentamento inserido no meio de um canavial, dividimos o presente trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo realizamos uma discussão acerca da formação do MST no Brasil, no estado de São Paulo e na região de Ribeirão Preto, situando o quadro que propiciou a luta e a conquista do assentamento Mário Lago. O segundo capítulo compreende a luta e a conquista do assentamento Mário Lago, discutindo a proposta de organização em Comuna da Terra. No terceiro capítulo discutimos de um ponto de vista teórico, a proposta da Comuna da Terra e do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) e o seu desenrolar na área de estudo. Por fim, o quarto capítulo trata do processo de implantação do assentamento Comuna da Terra Mario Lago e das discussões da atualidade do assentamento, a produção e as políticas públicas conquistadas por meio da luta dos assentados. 12 CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST De acordo com Fernandes e Stedile (2005) a história do Brasil é marcada pela luta dos camponeses em diferentes épocas e locais. O campesinato brasileiro sempre foi uma classe de resistência a todas as formas de opressão e de exploração da classe trabalhadora. Ao longo do tempo, vivenciamos diversas formas de organizações camponesas, as quais, de acordo com os fatos históricos, demonstram as resistências do campesinato à perda da terra e de seu meio de vida. Podemos citar aqui o Contestado, Canudos, as Ligas Camponesas, entre outros. O golpe militar de 1964 e a ditadura que o seguiu interromperam os processos de luta e de organizações sociais no campo. No entanto, a tensão existente entre camponeses sem-terra e o latifúndio persistiu. Esta tensão foi sendo agravada pelo processo de “modernização” da agricultura, que impôs um novo modelo de produção, principalmente após a segunda guerra mundial, que preconizava uma agricultura extremamente dependente da indústria, que ficou conhecido como Revolução Verde. A introdução deste modelo terminou por expulsar do campo milhares de famílias de camponeses, seja pela sua mecanização ou pelo amplo uso de insumos químicos que igualmente reduziam o trabalho (gerando o desemprego). A resistência a esse modelo culminou em um processo de abertura política, momento histórico ilustrado por Kelli Maforte, dirigente estadual do MST de SP, em entrevista concedida em junho de 2011 para fins deconclusão do presente trabalho. Segundo ela: A abertura política foi possível por conta de um forte processo de mobilização popular bem como um desgaste político econômico do regime militar. No campo o Brasil tinha vivido os anos ditatoriais (1964-1980), uma espécie de “modernização conservadora” (conceito de Guilherme Delgado), ou seja, o campo passou por um inicio de transformação com a substituição do latifúndio improdutivo pra fazendas produtivas, através do uso de técnicas agrícolas do pacote da revolução verde. Deste processo é decorrente do expressivo êxodo rural que vivemos neste período. No entanto, essa modernização foi conservadora, pois não alterou a extrema concentração fundiária existente no Brasil. É importante lembrar que a modernização conservadora da ditadura militar derrotou a proposta de reforma agrária que era uma demanda latente dos movimentos sociais, das Ligas Camponesas, do Partido Comunista Brasileiro etc., nas décadas de 1950 e 1960. (Entrevista com Kelli Maforte, 2011). As lutas que culminaram na queda do regime militar, foram sendo organizadas no campo e na cidade. Entre elas, muitas ocupações de terras e conflitos fundiários tão diversos quanto à expansão do capitalismo no campo brasileiro. 13 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - é fruto dessas lutas, e aprendeu com essas a necessidade de organizar-se nacionalmente, mantendo espaços coletivos de decisões e encaminhamentos, unificando também as formas de lutas, princípios, objetivos e símbolos (hino, bandeira, palavras de ordem). De acordo com Fernandes (1989): Mesmo com a repressão às formas de organização camponesas pelo regime militar, a luta pela terra continuou em todo o território nacional. Um fator essencial que contribuiu para o desenvolvimento e crescimento da luta foi a participação da Igreja Católica, por meio da Comissão Pastoral da Terra. A CPT foi a articuladora das diferentes experiências que construíram uma nova realidade no campo. Durante o regime militar, as Comunidades Eclesiais de Base foram os espaços de socialização política que permitiram a recriação da organização camponesa. (FERNANDES, 1989, p. 41) Este apoio possibilitou a luta dos camponeses a avançar para a construção de um movimento massivo e de escala nacional. A esse respeito, FERNANDES (1989, p. 42), quando se refere à gênese do MST, relata que esta [...] aconteceu no interior dessas lutas de resistência dos trabalhadores contra a expropriação, a expulsão e o trabalho assalariado. O Movimento começou a ser formado no Centro – Sul, desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupação da gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das ações que resultaram na gestação do MST. Muitas outras ações dos trabalhadores sem-terra, que aconteceram nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gênese e contribuíram para a formação do Movimento. Assim, a sua gênese não pode ser compreendida por um momento ou por uma ação, mas por um conjunto de momentos e um conjunto de ações que duraram um período de pelo menos quatro anos. Conforme esta reflexão, analisamos que a espacialização do MST ocorreu num processo histórico e dialético, que sem duvida nenhuma foi protagonizado pela luta dos camponeses. Todavia, o marco de sua fundação foi o 1o. Encontro Nacional, realizado em janeiro de 1985 na cidade de Cascavel no Paraná, onde ele firma-se como um movimento nacional com caráter sindical, popular e político e com três objetivos fundamentais: a luta pela terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade. 14 1.1 - FORMAÇÃO DO MST EM SÃO PAULO De acordo com FERNANDES, o desenvolvimento capitalista no estado de São Paulo, também promoveu a desterritorialização do camponês. A exemplo do que ocorria em outras regiões brasileiras, a CPT teve papel relevante na organização dos camponeses, fato este que culminou na formação do MST no estado de São Paulo: Ainda em 1984, a partir da articulação dos movimentos no estado, coordenada pela CPT, algumas lideranças dessas lutas (Andradina, Sumaré e Pontal) participaram da fundação do MST na cidade de Cascavel-PR, em janeiro desse ano. Em maio, os trabalhadores realizam em Andradina o Primeiro Encontro Estadual da Luta pela Terra. A partir desse Encontro, o processo de articulação das lutas tornou-se o processo de organização do MST no estado de São Paulo, com a participação de lideranças das lutas de Andradina, Pontal, Sumaré e Vale do Ribeira. Em novembro, a CPT promove uma assembléia para a preparação do I Congresso Nacional do MST, (realizado em Curitiba no mês de janeiro de 1985) e, também para o IV Congresso Nacional da CONTAG (realizado em maio de 1985), em Brasília. (FERNANDES, 1994, p. 90) Assim, no estado de São Paulo a história agrária não é diferente de outros estados brasileiros, inclusive a articulação para o Primeiro Encontro Nacional dos Camponeses. Para entender essa luta e o surgimento do MST no estado de São Paulo é necessário tratar, ainda que brevemente, da ocupação da Fazenda Primavera em Andradina, da conquista da Fazenda Pirituba em Itapeva/Itaberá, do Pontal do Paranapanema e do retorno ao campo em Sumaré. Segundo Fernandes (1993), a Fazenda Primavera, localizada na região de Andradina, no oeste do estado de São Paulo possui 9.385 ha. Como muitas outras da região, tratava-se de terra grilada. Nesta Fazenda viviam muitas famílias de agricultores que arrendavam a terra do grileiro e produziam algumas culturas, como o algodão. Mesmo recebendo a renda da terra dos agricultores, o grileiro começou trazendo gado do Mato Grosso para engordar nesta área. Sem cercar uma área específica para o gado, este logo começou a destruir a lavoura dos camponeses que, como resposta, passou a recusar o pagamento do arrendamento. Em represália o grileiro, para cobrar dos devedores, colocou os jagunços para queimar as casas e assassinar os trabalhadores que ali viviam (Fernandes, 1993). Diante desta situação instalou-se ali um conflito entre o grileiro e os agricultores. Em 1979 o conflito ainda encontrava-se sem solução. Neste período a CPT tinha uma forte 15 organização de trabalhadores em outros estados e, segundo Morissawa (2001), juntou-se nesta luta organizando os trabalhadores e orientando-os a “exigirem junto ao INCRA desapropriação da fazenda” (Morissawa, 2001, p. 133). No ano seguinte, o presidente General Figueiredo assinou o decreto de desapropriação da Fazenda Primavera. Os agricultores, mesmo morando ali depois de décadas, permaneceram mais de dois anos até que fosse feito o assentamento. A experiência da Fazenda Primavera levou à formação do MST no oeste do estado de São Paulo. No mesmo período, na região sudoeste paulista também já estavam ocorrendo ocupações de terras organizadas inicialmente com um grupo de 300 famílias de meeiros e trabalhadores bóia frias que tinham sido despejados pela polícia militar e jagunços contratados pelos fazendeiros. Segundo Morissawa (2001) a área “foi ocupada três vezes na década de 1980 e seus 17500 hectares pertenciam ao governo do estado, que os havia arrendado a grandes fazendeiros” (Morissawa, 2001, p. 133). Em 1983, o governador Franco Montoro nomeou para a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo José Gomes da Silva. A partir disso foi implantado um projeto de regularização das terras do estado. Naquele mesmo ano, os posseiros voltaram a ocupar a Pirituba e foram despejados uma semana depois. Porém, a tentativa do governo em amenizar o conflito fracassou devido aos interesses políticos e econômicos da área. Segundo Morissawa: No ano seguinte, em 1984 os sem terra ocuparam novamente a área e os arrendatários não conseguiram judicialmente expulsar os sem terras partindo para violência e contratando jagunços para expulsar à força os sem terra. “Ogoverno, para evitar o agravamento da situação, retomou a área e deu início ao processo de assentamento. Foi a primeira vitória dos Sem- terra no estado nos anos de 1980.” (MORISSAWA, 2001, p. 134). “As ocupações continuaram ocorrendo em outras áreas da Fazenda e, no fim da década de 90, ali havia cinco assentamentos e um pré assentamento.” (MORISSAWA, 2001, p. 134). Ao mesmo tempo, ainda em meados da década de 1980, no Pontal do Paranapanema constatou-se, a partir de um estudo realizado pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP -, pelo Departamento de Regularização Fundiária - DRF - e pela Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania que mais de um milhão de hectares de terras devolutas encontravam-se localizadas na região do Pontal, dominadas por grileiros e posseiros. Diante desse contexto, desencadearam-se diversas ocupações de terras na região, 16 reivindicando sua distribuição às famílias, com um histórico de muitos assassinatos e conflitos na disputa por um pedaço de terra que perdura nos dias atuais. Nessa região, mais especificamente no município de Teodoro Sampaio, em 1983, de acordo com Fernandes, 350 famílias ocuparam a Fazenda Tucano e Rosanela, com apoio apenas de alguns religiosos e parlamentares. Logo em seguida foram despejados e permaneceram acampados na beira da rodovia aguardando uma decisão do Governo do Estado. Com as ocupações feitas pelos sem-terra e os conflitos aumentando no Pontal do Paranapanema, em 1984 o governo fez as primeiras desapropriações que somaram uma área de 15 mil hectares, assentando cerca de 460 famílias, conforme Fernandes (1999). Estas conquistas fizeram com que os latifundiários e grileiros da região se unissem e criassem a União Democrática Ruralista - UDR - com o intuito de contrapor o avanço da luta dos camponeses. Todavia, o que ocorreu foi o aumento dos conflitos nesta região, mas os camponeses seguiram se especializando no Pontal. Segundo Fernandes (1999, p. 158), o [...] processo de espacialização e territorialização da luta pela terra promoveram o aumento do numero de ocupação no estado de São Paulo. Em 1995, a região do Pontal do Paranapanema era uma das principais áreas de conflitos fundiários do país, onde aconteceu o maior número de ocupações de terra. Outra região referência para o processo de luta pela terra no estado de São Paulo é a região de Sumaré. Ali, nas décadas de 1970 e 1980 houve um processo considerável de industrialização, responsável pelas expulsões de muitas famílias do campo em busca de seu sustento na cidade. Muitas famílias encontraram sérias dificuldades e não conseguiram adaptar-se à realidade urbana pela falta de emprego. Dessa forma, tiveram a necessidade de fazer o movimento contrário, buscando o retorno ao campo. Em 1983, organizados pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - braço da Igreja Católica, algumas famílias, na maior parte homens, ocuparam uma usina de cana em Araraquara que tinha perdido sua terra penhorada pelo Estado, tendo sido expulsas pelos jagunços. Este grupo saiu da usina, mas foi para um Horto Florestal pertencente à Empresa Ferroviária Estatal - FEPASA. Todavia, para diminuir tensões, o Governo do Estado propôs outra área desta mesma empresa para ser distribuída às famílias. Na sequência das negociações as famílias conquistaram uma área de 137 ha em Sumaré, que constitui atualmente o Assentamento Sumaré I. 17 As lutas prosseguiram em diversas regiões do Estado de São Paulo e a partir de encontros, reuniões e outras atividades realizadas em âmbito estadual, foram gerando o embrião de um movimento organizado. Segundo Morissawa (2001, p. 134), no [...] período de 1990-1999, o MST organizou ocupações em diversos municípios: Andradina, Getulina, Pradópolis, Tremembé, Iperó, Castilho, Iaras, Itapetininga e Porto Feliz; sem contar as reocupações da Pirituba em Itapeva- Itaberá. Em 1998 o MST chega à região nordeste de São Paulo, com a ocupação do Horto Boa Sorte no município de Restinga, próximo à cidade de Franca, onde hoje existe o Assentamento 17 de Abril. Após um ano o MST abriu uma Secretaria Regional na Cidade, com o objetivo de iniciar a integração campo - cidade. Neste mesmo ano realizou a ocupação numa Fazenda do município de Matão, constituindo o Acampamento Dom Hélder Câmara, onde existia a promessa de assentamento por parte do ITESP. Esta promessa não foi concretizada e parte do acampamento deslocou- se para a ocupação da Fazenda Santa Clara, entre os Municípios de Serrana e de Serra Azul, região de Ribeirão Preto, onde hoje se encontra o Assentamento Sepé Tiarajú, com 80 famílias assentadas (DATALUTA, 2011). A luta do Movimento na região continuou avançando após a conquista do Assentamento Sepé Tiarajú. Em novembro de 2002 foi firmada uma parceria entre o movimento e a Arquidiocese de Ribeirão Preto para utilização do Sitio Pau D´alho, o que possibilitou a criação do Centro de Formação Sócio Agrícola “Dom Hélder Câmara”. Em Maio de 2003, o MST inaugurou em Ribeirão Preto a loja Sabor do Campo, com produtos da Reforma Agrária, produzidos em diversas regiões do país. A loja passou a ser uma referência da Reforma Agrária na cidade, divulgando alguns de seus resultados concretos. Após várias discussões entre campo e cidade, por ser uma região onde é aplicado um modelo agrícola agroexportador, onde os pequenos agricultores não se enquadram neste modelo, surge a necessidade da realização da Reforma Agrária na cidade de Ribeirão Preto e, com o trabalho de base que estava sendo realizado em Ribeirão e na região e com o apoio da Igreja católica, sociedade civil e sindicatos, o MST concretiza a luta pela terra em Ribeirão Preto com a criação o Acampamento Mário Lago, sobre o qual falaremos a seguir. 18 CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO D O ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA Neste capítulo procuraremos resumidamente analisar o processo de cinco anos de luta do acampamento Mario Lago e sua organização interna, com suas táticas e estratégias para a conquista da Fazenda da Barra e a implantação do assentamento Comuna da Terra. Para isso, é importante entender os processos judiciais relativos aos passivos ambientais contra o antigo proprietário, a entidade Sinhá Junqueira o que, associados à luta do MST na área, possibilitaram a desapropriação para fins de Reforma Agrária da Fazenda da Barra. 2.1 - PASSIVOS AMBIENTAIS DA FAZENDA DA BARRA (1983 – 2004) A área ocupada pela fazenda localiza-se geograficamente sobre uma área de recarga do Aquífero Guarani, constituída por solo permeável (Arenito Botucatu) e, portanto, de rápida absorção da água das chuvas, o que facilita o aumento do nível de água no lençol freático. Possui cerca de 1.540 hectares e está numa área próxima à Rodovia Anhanguera, como demonstra a figura abaixo: Figura 1: Localização da Fazenda da Barra Fonte: Ministério Público Estadual 19 A propriedade pertencia à Fundação Sinhá Junqueira e era arrendada para a plantação de cana-de-açúcar pela Usina da Pedra. No ano de 1984, como se pode notar na figura 2, a fazenda ainda conservava os 20% de reserva legal previsto em lei. Figura 2: Fazenda da Barra 1984 Fonte: Ministério Publico Estadual Nesse período, a área de reserva preservada correspondia a mais de 300 ha (MP). Entretanto, o projeto dos arrendatários consistia na expansão da área de plantio de cana, o que impulsionou um grande desmatamento. Observando o desmatamento, o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DPRN - iniciou a abertura de inquéritos civis para investigação de danos ambientais na Fazenda da Barra, com foco no desmatamento 20 realizado nas áreas de reserva legal, nas Áreas de preservação Permanente – APP - e na drenagem das áreas de várzea do Rio Pardo para a produção da monocultura.A partir dos laudos de vistoria realizados, foi aberta uma ação civil pública em 1993, que constatou as irregularidades ambientais da área investigada e aplicou seguidas multas pelos passivos ambientais. Pela Constituição Federal de 1988, a propriedade em função das irregularidades constatadas, era passível de desapropriação para fins de reforma agrária. Diante disso, alguns membros do poder público e da sociedade civil se organizaram a fim de construir um projeto para área com uma utilização que garantisse o cumprimento da função social da propriedade. Nesse contexto, em 1996, a arquiteta Cláudia Maria Ferreira Perencin (na época estudante de arquitetura na Faculdade Moura Lacerda), fez seu trabalho de conclusão de curso com o titulo “A urbanização em área de recarga de aquífero em Ribeirão Preto-SP”, propondo outra utilização para a Fazenda da Barra, um assentamento para 260 famílias que garantisse a recuperação das áreas de reservas desmatadas, conforme a figura 3. Figura 3: Proposta do corte da área 1996 Fonte: Cláudia Maria Ferreira Perencin 21 Nos anos de 1999 e 2000 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, vistoriou a Fazenda e a classificou como “grande propriedade improdutiva”. O processo de desapropriação foi iniciado em 09 de outubro de 2000. No mesmo ano foi indeferido um recurso encaminhado contra este processo. Em 28 de março de 2002 o INCRA–SP enviou para Brasília o decreto de desapropriação para ser publicado. O então superintendente nacional do INCRA, Rolf Rackbart, decidiu pela realização de uma nova vistoria na Fazenda da Barra e o processo retornou a São Paulo (MINISTÉRIO PUBLICO ESTADUAL, 2003). Desde 1993, a propriedade vinha respondendo a ações judiciais por danos ambientais, como afirmou o Promotor Marcelo Pedroso Goulart (Ministério Público Estadual) ao Jornal A CIDADE de 05 de outubro de 2003: “São quatro inquéritos civis em andamento e duas ações civis tramitando. O último inquérito civil foi aberto em 12 de abril de 2000 para investigar o impedimento de regeneração natural de reserva legal”. A figura 4, quando comparada à figura 2, permite visualizar o desmatamento ocorrido. Figura 4: Fazenda da Barra 2000 Fonte: Ministério Publico Estadual 22 Em 2003, laudos ambientais feitos pelo Departamento de Água e Energia Elétrica - DAEE, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais - DEPRN, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelo Ministério Público Estadual que afirmavam [...] que a propriedade estava parcialmente abandonada, que havia plantação de soja e cana em áreas de preservação permanente, como nas margens do Rio Pardo. O laudo aponta ainda que a exploração agrícola de uma área irregularmente desmatada, que correspondia à reserva legal, representa um risco constante de contaminação do Aquífero Guarani. ‘O risco de contaminação é potencialmente maior se considerarmos o modelo de produção das culturas agrícolas que vêm sendo plantadas na área (cana, soja e amendoim) que se caracterizam pelo uso intensivo de agrotóxicos’ afirma o laudo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 27.out.2004.) O valor total estimado pelo Ministério Público do passivo ambiental da Fazenda ultrapassa 7 bilhões de reais (MPE). Nesse contexto, em agosto de 2003 o MST se propõe a organizar famílias na região para ocupar a Fazenda da Barra. 2.2 - ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO Em 2 de agosto de 2003 foi formado o primeiro acampamento em Ribeirão Preto, com 400 famílias vindas da região de Ribeirão Preto, Franca, Araraquara, e vizinhanças (MST, 2011. Sd). Estas famílias foram convidadas pelo setor de frente de massa do MST para montar um acampamento ao lado da Fazenda da Barra, que se denominou Acampamento Mario Lago. Tinha como principal objetivo pressionar o Governo Federal através do INCRA para a desapropriação da área vizinha à Fazenda da Barra, a fim de realizar um assentamento de Reforma Agrária. Essas ações do MST aconteceram para denunciar as irregularidades da área, reivindicando sua desapropriação para fins de reforma agrária. O Acampamento “Mário Lago” do qual falaremos mais concretamente enquanto objeto da nossa pesquisa, foi inicialmente formado por 400 famílias que participaram do trabalho de base2 feito pelo MST - (Setor Frente de Massa3) na cidade de Ribeirão Preto/SP e região. Desde sua primeira ocupação, o acampamento já passou por várias mudanças. 2Trabalho de base é o nome utilizado pelo MST e por outros movimentos sociais para denominar as atividades de conscientização e mobilização de famílias para a formação dos acampamentos e realização da luta pela reforma agrária. 3Setor do MST responsável pelo trabalho de base. 23 Essa estratégia de ação de montar o acampamento fora da área pretendida para desapropriação, como foi o caso do acampamento Mario Lago - que se deu a partir da ocupação do sitio Braghetto (Figura 5), ao lado da Fazenda da Barra, é utilizada pelo MST em resposta à Medida Provisória nº 2.027-38, editada em maio de 2000, durante o governo FHC, que impede a vistoria em terras ocupadas e sua desapropriação para fins de Reforma Agrária no período de dois anos, podendo esse prazo ser prorrogado, no caso de reincidência na ocupação. Essa Medida Provisória - MP - foi instituída como tentativa de desmobilizar os movimentos sociais do campo e impedir que fossem realizadas as ações de ocupações de terras. Os movimentos, no entanto, passaram a ocupar as rodovias e áreas próximas às áreas desejadas, indicando sempre, quando se iniciam as ações de desocupação, em qual área gostariam de ser assentados, como o que ocorreu no Sítio Braghetto (MST, 2003. Sd). Figura 5: Ocupação do Sítio Braghetto Fonte: Ministério Público Estadual, 2003 Em 18 de agosto de 2003, as famílias conquistaram o cadastramento4 do INCRA, passando a ter o direito à reivindicação de cestas básicas pelo Programa Fome Zero (do 4O cadastramento é feito quando ocorre uma ocupação de terra, como neste caso, ou quando já vai haver um assentamento de reforma agrária. 24 Governo Federal) e ao lote, quando a fazenda fosse loteada, para a implementação do assentamento. Nesta mesma semana, os advogados de Baldim, proprietário do sitio Braghetto, ingressaram com um pedido de reintegração de posse da área. O juiz Alcides Leopoldo e Silva Júnior concedeu a liminar, porém a suspendeu em seguida, a pedido do Ministério Público de Ribeirão Preto. Em audiência de conciliação, a direção regional do MST assinou um acordo comprometendo-se a desocupar o Sítio até 10 de dezembro de 2003, pois o Movimento estava reivindicando a Fazenda da Barra que era vizinha do Sitio Braghetto . O Sítio Braghetto, propriedade com cerca de 29 hectares, foi escolhido para a ocupação por já possuir um histórico de elevadas dívidas fiscais: Baldim [engenheiro agrônomo, proprietário do Sítio [Braghetto] estima que as dívidas fiscais do sítio (R$400 mil só com o INSS) superam R$1,5 milhão. Ele já parcelou os débitos com o INSS e faz o mesmo com a Fazenda Estadual e a Prefeitura Municipal – o sítio está classificado como área urbana e só de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) deve mais de R$150 mil. Por causa desse passivo fiscal o sítio, então penhorado, chegou a ir a leilão em 12 de julho, mas não apareceram interessados. Antes de a justiça marcar o segundo leilão, o novo dono parcelou as dívidas e sustou o processo de venda. (A CIDADE, 11 set. 2003) Ao aproximar-se da data de desocupação, parte das famílias acampadas ocuparam o Parque “Maurílio Biagi” (espaço público de lazer, localizado próximo à Câmara Municipal), com o objetivo de pressionar o poder público local para que dispusesse de um outro local para a instalação provisóriado acampamento. A Prefeitura Municipal ofereceu uma área próxima à Estrada do Piripau, a 18 km do Centro da cidade e, posteriormente, acordou com o MST na utilização de um local no Parque dos Flamboyans (bairro residencial localizado na zona leste da cidade de Ribeirão Preto) reservado para a construção de uma praça pública. (MST, 2004. Sd) Muitas foram as dificuldades encontradas pelos acampados no Parque dos Flamboyans: o espaço era pequeno para o grande número de pessoas – cerca de 400 famílias -, e as condições estruturais eram precárias. A isso somava-se a insatisfação dos moradores do bairro quanto à instalação do acampamento no local. Estes fatores contribuíram para o esvaziamento do acampamento com as desistências das famílias. Em março de 2004, as famílias decidiram ocupar uma estrada que corta a Fazenda da Barra. A Prefeitura de Ribeirão Preto dizia que a estrada pertencia ao município enquanto os advogados da Fazenda sustentavam que a área integrava a propriedade. Devido à ordem 25 de reintegração de posse e sua execução pela Polícia Militar, o Acampamento “Mário Lago” sofreu uma nova mudança, agora para um terreno de 10 mil metros quadrados vizinho à Fazenda da Barra e pertencente a um advogado que cedeu o local para a acomodação das famílias (MST, 2004. Sd). Neste processo de ocupação e desocupação, o acampamento continuou sofrendo um esvaziamento no número de pessoas que foram desistindo frente às dificuldades encontradas. No dia 20 de julho de 2004, com cerca de 200 famílias, ocorreu a primeira ocupação da Fazenda da Barra. Porém, em [...] 23 de julho, uma decisão judicial concedeu à Empresa proprietária reintegração de posse e deu às 200 famílias (cerca de 420 pessoas) três dias para deixar o local. Apesar disso, os sem-terra ficaram na área. No dia 29 de julho, os sem-terra voltaram para [...] o terreno particular (A TRIBUNA, 22. set. 2004.) Em 21 de setembro de 2004 aproximadamente 117 famílias ocuparam novamente a Fazenda da Barra. “O Sem Terra foram motivados pela decisão da 5ª Vara de Justiça Federal de São Paulo que indeferiu o agravo interposto pela Robeca Participações LTDA, proprietária da Fazenda, contra o laudo do INCRA que considerou a Fazenda improdutiva” (A TRIBUNA, 22. set. 2004.). A unidade estadual decidiu o oposto, ou seja, recusou-se a realizar nova vistoria. O processo tem encaminhamento em Brasília já no Governo de Luís Inácio Lula da Silva. Em setembro de 2004, como já citado anteriormente, a 5ª Vara de Justiça Federal do Estado de São Paulo indeferiu o agravo interposto contra o laudo do INCRA. Em outubro do mesmo ano, os advogados e donos da Fazenda encaminharam uma petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) para notificar judicialmente o Presidente da República, o Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto e o Presidente do INCRA Rolf Rackbart, a cumprirem a Medida Provisória nº 2.027-38 e não desapropriarem a Fazenda por estar ocupada, senão estariam descumprindo a lei. No mesmo mês, o MST foi notificado sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determinou a desocupação da área e a reintegração de posse, sem data para ser cumprida. O Jornal A Cidade retratou o caso como segue, dando voz a um acampado do movimento: Não há condições de fazer a reintegração, o povo daqui espera que o Presidente da República baixe o decreto de desapropriação porquê os laudos comprovam que não existe alternativa para esta área improdutiva e que tem elevado passivo ambiental. Se a Constituição for cumprida o 26 destino da Fazenda da Barra é a desapropriação. [...] O Acampamento é grande, tem 14 km de área que já foi ocupada por todas as famílias dentro da Fazenda. Transformamos a área em uma grande agrovila, onde cada família plantou em torno de 1 ha de terra [...]” (A CIDADE, 06.nov.2004). A figura 6 refere-se a esse momento de contestação da terra por meio da ocupação. Os pontos brancos são os barracos das famílias acampadas. Figura 6: Área ocupada da Fazenda da Barra Fonte: Ministério Público Estadual 2004 Em 2005 o Acampamento “Mário Lago” chegou a ter 600 famílias acampadas (MST. Sd), organizadas internamente em 21 núcleos de base e 8 setores5, responsáveis por dar unidade e encaminhamento às diversas atividades, além de serem os responsáveis pela organização interna do acampamento. A intenção do MST em organizar os acampamentos dessa forma é democratizar as informações e formações das famílias e incentivar a 5Núcleos e setores são formas de organização do trabalho nos diversos espaços do MST. Os setores consistem numa divisão a partir da necessidade interna em desempenhar algumas atividades em diferentes âmbitos como segurança, esporte, cultura, produção, entre outros. Ou seja, forma em que o Movimento divide os grupos de famílias para melhor organizá-las. 27 participação das mesmas nas discussões cotidianas do acampamento. Esta organização interna atende ao princípio da direção coletiva do MST e à sua organicidade6. Cada núcleo recebeu o nome de um lutador do povo, no intuito de reforçar a mística do MST de recordar a vida e a história de luta de homens e mulheres como Paulo Freire, Zumbi dos Palmares, Dandara, Salete Strozake, Oziel Alves, entre outros. Além disso, possui dois coordenadores, sendo um homem e uma mulher, moradores do próprio núcleo. As famílias se reúnem semanalmente em seus respectivos núcleos para discutir os assuntos trazidos da reunião da Coordenação Geral, discutir os problemas internos e também para estudos de formação política. Os setores também possuem, dois representantes de cada núcleo, um homem e uma mulher. O Acampamento é organizado em oito setores: educação; finanças; saúde e higiene; segurança; produção; gênero e formação; ciranda; esporte, cultura e lazer. Cada setor realiza reuniões semanais com seus integrantes para propor e planejar as atividades e levantar as demandas para o desenvolvimento dos trabalhos. No MST, estes setores também existem nas instâncias regional, estadual e nacional, e são os responsáveis por pensar programas e projetos acerca dos mais variados assuntos. O setor de formação está vinculado ao setor de gênero, a fim de contribuir com sua estruturação e dar andamento às suas atividades. A maioria dos setores promove estudos a respeito de diferentes assuntos, o que os configura também enquanto espaços de formação7. Porém, a característica atribuída na constituição do Setor de Formação é a de fomentar o debate político e capacitar a base e as lideranças para a discussão de seus projetos com a sociedade. A Coordenação Geral do acampamento Mario Lago é formada por todos os coordenadores e coordenadoras de todos os núcleos e setores. São realizadas reuniões quinzenais (figura 7), sempre às segundas-feiras, na sede da antiga fazenda. Esse é o espaço onde se deliberam as atividades, discutem propostas, problemas e a conjuntura do acampamento e passam-se os informes dos diversos núcleos e setores para Direção Regional. 6Organicidade é uma palavra usada pelo MST para designar a relação entre núcleos de base com os setores, com as direções, etc. 7Nas instâncias estaduais e nacional existem várias publicações do MST ou em parceria com outras organizações que são materiais para a formação das bases e lideranças do Movimento. 28 Figura 7: Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago Fonte: Arquivo MST, 2005 Também acontecem as Assembléias Gerais (figura 8) onde todas as famílias são convidadas a participar. O objetivo, na maioria das vezes, é decidir sobre algum assunto urgente que possivelmente já passou pelas várias instâncias do Acampamento e aguardar a opinião da maioria. Acontecem também quando há alguma mudança na conjuntura políticado assentamento. Figura 8: Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago Fonte:Arquivo MST, 2005 29 Observa-se a organicidade do Acampamento Mario Lago, que foi de fundamental importância para a consolidação do mesmo. Essa coletividade no acampamento ajudou a manter 5 anos de luta intensa, com várias marchas e ocupações de órgãos públicos em Ribeirão Preto, para a reivindicação dos direitos destas famílias que permaneciam acampadas em baixo de barracos de lona preta para ter direito a um pedaço de terra para poder trabalhar. Para a implantação de assentamentos, o tamanho médio dos lotes na região de Ribeirão Preto é de 12 hectares. Desta forma, caberiam cerca de 150 famílias (ITESP, 2003) no assentamento a ser criado. Como a Fazenda da Barra é muito valorizada por estar localizada dentro da cidade de Ribeirão Preto, fazendo divisa com três bairros urbanos, a saber, Ribeirão Verde, Portinari e Parque dos Flamboyans, o escoamento da produção é facilitado, reduzindo o valor frete. Neste sentido, a coordenação do MST vem discutindo uma outra concepção de assentamento que é a proposta da Comuna da Terra, pensado para ser realizado em assentamentos próximos às áreas urbanas, como é o caso do assentamento que viria a formar-se com a desapropriação da Fazenda da Barra e de outras áreas na Região Metropolitana de São Paulo. De acordo com essa proposta, justamente a proximidade da área urbana, ao facilitar o escoamento da produção, possibilita que os lotes tenham tamanhos menores, em torno de 2 a 3 hectares, o que torna possível assentar mais pessoas em menos área. No caso em questão, ao invés das 150 famílias caso fossem mantidos os 12 ha médios da região de Ribeirão Preto, seria possível assentar aproximadamente 260 famílias, proposta que o Movimento vem discutindo para as novas formas de assentamentos no estado de São Paulo. Com admissão de posse da área no ano de 2007 iniciam uma série de reuniões entre as famílias acampadas no Mário Lago para discutir o modelo de assentamento, baseadas nos debates sobre as novas propostas de projeto de assentamento que vinham sendo discutidas pelo MST no estado de São Paulo. Neste sentido, foi feita uma rodada de núcleo8 em que foram levantados os principais elementos das famílias para com relação ao modelo do assentamento. Ao final foi elaborado um documento sintetizando as idéias das famílias. Em 2008, o INCRA começou o processo de implantação na Fazenda da Barra, fazendo reuniões com as famílias e trazendo o debate da proposta do Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS, um projeto desenvolvido para a reservas extrativistas 8Reuniões feitas em todos os núcleos de base para que todas as famílias possam democraticamente discutir temas relevante a vida do acampamento ou assentamento. 30 na Amazônia que seria readequado para a realidade aqui do estado. Com essas reuniões o INCRA começou elaborar o projeto de assentamento da Fazenda da Barra. No próximo capítulo faremos o recorte territorial do estado de São Paulo para entender as novas propostas dos assentamentos agroecológicos, compreendo a concepção da Comuna da Terra, elaborada pelo MST, dentro dos assentamentos PDS do estado de São Paulo. CAPITULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO Neste capitulo veremos duas novas formas de propostas para os assentamentos rurais que estão acontecendo no estado de São Paulo. A primeira, a Comuna da Terra, é somente uma concepção de assentamento desenvolvida pelo MST para assentamentos próximos aos centros urbanos, como Campinas, Vale do Paraíba, Ribeirão Preto e a Grande São Paulo. A segunda, o PDS, proposto pelo INCRA para as novas áreas próximas aos centros urbanos, fruto de sua preocupação com o passivo ambiental e com a possibilidade de assentar mais famílias, devido aos altos valores das terras nestas regiões. 3.1: A PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA A discussão no estado de São Paulo, por parte do MST, com relação à Comuna da Terra surgiu no final da década de 1990 e inicio de 2000, no momento em que o debate sobre a Reforma Agrária e, principalmente, sobre a concepção da Reforma Agrária Clássica não mais se colocava como pertinente. Para Delwek Matheus, dirigente do MST, neste período no Brasil com o avanço da política neoliberal no campo, o debate que ocorria referia-se a qual concepção da reforma agrária seria adotada para a conjuntura brasileira. Tendo em vista que o agronegócio, já baseado nas políticas neoliberais, colocava em questão que não era preciso realizar a reforma agrária porque com essa nova reestruturação neoliberal modernizou-se a agricultura brasileira. Nessa compreensão os latifúndios improdutivos, com essa modernização, deixam de ser improdutivos para transformarem-se em terras produtivas. No governo FHC o então assessor do ministro Fernando Henrique Cardoso, Francisco Graziano, vai dizer que ¨O Brasil não precisa de reforma agrária” (Stédile, 2002). 31 Segundo Delwek Matheus, um dos fatores para a não realização da Reforma Agrária dita por Graziano seria falta de público que estivesse vinculado com essa causa: [...] Porque não tem mais publico para a reforma agrária. Aqui no Brasil, principalmente aqui no estado de São Paulo, não tem mais camponês para fazer a reforma agrária. A população já está toda na cidade, a classe trabalhadora, os trabalhadores já estão na cidade e não estão mais reivindicando a reforma agrária. Não tem publico para a reforma agrária. Então logo, a chamada reforma agrária clássica que é para desenvolver o capitalismo não há necessidade mais para o capitalismo. O capitalismo não tem mais esta necessidade da reforma agrária e logo, também, o Estado não tem interesse em fazer a reforma agrária porque o estado funciona com os interesses capitalistas. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011) Dada esta conjuntura o MST discute estas perspectivas de não ter reforma agrária capitalista ou reforma agrária socialista, concluindo pela necessidade de pensar numa nova forma de concepção da reforma agrária. Neste momento, surge o debate da Comuna da Terra dentro desse debate sobre a Reforma Agrária. Não seria somente a simples distribuição de terras, mas também um [...] conjunto de medidas necessárias que consigam alcançar seus objetivos. Esse conjunto de mudanças representa a criação de um novo modelo agrário e agrícola que garanta desenvolvimento econômico, político, social e cultural para toda a população do campo e que também beneficie a população urbana. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011) Já havia um processo de organização de trabalhadores da cidade para fazer ocupação de terra, principalmente na Grande São Paulo, onde começou o debate, e também no centro da cidade de São Paulo, com a Igreja organizando os moradores de rua. A Igreja estava organizando grupos de trabalhadores para lutar pela reforma agrária no interior do estado, principalmente em Andradina, Iaras. De acordo com Delwek Matheus (entrevista janeiro 2011), neste período o MST fazia uma discussão sobre cidade/campo. Estas discussões eram para organizar o público urbano para ir fazer ocupação de terra no Pontal, em Andradina, em Promissão. Neste sentido muitas famílias foram organizadas nas cidades grandes como São Paulo e demais pertencentes à Grande São Paulo, Sorocaba, Campinas e foram para os assentamentos que no geral ficam longe de onde estas famílias moravam. Isso fazia com que muitas famílias não fossem para as ocupações, porque eram muito longe de suas áreas de origem. 32 As famílias vão criando raízes na cidade, muitas delas residiam há cerca de 20 anos na cidade quando foram para as ocupações. Assim, morar em barracos, deixar parte de suas famílias, que também moram na cidade, seus amigos é difícil, elas não querem sairda cidade para ir para longe. Alguns membros da família que foram acampar, acabaram voltando e muitos nem vão para os acampamentos para não deixar sua realidade. O trabalho de base que tem sido feito nas grandes cidades do estado de São Paulo começa a perceber este problema. Então, o debate surge desta realidade que estava dada e o Movimento começa a discutir a estratégia para este novo público da Reforma Agrária, [...] surgiu a necessidade de discutir uma nova concepção de reforma agrária. Porque inclusive nessa discussão do governo, ele também está dizendo que no Brasil, principalmente aqui nos estados do Sudeste, não tem terra para fazer a reforma agrária. Ou seja, o capitalismo não tem terra para fazer a reforma agrária porque o agronegócio vai modernizar a agricultura capitalista e logo resolver o problema dos latifundiários. Não tem terra para fazer assentamentos, não tem terra improdutiva (latifúndio para fazer reforma agrária) e não tem publico. Então a gente teria que provar o contrario: provar que tem gente que quer fazer reforma agrária, e provar também que há terra para fazer assentamento. E inclusive, próximo das grandes cidades. Então aí a gente começou discutir uma nova concepção de reforma agrária exatamente para fazer ocupação perto das grandes cidades. [...] Então começou com o trabalho de base nestas cidades também. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011) Diante dessa perspectiva, a reforma agrária necessariamente reuni características a partir de uma nova concepção, capaz de constituir-se em um meio de resistência e realizar permanentemente um combate ao atual modelo do “quadrado burro”, onde coloca o assentado em um lote sem infraestrutura, casa, estrada, energia, água, não tendo formas de produzir nem para o consumo. Segundo Matheus, a reforma agrária deve promover a “desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas, próximo aos grandes centros urbanos e as principais rodovias como prioridade para a reforma agrária” (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011). 3.2 - OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA PROPOSTA De acordo com Delwek Matheus, no fim da década de 1990 e início do ano de 2000, o Movimento vivia um período de resistência e precisava dinamizar e inovar as ideias e experiências no processo de luta pela Reforma Agrária. A massificação da participação e a organização de um novo modelo de produção que levasse em consideração uma renda 33 mínima por família e garantisse o respeito e a preservação da natureza, eram alguns elementos básicos para o avanço da luta e para a possibilidade de que a Reforma Agrária fosse colocada no centro das atenções políticas e da sociedade. Segundo Delwek Matheus: A Reforma Agrária não pode ser somente uma política de distribuição de terras, ou uma política de compensação com o objetivo de amenizar conflitos de terras localizados, ou pensar na Reforma Agrária como propôs o Estatuto da Terra, somente para resolver a questão econômica, a partir do modelo em curso, na lógica da competitividade e eficiência na questão, como estão organizados os atuais assentamentos, a reprodução total da propriedade privada. Isso não significa que nossas experiências de assentamentos não são importantes, ao contrário, temos boas experiências, mas precisamos muito mais. O desenvolvimento das forças produtivas vê- se travado por normas, costumes, relações de poder, práticas comerciais, que decorrem das relações entre as classes proprietárias e a população do campo (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011). Os assentamentos como espaços de convivência social devem também ser um local de resistência e de formação sociocultural e política das pessoas. Local onde se passa a ter qualidade de vida, melhorando a alimentação, possibilitando a prática de esportes, lazer e cultura, principalmente para as mulheres, jovens e crianças, enfim, onde seja possível alcançar o bem estar econômico e social dos trabalhadores. Necessariamente, são características básicas dentro de uma nova concepção de Reforma Agrária. Nesta nova concepção de Reforma Agrária, para Delwek Matheus, as principais características a serem observadas são: 1. que a terra não seja propriedade privada, porque principalmente essas áreas estão muito próximas às grandes cidades, e sujeitas à especulação imobiliária; 2. que ela possa desenvolver a cooperação em seus diversos aspectos, ou seja, não só a cooperação para produzir na agricultura, mas a cooperação na organização social, na produção, na comercialização, no conjunto da vida das pessoas; 3. que ela seja capaz de negar o pacote tecnológico da agricultura capitalista, através do desenvolvimento de uma matriz tecnológica orgânica e agroecológica; 4. a organização social, ou seja, as famílias devem morar próximas umas das outras, devem procurar formas de organizar os núcleos de moradia, de forma que facilite a infraestrutura social, como ruas, ruas iluminadas, moradias com luz elétricas, com água tratada, com saneamento básico, espaço para esporte, para lazer, para cultura e principalmente para educação e para saúde; 5. por fim, o desenvolvimento da organização política: essa nova organização necessita de um processo de formação, 34 capacitação, organização dos trabalhadores para ter um processo de enfrentamento contra o modelo convencional, numa perspectiva também de afrontamento político. Neste mesmo sentido, outros elementos são importantes observar na proposta da Comuna da Terra: • Ser um meio de resistência e um permanente combate ao atual modelo e ao mesmo tempo, ser uma alternativa viável aos trabalhadores na construção de um novo projeto de desenvolvimento social. • Desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas, próximo aos grandes centros urbanos e às principais rodovias como prioridade para a Reforma Agrária. • Massificação da Reforma Agrária incentivando a participação dos trabalhadores urbanos, principalmente os desempregados. • Desenvolver a cultura da socialização dos meios de produção. Planejamento, estímulo e facilidade à formação de núcleos de economia camponesa, através da produção e da organização social, núcleos de moradia com toda infra estrutura básica necessária, desenvolvendo a cooperação em todos os aspectos. • Adotar e desenvolver uma nova matriz de produção, voltada para a realidade local e mais equilibrada do ponto de vista do meio ambiente, da natureza, inclusive a saúde do ser humano e, em conjunto, adotar também um novo modelo tecnológico. • Planejar e desenvolver a produção de forma que possa colocar em prática o mercado de massas, comercialização direta aos trabalhadores da cidade, bairros e vilas de grande população de baixa renda. • Desenvolver um programa de agroindústria, com instalação de pequenas unidades de beneficiamento e industrialização da produção. • Implementar a marca dos produtos da Reforma Agrária, garantindo padrão de qualidade. • Desenvolver atividades não agrícolas dentro das comunidades, como pequenas indústrias e o próprio artesanato, como forma de complementar a renda das pessoas e envolver a participação das mulheres e jovens na produção, por exemplo, marcenarias, cerâmicas, etc. • Desenvolver um amplo programa de formação e capacitação massiva dos trabalhadores, técnicos e profissionais envolvidos no projeto, e também que seja um espaço que prepare os 35 trabalhadores com o novo conceito de agricultores, para que sejam sujeitos da história, ou seja, uma Reforma Agrária sob o controle dos trabalhadores. • Organizar espaço para as atividades sócio culturais, com a infra estrutura necessária garantida como, centros poliesportivos, auditórios que permitam as atividades e práticas esportivas, de lazer e culturais. (Delwek Matheus, entrevista Janeiro 2011) Assim, observa-se a importância de um modelo para fazerfrente ao grande capital e que promova acima de tudo a identificação do sujeito como ator da realidade existente. 3.3 - O PDS COMO ALTERNATIVA PARA ASSENTAMENTOS AGROECOLOGICOS A discussão dos novos projetos de assentamentos passava por uma dificuldade, pois o modelo de assentamento como o Projeto de Assentamento Estadual – PA - que o INCRA adota no estado não atendia à necessidade deste novo público. Foram estas condições que incentivaram o INCRA a trazer para São Paulo o PDS, uma modalidade de assentamento elaborado a partir das experiências das Reservas Extrativistas da Amazônia. Segundo GOLDFARB (2007) O PDS foi criado pelo INCRA, através da portaria n 477 de 04 de novembro de 1999, para poder assentar pessoas que não constituem uma comunidade tradicional, em áreas relevantes para o meio ambiente, como remanescentes de mata atlântica, áreas da Amazônia ou do cerrado (GOLDFARB, 2007, p. 31) Neste sentido, o PDS traz a possibilidade de proteger ou recuperar áreas, em que sua biodiversidade já estava comprometida ou totalmente extinta na região. O PDS visa também garantir uma renda mínima para as famílias através do manejo ecológico, da coleta de frutos ou da agricultura como milho, feijão, mandioca em áreas desmatadas. Ele se diferencia das outras modalidades de assentamento, por ser construído em um processo participativo entre o INCRA, os assentados e os parceiros locais em torno do compromisso do desenvolvimento sustentável. No cadastro das famílias para serem assentadas no PA, sua seleção é feita a partir do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA. No PDS, além da seleção do SIPRA é necessário levar em conta o perfil agroecológico das famílias. 36 Com relação ao publico alvo, no PA trata-se do agricultor tradicional sem terra. No PDS o agricultor tem que ter perfil de trabalhar com praticas agroecológicas. Com relação aos documentos que cada um deve ter, o PA necessita para sua implantação do Laudo de Vistoria e do Projeto de Desenvolvimento do Assentamento – PDA. O PDS necessita do Laudo de Vistoria e do Plano de Utilização – PU - que define a utilização de todas as áreas do assentamento, que pode ser definida através de um Termo de Ajuste de Conduta –TAC -, que é um compromisso coletivo que esclarece como se dará o uso das áreas dos assentamentos. Com relação à titulação da área, no PA a posse é individual enquanto que no PDS a posse é coletiva e o assentado tem uma Concessão do Direito Real de Uso, ficando a titulação no nome da União. No estado de São Paulo, até o momento desta pesquisa, existem 17 assentamentos denominado PDS, detalhados no quadro abaixo: Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo Municípios Assentamentos Famílias Área Caconde PDS Agroecológico Hugo Mazzilli 25 135,53 Descalvado PDS Comunidade Agrária 21 de Dezembro 40 378,91 PDS Horto Florestal Aurora 80 533,36 Ribeirão Preto PDS da Barra 440 1.548,48 Serra Azul e Serrana PDS Sepé Tiarajú 79 798 São Carlos PDS Santa Helena 19 98,83 Americana PDS Comuna da Terra Milton Santos 85 103,45 Cajamar PDS São Luiz 37 123,07 Itanhaém PDS Agroecológico 6 153,26 Limeira PDS Elizabeth Teixeira 150 602,87 Iepê PDS Bom Jesus (São Marcos) 37 68,36 São Mateus PDS Boa Esperança (João Ramalho) 40 54,69 Taubaté PDS Olga Benário 63 692,12 Tremembé PDS Manoel Neto 44 378,91 Ubatuba PDS Quilombo Caçandoca 53 210 Apiaí PDS Professor Luiz de David Macedo 86 7.767,22 Eldorado PDS Alves, Teixeira e Pereira 64 3.072,68 Miracatu PDS Ribeirão do Pio 8 406,1 Fonte: INCRA, 2011. Org. Vandei Junqueira Aguiar Observamos que dos 17 PDS que se encontram no estado, 6 são do tipo Comuna da Terra (em negrito no quadro 1), são eles: Comuna da Terra Milton Santos em Americana; São Luiz em Cajamar; Manuel Neto em Taubaté; Olga Benário em Tremembé; O PDS da 37 Barra, onde se localiza a Comuna da Terra Mario Lago, em Ribeirão Preto Sepé Tiarajú em Serro Azul Serrana. Em todas estas áreas de PDS houveram, e ainda há, muitas dificuldades em se fazer a implantação dos assentamentos. Um dos fatores é a assistência, onde os técnicos não estão preparados para esta modalidade de assentamento, ficando assim um conflito entre os ideais que as famílias têm e as condições e limites que os técnicos tentam administrar. Observando o quadro 1, verifica-se o aumento do número de famílias assentadas em áreas cada vez menores. E nestes dez anos de existência da Comuna da Terra, este número vem aumentando no estado de São Paulo. É o caso do PDS da Barra que, em 1.548,48 hectares possui 440 famílias assentadas, numa média de 1.5 ha/família, sendo o maior até o momento em quantidade de famílias assentadas e o terceiro em tamanho de área, atrás somente do PDS Professor Luiz de David Macedo em Apiaí, com 86 famílias assentadas em 767,22 ha (aproximadamente 7 ha/família) e do PDS Alves, Teixeira e Pereira, em Eldorado com 64 famílias assentadas em 3.072,68 ha (aproximadamente 31 ha/família). No próximo capítulo iremos analisar o caso da Comuna da Terra Mario Lago (PDS da Barra) em Ribeirão Preto, que é considerada a capital do agronegócio paulista, tentando observar as relações entre as famílias na proposta da produção e a implantação das políticas públicas nos assentamentos. CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERR A MARIO LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP No processo de luta pela conquista do assentamento Mario Lago, um dos fatores mais importantes discutidos com o grupo foi a proposta de um assentamento agroecológico para contrapor-se ao modelo agrícola da região de Ribeirão Preto no qual predomina, atualmente, o agronegócio sucroalcooleiro, propagando uma agricultura moderna e mecanizada, que não precisa de pessoas morando no campo. A proposta de contrapor-se ao agronegócio consistia em trazer famílias da cidade que tinham vontade de voltar para o campo e levá-las a ocupar os latifúndios de cana. Desde o começo do acampamento, em 2003, no sitio Braghetto, próximo à BR 330 Anhanguera, o MST - que foi o primeiro movimento a ocupar a Fazenda da Barra – discutiu- 38 se com as famílias um modelo de assentamento diferenciado. Neste assentamento, as famílias não poderiam fazer queimadas, usar veneno nas plantações, desmatar os resquícios de mata que restaram na fazenda, pois, devido ao desmatamento que o antigo proprietário havia feito para aumentar a área de plantio de cana, tinham graves problemas ambientais e também um passivo de multas. A terra encontrava-se envenenada devido ao insumo utilizado para o cultivo da cana de açúcar e era preciso recuperá-la. Deveriam também preservar e reflorestar as áreas de nascente que foram drenadas, pois esta é uma área de recarga do aquífero Guarani, tendo seu afloramento em vários pontos da área onde hoje se encontra o assentamento Mario Lago. A discussão sobre a formação de um assentamento agroflorestal perpassou pelos sete anos durante os quais as famílias ficaram acampadas. Junto com o Ministério Público que acompanhava a área há muito tempo, através do promotor Marcelo Goulart, o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais, a sociedade civil e os movimentos sociais, discutiram em diversas audiências no Ministério Público qual seria o projeto do assentamento mais adequado para a Fazenda da Barra. Em dezembro de 2004, a Fazenda da Barra foi decretada terra a ser desapropriada para fins de reforma agrária pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas somente em 2007 o INCRA iniciou o processo de discussão com as famílias sobre o projeto de assentamento a ser implantado, tendo o parcelamento dos lotes ocorrido apenas no fim de 2008. A demora do processo de assentamento fez com que a dissidência entre famílias acampadas acirrasse as contradições afloradas pelo desgaste no processo deluta o que acabou causando, em 2005, um racha que culminou na saída de algumas famílias do acampamento Mario Lago. Essas foram acampar próximo à porteira da entrada da Fazenda, ao lado do bairro Ribeirão Verde, levantando a bandeira do outro movimento social, o Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST. Nesse período no MLST existiam poucas famílias, mas com o decorrer do tempo outras famílias chegaram para acampar, fazendo com que aumentasse o acampamento. Em 2006 aconteceu outro conflito interno no acampamento do MLST, dando origem a outros conflitos. Assim, 56 famílias que não concordavam com o MLST foram acampar em outra área da fazenda, próximo à Anhanguera, criando o acampamento Índio Galdino, sem nenhuma filiação com movimentos sociais, ficando assim apelidado como “Bandeira Branca”. 39 No período entre 2007 e 2009, período do pré assentamento, as famílias que estavam divididas em três acampamentos já estavam homologadas junto ao referido órgão, já estavam depositados o apoio inicial e os fomentos, ambos créditos para que os acampados começassem a se estruturar para produzir nos seus lotes, mas o corte da área não tinha sido feito e as estruturações das políticas públicas do assentamento estavam sendo realizadas. Neste período, aconteceram as audiências do Ministério Público para discussão do projeto do assentamento. Todos os movimentos sentavam juntos com o Promotor do Meio Ambiente Marcelo Goulart, a sociedade civil e o INCRA, para elaborar juntos o projeto de assentamento. Tudo que envolvia a comunidade do assentamento era discutido: as áreas a serem destinadas a cada movimento, o tamanho dos lotes, as estradas, a água, as áreas de reservas, o transporte escolar, a escola do campo, o posto de saúde, a energia elétrica, etc. Para que todos os envolvidos no processo de assentamento cumprissem os termos definidos coletivamente, foi assinado, o pré Termo de Ajuste de Conduta juntamente com o INCRA, a sociedade civil, o Ministério Público e as famílias assentadas. Um dos termos mais discutidos nas audiências do Ministério Público foi o tamanho do lote. O fato da Fazenda da Barra ter várias áreas de nascentes, quatro quilômetros de divisa com o Rio Pardo que contém uma grande área de várzea (alagada), diversas áreas de APP em dois córregos que cortam a área, três linhas de alta transmissão de energia que, juntas somam 61,27 hectares, corredores ecológicos para ligação de uma mata dentre outros, fazia com que restasse uma parcela de área seca para assentar todas as famílias que estavam acampadas nos quatro acampamentos. O tamanho do lote também era influenciado pela área na qual cada acampamento se localizava. O Mario Lago (MST) ocupava cerca de 70% da área da fazenda, com 264 famílias; o Santos Dias (MLST) ocupava cerca de 25% da área, com 154 famílias e o Índio Galdino (Bandeira Branca) cerca de 5% da área, com 44 famílias, como podemos observar na figura 9. Nos dias atuais, permanecem os quatro assentamentos na Fazenda da Barra. O assentamento Mario Lago do MST com 264 famílias, o assentamento Santos Dias do MLST com 85 famílias, o assentamento Índio Galdino, sem filiação a nenhum movimento social (Bandeira Branca) com 56 famílias e o assentamento Luíza Marri, também sem filiação a nenhum movimento social (outro assentamento Bandeira Branca) com 59 famílias. Juntos, os quatro assentamentos somam um total de 464 famílias assentadas na Fazenda da Barra. (INCRA, 2011) 40 Figura 9: Território dos movimentos Fonte: Ministério Publico Estadual. Org. Vandei Junqueira, 2011. 4.1 - A DIFICULDADE DA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO PDS A proposta do projeto de assentamento do INCRA para a Fazenda da Barra, como já dito, era o PDS. O órgão já havia implantado um modelo na região, no assentamento Sepé Tiarajú, localizado no município de Serra Azul. Esse assentamento foi um dos primeiros assentamentos de tipo PDS do estado de São Paulo. Segundo o promotor de justiça, Marcelo Goulart em entrevista concedida em junho 2011, a razão de escolher como modelo um PDS era para implementar assentamentos agroecológicos que não só viriam a proteger o meio ambiente, a flora, a fauna, a biodiversidade, os recursos hídricos, mas também para mostrar que existe uma alternativa viável a aquele padrão do agronegócio. [...]” Ele acrescenta ainda que isso se dava não apenas: [...] na defesa estrito senso do meio ambiente do Aquífero Guarani, mas também devido a necessidade de se afrontar com o novo modelo de 41 agricultura com um outro padrão de produção. Padrão sustentável do ponto de vista ambiental. Também discursa novas formas de organização na posse do assentamento com a previsão de áreas de exploração coletivas, que se tenha um projeto alternativo de agricultura para mostrar que existe um padrão mais sustentável do ponto de vista ambiental, do ponto de vista social, em relação ao agronegócio baseado na monocultura, no latifúndio, no uso de intensivos agroquímicos e motomecanização, e perca de postos de trabalho no campo, concentração do latifúndio [...]” Para o INCRA, por sua vez, O projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) é, portanto, uma modalidade de assentamento rural que se diferencia das outras modalidades, por se propor a ser construída através de um processo participativo entre o INCRA, os assentados e outros parceiros locais e regionais em torno de compromissos concretos com o desenvolvimento sustentável. (INCRA, 2011) Para o MST, o PDS não daria conta das demandas destes novos modelos de assentamento que o mesmo vinha discutindo, realizados próximos aos grandes centros urbanos, também denominados “eixos metropolitanos”, onde uma das principais características é o público alvo que não vem mais do campo. Esse novo modelo de assentamento é composto de trabalhadores da indústria, do comércio, da construção civil, domésticas, pessoas que saíram do campo ou filhos de agricultores que foram expulsos do campo e tentam voltar para uma vida mais tranqüila, próximo à natureza, saindo das favelas ou periferias das cidades, buscando afastar-se da violência e das drogas. Segundo o Movimento, o novo público da reforma agrária não se acostumaria a morar em um assentamento convencional longe da cidade, sem infraestrutura, escola, energia e água encanada. Neste sentido, o MST, como já citado no capítulo anterior, vem discutindo a concepção de Comuna da Terra, que teria mais condições de atrair um público acostumado a ter as “mordomias” da cidade, morando no campo em lotes menores, devido ao alto valor da terra próximo às grandes cidades, com uma produção voltada para pequenos animais e hortifrutigranjeiros, com área coletivas de produção e com agroindústrias. Essa concepção de assentamento, na visão do Movimento, permitiria ao assentado manter uma renda o ano todo. Mas, para que isso pudesse ocorrer, os novos modelos de assentamentos agroecológicos teriam que ter, na sua implantação, as políticas públicas de estruturação como luz elétrica, água encanada para o consumo das famílias assentadas e a irrigação, 42 moradia, agroindústrias, escola, posto de saúde, transporte escola etc. Só assim, o assentamento seria viabilizado. Porém, isso nem sempre acontece, como veremos a seguir. 4.2 - PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA IMPLANTAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS AGROFLORESTAIS Existem vários impedimentos à implantação destes modelos de assentamentos. Segundo Marcelo Goulart (em entrevista concedida em junho 2011), Há dificuldades em relação ao INCRA, porque é um modelo novo. Então a burocracia do INCRA não está preparada para implantação deste tipo de assentamento. Portanto não existe recurso próprio, por exemplo, no INCRA para atender a produção em área coletiva. Estes financiamentos são feitos individualmente para cada família para a exploração do lote individual. Quando chegamos
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