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O problema da síntese discursiva: a ​Crítica da Razão Pura ​e o método 
crítico​1 
The problem of discursive synthesis: the ​Critique of Pure Reason​ and the critical 
method 
 
Ana Letícia Arelaro​2 
 
Resumo: A ​Crítica da Razão Pura​, na ​Doutrina Transcendental do Método​, caracteriza 
o método crítico da filosofia como um método discursivo que recorre, em suas provas, a 
uma síntese transcendental por meros conceitos. Assim, se o método discursivo 
proposto pela ​Crítica ​prescinde da intuição, como ele se distingue da análise de 
conceitos própria da metafísica dogmática? O problema central está em compreender 
como é possível, para a filosofia crítica, uma síntese transcendental por meros 
conceitos, uma vez que a própria ​Crítica da razão ​pura afirma, em diversos momentos, 
que todo conhecimento sintético é constituído pelo entrelaçamento entre intuição e 
conceito. 
Palavras-chave: ​Kant; ​Crítica da Razão Pura​; ​Método transcendental​; ​Síntese 
discursiva​. 
 
Abstract: ​The ​Critique of Pure Reason in the ​Transcendental Doctrine of Method​, 
characterizes the critical method of philosophy as a discursive method that uses in its 
proofs a transcendental synthesis by mere concepts. Thus, if the discursive method 
proposed by the ​Critique dispenses with intuition, how is it distinguished from the 
analysis of concepts proper to dogmatic metaphysics? The central problem is to 
understand how it is possible to the critical philosophy the transcendental synthesis by 
mere concepts, since the ​Critique of Pure Reason itself affirms, at different times, that 
all synthetic knowledge is constituted by the intertwining between intuition and 
concept. 
Keywords: ​Kant; Critic of Pure Reason; Transcendental method; Discursive Synthesis. 
 
* * * 
 
 
 
 
 
1 Este artigo toma como base e desenvolve a pesquisa que apresentei na Monografia de Conclusão de 
Curso em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos; agradeço, portanto, ao CNPq pelo 
financiamento da pesquisa; ao meu orientador Paulo Licht dos Santos; aos pareceristas Marcos César 
Seneda e Francisco Prata Gaspar, pelos profícuos comentários feitos à Monografia, que muito 
contribuíram para o presente texto. 
2 Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: 
analeticia.arelaro@gmail.com​. 
 
mailto:analeticia.arelaro@gmail.com
O problema da síntese discursiva 
Introdução ao problema: síntese ​a priori ​no método discursivo da ​Crítica da razão 
pura 
Na ​Doutrina transcendental do método da ​Crítica da razão pura​, Kant propõe 
uma síntese ​por ​conceitos como método de prova para a filosofia crítica: “Existe uma 
síntese transcendental por meros conceitos, de fato, que serve apenas à filosofia” (KrV, 
A719/B747). Não é paradoxal que Kant proponha uma síntese para a filosofia que, não 
obstante, seja por “meros conceitos”? Pois, se a ​Crítica pretende determinar se é 
possível uma metafísica como ciência, ainda no Prefácio B, Kant afirma que a 
metafísica tradicional é "um conhecimento especulativo da razão completamente 
isolado, que se eleva por completo para além dos conhecimentos da experiência por 
meio de meros conceitos​3 (não pela aplicação dos mesmos à intuição, como faz a 
matemática)" (​KrV​, BXIV)​4​; e em seguida Kant afirma, "não há nenhuma dúvida, 
portanto, de que seu procedimento foi até aqui um tatear às cegas e, o que é pior, um 
tatear entre conceitos puros" (​KrV​, BXV). 
Kant assim nos mostra, já no Prefácio, que o erro da metafísica dogmática foi o 
de tatear entre meros conceitos, sem reportá-los a uma intuição correspondente. Se é 
assim, seria possível alguma metafísica como ciência? Essa pergunta nos leva a uma 
pergunta anterior: como a própria ​Crítica deve proceder em suas provas para poder 
responder a essa pergunta de modo não dogmático? Para responder a essa última 
questão (sobre o método de prova), é preciso antes compreender a primeira (sobre o 
erro da metafísica dogmática). 
Kant, também no Prefácio B​, toma a física e a matemática como paradigmas de 
conhecimento científico, em razão tanto da universalidade e da certeza apodítica de seus 
conhecimentos, quanto do consenso de seus estudiosos. Há, contudo, uma diferença 
entre a matemática e a física, pois a física possui uma parte empírica, diferente da 
matemática que é completamente ​pura ​(​KrV​, BX). Diante disso, poderia parecer que a 
3 ‘Meros conceitos’ nesta citação do Prefácio é a tradução, feita por Costa Mattos, de ‘​bloβe begriffe’; na 
tradução de Santos e Morujão é traduzido como ‘simples conceitos’. N​a “Doutrina do Método”, quando 
Kant diz: “Existe uma síntese transcendental por meros conceitos” (KrV, A719/B747), Costa Mattos 
traduz ‘aus lauter Begriffen’ também como ‘meros conceitos’, enquanto Santos e Morujão traduzem 
como ‘puros conceitos’. 
4 A ​Crítica da Razão Pura é citada segundo as edições A (1781) e B (1787); demais citações das obras de 
Kant segundo a Akademie Ausgabe (AA). 
 
Vol. 14, 2020 
www.marilia.unesp.br/filogenese​ 97 
http://www.marilia.unesp.br/filogenese
O problema da síntese discursiva 
matemática seria o modelo mais adequado para pensarmos um método para a filosofia, 
uma vez que ambas são conhecimentos não empíricos, inteiramente puros. 
Contudo, na Introdução à ​Crítica​, ​Kant já fornece um indício de que a metafísica 
não pode contar com uma intuição tal como é requerida pela matemática. A condição 
necessária para todo conhecimento científico é exposta na seção V da Introdução: 
Mesmo que se considere a ​metafísica como uma ciência que até aqui 
foi apenas ensaiada, mas que é indispensável em virtude da natureza 
da razão humana, ela tem de ​conter conhecimentos sintéticos a priori 
e, portanto, não lida somente com a mera decomposição e o 
esclarecimento analítico de conceitos que fazemos das coisas ​a priori​, 
mas nós queremos antes ampliar nossos conhecimentos ​a priori e, para 
isso, temos de empregar princípios tais que acrescentem ao conceito 
dado algo que não estava nele contido (​KrV​, B18). 
 
Para que a metafísica não lide com meros conceitos vazios, Kant diz que 
princípios ​devem ser empregados para acrescentar ao conceito dado algo que não estava 
nele contido. No entanto, é curioso que Kant não mencione aqui nem o espaço nem o 
tempo, pois, em diversas passagens da ​Crítica​, Kant afirma que intuições sensíveis e 
conceitos precisam entrelaçar-se para que haja conhecimento objetivo. Na ​Lógica 
transcendental​ temos uma passagem bastante conhecida que explicita isso. 
A intuição e os conceitos, portanto, constituem os elementos de todo o 
nosso conhecimento, de tal modo que nem os conceitos sem uma 
intuição correspondentes de algum modo a eles, nem uma intuição 
sem conceitos, podem fornecer um conhecimento. [...] Sem a 
sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem o entendimento 
nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, 
intuições sem conceitos são cegas (​KrV​ B74/75).​5 
 
Como entender, portanto, que a filosofia crítica - que deve decidir se umametafísica é possível - precise empregar “princípios tais que acrescentem ao conceito 
dado algo que não estava nele contido”, sem que a intuição possua um papel neste uso 
da razão? Qual o método de prova que a crítica deve adotar sem se ater à mera análise 
de conceitos? Essa exigência de dispor de uma intuição não se aplicaria também à 
5 No ​progressos da metafísica​, Kant afirma algo bastante parecido: “se deve haver conhecimento sintético 
a priori​, devem então dar-se também intuições e conceitos ​a priori​” ​(​FM ​AA 20: 25). 
 
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O problema da síntese discursiva 
própria ​Crítica da razão pura ​que investiga a possibilidade de uma metafísica como 
ciência? Pois a ​Crítica ​também pretende ser uma ciência da razão pura: “podemos 
considerar como uma propedêutica do sistema da razão pura, uma ciência que se limite 
simplesmente a examinar a razão pura, suas fontes e limites.” (​KrV​, B25). Mas se toda e 
qualquer ciência requer uma intuição, como poderia a ​Crítica da razão pura pretender 
ser ciência? A necessidade de dispor de uma intuição, porém, não se aplica à 
Crítica​.De fato, logo no início ​Disciplina da razão pura - presente na ​Doutrina do 
método - Kant diferencia o método filosófico do método matemático do seguinte modo: 
"O conhecimento filosófico é o conhecimento da razão por conceitos, e o matemático 
por construção de conceitos. Construir um conceito, porém, significa expor a intuição ​a 
priori ​a ele correspondente" (​KrV​, A713/B741). Kant mostra aqui que a filosofia não 
pode imitar o método matemático, pois não pode construir conceitos a partir da intuição 
a priori​. Em seguida, Kant diz que a filosofia "se atém apenas aos conceitos 
universais", e que a matemática "corre logo para a intuição, onde considera o conceito 
in concreto​, ainda que não empiricamente." (​KrV​, A715/B743). Por essa passagem, 
portanto, temos que a filosofia, no seu método, não pode jamais propor alguma 
construção de conceitos.​6 
Essa tese kantiana receberá a objeção de Schelling (2001, p.89) que, no seu 
artigo ​Sobre a construção na filosofia​, afirma que Kant “concebe o método 
demonstrativo na filosofia apenas no espírito do dogmatismo e como análise lógica”. 
Schelling, ao mencionar este problema relativo ao método na filosofia transcendental, 
defende que a filosofia deve trabalhar com a construção de conceitos para sair da mera 
análise vazia. Ao comentar o trecho da ​Disciplina da razão pura em que Kant compara 
o geômetra com o filósofo​7​, Schelling diz: 
Ao mesmo tempo se seguiria dessa passagem que o filósofo, segundo 
Kant, não poderia operar com os conceitos, aos quais está limitado, de 
6 Na ​Lógica de Viena Kant também diferencia o conhecimento filosófico e o matemático enquanto 
conhecimento por conceitos e por construção de conceitos (​Log ​AA 09: 831); e, tal como na ​Doutrina 
transcendental do método​, também caracteriza as verdades matemáticas como intuitivas e as filosóficas 
como discursivas (​Log ​AA 09: 857; 892). 
7 “Suponhamos que se dê ao filósofo o conceito de um triângulo e se deixe que ele descubra do seu modo 
como a soma dos seus ângulos se comporta em relação ao ângulo reto. [...] Ele pode decompor e 
esclarecer o conceito de uma linha reta, de um ângulo ou do número três, mas não chegará a nenhuma 
outra propriedade que não faça parte desses conceitos.” (​KrV​, A716/B744). 
 
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O problema da síntese discursiva 
outra maneira senão analiticamente. É essa a opinião de Kant ou esse 
capítulo posterior esqueceu os anteriores? (Idem, p. 93). 
 
A menção a Schelling é importante aqui para delimitar a hipótese que este artigo 
pretende seguir: pretendemos defender que o método filosófico discursivo proposto por 
Kant não se reduz à mera análise de conceitos; mas propõe uma síntese que se dá por 
conceitos, como o próprio Kant explicita na​ Doutrina do método​: 
Existe uma síntese transcendental por meros conceitos, de 
fato, que serve apenas à filosofia, mas ela nunca diz respeito 
a mais do que uma coisa em geral, sob cujas condições a sua 
percepção poderia pertencer à experiência possível (​KrV​, 
A719/B747). 
 
Esse método que requer uma “síntese por meros conceitos” parece tão paradoxal 
em um primeiro momento que ainda parece predominar a visão de que cabe ao método 
da filosofia crítica apenas a análise de conceitos, como defendeu já Schelling: “o 
filósofo, segundo Kant, não poderia operar com os conceitos, aos quais está limitado, de 
outra maneira senão analiticamente”. Como entender, portanto, a síntese discursiva que 
parece confrontar a própria tese central kantiana de que todo conhecimento sintético 
requer referência dos conceitos vinculados pelo juízo à intuição? 
 
1. A​ Disciplina da razão pura​ e a síntese por conceitos 
É na última seção da ​Disciplina da razão pura​, denominada ​Disciplina da razão 
pura em relação às suas provas​, ​que a primeira ​Crítica expõe o método de prova da 
filosofia crítica e explica a possibilidade de uma síntese não intuitiva. Nessa seção, 
encontra-se uma passagem que, apesar de não ser muito clara, é central para a 
elucidação do modo como a razão humana, no método transcendental de prova, pode 
sair da mera análise conceitual sem precisar dispor de uma intuição sensível: 
As provas das proposições transcendentais e sintéticas têm em si, 
entre todas as provas de um conhecimento sintético ​a priori ​a 
propriedade de que a razão não pode nelas, através de seus conceitos, 
dirigir-se diretamente ao objeto, mas tem de estabelecer antes, ​a 
 
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O problema da síntese discursiva 
priori​, a validade objetiva dos conceitos e a possibilidade da síntese 
dos mesmos. Isto não é somente algo como uma regra necessária de 
prudência, mas diz respeito à essência e à possibilidade da prova 
mesma. Se devo ir além, ​a priori​, do conceito de um objeto, isto é 
impossível sem um fio condutor particular encontrável fora desse 
conceito. Na matemática é a intuição ​a priori ​que conduz a minha 
síntese, e todas as inferências podem, nela, ser efetuadas 
imediatamente na intuição pura. No conhecimento transcendental que 
se ocupa apenas dos conceitos do entendimento esse fio é a 
experiência possível. A prova não mostra, com efeito, que o conceito 
dado (daquilo que acontece, por exemplo) conduza diretamente a um 
outro conceito (aquele de uma causa), pois semelhante passagem seria 
um salto que não se poderia justificar; mas ela mostra que a própria 
experiência, portanto o objeto da experiência, seria impossível sem tal 
conexão. (​KrV​, A782-83/B810-11). 
Essa passagem, central para entendero método transcendental da própria Crítica, 
destaca dois fatores essenciais para que seja possível uma síntese ​a priori que não 
dispõe da intuição: 
1. Na prova transcendental, a razão humana não se dirige diretamente ao objeto, 
mas deve antes estabelecer a priori a ​validade objetiva e a ​possibilidade de síntese dos 
conceitos do entendimento, o que diz respeito à “essência e à possibilidade da prova”. 
Ou seja, não é possível uma prova que parta de conceitos sem validade objetiva, é por 
isso que a prova transcendental se ocupa apenas dos conceitos do entendimento e não 
dos conceitos da razão. 
2. Nessa prova, não é a intuição, mas é a ​experiência possível que serve como 
fio condutor para que se saia do conceito de um objeto e se encontre algo fora dele de 
modo ​a priori​. É preciso sair do conceito, pois as proposições transcendentais são 
sintéticas e a prova não consiste em decomposição de conceitos, mas estabelece “a 
possibilidade de chegar ​a priori​, sinteticamente, a um certo conhecimento das coisas 
que não estava contido no conceito delas.” (​KrV​, A783/B811). Consequentemente, a 
prova exigida pelo método transcendental é um tipo muito peculiar de síntese ​a priori​: 
uma síntese por conceitos que têm como fio condutor a experiência possível. 
Para compreender o método de prova empregado por Kant é preciso, portanto, 
compreender esses dois pontos: primeiro, de que modo a razão estabelece a validade 
objetiva e a possibilidade da síntese dos conceitos do entendimento; segundo, como a 
experiência possível pode servir como fio condutor em uma síntese ​a priori​. 
 
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O problema da síntese discursiva 
Na ​Disciplina da razão pura​, Kant fornece três regras exigidas em uma prova 
transcendental, a análise destas regras nos ajuda a começar a compreender melhor estes 
pontos. A primeira regra diz que em uma prova transcendental, que diz respeito apenas 
aos ​princípios ​do entendimento, é necessário exigir a ​dedução ​dos princípios 
empregados. O que não é possível para os princípios da razão pura, pois tais princípios 
são todos dialéticos e só são válidos como “princípios regulativos do uso empírico 
sistematicamente concatenado.” (​KrV​, A786/B814). Kant diz aqui que é necessária a 
dedução ​dos princípios do entendimento, mas na ​Analítica transcendental ​temos a 
dedução dos conceitos do entendimento, não dos princípios. 
Na segunda regra - que para cada proposição transcendental só pode ser 
encontrada ​uma única prova - Kant diz que “toda proposição transcendental parte 
apenas de ​um único ​conceito e enuncia a condição sintética da possibilidade do objeto 
segundo esse conceito” (​KrV​, A787/B815). A prova transcendental é sempre única pois 
ela não dispõe do diverso da intuição sensível (como na matemática ou na ciência da 
natureza), mas parte de um único ​conceito (​KrV​, A787/B815); como vimos, este 
conceito deve ser um conceito do entendimento. 
Ao propor a terceira regra - “que toda prova transcendental deve ser conduzida 
de modo direto” (​KrV​, A789-90/B817-18) - Kant torna explícito o que já indicava nas 
regras anteriores, a saber, que é a dedução transcendental que possibilita uma prova 
legítima de síntese para a filosofia: “Todos devem conduzir sua causa por meio de uma 
prova produzida corretamente, através de uma dedução transcendental dos argumentos.” 
(​KrV​, A794/B822). 
Entretanto, a prova transcendental de síntese por conceitos não se reduz à 
dedução transcendental das categorias, esta fornece apenas o fundamento da prova; mas 
a prova propriamente - que precisa da experiência possível como fio condutor - está 
presente na ​Analítica dos princípios​.​8 Ora, na primeira regra, Kant diz que a prova 
transcendental diz respeito aos ​princípios ​do entendimento (​KrV​, A786/B814); na 
segunda, que a prova transcendental parte de um ​conceito (​KrV​, A787/B815). Ou seja, a 
prova transcendental parte de um conceito que possui validade objetiva (pois passou 
pela dedução transcendental), mas a síntese propriamente, que têm como fio condutor a 
experiência possível, só é obtida na prova dos princípios do entendimento. Isso é 
8 Cf. SCHULTING, p. 37-38. 
 
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O problema da síntese discursiva 
confirmado por Kant na seguinte passagem da ​Disciplina da razão pura com relação ao 
seu uso dogmático​9​. 
através dos conceitos do entendimento, ela [a razão pura] de fato 
estabelece princípios seguros mas não diretamente a partir de 
conceitos, e sim indiretamente, através da relação desses conceitos a 
algo inteiramente contingente, a saber, a experiência possível; pois 
quando esta (algo como objeto da experiência possível) é pressuposta, 
eles são de fato apoditicamente certos, mas não podem jamais ser 
conhecidos em si mesmos (diretamente) ​a priori​. (​KrV​, A737/B765). 
 
Isso significa que um princípio do entendimento não pode ser obtido pela mera 
análise de um conceito do entendimento. Tais conceitos são o ponto de partida da prova 
destes princípios, mas é necessário um fio condutor para sair do conceito: quando um 
objeto da experiência possível é pressuposto, diz Kant, os conceitos do entendimento 
são universalizados em princípios apodíticos. Isso revela, ainda que de modo conciso, o 
papel da experiência possível na síntese por conceitos. Porém, para compreender 
melhor essa síntese, é necessário compreender a diferença entre os conceitos e os 
princípios do entendimento. 
Na própria ​Disciplina da razão pura​, ​Kant define um conceito do entendimento 
como o princípio da síntese das intuições empíricas possíveis, em nota Kant explica que 
o conceito do entendimento “é uma regra da síntese das percepções” (​KrV​, ​A722/B750). 
Isso significa, que o que fornece conteúdo a um conceito ​a priori do entendimento não é 
uma intuição pura, mas a regra formal de qualquer intuição empírica possível, é por isso 
que ele não é um conceito sensível, mas um conceito transcendental. Zoller (2010, 
p.92/93) explica essa passagem usando como exemplo a categoria de causalidade, 
segundo o autor esta categoria não contém nenhuma intuição, nem empírica, nem pura, 
mas a regra formal do pensamento causal que torna possível que uma sequência de 
fenômenos temporais seja objetivamente apreendida. 
Já os princípios do entendimento, também denominadas de proposições 
transcendentais, são proposições ​sintéticas sobre coisas em geral cuja a intuição não 
pode ser dada ​a priori​: ​"ela contém apenas a regra segundo a qual uma certa unidade 
9 A ​Disciplina da razão pura é dividida em quatro seções, neste artigo comentamos passagens somente da 
primeira e quarta seções, pois somente estas tratam sobre o método discursivo. 
 
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O problema da síntese discursiva 
sintética deve ser empiricamente buscada para algo que não pode ser representado 
intuitivamente ​a priori ​(as percepções).", diz Kant. (​KrV​, A720/B748). Segundo Seneda 
(2018, p. 49) isso significa que o conhecimento filosófico “pressupõe as condições da 
síntese nas quais um objeto poderá vir a ser indiretamente acolhido quando a sua 
matéria puder preencher as regras de unificação de uma síntese empírica.”. 
É curioso que Kant atribui tanto aos conceitos quanto aos princípios do 
entendimento a função de sintetizar a intuição empírica em percepção através de uma 
regra ​a priori​. A diferença essencial parece estar no fato de que os princípios do 
entendimento, pelo fio condutor da experiência possível, tornam apoditicamente certas 
as regras contidas nos conceitos do entendimento. Portanto, parece que o papel da 
experiência possível nesta síntese ​a priori é fazer com que a regra de síntese da 
percepção, dada pelo conceito do entendimento, possa se tornar um princípio sintético 
universal e necessariamente válido, sem que nenhuma intuição seja necessária para 
isso​10​. 
Porém, encontramos aqui uma dificuldade para compreender como a experiência 
possível pode servir com fio condutor em uma síntese ​a priori​. Kant afirma que a 
experiência possível é algo ​inteiramente contingente​, mas que quando pressuposta torna 
os conceitos do entendimento ​apoditicamente ​certos (​KrV​, A737/B765, grifos nossos). 
Ora, se os princípios do entendimento são regras apodíticas da síntese da experiência, 
como eles podem ter como fio condutor algo inteiramente contingente? Um juízo 
sintético ​a posteriori também possui como fio condutor algo contingente, i. e., a 
intuição empírica, mas o conhecimento empírico “não pode jamais fornecer proposições 
necessárias e apodíticas” (​KrV​, A721/B749). Consequentemente, temos que 
compreender de que modo a experiência possível, sendo inteiramente contingente, pode 
servir como fio condutor na síntese de princípios ​a priori​. Ou seja, com que direito a 
razão pode usar a experiência possível como mediador em uma síntese de princípios 
10 Como salienta Loparic (2005, p. 42), “A relação entre conceitos do entendimento e propriedades de 
experiências reais ou apenas possíveis não torna intuitivas as provas transcendentais dos princípios do 
entendimento.”. 
 
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O problema da síntese discursiva 
apodíticos.​11 Uma pista para responder essa questão, está na seguinte passagem do §14 
da ​Dedução transcendental​: 
A dedução transcendental de todos os conceitos ​a priori tem, portanto, 
um princípio ao qual toda pesquisa tem de ser direcionada, qual seja: 
que eles, como condição ​a priori da possibilidade da experiência (seja 
da intuição que é nelas encontrada, seja do pensamento), tem de ser 
conhecidos. Justamente por isso, conceitos que fornecem o 
fundamento objetivo da possibilidade da experiência são necessários. 
[...] Sem essa referência originária à experiência possível, na qual 
todos os objetos do conhecimento se apresentam, a referência dos 
mesmos a um objeto qualquer não poderia ser de modo algum 
compreendida. (​KrV​, A94/B126-27). 
 
Se o ponto de partida da prova dos princípios do entendimento são os conceitos 
do entendimento, e se a dedução pretende mostrar que estes conceitos contém em si as 
condições ​a priori da possibilidade de experiência; então, podemos tomar como 
hipótese que essa referência originária dos conceitos do entendimento à experiência 
forneceria o direito de usar a experiência possível como recurso em uma síntese ​a priori 
que não dispõe da intuição. Isso significaria que a experiência possível é contingente na 
medida em que ela não se refere a algo específico e determinado; mas as regras nas 
quais ela se funda, dadas pelos conceitos do entendimento, não são contingentes. 
Dado isso, é necessário compreendermos de que modo a dedução estabelece a 
relação entre as categorias e experiência possível, para assim compreendermos como a 
dedução transcendental torna possível uma síntese não intuitiva a partir dos conceitos 
do entendimento. 
 
2. A Dedução transcendental e a validade objetiva das categorias 
Na seção anterior levantamos dois pontos essenciais para compreender como é 
possível a síntese por conceitos própria do método da filosofia transcendental. Primeiro 
é preciso compreender como a razão estabelece a ​validade objetiva e assim garante a 
11 Na Lógica de Viena Kant diz que tanto o conhecimento filosófico quanto o conhecimento matemático 
são apodíticos (​Log ​AA 09: 830); contudo, em seu livro ​A semântica transcendental de Kant​, Loparic 
argumenta que os juízos da filosofia não são rigorosamente princípios apodíticos, pois somente juízos 
intuitivamente evidentes podem ser assim chamadas (2005, p. 70-71). 
 
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O problema da síntese discursiva 
possibilidade de síntese dos conceitos do entendimento (​KrV​, A782/B810). O segundo 
ponto diz respeito a como a experiência possível pode ser usada como fio condutor em 
uma síntese ​a priori​. Logo no início da ​Dedução​, temos uma passagem que nos aponta 
a resposta para essas duas questões: 
a validade objetiva das categorias, como conceitos ​a priori​, repousará 
em que apenas por meio delas é possível a experiência (segundo a 
forma do pensamento). Pois assim elas se referem de maneira 
necessária e ​a priori a objetos da experiência, já que por meio delas 
pode um objeto qualquer da experiência ser em geral pensado. (​KrV​, 
A93/ B126). 
 
Isso confirma que é a dedução que deve estabelecer a possibilidade de síntese 
dos conceitos do entendimento, estabelecendo a validade objetiva destes. Além disso, é 
com a validade objetiva das categorias que fica determinado de modo ​a priori a 
possibilidade de experiência; o que deve fornecer a legitimidade do uso da experiência 
possível como fio condutor na síntese dos princípios do entendimento. É preciso 
primeiro estabelecer a relação entre categoria e experiência, para, a partir disso, 
pressupor a experiência em uma síntese ​a priori​. Desse modo, tanto a possibilidade de 
síntese dos conceitos, quanto a legitimidade do uso da experiência possível como fio 
condutor da síntese, dependem do argumento prévio que estabelece a conexão ​a priori 
das categorias com a experiência. 
É somente no final da dedução, no §26 cujo título já indica: ​Dedução 
transcendental do uso universalmente possível dos conceitos puros do entendimento na 
experiência​, que Kant irá explicar a possibilidade de conhecimento ​a priori ​dos objetos 
da experiência por meio das categorias. (​KrV​, B159). Este parágrafo trata da síntese da 
apreensão e possui dois objetivos centrais: primeiro Kant pretende mostrar que a sínteseda apreensão torna possível que o diverso da intuição empírica seja unificado em 
percepção; para, na sequência, provar a validade objetiva das categorias ao provar que 
as categorias regem não apenas a sensibilidade, mas a própria experiência. O argumento 
consiste em mostrar que as categorias regem a percepção, e, consequentemente, regem 
também a experiência, uma vez que esta é formada por percepções conectadas. (Allison 
2004, p. 193). 
 
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Kant inicia o argumento definindo síntese da apreensão do seguinte modo: “por 
síntese da apreensão eu entendo a composição do diverso em uma intuição empírica 
pela qual se torna possível a percepção, i. e., a consciência empírica da mesma (como 
fenômeno)” (​KrV​, B160). Segundo Allison (2004, p.193), o argumento encontra-se 
dividido em seis passos. 
O primeiro passo mostra que a síntese da apreensão está de acordo com as 
determinações do espaço e do tempo (​KrV​, B160). Assim, tudo que é condição 
necessária para a representação do espaço e do tempo, é também condição necessária 
para a apreensão ou percepção de algo dentro do espaço e do tempo. (Allison, 2004, p. 
194). 
No segundo passo, Kant afirma que o espaço e o tempo não são apenas intuições 
formais, mas são intuições mesmas. (​KrV​, B160/161). Kant, então, anexa uma nota de 
rodapé onde se atém na distinção, já realizada no § 24, entre forma da intuição e 
intuição formal. O ponto desta distinção é que o espaço e o tempo enquanto formas da 
intuição já contêm em si a determinação da ​unidade ​do diverso. (Allison, 2004, p.194). 
Segundo Longuenesse (1998, p.216), a forma da intuição corresponde ao espaço e o 
tempo tal como apresentados por Kant na ​Estética transcendental​, enquanto a intuição 
formal depende da síntese transcendental da imaginação que só é possível tendo as 
categorias por fundamento. 
O terceiro passo é uma consequência dos passos anteriores. Kant afirma aqui 
que as condições de ​representação ​da unidade do espaço ou do tempo são também 
condições da ​apreensão de algo que está determinado no espaço ou no tempo. Isso 
significa que qualquer coisa que está dentro da intuição ​a priori deve estar sob as regras 
da unidade desta. Este passo conecta a síntese transcendental da imaginação com a 
síntese da apreensão: ele mostra que a representação da unidade não é obtida 
passivamente através da nossa faculdade sensível, mas exige uma atividade sintética do 
entendimento (Allison, 2004, p. 195). 
No quarto passo Kant diz: “Esta unidade sintética, porém, não pode ser outra se 
não a da ligação do diverso de uma dada ​intuição em geral em uma consciência 
originária, em conformidade com as categorias, aplicada apenas à nossa ​intuição 
 
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sensível​.” (​KrV​, B161). Apesar de Kant não fornecer um argumento para este passo, 
mas simplesmente assumir que a unidade necessária para a apreensão é a aplicação da 
unidade do diverso de uma intuição em geral à sensibilidade humana, segundo Allison 
(2004, p.195), este resultado é obtido se assumirmos que a síntese transcendental da 
imaginação é governada pelas categorias, e conectarmos isso com o terceiro passo: que 
as condições de ​representação ​da unidade do espaço ou do tempo, são também 
condições da ​apreensão de algo que está determinado no espaço ou no tempo. Em 
suma, este passo da dedução se sustenta uma vez que Kant tenha provado que a síntese 
transcendental da imaginação está sujeita às categorias, e que a síntese da apreensão 
está sujeita à síntese transcendental da imaginação. (Idem, ibidem). 
No quinto passo Kant diz: “Toda síntese, por conseguinte, pela qual a própria 
percepção se torna possível, situa-se sob as categorias…” Este passo torna conclusivo 
aquilo que os passos anteriores conduziam, a saber, que toda síntese da percepção 
situa-se necessariamente sob as categorias. Esta conclusão é válida se assumirmos que a 
percepção envolve a representação do objeto percebido como determinado no espaço e 
no tempo. (Idem, p. 195/196). Vemos, então, que o argumento do §26 depende em 
grande parte do §24, segundo o qual a síntese transcendental da imaginação está sujeita 
às categorias. 
Contudo, o trabalho da síntese transcendental da imaginação não envolve um 
juízo discursivo, o que poderia nos indicar que esta síntese - e consequentemente a 
síntese da apreensão - não está sob determinação das categorias. Mas o papel desta parte 
da dedução é mostrar que mesmo que a percepção não dependa dos juízos discursivos, 
ainda assim, ela está condicionada pelas categorias. (Idem, p.196). Para esclarecer isso, 
Kant utiliza um exemplo da percepção de uma casa, segundo o qual a categoria da 
quantidade torna possível a síntese do diverso enquanto regra de apreensão: 
Assim, se eu transformo a intuição empírica de uma casa, por 
exemplo, por meio da apreensão do diverso da mesma, em uma 
percepção, então eu tenho por fundamento a ​unidade necessária ​do 
espaço e da intuição sensível em geral, e como que desenho a sua 
figura em conformidade com essa unidade sintética do diverso no 
espaço. Se faço abstração da forma do espaço, contudo, essa mesma 
unidade sintética tem seu lugar no entendimento e é categoria da 
síntese do homogêneo em uma intuição em geral, i. e., a categoria de 
 
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quantidade à qual aquela síntese da apreensão, i. e., a percepção, tem 
de ser inteiramente conforme (​KrV​, B162). 
 
O que Kant mostra aqui, é que a percepção de uma casa, enquanto um objeto 
tridimensional, está sob a determinação do espaço que a casa ocupa. Neste caso, a regra 
da apreensão é fornecida pela categoria de quantidade, e a categoria aqui não possui 
uma função conceitual como condição para a formulação de um juízo, ela fornece 
apenas as condições para uma ​síntese figurativa ​através da singularidade e 
homogeneidade do espaço (Allison, 2004, p.196/197). 
Até aqui, Kant obtêm êxito em mostrar que através da síntese da apreensão as 
categorias fornecem as regras que transformam o diverso da intuição empírica em 
percepção. É precisamente este o papel atribuído às categorias na ​Disciplina​, onde Kant 
diz que o conceito do entendimento contém “o princípio da síntese das ​intuições 
empíricas possíveis” (​KrV​, ​A722/B750). Mas tanto a possibilidade de síntese das 
categorias, quanto a legitimidade do uso da experiência possível como fio condutor na 
síntese por conceitos, dependem da referência ​a priori das categorias à experiência. Estaé a função do sexto passo do argumento: “como a experiência é conhecimento por meio 
de percepções conectadas, então as categorias são condições de possibilidade da 
experiência e valem ​a priori​, portanto, também para todos os objetos da experiência.” 
(​KrV​, B161). 
Contudo, o argumento que visa estabelecer a conexão entre categorias e 
experiência é problemático, pois, de acordo com a concepção essencial de Kant acerca 
de experiência ao longo da ​Dedução B​, esta se distingue da mera percepção pois 
envolve uma atividade cognitiva, enquanto a percepção é pré-cognitiva (Allison, 2004, 
p.198), uma vez que a experiência difere da mera percepção precisamente porque ela 
envolve juízos. (Idem, p.200). 
Kant fornece um segundo exemplo em que aborda o conceito de causalidade 
através do congelamento da água. Uma vez que o conceito de causalidade sempre é 
usado para mostrar a determinação ​a priori das categorias na experiência, seria 
esperado que aqui fosse dado um passo além no argumento que conecta as categorias 
com a experiência. O exemplo diz o seguinte: 
 
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Se (num outro exemplo) eu percebo o esfriamento da água, então eu 
apreendo dois estados como tais (da fluidez e da solidez) que estão em 
uma relação de tempo um com o outro. No tempo, porém, que eu 
ponho como fundamento para o fenômeno enquanto ​intuição interna​, 
eu me represento necessariamente a ​unidade sintética do diverso sem 
a qual aquela relação não poderia ser dada, de maneira determinada 
(em relação à sucessão temporal), em uma intuição (​KrV​, B162). 
 
O mais curioso aqui é que Kant não faz nenhuma referência à experiência, mas 
apenas à percepção ou apreensão; portanto, não nos fornece um passo além com relação 
ao argumento do exemplo anterior (Allison, 2004, p.199). A diferença entre os dois 
exemplos é que um relaciona a categoria de quantidade com a apreensão de um objeto 
espacial e o outro a categoria de causalidade com a apreensão de uma ocorrência 
temporal, mas nenhum dos dois justifica o vínculo entre percepção e experiência. 
(Idem, ibidem). 
Apesar desta aparente falha no argumento, a seguinte passagem da ​Disciplina 
parece sugerir que o próprio Kant considerava que o argumento que mostra que a 
categoria de causalidade rege toda experiência não poderia ser obtido ​rigorosamente 
apenas com a ​Dedução​, mas que só estaria completo com a prova dos princípios do 
entendimento. A passagem diz o seguinte: 
Ninguém pode, pois, discernir rigorosamente [gründlich einsehen], 
apenas a partir desses conceitos dados, a proposição “tudo que 
acontece tem sua causa”. Por isso ela não é um dogma, ainda que de 
um outro ponto de vista, i. e., a experiência, possa ser provada de 
maneira eficaz e apodítica. Embora tenha de ser provada, contudo, ela 
se denomina princípio, e não teorema, porque tem a peculiar 
propriedade de tornar primeiramente possível a sua própria 
demonstração, a saber, a experiência, e nesta tem de ser sempre 
pressuposta. (​KrV​, A737/B765). 
 
Segundo essa passagem, a prova de que toda experiência é regida pela categoria 
de causalidade (presente na segunda ​Analogia da experiência​) não pode ser ​discernida 
rigorosamente ​apenas a partir de um conceito do entendimento, é preciso da relação 
deste conceito com a experiência. Para que uma regra contida em um conceito seja 
universalizada é preciso obter um princípio, o que não pode ser obtido pela mera 
decomposição do conceito: “Ninguém pode, pois, discernir rigorosamente [gründlich 
 
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einsehen], apenas a partir desses conceitos dados, a proposição ‘tudo que acontece tem 
sua causa’”. Caso uma proposição fosse provada apenas com conceitos, então ela seria 
um dogma e não um princípio, diz Kant. Para provar um princípio é necessário que a 
experiência seja sempre pressuposta​12​. 
No entanto, essa conclusão não soluciona um problema anteriormente levantado. 
Pois se Kant não prova na dedução que toda experiência é regida pelas categorias, com 
que direito a experiência possível pode servir como fio condutor na síntese ​a priori ​dos 
princípios do entendimento? Paralelamente, vimos que para estabelecer a possibilidade 
de síntese das categorias, era preciso estabelecer a validade objetiva destas. A nossa 
hipótese era que a síntese não intuitiva deveria ser antes legitimada pelo argumento que 
prova a referência originária das categorias à experiência. Mas o argumento estabelece 
o vínculo das categorias apenas com a percepção e não com a experiência. 
É possível, contudo, que Kant não tivesse a intenção de abranger o aspecto 
cognitivo da experiência no §26, mas apenas o aspecto perceptivo, pois na seção da 
Analítica dos princípios denominada ​O princípio supremo de todos os juízos sintéticos​, 
Kant diz: 
A experiência, porém, baseia-se na unidade sintética dos fenômenos, i. 
e., ​em uma síntese, segundo conceitos​, dos objetos dos fenômenos em 
geral, uma síntese sem a qual ela não seria jamais conhecimento​, mas 
uma ​rapsódia de percepções que não se juntariam jamais em um 
contexto segundo regras… (​KrV​, A156./B195, grifos nossos). 
 
Kant diz aqui que sem a síntese segundo conceitos a experiência “não seria 
jamais ​conhecimento​, mas uma ​rapsódia de percepções que não se juntariam jamais em 
um contexto”. Isso mostra que existe uma relação entre o aspecto cognitivo da 
experiência (a experiência tornar-se conhecimento) e a conexão das percepções em uma 
mesma consciência; e que ambas dependem não apenas do entendimento, mas também 
da faculdade de julgar. Assim, o argumento que prova que as categorias tornam possível 
a experiência enquanto conhecimento, e que a experiência é formada pela conexão de 
12 Esta conclusão é confirmada por Schulting (2013, p. 25): “I propose that although Kant’s reasoning is 
not explicitly modelled after a strict axiomatical deduction, and is thus not a direct proof from concepts 
sans phrase, it is still a deductive proof from concepts, but one that is so implicitly or mediately, namely 
by having recourse to possible experience.”. 
 
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percepções, só poderia ser obtido de modo completo quando provado os princípios ​a 
priori que tornam apoditicamente certos os conceitos do entendimento. Na própria 
dedução (§27) há uma afirmação de Kant que sustenta essa hipótese: “Quanto, porém, a 
como elas [as categorias] tornam a experiência possível, e quais princípios da 
possibilidade da mesma elas fornecem em sua aplicação aos fenômenos, isto será 
melhorexplicado no próximo capítulo, sobre o uso transcendental da faculdade de 
julgar.” (​KrV​, B167). 
É claro que uma resposta conclusiva sobre isso só poderá ser obtida com uma 
investigação da ​Analítica dos princípios​13​, em especial das provas dos princípios do 
entendimento encontrada nas ​Analogias da experiência​, onde Kant prova que “a 
experiência só é possível por meio da representação de uma conexão de percepções” 
(​KrV​, A176/B219). ​Esperamos, portanto, que uma ulterior investigação possa contribuir 
para uma compreensão mais ampla do método de síntese discursiva, em especial sobre o 
papel da experiência possível nesta síntese. 
 
Considerações finais 
Ao longo deste artigo buscamos compreender qual o método que a ​Crítica ​segue 
em suas provas na Doutrina dos elementos e como ela explica e justifica esse método na 
Doutrina Transcendental do método​. Esse problema fundou-se nas considerações de 
Kant sobre o método que a ​Crítica deve adotar para a própria investigação do alcance 
da razão pura, caracterizado como: ​“uma síntese transcendental por meros conceitos 
(...) ​que serve apenas à filosofia, mas nunca diz respeito a mais do que uma coisa em 
geral, sob cujas condições a sua percepção poderia pertencer à experiência 
possível.”​(​KrV​, A719/B747). Schelling (2001, p. 89) abordou este mesmo problema, 
afirmando que Kant "concebe o método demonstrativo na filosofia apenas no espírito 
do dogmatismo e como análise lógica”. O que Schelling não menciona é que Kant 
propôs uma síntese para a filosofia na primeira ​Crítica​, mesmo que esta síntese não 
disponha da intuição. 
13 Tanto Allison (2004, p. 201), quanto Longuenesse (1998, p. 244-45), argumentam que a ​Analítica dos 
princípios ​completa o argumento que conecta a sensibilidade com a cognição. 
 
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O problema da síntese discursiva 
Para encontrar um método legítimo para a filosofia, Kant mostrou que esta não 
poderia permanecer no erro da metafísica dogmática de se ater à mera análise de 
conceitos. No entanto, a síntese operada pela filosofia não deve ser uma síntese ​a 
posteriori​, uma vez que pretende possuir um conhecimento a priori puro (não 
empírico); nem uma síntese que possui como fio condutor a intuição pura (como ocorre 
na matemática). A síntese própria da filosofia é uma síntese transcendental por meros 
conceitos. A nossa dificuldade estava justamente em compreender como é possível este 
tipo de síntese, dado que Kant afirmou em diversos momentos da ​Crítica que todo 
conhecimento sintético é formado pelo vínculo entre intuições e conceitos no juízo. 
Na ​Disciplina da razão pura​, ​Kant mostra que o fio condutor da síntese por 
meros conceitos é a experiência possível; que a prova transcendental diz respeito apenas 
aos conceitos do entendimento e não aos conceitos da razão; e que estes conceitos 
devem passar primeiro por uma dedução transcendental para que seja estabelecida sua 
possibilidade de síntese, através da prova de sua referência originária aos objetos da 
experiência. 
A questão central da nossa investigação neste ponto foi compreender como as 
categorias podem se referir de modo ​a priori a objetos da experiência; essa questão 
responderia dois pontos centrais da nossa investigação: como a experiência possível 
pode servir como fio condutor na síntese por conceitos e como a possibilidade de 
síntese dos conceitos do entendimento é estabelecida. Para isso, buscamos compreender 
o §26 da dedução transcendental, pois é nele que Kant pretende mostrar que as 
categorias possuem validade objetiva como condições a priori ​de toda experiência, isso 
significa que com esta dedução podemos saber ​a priori que qualquer possibilidade de 
experiência está sob as regras das categorias. 
O que não sabíamos, até então, era se Kant obteve êxito em provar no §26 o uso 
universal das categorias na experiência. Neste parágrafo Kant aborda a síntese da 
apreensão e pretende provar não apenas que as categorias regem toda percepção, mas 
também toda a experiência, pois a experiência nada mais é que percepções conectadas 
por regras. Contudo, Kant não justifica no §26 que a experiência é formada por 
percepções conectadas, portanto, o argumento neste parágrafo não é completamente 
 
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O problema da síntese discursiva 
exitoso em mostrar a conexão ​a priori entre categorias e experiência, e, desse modo, em 
mostrar como a dedução transcendental estabelece os fundamentos da síntese por 
conceitos. 
Apesar da segunda parte da dedução não provar satisfatoriamente o uso ​a priori 
e universal ​das categorias na experiência, temos uma expectativa de que a conexão entre 
categorias e experiência seja completada pela ​Analítica dos Princípios (mais 
especificamente pelas três analogias da experiência) e de que as provas dos princípios 
do entendimento possam elucidar melhor como é possível a síntese por conceitos. 
Mesmo não tendo obtido uma compreensão completa acerca do método sintético 
da filosofia empregado por Kant na primeira ​Crítica​, ainda assim, chegamos a uma 
conclusão importante no que diz respeito ao nosso problema inicial, a saber, se a síntese 
discursiva empregada pela ​Crítica ​em suas provas é totalmente independente da 
intuição. A conclusão a que chegamos é que, apesar da síntese discursiva ser uma 
síntese por meros conceitos - pois nesta não há relação dos conceitos no juízo por 
intermédio da intuição - mesmo assim, tal síntese possui uma relação com a intuição ​a 
priori​, pois parte de conceitos do entendimentos que passaram por uma dedução. Na 
dedução transcendental da primeira ​Crítica​, Kant estabelece a conexão entre 
entendimento e sensibilidade pura através da síntese transcendental da imaginação; 
para, em seguida, provar que a síntese transcendental da imaginação é a forma da 
síntese empírica da apreensão. Caso essa conexão não existisse, as categorias e, 
consequentemente, os princípios sintéticos do entendimento poderiam contradizer as 
condições da sensibilidade ​a priori​, e, com isso, contradizer as condições da 
experiência. Mas o papel dos princípios do entendimento é justamente fornecer as 
condições​ a priori​ de toda experiência. 
A diferença essencial entre o método de análise próprio da filosofia dogmática e 
o método transcendental de síntese empregado por Kant consiste justamente em que 
este último está limitado pelas condições de possibilidade da experiência. No prefácio B 
da ​CRP​, ao apontar o erro da metafísica dogmática, Kant afirma que esta “se eleva por 
completo ​para além dos conhecimentos da experiência por meio de meros conceitos” 
(​KrV​, BXV). A filosofia crítica, ao contrário, embora empregue uma síntese por meros 
 
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conceitos em suas provas, está sempre dentro dos limites da experiência, pois esta 
síntese possui como fio condutor para sair do conceito do objeto a própria experiência 
possível. 
 
Referências bibliográficas 
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