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Câmpus de Presidente Prudente 
Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) 
Convênio: UNESP/INCRA/Pronera 
Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes 
 
 
 
 
 
PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO 
MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) 
EM RIBEIRÃO PRETO - SP 
VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR 
 
 
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação 
em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio 
UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de 
Licenciado e Bacharel em Geografia. 
Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos 
Monitora: Lara Cardoso Dalperio 
 
 
 
 
Presidente Prudente 
2011
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO 
MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) 
EM RIBEIRÃO PRETO - SP 
 
VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR 
 
 
 
 
Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do 
curso de Geografia da Faculdade de Ciências e 
Tecnologia, campus de Presidente Prudente da 
Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título 
de Licenciado e Bacharel em Geografia. 
 
Orientadora: Prof. Dr. Valeria de Marcos 
 
 
 
Presidente Prudente 
2011 
 
 
 
VANDEI JUNQUEIRA AGUIAR 
 
 
 
PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA NO ASSENTAMENTO 
MARIO LAGO (PDS FAZENDA DA BARRA) 
EM RIBEIRÃO PRETO - SP 
 
 
 
Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção 
do título de Bacharel em Geografia da Universidade 
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à 
aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes 
membros: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Presidente Prudente, novembro de 2011 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço em primeiro lugar a meu pai Josué Alves e minha mãe Maria da 
Conceição, por tudo que eles fizeram por mim e por eu esta aqui hoje. Ao movimento MST 
pela luta e dedicação para com seus militantes que estão sempre em processo de formação. 
Em particular ao MST de Ribeirão Preto por ter me indicado para este curso e aos 
companheiros da regional que contribuíram nesta jornada. 
 
A ENFF pelo apoio e contribuição nestes cinco anos do curso CGEO e a todos os 
professores do curso CGEO, em especial Antônio Tomas Junior e ao Bernardo Mançano 
Fernandes pelos seus respectivos desempenhos e dedicação nesta jornada. 
 
Agradeço a todos os colegas da turma Milton Santos pelo carinho e companheirismo 
nestes cinco anos de convivência, juntamente com todos da equipe de monitoria do curso 
CGEO, em especial a Luciana e a Lara que me cobravam resultados intensamente. 
 
Agradeço em especial a minha orientadora Valeria de Marcos que aceitou esta tarefa 
de orientação nesta pesquisa, com toda sua paciência, muita atenção e carinho com as minhas 
dificuldades e exigindo o máximo da minha capacidade intelectual. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasil diferente 
 
Eu quero um Brasil para todos 
Quero um Brasil diferente 
Quero um Brasil com justiça 
Com os homens conscientes 
Quero um Brasil com paz e amor 
E que viva independente. 
 
Eu quero o Brasil com tudo 
Com saúde e educação 
Eu quero a liberdade 
Pra toda a população 
Um Brasil onde os sem terra 
Tenham um pedaço de chão. 
 
É assim que eu quero um Brasil 
Vivendo com paz e amor 
Porque Deus nos deu a terra 
E nada ele nos cobrou 
Pois a terra é da nação 
De todo o trabalhador. 
 
Quero o Brasil com Reforma Agrária 
Porque é a solução 
O Brasil vivendo livre 
Do latifúndio ladrão 
Quero que todo o sem terra 
Tenha onde ganhar o pão. 
 
 
Luiz Beltrame de Castro 
 
 
 
RESUMO 
Este trabalho de pesquisa analisa o processo de conquista territorial do 
Assentamento Comuna da Terra Mario Lago, localizado no município de Ribeirão Preto – 
SP, realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Nosso intuito é 
o de compreender o surgimento do MST e seu crescimento no estado de São Paulo, 
destacando como ocorreu sua chegada na região e o processo de organização da luta que 
levou à desapropriação de uma área, onde existiam vários processos de multas por passivo 
ambiental cometido pela sua antiga proprietária devido à exploração da área para a produção 
da monocultura da cana-de-açúcar. Vale destacar a importância desse fato uma vez que o 
local onde hoje está situado o PDS da Barra, subdividido nos assentamentos Índio Galdino 
(Bandeira Branca), Santos Dias (MLST) e o pioneiro e com maior expressão a Comuna da 
Terra Mario Lago (MST), na antiga Fazenda da Barra, é área de recarga do Aquífero 
Guarani. Busca-se também entender como se deu a conquista da posse da área e a proposta 
do MST em construir novos assentamentos Agroflorestais com a concepção da Comuna da 
Terra e os desafios na produção agroecológica, na expectativa de que as famílias envolvidas 
possam produzir alimentos para sua subsistência e poder tirar uma renda com o excedente da 
produção. 
ABSTRACT 
This monograph analyzes the territorial conquest process of the Settlement 
Commune of Earth Mario Lago, localized in the municipality of Ribeirão Preto - SP realized 
by the Landless Workers' Movement - MST. Our aim is to understand the MST' s emergence 
and its growing in the São Paulo state, highlighting how its arrival in the region occurred 
and its fight organization process which led to an area's expropriation, where various 
process for environmental fines had been committed by the old owner, due to the area's 
exploration for the sugar cane's mono culture's production. It is worth mentioning the 
importance of this fact since the area where, today, the Barra's PDS' settlements Indio 
Galdino, Santos Dias and the pioneer Commune of Earth Mario Lago, are situated, in the 
old Barra's Farm, is a recharge area of the Guarani's Aquifer.One also seeks to understand 
how the conquest of the area's ownership took place and the MST proposal to build new 
agroforestry settlements with a Commune of Earth conception as well as the challenges of 
an agro-ecological production. Thus, allowing the farmers' families involved to produce 
aliments for their own subsistence as well as being able to get a rent with the production's 
excess . 
 
 
 
 
ÍNDICE DE MAPAS 
MAPA 1: Mapa do Corte da Área 44 
 
ÍNDICE DE QUADROS 
Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo 36 
Quadro 2- Áreas da Fazenda da Barra 44 
Quadro 3- Áreas de Reserva Legal 45 
Quadro 4- Quantidade de área de reserva por assentamento 46 
Quadro 5-Áreas de lotes 46 
 
ÍNDICE DE FIGURAS 
Figura 1 – Localização da Fazenda da Barra 18 
Figura 2 – Fazenda da Barra 1984 19 
Figura 3 – Proposta do corte da área 1996 20 
Figura 4 – Fazenda da Barra 2000 21 
Figura 5 - Ocupação do Sítio Braghetto 23 
Figura 6 - Área ocupada da Fazenda da Barra 26 
Figura 7 - Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago 28 
Figura 8 - Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago 28 
Figura 9 - Território dos movimentos 40 
Figura 10 - Áreas de Reservas Legais: 45 
Figura 11 - Construção de moradia no Mario Lago. 48 
Figura 12 - Foto aérea dos Assentamentos na Fazenda da Barra 2010 52 
 
LISTA DE SIGLAS 
APP – Área de Preservação Permanente 
BR 330 – Rodovia Federal Brasileira 
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base 
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento 
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura 
CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz 
CPT – Comissão Pastoral da Terra 
CUT – Central Única dos Trabalhadores 
DAEE – Departamento de Água e Esgoto Estadual 
DAERP – Departamento de Água e esgoto Ribeirão Preto 
DEPRN - Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais 
EMPBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária 
FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia 
FEPASA – Ferrovia Paulista SA 
FHC – Fernando Henrique Cardoso 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
MLST – Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 
MPE – Ministério PúblicoEstadual 
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 
 
 
 
PA – Projeto Assentamento 
PAA – Projeto de Aquisição de Alimento 
PDA – Projeto de Desenvolvimento do Assentamento 
PDS – Projeto Desenvolvimento Sustentável 
PU – Projeto Utilização 
RL – Reserva Legal 
SAFs – Sistema Agroflorestais 
SIPRA - Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária 
TAC – Termo de Ajustamento de Conduta 
UDR – União Democrática Ruralista 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO 10
 
CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO 
DO MST 
12
1.1 - Formação do MST em São Paulo 14
 
CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO DO 
ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA 
18
2.1 - Passivos ambientais da Fazenda da Barra (1983 – 2004) 18
2.2 - Acampamento Mário Lago 22
 
CAPÍTULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE 
ASSENTAMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO 
30
3.1 - A Proposta da Comuna da Terra 30
3.2 - os elementos fundamentais da proposta 32
3.3 - O PDS como alternativa para assentamentos agroecológicos 35
 
CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: 
DO PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA 
TERRA MARIO LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP. 
37
4.1 - A dificuldade da implantação do Projeto PDS 40
4.2 – As principais dificuldades para implantação dos assentamentos agroflorestais 42
4.3 - Parcelamentos da área 43
4.4 - Assentamento “Comuna da Terra” Mario Lago 46
4.5 - Questão ambiental 49
4.6 - A proposta da produção na Comuna da Terra Mario Lago 50
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 54 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55
 
ANEXOS 57
 
10 
 
 
INTRODUÇÃO: 
 
 A questão do desenvolvimento rural vem sendo discutida por diferentes agências e 
agentes governamentais e não governamentais, que direcionam os debates para a 
convergência entre as questões agrícola, agrária e ambiental. Nesta abordagem, a 
conservação e a recomposição dos recursos naturais são consideradas tão importantes quanto 
a produção camponesa. 
No Brasil, esta perspectiva tem colocado os assentamentos de reforma agrária como 
territórios importantes para a implantação de projetos agroecológicos, baseados na 
sustentabilidade agroambiental. O presente estudo do assentamento Comuna da Terra Mario 
Lago, localizado na Fazenda da Barra, em Ribeirão Preto, região nordeste do estado de São 
Paulo, revela que a implantação de projetos agroflorestais faz com que se levante o debate 
com relação ao modelo de produção na região. 
Confrontando as diferentes concepções de assentamentos do MST e das propostas 
implantadas pelo Estado, objetivamos compreender no que consiste a sustentabilidade 
ambiental, renda familiar e os novos modelos de assentamentos para o estado de São Paulo. 
O modelo de desenvolvimento da agricultura na região nordeste do estado de São 
Paulo, especialmente aquele baseado na Revolução Verde implantado a partir dos anos de 
1970, configura-se como um exemplo vivo das transformações colocadas pelo processo de 
modernização da agricultura brasileira. A mecanização, o uso de insumos industrializados, a 
crescente utilização de agrotóxicos e a exploração do trabalho por meio do assalariamento 
ou de trabalho degradante são características desse modelo. A implantação de tal modelo 
teve como consequência, de um lado o desenvolvimento de uma agricultura de alto valor 
comercial, sobretudo nas atividades dos complexos agroindustriais da cana-de-açúcar e da 
laranja e, de outro lado, sérios problemas do ponto de vista social e ambiental. 
A região de Ribeirão Preto1, situada no interior do estado de São Paulo, traz uma 
trajetória de ocupação vinculada diretamente ao setor sucroalcooleiro, que atualmente passa 
por um processo de mudança na forma de produzir, caracterizado pela intensa mecanização 
do plantio e corte da cana-de-açúcar. A região historicamente apresenta-se como pólo de 
atração de força de trabalho nas épocas de safra da cana-de-açúcar, o que intensifica as 
 
1 Esta região compreende 104 municípios. Nela os serviços, atendimento médico e hospitalar especializados, 
órgãos federais e de justiça são centralizados na cidade pólo que é Ribeirão Preto. As principais cidades desta 
região são: Ribeirão Preto, Jaboticabal, Franca e Sertãozinho. 
 
11 
 
situações de desemprego e ocupação tanto no campo como na cidade no período de 
entressafras. 
Esses aspectos refletem a ideologia dominante na região, que são transmitidas 
através de propagandas de empresas agrícolas com frases do tipo “Agronegócio: sua vida 
depende dele!” ou “e se não fosse à cana?”. Assim, ao mesmo tempo em que cresce o 
endeusamento da cana e as estratégias de manutenção do controle político da região 
(reproduzido e disseminado pela mídia), cresce a depreciação do trabalhador. 
Neste contexto, o enfrentamento entre os trabalhadores e o agronegócio foi 
conformando novas frações de territórios, entre os quais se encontra o Assentamento PDS da 
Barra, sendo formado por três assentamentos distintos, o Índio Galdino, o Santos Dias 
ligado ao MLST e o mais antigo deles, que começou a luta pela conquista da Fazenda da 
Barra, o assentamento Comuna da Terra Mário Lago, o único assentamento do MST 
localizado no município de Ribeirão Preto, organizado segundo a construção coletiva da 
proposta de Comuna da Terra. 
Para que seja possível compreender como se deu a chegada do MST na região, 
como ocorreu o processo de luta que culminou na conquista do assentamento e quais são os 
desafios postos para o assentamento inserido no meio de um canavial, dividimos o presente 
trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo realizamos uma discussão acerca da 
formação do MST no Brasil, no estado de São Paulo e na região de Ribeirão Preto, situando 
o quadro que propiciou a luta e a conquista do assentamento Mário Lago. O segundo 
capítulo compreende a luta e a conquista do assentamento Mário Lago, discutindo a proposta 
de organização em Comuna da Terra. No terceiro capítulo discutimos de um ponto de vista 
teórico, a proposta da Comuna da Terra e do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) 
e o seu desenrolar na área de estudo. Por fim, o quarto capítulo trata do processo de 
implantação do assentamento Comuna da Terra Mario Lago e das discussões da atualidade 
do assentamento, a produção e as políticas públicas conquistadas por meio da luta dos 
assentados. 
 
12 
 
CAPÍTULO 1: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DO MST 
 
De acordo com Fernandes e Stedile (2005) a história do Brasil é marcada pela luta 
dos camponeses em diferentes épocas e locais. O campesinato brasileiro sempre foi uma 
classe de resistência a todas as formas de opressão e de exploração da classe trabalhadora. 
Ao longo do tempo, vivenciamos diversas formas de organizações camponesas, as quais, de 
acordo com os fatos históricos, demonstram as resistências do campesinato à perda da terra e 
de seu meio de vida. Podemos citar aqui o Contestado, Canudos, as Ligas Camponesas, 
entre outros. 
O golpe militar de 1964 e a ditadura que o seguiu interromperam os processos de 
luta e de organizações sociais no campo. No entanto, a tensão existente entre camponeses 
sem-terra e o latifúndio persistiu. Esta tensão foi sendo agravada pelo processo de 
“modernização” da agricultura, que impôs um novo modelo de produção, principalmente 
após a segunda guerra mundial, que preconizava uma agricultura extremamente dependente 
da indústria, que ficou conhecido como Revolução Verde. 
A introdução deste modelo terminou por expulsar do campo milhares de famílias de 
camponeses, seja pela sua mecanização ou pelo amplo uso de insumos químicos que 
igualmente reduziam o trabalho (gerando o desemprego). A resistência a esse modelo 
culminou em um processo de abertura política, momento histórico ilustrado por Kelli 
Maforte, dirigente estadual do MST de SP, em entrevista concedida em junho de 2011 para 
fins deconclusão do presente trabalho. Segundo ela: 
 
A abertura política foi possível por conta de um forte processo de 
mobilização popular bem como um desgaste político econômico do regime 
militar. No campo o Brasil tinha vivido os anos ditatoriais (1964-1980), 
uma espécie de “modernização conservadora” (conceito de Guilherme 
Delgado), ou seja, o campo passou por um inicio de transformação com a 
substituição do latifúndio improdutivo pra fazendas produtivas, através do 
uso de técnicas agrícolas do pacote da revolução verde. Deste processo é 
decorrente do expressivo êxodo rural que vivemos neste período. No 
entanto, essa modernização foi conservadora, pois não alterou a extrema 
concentração fundiária existente no Brasil. É importante lembrar que a 
modernização conservadora da ditadura militar derrotou a proposta de 
reforma agrária que era uma demanda latente dos movimentos sociais, das 
Ligas Camponesas, do Partido Comunista Brasileiro etc., nas décadas de 
1950 e 1960. (Entrevista com Kelli Maforte, 2011). 
 
As lutas que culminaram na queda do regime militar, foram sendo organizadas no 
campo e na cidade. Entre elas, muitas ocupações de terras e conflitos fundiários tão diversos 
quanto à expansão do capitalismo no campo brasileiro. 
 
13 
 
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - é fruto dessas lutas, e 
aprendeu com essas a necessidade de organizar-se nacionalmente, mantendo espaços 
coletivos de decisões e encaminhamentos, unificando também as formas de lutas, princípios, 
objetivos e símbolos (hino, bandeira, palavras de ordem). De acordo com Fernandes (1989): 
 
Mesmo com a repressão às formas de organização camponesas pelo regime 
militar, a luta pela terra continuou em todo o território nacional. Um fator 
essencial que contribuiu para o desenvolvimento e crescimento da luta foi a 
participação da Igreja Católica, por meio da Comissão Pastoral da Terra. A 
CPT foi a articuladora das diferentes experiências que construíram uma 
nova realidade no campo. Durante o regime militar, as Comunidades 
Eclesiais de Base foram os espaços de socialização política que permitiram 
a recriação da organização camponesa. (FERNANDES, 1989, p. 41) 
 
Este apoio possibilitou a luta dos camponeses a avançar para a construção de um 
movimento massivo e de escala nacional. A esse respeito, FERNANDES (1989, p. 42), 
quando se refere à gênese do MST, relata que esta 
 
[...] aconteceu no interior dessas lutas de resistência dos 
trabalhadores contra a expropriação, a expulsão e o trabalho 
assalariado. O Movimento começou a ser formado no Centro – Sul, 
desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupação da 
gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma 
das ações que resultaram na gestação do MST. Muitas outras ações 
dos trabalhadores sem-terra, que aconteceram nos estados de Santa 
Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da 
gênese e contribuíram para a formação do Movimento. Assim, a sua 
gênese não pode ser compreendida por um momento ou por uma 
ação, mas por um conjunto de momentos e um conjunto de ações 
que duraram um período de pelo menos quatro anos. 
 
Conforme esta reflexão, analisamos que a espacialização do MST ocorreu num 
processo histórico e dialético, que sem duvida nenhuma foi protagonizado pela luta dos 
camponeses. Todavia, o marco de sua fundação foi o 1o. Encontro Nacional, realizado em 
janeiro de 1985 na cidade de Cascavel no Paraná, onde ele firma-se como um movimento 
nacional com caráter sindical, popular e político e com três objetivos fundamentais: a luta 
pela terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade. 
 
14 
 
 
1.1 - FORMAÇÃO DO MST EM SÃO PAULO 
 
De acordo com FERNANDES, o desenvolvimento capitalista no estado de São 
Paulo, também promoveu a desterritorialização do camponês. A exemplo do que ocorria em 
outras regiões brasileiras, a CPT teve papel relevante na organização dos camponeses, fato 
este que culminou na formação do MST no estado de São Paulo: 
 
Ainda em 1984, a partir da articulação dos movimentos no estado, 
coordenada pela CPT, algumas lideranças dessas lutas (Andradina, Sumaré 
e Pontal) participaram da fundação do MST na cidade de Cascavel-PR, em 
janeiro desse ano. Em maio, os trabalhadores realizam em Andradina o 
Primeiro Encontro Estadual da Luta pela Terra. A partir desse Encontro, o 
processo de articulação das lutas tornou-se o processo de organização do 
MST no estado de São Paulo, com a participação de lideranças das lutas de 
Andradina, Pontal, Sumaré e Vale do Ribeira. Em novembro, a CPT 
promove uma assembléia para a preparação do I Congresso Nacional do 
MST, (realizado em Curitiba no mês de janeiro de 1985) e, também para o 
IV Congresso Nacional da CONTAG (realizado em maio de 1985), em 
Brasília. (FERNANDES, 1994, p. 90) 
 
Assim, no estado de São Paulo a história agrária não é diferente de outros estados 
brasileiros, inclusive a articulação para o Primeiro Encontro Nacional dos Camponeses. Para 
entender essa luta e o surgimento do MST no estado de São Paulo é necessário tratar, ainda 
que brevemente, da ocupação da Fazenda Primavera em Andradina, da conquista da Fazenda 
Pirituba em Itapeva/Itaberá, do Pontal do Paranapanema e do retorno ao campo em Sumaré. 
Segundo Fernandes (1993), a Fazenda Primavera, localizada na região de 
Andradina, no oeste do estado de São Paulo possui 9.385 ha. Como muitas outras da região, 
tratava-se de terra grilada. Nesta Fazenda viviam muitas famílias de agricultores que 
arrendavam a terra do grileiro e produziam algumas culturas, como o algodão. Mesmo 
recebendo a renda da terra dos agricultores, o grileiro começou trazendo gado do Mato 
Grosso para engordar nesta área. Sem cercar uma área específica para o gado, este logo 
começou a destruir a lavoura dos camponeses que, como resposta, passou a recusar o 
pagamento do arrendamento. Em represália o grileiro, para cobrar dos devedores, colocou os 
jagunços para queimar as casas e assassinar os trabalhadores que ali viviam (Fernandes, 
1993). 
Diante desta situação instalou-se ali um conflito entre o grileiro e os agricultores. 
Em 1979 o conflito ainda encontrava-se sem solução. Neste período a CPT tinha uma forte 
 
15 
 
organização de trabalhadores em outros estados e, segundo Morissawa (2001), juntou-se 
nesta luta organizando os trabalhadores e orientando-os a “exigirem junto ao INCRA 
desapropriação da fazenda” (Morissawa, 2001, p. 133). 
No ano seguinte, o presidente General Figueiredo assinou o decreto de 
desapropriação da Fazenda Primavera. Os agricultores, mesmo morando ali depois de 
décadas, permaneceram mais de dois anos até que fosse feito o assentamento. A experiência 
da Fazenda Primavera levou à formação do MST no oeste do estado de São Paulo. 
 No mesmo período, na região sudoeste paulista também já estavam ocorrendo 
ocupações de terras organizadas inicialmente com um grupo de 300 famílias de meeiros e 
trabalhadores bóia frias que tinham sido despejados pela polícia militar e jagunços 
contratados pelos fazendeiros. Segundo Morissawa (2001) a área “foi ocupada três vezes na 
década de 1980 e seus 17500 hectares pertenciam ao governo do estado, que os havia 
arrendado a grandes fazendeiros” (Morissawa, 2001, p. 133). 
Em 1983, o governador Franco Montoro nomeou para a Secretaria da Agricultura 
do Estado de São Paulo José Gomes da Silva. A partir disso foi implantado um projeto de 
regularização das terras do estado. Naquele mesmo ano, os posseiros voltaram a ocupar a 
Pirituba e foram despejados uma semana depois. Porém, a tentativa do governo em amenizar 
o conflito fracassou devido aos interesses políticos e econômicos da área. Segundo 
Morissawa: 
 
No ano seguinte, em 1984 os sem terra ocuparam novamente a área e os 
arrendatários não conseguiram judicialmente expulsar os sem terras 
partindo para violência e contratando jagunços para expulsar à força os sem 
terra. “Ogoverno, para evitar o agravamento da situação, retomou a área e 
deu início ao processo de assentamento. Foi a primeira vitória dos Sem-
terra no estado nos anos de 1980.” (MORISSAWA, 2001, p. 134). 
 
“As ocupações continuaram ocorrendo em outras áreas da Fazenda e, no fim da 
década de 90, ali havia cinco assentamentos e um pré assentamento.” (MORISSAWA, 2001, 
p. 134). 
Ao mesmo tempo, ainda em meados da década de 1980, no Pontal do 
Paranapanema constatou-se, a partir de um estudo realizado pelo Instituto de Terras do 
Estado de São Paulo – ITESP -, pelo Departamento de Regularização Fundiária - DRF - e 
pela Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania que mais de um milhão de hectares de 
terras devolutas encontravam-se localizadas na região do Pontal, dominadas por grileiros e 
posseiros. Diante desse contexto, desencadearam-se diversas ocupações de terras na região, 
 
16 
 
reivindicando sua distribuição às famílias, com um histórico de muitos assassinatos e 
conflitos na disputa por um pedaço de terra que perdura nos dias atuais. 
Nessa região, mais especificamente no município de Teodoro Sampaio, em 1983, de 
acordo com Fernandes, 350 famílias ocuparam a Fazenda Tucano e Rosanela, com apoio 
apenas de alguns religiosos e parlamentares. Logo em seguida foram despejados e 
permaneceram acampados na beira da rodovia aguardando uma decisão do Governo do 
Estado. Com as ocupações feitas pelos sem-terra e os conflitos aumentando no Pontal do 
Paranapanema, em 1984 o governo fez as primeiras desapropriações que somaram uma área 
de 15 mil hectares, assentando cerca de 460 famílias, conforme Fernandes (1999). 
Estas conquistas fizeram com que os latifundiários e grileiros da região se unissem e 
criassem a União Democrática Ruralista - UDR - com o intuito de contrapor o avanço da 
luta dos camponeses. Todavia, o que ocorreu foi o aumento dos conflitos nesta região, mas 
os camponeses seguiram se especializando no Pontal. Segundo Fernandes (1999, p. 158), o 
 
[...] processo de espacialização e territorialização da luta pela terra 
promoveram o aumento do numero de ocupação no estado de São Paulo. 
Em 1995, a região do Pontal do Paranapanema era uma das principais áreas 
de conflitos fundiários do país, onde aconteceu o maior número de 
ocupações de terra. 
 
Outra região referência para o processo de luta pela terra no estado de São Paulo é a 
região de Sumaré. Ali, nas décadas de 1970 e 1980 houve um processo considerável de 
industrialização, responsável pelas expulsões de muitas famílias do campo em busca de seu 
sustento na cidade. Muitas famílias encontraram sérias dificuldades e não conseguiram 
adaptar-se à realidade urbana pela falta de emprego. Dessa forma, tiveram a necessidade de 
fazer o movimento contrário, buscando o retorno ao campo. 
Em 1983, organizados pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - braço da 
Igreja Católica, algumas famílias, na maior parte homens, ocuparam uma usina de cana em 
Araraquara que tinha perdido sua terra penhorada pelo Estado, tendo sido expulsas pelos 
jagunços. Este grupo saiu da usina, mas foi para um Horto Florestal pertencente à Empresa 
Ferroviária Estatal - FEPASA. Todavia, para diminuir tensões, o Governo do Estado propôs 
outra área desta mesma empresa para ser distribuída às famílias. Na sequência das 
negociações as famílias conquistaram uma área de 137 ha em Sumaré, que constitui 
atualmente o Assentamento Sumaré I. 
 
17 
 
As lutas prosseguiram em diversas regiões do Estado de São Paulo e a partir de 
encontros, reuniões e outras atividades realizadas em âmbito estadual, foram gerando o 
embrião de um movimento organizado. Segundo Morissawa (2001, p. 134), no 
 
[...] período de 1990-1999, o MST organizou ocupações em diversos 
municípios: Andradina, Getulina, Pradópolis, Tremembé, Iperó, Castilho, 
Iaras, Itapetininga e Porto Feliz; sem contar as reocupações da Pirituba em 
Itapeva- Itaberá. 
 
Em 1998 o MST chega à região nordeste de São Paulo, com a ocupação do Horto 
Boa Sorte no município de Restinga, próximo à cidade de Franca, onde hoje existe o 
Assentamento 17 de Abril. Após um ano o MST abriu uma Secretaria Regional na Cidade, 
com o objetivo de iniciar a integração campo - cidade. 
Neste mesmo ano realizou a ocupação numa Fazenda do município de Matão, 
constituindo o Acampamento Dom Hélder Câmara, onde existia a promessa de assentamento 
por parte do ITESP. Esta promessa não foi concretizada e parte do acampamento deslocou-
se para a ocupação da Fazenda Santa Clara, entre os Municípios de Serrana e de Serra Azul, 
região de Ribeirão Preto, onde hoje se encontra o Assentamento Sepé Tiarajú, com 80 
famílias assentadas (DATALUTA, 2011). 
A luta do Movimento na região continuou avançando após a conquista do 
Assentamento Sepé Tiarajú. Em novembro de 2002 foi firmada uma parceria entre o 
movimento e a Arquidiocese de Ribeirão Preto para utilização do Sitio Pau D´alho, o que 
possibilitou a criação do Centro de Formação Sócio Agrícola “Dom Hélder Câmara”. 
Em Maio de 2003, o MST inaugurou em Ribeirão Preto a loja Sabor do Campo, 
com produtos da Reforma Agrária, produzidos em diversas regiões do país. A loja passou a 
ser uma referência da Reforma Agrária na cidade, divulgando alguns de seus resultados 
concretos. Após várias discussões entre campo e cidade, por ser uma região onde é aplicado 
um modelo agrícola agroexportador, onde os pequenos agricultores não se enquadram neste 
modelo, surge a necessidade da realização da Reforma Agrária na cidade de Ribeirão Preto 
e, com o trabalho de base que estava sendo realizado em Ribeirão e na região e com o apoio 
da Igreja católica, sociedade civil e sindicatos, o MST concretiza a luta pela terra em 
Ribeirão Preto com a criação o Acampamento Mário Lago, sobre o qual falaremos a seguir. 
 
18 
 
CAPITULO 2: O PROCESSO DE CONQUISTA DO TERRITÓRIO D O 
ASSENTAMENTO “MÁRIO LAGO” E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA 
 
Neste capítulo procuraremos resumidamente analisar o processo de cinco anos de 
luta do acampamento Mario Lago e sua organização interna, com suas táticas e estratégias 
para a conquista da Fazenda da Barra e a implantação do assentamento Comuna da Terra. 
Para isso, é importante entender os processos judiciais relativos aos passivos ambientais 
contra o antigo proprietário, a entidade Sinhá Junqueira o que, associados à luta do MST na 
área, possibilitaram a desapropriação para fins de Reforma Agrária da Fazenda da Barra. 
 
2.1 - PASSIVOS AMBIENTAIS DA FAZENDA DA BARRA (1983 – 2004) 
 
A área ocupada pela fazenda localiza-se geograficamente sobre uma área de recarga 
do Aquífero Guarani, constituída por solo permeável (Arenito Botucatu) e, portanto, de 
rápida absorção da água das chuvas, o que facilita o aumento do nível de água no lençol 
freático. Possui cerca de 1.540 hectares e está numa área próxima à Rodovia Anhanguera, 
como demonstra a figura abaixo: 
Figura 1: Localização da Fazenda da Barra 
 
Fonte: Ministério Público Estadual 
 
19 
 
A propriedade pertencia à Fundação Sinhá Junqueira e era arrendada para a 
plantação de cana-de-açúcar pela Usina da Pedra. No ano de 1984, como se pode notar na 
figura 2, a fazenda ainda conservava os 20% de reserva legal previsto em lei. 
 
Figura 2: Fazenda da Barra 1984 
 
Fonte: Ministério Publico Estadual 
 
Nesse período, a área de reserva preservada correspondia a mais de 300 ha (MP). 
Entretanto, o projeto dos arrendatários consistia na expansão da área de plantio de cana, o 
que impulsionou um grande desmatamento. Observando o desmatamento, o Departamento 
Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DPRN - iniciou a abertura de inquéritos civis 
para investigação de danos ambientais na Fazenda da Barra, com foco no desmatamento 
 
20 
 
realizado nas áreas de reserva legal, nas Áreas de preservação Permanente – APP - e na 
drenagem das áreas de várzea do Rio Pardo para a produção da monocultura.A partir dos laudos de vistoria realizados, foi aberta uma ação civil pública em 
1993, que constatou as irregularidades ambientais da área investigada e aplicou seguidas 
multas pelos passivos ambientais. Pela Constituição Federal de 1988, a propriedade em 
função das irregularidades constatadas, era passível de desapropriação para fins de reforma 
agrária. Diante disso, alguns membros do poder público e da sociedade civil se organizaram 
a fim de construir um projeto para área com uma utilização que garantisse o cumprimento da 
função social da propriedade. 
Nesse contexto, em 1996, a arquiteta Cláudia Maria Ferreira Perencin (na época 
estudante de arquitetura na Faculdade Moura Lacerda), fez seu trabalho de conclusão de 
curso com o titulo “A urbanização em área de recarga de aquífero em Ribeirão Preto-SP”, 
propondo outra utilização para a Fazenda da Barra, um assentamento para 260 famílias que 
garantisse a recuperação das áreas de reservas desmatadas, conforme a figura 3. 
 
Figura 3: Proposta do corte da área 1996 
Fonte: Cláudia Maria Ferreira Perencin 
 
 
21 
 
Nos anos de 1999 e 2000 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - 
INCRA, vistoriou a Fazenda e a classificou como “grande propriedade improdutiva”. O 
processo de desapropriação foi iniciado em 09 de outubro de 2000. No mesmo ano foi 
indeferido um recurso encaminhado contra este processo. Em 28 de março de 2002 o 
INCRA–SP enviou para Brasília o decreto de desapropriação para ser publicado. O então 
superintendente nacional do INCRA, Rolf Rackbart, decidiu pela realização de uma nova 
vistoria na Fazenda da Barra e o processo retornou a São Paulo (MINISTÉRIO PUBLICO 
ESTADUAL, 2003). 
Desde 1993, a propriedade vinha respondendo a ações judiciais por danos 
ambientais, como afirmou o Promotor Marcelo Pedroso Goulart (Ministério Público 
Estadual) ao Jornal A CIDADE de 05 de outubro de 2003: “São quatro inquéritos civis em 
andamento e duas ações civis tramitando. O último inquérito civil foi aberto em 12 de abril 
de 2000 para investigar o impedimento de regeneração natural de reserva legal”. A figura 4, 
quando comparada à figura 2, permite visualizar o desmatamento ocorrido. 
 
Figura 4: Fazenda da Barra 2000 
Fonte: Ministério Publico Estadual 
 
 
22 
 
Em 2003, laudos ambientais feitos pelo Departamento de Água e Energia Elétrica - 
DAEE, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais - DEPRN, Instituto 
Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelo 
Ministério Público Estadual que afirmavam 
 
[...] que a propriedade estava parcialmente abandonada, que havia 
plantação de soja e cana em áreas de preservação permanente, como nas 
margens do Rio Pardo. O laudo aponta ainda que a exploração agrícola de 
uma área irregularmente desmatada, que correspondia à reserva legal, 
representa um risco constante de contaminação do Aquífero Guarani. ‘O 
risco de contaminação é potencialmente maior se considerarmos o modelo 
de produção das culturas agrícolas que vêm sendo plantadas na área (cana, 
soja e amendoim) que se caracterizam pelo uso intensivo de agrotóxicos’ 
afirma o laudo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 27.out.2004.) 
 
O valor total estimado pelo Ministério Público do passivo ambiental da Fazenda 
ultrapassa 7 bilhões de reais (MPE). Nesse contexto, em agosto de 2003 o MST se propõe a 
organizar famílias na região para ocupar a Fazenda da Barra. 
 
2.2 - ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO 
 
Em 2 de agosto de 2003 foi formado o primeiro acampamento em Ribeirão Preto, 
com 400 famílias vindas da região de Ribeirão Preto, Franca, Araraquara, e vizinhanças 
(MST, 2011. Sd). Estas famílias foram convidadas pelo setor de frente de massa do MST 
para montar um acampamento ao lado da Fazenda da Barra, que se denominou 
Acampamento Mario Lago. Tinha como principal objetivo pressionar o Governo Federal 
através do INCRA para a desapropriação da área vizinha à Fazenda da Barra, a fim de 
realizar um assentamento de Reforma Agrária. Essas ações do MST aconteceram para 
denunciar as irregularidades da área, reivindicando sua desapropriação para fins de reforma 
agrária. 
O Acampamento “Mário Lago” do qual falaremos mais concretamente enquanto 
objeto da nossa pesquisa, foi inicialmente formado por 400 famílias que participaram do 
trabalho de base2 feito pelo MST - (Setor Frente de Massa3) na cidade de Ribeirão Preto/SP 
e região. Desde sua primeira ocupação, o acampamento já passou por várias mudanças. 
 
2Trabalho de base é o nome utilizado pelo MST e por outros movimentos sociais para denominar as atividades 
de conscientização e mobilização de famílias para a formação dos acampamentos e realização da luta pela 
reforma agrária. 
3Setor do MST responsável pelo trabalho de base. 
 
23 
 
Essa estratégia de ação de montar o acampamento fora da área pretendida para 
desapropriação, como foi o caso do acampamento Mario Lago - que se deu a partir da 
ocupação do sitio Braghetto (Figura 5), ao lado da Fazenda da Barra, é utilizada pelo MST 
em resposta à Medida Provisória nº 2.027-38, editada em maio de 2000, durante o governo 
FHC, que impede a vistoria em terras ocupadas e sua desapropriação para fins de Reforma 
Agrária no período de dois anos, podendo esse prazo ser prorrogado, no caso de reincidência 
na ocupação. 
Essa Medida Provisória - MP - foi instituída como tentativa de desmobilizar os 
movimentos sociais do campo e impedir que fossem realizadas as ações de ocupações de 
terras. Os movimentos, no entanto, passaram a ocupar as rodovias e áreas próximas às áreas 
desejadas, indicando sempre, quando se iniciam as ações de desocupação, em qual área 
gostariam de ser assentados, como o que ocorreu no Sítio Braghetto (MST, 2003. Sd). 
 
Figura 5: Ocupação do Sítio Braghetto 
 
 
Fonte: Ministério Público Estadual, 2003 
 
Em 18 de agosto de 2003, as famílias conquistaram o cadastramento4 do INCRA, 
passando a ter o direito à reivindicação de cestas básicas pelo Programa Fome Zero (do 
 
4O cadastramento é feito quando ocorre uma ocupação de terra, como neste caso, ou quando já vai haver um 
assentamento de reforma agrária. 
 
24 
 
Governo Federal) e ao lote, quando a fazenda fosse loteada, para a implementação do 
assentamento. Nesta mesma semana, os advogados de Baldim, proprietário do sitio 
Braghetto, ingressaram com um pedido de reintegração de posse da área. O juiz Alcides 
Leopoldo e Silva Júnior concedeu a liminar, porém a suspendeu em seguida, a pedido do 
Ministério Público de Ribeirão Preto. 
Em audiência de conciliação, a direção regional do MST assinou um acordo 
comprometendo-se a desocupar o Sítio até 10 de dezembro de 2003, pois o Movimento 
estava reivindicando a Fazenda da Barra que era vizinha do Sitio Braghetto . 
O Sítio Braghetto, propriedade com cerca de 29 hectares, foi escolhido para a 
ocupação por já possuir um histórico de elevadas dívidas fiscais: 
 
Baldim [engenheiro agrônomo, proprietário do Sítio [Braghetto] estima que 
as dívidas fiscais do sítio (R$400 mil só com o INSS) superam R$1,5 
milhão. Ele já parcelou os débitos com o INSS e faz o mesmo com a 
Fazenda Estadual e a Prefeitura Municipal – o sítio está classificado como 
área urbana e só de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) deve mais 
de R$150 mil. Por causa desse passivo fiscal o sítio, então penhorado, 
chegou a ir a leilão em 12 de julho, mas não apareceram interessados. 
Antes de a justiça marcar o segundo leilão, o novo dono parcelou as dívidas 
e sustou o processo de venda. (A CIDADE, 11 set. 2003) 
 
Ao aproximar-se da data de desocupação, parte das famílias acampadas ocuparam o 
Parque “Maurílio Biagi” (espaço público de lazer, localizado próximo à Câmara Municipal), 
com o objetivo de pressionar o poder público local para que dispusesse de um outro local 
para a instalação provisóriado acampamento. A Prefeitura Municipal ofereceu uma área 
próxima à Estrada do Piripau, a 18 km do Centro da cidade e, posteriormente, acordou com 
o MST na utilização de um local no Parque dos Flamboyans (bairro residencial localizado na 
zona leste da cidade de Ribeirão Preto) reservado para a construção de uma praça pública. 
(MST, 2004. Sd) 
Muitas foram as dificuldades encontradas pelos acampados no Parque dos 
Flamboyans: o espaço era pequeno para o grande número de pessoas – cerca de 400 famílias 
-, e as condições estruturais eram precárias. A isso somava-se a insatisfação dos moradores 
do bairro quanto à instalação do acampamento no local. Estes fatores contribuíram para o 
esvaziamento do acampamento com as desistências das famílias. 
Em março de 2004, as famílias decidiram ocupar uma estrada que corta a Fazenda 
da Barra. A Prefeitura de Ribeirão Preto dizia que a estrada pertencia ao município enquanto 
os advogados da Fazenda sustentavam que a área integrava a propriedade. Devido à ordem 
 
25 
 
de reintegração de posse e sua execução pela Polícia Militar, o Acampamento “Mário Lago” 
sofreu uma nova mudança, agora para um terreno de 10 mil metros quadrados vizinho à 
Fazenda da Barra e pertencente a um advogado que cedeu o local para a acomodação das 
famílias (MST, 2004. Sd). 
Neste processo de ocupação e desocupação, o acampamento continuou sofrendo um 
esvaziamento no número de pessoas que foram desistindo frente às dificuldades encontradas. 
No dia 20 de julho de 2004, com cerca de 200 famílias, ocorreu a primeira ocupação da 
Fazenda da Barra. Porém, em 
 
[...] 23 de julho, uma decisão judicial concedeu à Empresa proprietária 
reintegração de posse e deu às 200 famílias (cerca de 420 pessoas) três dias 
para deixar o local. Apesar disso, os sem-terra ficaram na área. No dia 29 
de julho, os sem-terra voltaram para [...] o terreno particular (A TRIBUNA, 
22. set. 2004.) 
 
Em 21 de setembro de 2004 aproximadamente 117 famílias ocuparam novamente a 
Fazenda da Barra. “O Sem Terra foram motivados pela decisão da 5ª Vara de Justiça Federal 
de São Paulo que indeferiu o agravo interposto pela Robeca Participações LTDA, 
proprietária da Fazenda, contra o laudo do INCRA que considerou a Fazenda improdutiva” 
(A TRIBUNA, 22. set. 2004.). A unidade estadual decidiu o oposto, ou seja, recusou-se a 
realizar nova vistoria. O processo tem encaminhamento em Brasília já no Governo de Luís 
Inácio Lula da Silva. Em setembro de 2004, como já citado anteriormente, a 5ª Vara de 
Justiça Federal do Estado de São Paulo indeferiu o agravo interposto contra o laudo do 
INCRA. 
Em outubro do mesmo ano, os advogados e donos da Fazenda encaminharam uma 
petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) para notificar judicialmente o Presidente da 
República, o Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto e o Presidente do 
INCRA Rolf Rackbart, a cumprirem a Medida Provisória nº 2.027-38 e não desapropriarem 
a Fazenda por estar ocupada, senão estariam descumprindo a lei. No mesmo mês, o MST foi 
notificado sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determinou a 
desocupação da área e a reintegração de posse, sem data para ser cumprida. O Jornal A 
Cidade retratou o caso como segue, dando voz a um acampado do movimento: 
 
Não há condições de fazer a reintegração, o povo daqui espera que o 
Presidente da República baixe o decreto de desapropriação porquê os 
laudos comprovam que não existe alternativa para esta área improdutiva e 
que tem elevado passivo ambiental. Se a Constituição for cumprida o 
 
26 
 
destino da Fazenda da Barra é a desapropriação. [...] O Acampamento é 
grande, tem 14 km de área que já foi ocupada por todas as famílias dentro 
da Fazenda. Transformamos a área em uma grande agrovila, onde cada 
família plantou em torno de 1 ha de terra [...]” (A CIDADE, 06.nov.2004). 
 
A figura 6 refere-se a esse momento de contestação da terra por meio da ocupação. 
Os pontos brancos são os barracos das famílias acampadas. 
 
Figura 6: Área ocupada da Fazenda da Barra 
 
Fonte: Ministério Público Estadual 2004 
 
Em 2005 o Acampamento “Mário Lago” chegou a ter 600 famílias acampadas 
(MST. Sd), organizadas internamente em 21 núcleos de base e 8 setores5, responsáveis por 
dar unidade e encaminhamento às diversas atividades, além de serem os responsáveis pela 
organização interna do acampamento. A intenção do MST em organizar os acampamentos 
dessa forma é democratizar as informações e formações das famílias e incentivar a 
 
5Núcleos e setores são formas de organização do trabalho nos diversos espaços do MST. Os setores consistem 
numa divisão a partir da necessidade interna em desempenhar algumas atividades em diferentes âmbitos como 
segurança, esporte, cultura, produção, entre outros. Ou seja, forma em que o Movimento divide os grupos de 
famílias para melhor organizá-las. 
 
27 
 
participação das mesmas nas discussões cotidianas do acampamento. Esta organização 
interna atende ao princípio da direção coletiva do MST e à sua organicidade6. 
Cada núcleo recebeu o nome de um lutador do povo, no intuito de reforçar a mística 
do MST de recordar a vida e a história de luta de homens e mulheres como Paulo Freire, 
Zumbi dos Palmares, Dandara, Salete Strozake, Oziel Alves, entre outros. Além disso, 
possui dois coordenadores, sendo um homem e uma mulher, moradores do próprio núcleo. 
As famílias se reúnem semanalmente em seus respectivos núcleos para discutir os assuntos 
trazidos da reunião da Coordenação Geral, discutir os problemas internos e também para 
estudos de formação política. 
Os setores também possuem, dois representantes de cada núcleo, um homem e uma 
mulher. O Acampamento é organizado em oito setores: educação; finanças; saúde e higiene; 
segurança; produção; gênero e formação; ciranda; esporte, cultura e lazer. Cada setor realiza 
reuniões semanais com seus integrantes para propor e planejar as atividades e levantar as 
demandas para o desenvolvimento dos trabalhos. No MST, estes setores também existem 
nas instâncias regional, estadual e nacional, e são os responsáveis por pensar programas e 
projetos acerca dos mais variados assuntos. 
O setor de formação está vinculado ao setor de gênero, a fim de contribuir com sua 
estruturação e dar andamento às suas atividades. A maioria dos setores promove estudos a 
respeito de diferentes assuntos, o que os configura também enquanto espaços de formação7. 
Porém, a característica atribuída na constituição do Setor de Formação é a de fomentar o 
debate político e capacitar a base e as lideranças para a discussão de seus projetos com a 
sociedade. 
A Coordenação Geral do acampamento Mario Lago é formada por todos os 
coordenadores e coordenadoras de todos os núcleos e setores. São realizadas reuniões 
quinzenais (figura 7), sempre às segundas-feiras, na sede da antiga fazenda. Esse é o espaço 
onde se deliberam as atividades, discutem propostas, problemas e a conjuntura do 
acampamento e passam-se os informes dos diversos núcleos e setores para Direção 
Regional. 
 
6Organicidade é uma palavra usada pelo MST para designar a relação entre núcleos de base com os setores, 
com as direções, etc. 
7Nas instâncias estaduais e nacional existem várias publicações do MST ou em parceria com outras 
organizações que são materiais para a formação das bases e lideranças do Movimento. 
 
28 
 
Figura 7: Reunião da coordenação geral no Acampamento Mário Lago 
 
Fonte: Arquivo MST, 2005 
 
Também acontecem as Assembléias Gerais (figura 8) onde todas as famílias são 
convidadas a participar. O objetivo, na maioria das vezes, é decidir sobre algum assunto 
urgente que possivelmente já passou pelas várias instâncias do Acampamento e aguardar a 
opinião da maioria. Acontecem também quando há alguma mudança na conjuntura políticado assentamento. 
Figura 8: Assembléia Geral do Acampamento Mario Lago 
 
Fonte:Arquivo MST, 2005 
 
29 
 
Observa-se a organicidade do Acampamento Mario Lago, que foi de fundamental 
importância para a consolidação do mesmo. Essa coletividade no acampamento ajudou a 
manter 5 anos de luta intensa, com várias marchas e ocupações de órgãos públicos em 
Ribeirão Preto, para a reivindicação dos direitos destas famílias que permaneciam 
acampadas em baixo de barracos de lona preta para ter direito a um pedaço de terra para 
poder trabalhar. 
Para a implantação de assentamentos, o tamanho médio dos lotes na região de 
Ribeirão Preto é de 12 hectares. Desta forma, caberiam cerca de 150 famílias (ITESP, 2003) 
no assentamento a ser criado. Como a Fazenda da Barra é muito valorizada por estar 
localizada dentro da cidade de Ribeirão Preto, fazendo divisa com três bairros urbanos, a 
saber, Ribeirão Verde, Portinari e Parque dos Flamboyans, o escoamento da produção é 
facilitado, reduzindo o valor frete. Neste sentido, a coordenação do MST vem discutindo 
uma outra concepção de assentamento que é a proposta da Comuna da Terra, pensado para 
ser realizado em assentamentos próximos às áreas urbanas, como é o caso do assentamento 
que viria a formar-se com a desapropriação da Fazenda da Barra e de outras áreas na Região 
Metropolitana de São Paulo. 
De acordo com essa proposta, justamente a proximidade da área urbana, ao facilitar 
o escoamento da produção, possibilita que os lotes tenham tamanhos menores, em torno de 2 
a 3 hectares, o que torna possível assentar mais pessoas em menos área. No caso em questão, 
ao invés das 150 famílias caso fossem mantidos os 12 ha médios da região de Ribeirão 
Preto, seria possível assentar aproximadamente 260 famílias, proposta que o Movimento 
vem discutindo para as novas formas de assentamentos no estado de São Paulo. 
Com admissão de posse da área no ano de 2007 iniciam uma série de reuniões entre 
as famílias acampadas no Mário Lago para discutir o modelo de assentamento, baseadas nos 
debates sobre as novas propostas de projeto de assentamento que vinham sendo discutidas 
pelo MST no estado de São Paulo. Neste sentido, foi feita uma rodada de núcleo8 em que 
foram levantados os principais elementos das famílias para com relação ao modelo do 
assentamento. Ao final foi elaborado um documento sintetizando as idéias das famílias. 
Em 2008, o INCRA começou o processo de implantação na Fazenda da Barra, 
fazendo reuniões com as famílias e trazendo o debate da proposta do Projeto de 
Desenvolvimento Sustentável - PDS, um projeto desenvolvido para a reservas extrativistas 
 
8Reuniões feitas em todos os núcleos de base para que todas as famílias possam democraticamente discutir 
temas relevante a vida do acampamento ou assentamento. 
 
30 
 
na Amazônia que seria readequado para a realidade aqui do estado. Com essas reuniões o 
INCRA começou elaborar o projeto de assentamento da Fazenda da Barra. 
No próximo capítulo faremos o recorte territorial do estado de São Paulo para 
entender as novas propostas dos assentamentos agroecológicos, compreendo a concepção da 
Comuna da Terra, elaborada pelo MST, dentro dos assentamentos PDS do estado de São 
Paulo. 
 
CAPITULO 3: AS NOVAS PROPOSTAS AGROFLORESTAIS DE ASSENTAMENTOS NO 
ESTADO DE SÃO PAULO 
 
Neste capitulo veremos duas novas formas de propostas para os assentamentos 
rurais que estão acontecendo no estado de São Paulo. A primeira, a Comuna da Terra, é 
somente uma concepção de assentamento desenvolvida pelo MST para assentamentos 
próximos aos centros urbanos, como Campinas, Vale do Paraíba, Ribeirão Preto e a Grande 
São Paulo. A segunda, o PDS, proposto pelo INCRA para as novas áreas próximas aos 
centros urbanos, fruto de sua preocupação com o passivo ambiental e com a possibilidade de 
assentar mais famílias, devido aos altos valores das terras nestas regiões. 
 
3.1: A PROPOSTA DA COMUNA DA TERRA 
 
A discussão no estado de São Paulo, por parte do MST, com relação à Comuna da 
Terra surgiu no final da década de 1990 e inicio de 2000, no momento em que o debate 
sobre a Reforma Agrária e, principalmente, sobre a concepção da Reforma Agrária Clássica 
não mais se colocava como pertinente. Para Delwek Matheus, dirigente do MST, neste 
período no Brasil com o avanço da política neoliberal no campo, o debate que ocorria 
referia-se a qual concepção da reforma agrária seria adotada para a conjuntura brasileira. 
Tendo em vista que o agronegócio, já baseado nas políticas neoliberais, colocava em questão 
que não era preciso realizar a reforma agrária porque com essa nova reestruturação 
neoliberal modernizou-se a agricultura brasileira. Nessa compreensão os latifúndios 
improdutivos, com essa modernização, deixam de ser improdutivos para transformarem-se 
em terras produtivas. 
No governo FHC o então assessor do ministro Fernando Henrique Cardoso, 
Francisco Graziano, vai dizer que ¨O Brasil não precisa de reforma agrária” (Stédile, 2002). 
 
31 
 
Segundo Delwek Matheus, um dos fatores para a não realização da Reforma Agrária dita por 
Graziano seria falta de público que estivesse vinculado com essa causa: 
 
[...] Porque não tem mais publico para a reforma agrária. Aqui no Brasil, 
principalmente aqui no estado de São Paulo, não tem mais camponês para 
fazer a reforma agrária. A população já está toda na cidade, a classe 
trabalhadora, os trabalhadores já estão na cidade e não estão mais 
reivindicando a reforma agrária. Não tem publico para a reforma agrária. 
Então logo, a chamada reforma agrária clássica que é para desenvolver o 
capitalismo não há necessidade mais para o capitalismo. O capitalismo não 
tem mais esta necessidade da reforma agrária e logo, também, o Estado não 
tem interesse em fazer a reforma agrária porque o estado funciona com os 
interesses capitalistas. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011) 
 
Dada esta conjuntura o MST discute estas perspectivas de não ter reforma agrária 
capitalista ou reforma agrária socialista, concluindo pela necessidade de pensar numa nova 
forma de concepção da reforma agrária. Neste momento, surge o debate da Comuna da Terra 
dentro desse debate sobre a Reforma Agrária. Não seria somente a simples distribuição de 
terras, mas também um 
 
[...] conjunto de medidas necessárias que consigam alcançar seus objetivos. 
Esse conjunto de mudanças representa a criação de um novo modelo 
agrário e agrícola que garanta desenvolvimento econômico, político, social 
e cultural para toda a população do campo e que também beneficie a 
população urbana. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011) 
 
Já havia um processo de organização de trabalhadores da cidade para fazer 
ocupação de terra, principalmente na Grande São Paulo, onde começou o debate, e também 
no centro da cidade de São Paulo, com a Igreja organizando os moradores de rua. A Igreja 
estava organizando grupos de trabalhadores para lutar pela reforma agrária no interior do 
estado, principalmente em Andradina, Iaras. 
De acordo com Delwek Matheus (entrevista janeiro 2011), neste período o MST 
fazia uma discussão sobre cidade/campo. Estas discussões eram para organizar o público 
urbano para ir fazer ocupação de terra no Pontal, em Andradina, em Promissão. Neste 
sentido muitas famílias foram organizadas nas cidades grandes como São Paulo e demais 
pertencentes à Grande São Paulo, Sorocaba, Campinas e foram para os assentamentos que 
no geral ficam longe de onde estas famílias moravam. Isso fazia com que muitas famílias 
não fossem para as ocupações, porque eram muito longe de suas áreas de origem. 
 
32 
 
As famílias vão criando raízes na cidade, muitas delas residiam há cerca de 20 anos 
na cidade quando foram para as ocupações. Assim, morar em barracos, deixar parte de suas 
famílias, que também moram na cidade, seus amigos é difícil, elas não querem sairda cidade 
para ir para longe. Alguns membros da família que foram acampar, acabaram voltando e 
muitos nem vão para os acampamentos para não deixar sua realidade. O trabalho de base 
que tem sido feito nas grandes cidades do estado de São Paulo começa a perceber este 
problema. Então, o debate surge desta realidade que estava dada e o Movimento começa a 
discutir a estratégia para este novo público da Reforma Agrária, 
 
[...] surgiu a necessidade de discutir uma nova concepção de reforma 
agrária. Porque inclusive nessa discussão do governo, ele também está 
dizendo que no Brasil, principalmente aqui nos estados do Sudeste, não 
tem terra para fazer a reforma agrária. Ou seja, o capitalismo não tem terra 
para fazer a reforma agrária porque o agronegócio vai modernizar a 
agricultura capitalista e logo resolver o problema dos latifundiários. Não 
tem terra para fazer assentamentos, não tem terra improdutiva (latifúndio 
para fazer reforma agrária) e não tem publico. Então a gente teria que 
provar o contrario: provar que tem gente que quer fazer reforma agrária, e 
provar também que há terra para fazer assentamento. E inclusive, próximo 
das grandes cidades. Então aí a gente começou discutir uma nova 
concepção de reforma agrária exatamente para fazer ocupação perto das 
grandes cidades. [...] Então começou com o trabalho de base nestas cidades 
também. (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011) 
 
Diante dessa perspectiva, a reforma agrária necessariamente reuni características a 
partir de uma nova concepção, capaz de constituir-se em um meio de resistência e realizar 
permanentemente um combate ao atual modelo do “quadrado burro”, onde coloca o 
assentado em um lote sem infraestrutura, casa, estrada, energia, água, não tendo formas de 
produzir nem para o consumo. Segundo Matheus, a reforma agrária deve promover a 
“desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas, 
próximo aos grandes centros urbanos e as principais rodovias como prioridade para a 
reforma agrária” (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011). 
 
3.2 - OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA PROPOSTA 
 
De acordo com Delwek Matheus, no fim da década de 1990 e início do ano de 
2000, o Movimento vivia um período de resistência e precisava dinamizar e inovar as ideias 
e experiências no processo de luta pela Reforma Agrária. A massificação da participação e a 
organização de um novo modelo de produção que levasse em consideração uma renda 
 
33 
 
mínima por família e garantisse o respeito e a preservação da natureza, eram alguns 
elementos básicos para o avanço da luta e para a possibilidade de que a Reforma Agrária 
fosse colocada no centro das atenções políticas e da sociedade. Segundo Delwek Matheus: 
 
A Reforma Agrária não pode ser somente uma política de distribuição de 
terras, ou uma política de compensação com o objetivo de amenizar 
conflitos de terras localizados, ou pensar na Reforma Agrária como propôs 
o Estatuto da Terra, somente para resolver a questão econômica, a partir do 
modelo em curso, na lógica da competitividade e eficiência na questão, 
como estão organizados os atuais assentamentos, a reprodução total da 
propriedade privada. Isso não significa que nossas experiências de 
assentamentos não são importantes, ao contrário, temos boas experiências, 
mas precisamos muito mais. O desenvolvimento das forças produtivas vê-
se travado por normas, costumes, relações de poder, práticas comerciais, 
que decorrem das relações entre as classes proprietárias e a população do 
campo (Delwek Matheus, entrevista janeiro 2011). 
 
Os assentamentos como espaços de convivência social devem também ser um local 
de resistência e de formação sociocultural e política das pessoas. Local onde se passa a ter 
qualidade de vida, melhorando a alimentação, possibilitando a prática de esportes, lazer e 
cultura, principalmente para as mulheres, jovens e crianças, enfim, onde seja possível 
alcançar o bem estar econômico e social dos trabalhadores. Necessariamente, são 
características básicas dentro de uma nova concepção de Reforma Agrária. 
Nesta nova concepção de Reforma Agrária, para Delwek Matheus, as principais 
características a serem observadas são: 1. que a terra não seja propriedade privada, porque 
principalmente essas áreas estão muito próximas às grandes cidades, e sujeitas à especulação 
imobiliária; 2. que ela possa desenvolver a cooperação em seus diversos aspectos, ou seja, 
não só a cooperação para produzir na agricultura, mas a cooperação na organização social, 
na produção, na comercialização, no conjunto da vida das pessoas; 3. que ela seja capaz de 
negar o pacote tecnológico da agricultura capitalista, através do desenvolvimento de uma 
matriz tecnológica orgânica e agroecológica; 4. a organização social, ou seja, as famílias 
devem morar próximas umas das outras, devem procurar formas de organizar os núcleos de 
moradia, de forma que facilite a infraestrutura social, como ruas, ruas iluminadas, moradias 
com luz elétricas, com água tratada, com saneamento básico, espaço para esporte, para lazer, 
para cultura e principalmente para educação e para saúde; 5. por fim, o desenvolvimento da 
organização política: essa nova organização necessita de um processo de formação, 
 
34 
 
capacitação, organização dos trabalhadores para ter um processo de enfrentamento contra o 
modelo convencional, numa perspectiva também de afrontamento político. 
Neste mesmo sentido, outros elementos são importantes observar na proposta da 
Comuna da Terra: 
• Ser um meio de resistência e um permanente combate ao atual modelo e ao mesmo 
tempo, ser uma alternativa viável aos trabalhadores na construção de um novo projeto de 
desenvolvimento social. 
• Desapropriação das áreas não utilizadas e aproveitamento das áreas públicas e devolutas, 
próximo aos grandes centros urbanos e às principais rodovias como prioridade para a 
Reforma Agrária. 
• Massificação da Reforma Agrária incentivando a participação dos trabalhadores urbanos, 
principalmente os desempregados. 
• Desenvolver a cultura da socialização dos meios de produção. Planejamento, estímulo e 
facilidade à formação de núcleos de economia camponesa, através da produção e da 
organização social, núcleos de moradia com toda infra estrutura básica necessária, 
desenvolvendo a cooperação em todos os aspectos. 
• Adotar e desenvolver uma nova matriz de produção, voltada para a realidade local e 
mais equilibrada do ponto de vista do meio ambiente, da natureza, inclusive a saúde do ser 
humano e, em conjunto, adotar também um novo modelo tecnológico. 
• Planejar e desenvolver a produção de forma que possa colocar em prática o mercado de 
massas, comercialização direta aos trabalhadores da cidade, bairros e vilas de grande 
população de baixa renda. 
• Desenvolver um programa de agroindústria, com instalação de pequenas unidades de 
beneficiamento e industrialização da produção. 
• Implementar a marca dos produtos da Reforma Agrária, garantindo padrão de qualidade. 
• Desenvolver atividades não agrícolas dentro das comunidades, como pequenas indústrias 
e o próprio artesanato, como forma de complementar a renda das pessoas e envolver a 
participação das mulheres e jovens na produção, por exemplo, marcenarias, cerâmicas, etc. 
• Desenvolver um amplo programa de formação e capacitação massiva dos trabalhadores, 
técnicos e profissionais envolvidos no projeto, e também que seja um espaço que prepare os 
 
35 
 
trabalhadores com o novo conceito de agricultores, para que sejam sujeitos da história, ou 
seja, uma Reforma Agrária sob o controle dos trabalhadores. 
• Organizar espaço para as atividades sócio culturais, com a infra estrutura necessária 
garantida como, centros poliesportivos, auditórios que permitam as atividades e práticas 
esportivas, de lazer e culturais. (Delwek Matheus, entrevista Janeiro 2011) 
Assim, observa-se a importância de um modelo para fazerfrente ao grande capital e 
que promova acima de tudo a identificação do sujeito como ator da realidade existente. 
 
3.3 - O PDS COMO ALTERNATIVA PARA ASSENTAMENTOS 
AGROECOLOGICOS 
 
A discussão dos novos projetos de assentamentos passava por uma dificuldade, pois 
o modelo de assentamento como o Projeto de Assentamento Estadual – PA - que o INCRA 
adota no estado não atendia à necessidade deste novo público. Foram estas condições que 
incentivaram o INCRA a trazer para São Paulo o PDS, uma modalidade de assentamento 
elaborado a partir das experiências das Reservas Extrativistas da Amazônia. Segundo 
GOLDFARB (2007) 
 
O PDS foi criado pelo INCRA, através da portaria n 477 de 04 de 
novembro de 1999, para poder assentar pessoas que não constituem uma 
comunidade tradicional, em áreas relevantes para o meio ambiente, como 
remanescentes de mata atlântica, áreas da Amazônia ou do cerrado 
(GOLDFARB, 2007, p. 31) 
 
Neste sentido, o PDS traz a possibilidade de proteger ou recuperar áreas, em que 
sua biodiversidade já estava comprometida ou totalmente extinta na região. O PDS visa 
também garantir uma renda mínima para as famílias através do manejo ecológico, da coleta 
de frutos ou da agricultura como milho, feijão, mandioca em áreas desmatadas. Ele se 
diferencia das outras modalidades de assentamento, por ser construído em um processo 
participativo entre o INCRA, os assentados e os parceiros locais em torno do compromisso 
do desenvolvimento sustentável. 
No cadastro das famílias para serem assentadas no PA, sua seleção é feita a partir 
do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA. No PDS, além da 
seleção do SIPRA é necessário levar em conta o perfil agroecológico das famílias. 
 
36 
 
Com relação ao publico alvo, no PA trata-se do agricultor tradicional sem terra. No 
PDS o agricultor tem que ter perfil de trabalhar com praticas agroecológicas. 
Com relação aos documentos que cada um deve ter, o PA necessita para sua 
implantação do Laudo de Vistoria e do Projeto de Desenvolvimento do Assentamento – 
PDA. O PDS necessita do Laudo de Vistoria e do Plano de Utilização – PU - que define a 
utilização de todas as áreas do assentamento, que pode ser definida através de um Termo de 
Ajuste de Conduta –TAC -, que é um compromisso coletivo que esclarece como se dará o 
uso das áreas dos assentamentos. 
Com relação à titulação da área, no PA a posse é individual enquanto que no PDS a 
posse é coletiva e o assentado tem uma Concessão do Direito Real de Uso, ficando a 
titulação no nome da União. 
No estado de São Paulo, até o momento desta pesquisa, existem 17 assentamentos 
denominado PDS, detalhados no quadro abaixo: 
 
Quadro 1– Assentamentos PDS no estado de São Paulo 
Municípios Assentamentos Famílias Área 
Caconde PDS Agroecológico Hugo Mazzilli 25 135,53 
Descalvado PDS Comunidade Agrária 21 de Dezembro 40 378,91 
 PDS Horto Florestal Aurora 80 533,36 
Ribeirão Preto PDS da Barra 440 1.548,48 
Serra Azul e 
Serrana 
PDS Sepé Tiarajú 79 798 
São Carlos PDS Santa Helena 19 98,83 
Americana PDS Comuna da Terra Milton Santos 85 103,45 
Cajamar PDS São Luiz 37 123,07 
Itanhaém PDS Agroecológico 6 153,26 
Limeira PDS Elizabeth Teixeira 150 602,87 
Iepê PDS Bom Jesus (São Marcos) 37 68,36 
São Mateus PDS Boa Esperança (João Ramalho) 40 54,69 
Taubaté PDS Olga Benário 63 692,12 
Tremembé PDS Manoel Neto 44 378,91 
Ubatuba PDS Quilombo Caçandoca 53 210 
Apiaí PDS Professor Luiz de David Macedo 86 7.767,22 
Eldorado PDS Alves, Teixeira e Pereira 64 3.072,68 
Miracatu PDS Ribeirão do Pio 8 406,1 
Fonte: INCRA, 2011. Org. Vandei Junqueira Aguiar 
 
Observamos que dos 17 PDS que se encontram no estado, 6 são do tipo Comuna da 
Terra (em negrito no quadro 1), são eles: Comuna da Terra Milton Santos em Americana; 
São Luiz em Cajamar; Manuel Neto em Taubaté; Olga Benário em Tremembé; O PDS da 
 
37 
 
Barra, onde se localiza a Comuna da Terra Mario Lago, em Ribeirão Preto Sepé Tiarajú em 
Serro Azul Serrana. 
Em todas estas áreas de PDS houveram, e ainda há, muitas dificuldades em se fazer 
a implantação dos assentamentos. Um dos fatores é a assistência, onde os técnicos não estão 
preparados para esta modalidade de assentamento, ficando assim um conflito entre os ideais 
que as famílias têm e as condições e limites que os técnicos tentam administrar. 
Observando o quadro 1, verifica-se o aumento do número de famílias assentadas 
em áreas cada vez menores. E nestes dez anos de existência da Comuna da Terra, este 
número vem aumentando no estado de São Paulo. É o caso do PDS da Barra que, em 
1.548,48 hectares possui 440 famílias assentadas, numa média de 1.5 ha/família, sendo o 
maior até o momento em quantidade de famílias assentadas e o terceiro em tamanho de área, 
atrás somente do PDS Professor Luiz de David Macedo em Apiaí, com 86 famílias 
assentadas em 767,22 ha (aproximadamente 7 ha/família) e do PDS Alves, Teixeira e 
Pereira, em Eldorado com 64 famílias assentadas em 3.072,68 ha (aproximadamente 31 
ha/família). 
No próximo capítulo iremos analisar o caso da Comuna da Terra Mario Lago (PDS 
da Barra) em Ribeirão Preto, que é considerada a capital do agronegócio paulista, tentando 
observar as relações entre as famílias na proposta da produção e a implantação das políticas 
públicas nos assentamentos. 
 
CAPÍTULO 4 - UM PROJETO DE ASSENTAMENTO AGROFLOREST AL: DO 
PDS FAZENDA DA BARRA AO ASSENTAMENTO COMUNA DA TERR A MARIO 
LAGO, EM RIBEIRÃO PRETO-SP 
 
No processo de luta pela conquista do assentamento Mario Lago, um dos fatores 
mais importantes discutidos com o grupo foi a proposta de um assentamento agroecológico 
para contrapor-se ao modelo agrícola da região de Ribeirão Preto no qual predomina, 
atualmente, o agronegócio sucroalcooleiro, propagando uma agricultura moderna e 
mecanizada, que não precisa de pessoas morando no campo. A proposta de contrapor-se ao 
agronegócio consistia em trazer famílias da cidade que tinham vontade de voltar para o 
campo e levá-las a ocupar os latifúndios de cana. 
Desde o começo do acampamento, em 2003, no sitio Braghetto, próximo à BR 330 
Anhanguera, o MST - que foi o primeiro movimento a ocupar a Fazenda da Barra – discutiu-
 
38 
 
se com as famílias um modelo de assentamento diferenciado. Neste assentamento, as 
famílias não poderiam fazer queimadas, usar veneno nas plantações, desmatar os resquícios 
de mata que restaram na fazenda, pois, devido ao desmatamento que o antigo proprietário 
havia feito para aumentar a área de plantio de cana, tinham graves problemas ambientais e 
também um passivo de multas. A terra encontrava-se envenenada devido ao insumo 
utilizado para o cultivo da cana de açúcar e era preciso recuperá-la. Deveriam também 
preservar e reflorestar as áreas de nascente que foram drenadas, pois esta é uma área de 
recarga do aquífero Guarani, tendo seu afloramento em vários pontos da área onde hoje se 
encontra o assentamento Mario Lago. 
A discussão sobre a formação de um assentamento agroflorestal perpassou pelos 
sete anos durante os quais as famílias ficaram acampadas. Junto com o Ministério Público 
que acompanhava a área há muito tempo, através do promotor Marcelo Goulart, o 
Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais, a sociedade civil e os 
movimentos sociais, discutiram em diversas audiências no Ministério Público qual seria o 
projeto do assentamento mais adequado para a Fazenda da Barra. Em dezembro de 2004, a 
Fazenda da Barra foi decretada terra a ser desapropriada para fins de reforma agrária pelo 
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas somente em 2007 o INCRA iniciou o processo de 
discussão com as famílias sobre o projeto de assentamento a ser implantado, tendo o 
parcelamento dos lotes ocorrido apenas no fim de 2008. 
A demora do processo de assentamento fez com que a dissidência entre famílias 
acampadas acirrasse as contradições afloradas pelo desgaste no processo deluta o que 
acabou causando, em 2005, um racha que culminou na saída de algumas famílias do 
acampamento Mario Lago. Essas foram acampar próximo à porteira da entrada da Fazenda, 
ao lado do bairro Ribeirão Verde, levantando a bandeira do outro movimento social, o 
Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST. 
Nesse período no MLST existiam poucas famílias, mas com o decorrer do tempo 
outras famílias chegaram para acampar, fazendo com que aumentasse o acampamento. Em 
2006 aconteceu outro conflito interno no acampamento do MLST, dando origem a outros 
conflitos. Assim, 56 famílias que não concordavam com o MLST foram acampar em outra 
área da fazenda, próximo à Anhanguera, criando o acampamento Índio Galdino, sem 
nenhuma filiação com movimentos sociais, ficando assim apelidado como “Bandeira 
Branca”. 
 
39 
 
No período entre 2007 e 2009, período do pré assentamento, as famílias que 
estavam divididas em três acampamentos já estavam homologadas junto ao referido órgão, 
já estavam depositados o apoio inicial e os fomentos, ambos créditos para que os acampados 
começassem a se estruturar para produzir nos seus lotes, mas o corte da área não tinha sido 
feito e as estruturações das políticas públicas do assentamento estavam sendo realizadas. 
Neste período, aconteceram as audiências do Ministério Público para discussão do 
projeto do assentamento. Todos os movimentos sentavam juntos com o Promotor do Meio 
Ambiente Marcelo Goulart, a sociedade civil e o INCRA, para elaborar juntos o projeto de 
assentamento. Tudo que envolvia a comunidade do assentamento era discutido: as áreas a 
serem destinadas a cada movimento, o tamanho dos lotes, as estradas, a água, as áreas de 
reservas, o transporte escolar, a escola do campo, o posto de saúde, a energia elétrica, etc. 
Para que todos os envolvidos no processo de assentamento cumprissem os termos definidos 
coletivamente, foi assinado, o pré Termo de Ajuste de Conduta juntamente com o INCRA, a 
sociedade civil, o Ministério Público e as famílias assentadas. 
Um dos termos mais discutidos nas audiências do Ministério Público foi o tamanho 
do lote. O fato da Fazenda da Barra ter várias áreas de nascentes, quatro quilômetros de 
divisa com o Rio Pardo que contém uma grande área de várzea (alagada), diversas áreas de 
APP em dois córregos que cortam a área, três linhas de alta transmissão de energia que, 
juntas somam 61,27 hectares, corredores ecológicos para ligação de uma mata dentre outros, 
fazia com que restasse uma parcela de área seca para assentar todas as famílias que estavam 
acampadas nos quatro acampamentos. 
O tamanho do lote também era influenciado pela área na qual cada acampamento se 
localizava. O Mario Lago (MST) ocupava cerca de 70% da área da fazenda, com 264 
famílias; o Santos Dias (MLST) ocupava cerca de 25% da área, com 154 famílias e o Índio 
Galdino (Bandeira Branca) cerca de 5% da área, com 44 famílias, como podemos observar 
na figura 9. 
Nos dias atuais, permanecem os quatro assentamentos na Fazenda da Barra. O 
assentamento Mario Lago do MST com 264 famílias, o assentamento Santos Dias do MLST 
com 85 famílias, o assentamento Índio Galdino, sem filiação a nenhum movimento social 
(Bandeira Branca) com 56 famílias e o assentamento Luíza Marri, também sem filiação a 
nenhum movimento social (outro assentamento Bandeira Branca) com 59 famílias. Juntos, 
os quatro assentamentos somam um total de 464 famílias assentadas na Fazenda da Barra. 
(INCRA, 2011) 
 
40 
 
Figura 9: Território dos movimentos 
 
Fonte: Ministério Publico Estadual. Org. Vandei Junqueira, 2011. 
 
4.1 - A DIFICULDADE DA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO PDS 
 
A proposta do projeto de assentamento do INCRA para a Fazenda da Barra, como 
já dito, era o PDS. O órgão já havia implantado um modelo na região, no assentamento Sepé 
Tiarajú, localizado no município de Serra Azul. Esse assentamento foi um dos primeiros 
assentamentos de tipo PDS do estado de São Paulo. Segundo o promotor de justiça, Marcelo 
Goulart em entrevista concedida em junho 2011, a razão de escolher como modelo um PDS 
era 
 
para implementar assentamentos agroecológicos que não só viriam a 
proteger o meio ambiente, a flora, a fauna, a biodiversidade, os recursos 
hídricos, mas também para mostrar que existe uma alternativa viável a 
aquele padrão do agronegócio. [...]” 
 
Ele acrescenta ainda que isso se dava não apenas: 
 
 [...] na defesa estrito senso do meio ambiente do Aquífero Guarani, mas 
também devido a necessidade de se afrontar com o novo modelo de 
 
41 
 
agricultura com um outro padrão de produção. Padrão sustentável do ponto 
de vista ambiental. Também discursa novas formas de organização na 
posse do assentamento com a previsão de áreas de exploração coletivas, 
que se tenha um projeto alternativo de agricultura para mostrar que existe 
um padrão mais sustentável do ponto de vista ambiental, do ponto de vista 
social, em relação ao agronegócio baseado na monocultura, no latifúndio, 
no uso de intensivos agroquímicos e motomecanização, e perca de postos 
de trabalho no campo, concentração do latifúndio [...]” 
 
Para o INCRA, por sua vez, 
 
O projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) é, portanto, uma 
modalidade de assentamento rural que se diferencia das outras 
modalidades, por se propor a ser construída através de um processo 
participativo entre o INCRA, os assentados e outros parceiros locais e 
regionais em torno de compromissos concretos com o desenvolvimento 
sustentável. (INCRA, 2011) 
 
Para o MST, o PDS não daria conta das demandas destes novos modelos de 
assentamento que o mesmo vinha discutindo, realizados próximos aos grandes centros 
urbanos, também denominados “eixos metropolitanos”, onde uma das principais 
características é o público alvo que não vem mais do campo. Esse novo modelo de 
assentamento é composto de trabalhadores da indústria, do comércio, da construção civil, 
domésticas, pessoas que saíram do campo ou filhos de agricultores que foram expulsos do 
campo e tentam voltar para uma vida mais tranqüila, próximo à natureza, saindo das favelas 
ou periferias das cidades, buscando afastar-se da violência e das drogas. Segundo o 
Movimento, o novo público da reforma agrária não se acostumaria a morar em um 
assentamento convencional longe da cidade, sem infraestrutura, escola, energia e água 
encanada. 
Neste sentido, o MST, como já citado no capítulo anterior, vem discutindo a 
concepção de Comuna da Terra, que teria mais condições de atrair um público acostumado a 
ter as “mordomias” da cidade, morando no campo em lotes menores, devido ao alto valor da 
terra próximo às grandes cidades, com uma produção voltada para pequenos animais e 
hortifrutigranjeiros, com área coletivas de produção e com agroindústrias. Essa concepção 
de assentamento, na visão do Movimento, permitiria ao assentado manter uma renda o ano 
todo. Mas, para que isso pudesse ocorrer, os novos modelos de assentamentos 
agroecológicos teriam que ter, na sua implantação, as políticas públicas de estruturação 
como luz elétrica, água encanada para o consumo das famílias assentadas e a irrigação, 
 
42 
 
moradia, agroindústrias, escola, posto de saúde, transporte escola etc. Só assim, o 
assentamento seria viabilizado. Porém, isso nem sempre acontece, como veremos a seguir. 
 
4.2 - PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA IMPLANTAÇÃO DOS 
ASSENTAMENTOS AGROFLORESTAIS 
 
Existem vários impedimentos à implantação destes modelos de assentamentos. Segundo 
Marcelo Goulart (em entrevista concedida em junho 2011), 
 
Há dificuldades em relação ao INCRA, porque é um modelo novo. Então a 
burocracia do INCRA não está preparada para implantação deste tipo de 
assentamento. Portanto não existe recurso próprio, por exemplo, no 
INCRA para atender a produção em área coletiva. Estes financiamentos 
são feitos individualmente para cada família para a exploração do lote 
individual. 
Quando chegamos

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