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1 POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: O NOVO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO 2 Caro(a) aluno(a), A Faculdade Anísio Teixeira (FAT), tem o interesse contínuo em proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes que conduzem ao conhecimento. Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo, produzem cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito às informações necessárias para o exercício de suas variadas funções. Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo, totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construtor melhor para os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso. Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe docente da Faculdade Anísio Teixeira (FAT). Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e síntese dos saberes. Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos! Atenciosamente, Setor Pedagógico 3 Sumário INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 4 CAPÍTULO 1 - PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ................... 5 CAPÍTULO 2 - BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL ................................................................................................................................... 11 CAPÍTULO 3 - PARÂMETROS LEGAIS DA EJA ........................................................... 23 CAPÍTULO 4 - EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ................................................ 28 CAPÍTULO 5: A EDUCAÇÃO CONTINUADA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL .................................................................................................................................. 35 CAPÍTULO 6 .......................................................................................................................... 45 O LEGADO DE PAULO FREIRE: Passado ou Atualidade? ............................................ 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 50 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 51 4 INTRODUÇÃO As políticas governamentais procuram contribuir para a socialização do indivíduo e para o desenvolvimento econômico do país. Sugerindo os novos desafios de que quanto mais educado for o indivíduo, mais se humaniza e aumenta as potencialidades da própria espécie, o que leva o homem a sobressair de acordo com o seu nível de conhecimento. Assim, a escola é encarada como porta de entrada para o mundo do trabalho, que por meio dela adquire a sua sobrevivência. É válido ressaltar que um dos principais entraves que dificulta a melhoria da educação no Brasil não é técnicos, nem financeiros e sim político, para Carlos Rodrigues Brandão, a educação surge como alavanca de ascensão social e a escola é vista como a redentora, aquela capaz de superar todos os males da sociedade. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos dos grupos sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se tem de uns e outro. [...] (Brandão, p.12). Atualmente vários desafios são lançados para educação, antes as crianças não podiam freqüentar a escola por ausência de vagas, hoje ingressam na escola, mas não aprendem e dela são excluídas antes de concluir os estudos com êxito, nesta perspectiva, hoje temos mais escolas, mas sua qualidade é muito ruim, ou seja, o Brasil vem passando por constantes mudanças no sistema de ensino desde a promulgação da constituição de 1988. A década de 90 foi cenário de importantes estratégias de mudanças na educação brasileira, nos últimos sete anos houve um maior aprofundamento sobre esta questão, que passou a ser discutida buscando a inserção educacional do trabalhador brasileiro que não tiveram acesso à educação em idade apropriada, bem como uma conseqüente diminuição da taxa de analfabetismo. No tocante a formação do educador, está ganha evidência somente após o fim do regime militar e a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, neste período, mas especificamente em 1980, ficou evidente que após 10 anos de atuação do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), os resultados obtidos em relação aos objetivos propostos para este programa de erradicação do analfabetismo foram baixíssimos. Apontando com isso, a necessidade de retomar as discussões sobre os rumos da educação, culminando com a criação de uma lei que definisse e defendesse os diretos dos adultos a educação fundamental de qualidade, a partir de então nasce a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 9394/96, que vem reforçar o que reza a Constituição Federal de 1988, no que se refere à igualdade de direito a educação. A nova Lei também define que é obrigação do Estado a oferta de educação pública, gratuita, universal e de qualidade aos educandos, que juntamente com o educador tornam-se eixos principais na busca por esse ensino básico gratuito e de qualidade. 5 CAPÍTULO 1 - PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE DIRETORIA DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS A P R E S E N T A Ç Ã O A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que todas e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CF.Art. 205). Retomado pelo Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB-9.394/96, este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Toda a legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social. As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes, junto com o caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a multiplicidade das forças sociais. Nesse sentido, as leis podem fazer avançar ou não um estatuto que se dirija ao bem coletivo. A aplicabilidade das leis, por sua vez, depende do respeito, da adesão e da cobrança aos preceitos estabelecidos e, quando for o caso, dos recursos necessários para uma efetivação concreta. Jorge Luiz Teles da Silva Diretor de Políticas de Educação de Jovens e Adultos 6 FUNDAMENTOS LEGAIS: A política de educação de jovens e adultos, diante do desafio de resgatar um compromisso histórico da sociedade brasileira e contribuir para a igualdade de oportunidades, inclusão e justiça social, fundamenta sua construção nas exigências legais definidas: A Constituição Federal do Brasil/1988, incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF. Art. 205). Retomado pelo Artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.394/96, este princípio abriga o conjunto das pessoase dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos e Idosos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do Estado até mesmo no âmbito constitucional. Sendo assim, o Artigo 208-CF alterado pela Emenda Constitucional Nº 59, de 11 de novembro de 2009, os Incisos I e VII passam a vigorar com as seguintes alterações: I – “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e cercado de mecanismos financeiros e jurídicos de sustentação. Esclarecemos que, a Educação de Jovens e Adultos está baseada no que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB 9.394.96, no Parecer CNE/CEB Nº11/2000, na Resolução CNE/CEB Nº01/2000, no Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/01), no Plano de Desenvolvimento da Educação, nos Compromissos e acordos internacionais. Esse público vem sendo atendido no âmbito da Educação Básica por meio da Diretoria de Políticas de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD/MEC, a qual tem priorizado um processo amplo democrático e participativo na construção de uma política pública de estado para a educação de jovens e adultos. Ressaltamos que, essas ações têm fortalecido e estreitado à parceria entre Estados e Governo Federal na busca pela ampliação e melhoria da qualidade da educação de jovens e adultos. · Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 208, assegura a educação de jovens e adultos como um direito de todos: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de: 7 I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria” Alterações do Artigo 208 (Emenda Constitucional Nº 59 de 11 de novembro de 2009): Art. 1º Os incisos I e VII do Art. 208 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 208........ I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à Saúde. · Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) que, trata da educação de jovens e adultos no Título V, capítulo II como modalidade da educação básica, superando sua dimensão de ensino supletivo, regulamentando sua oferta a todos aqueles que não tiveram acesso ou não concluíram o ensino fundamental. Artigo 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Parágrafo 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. Parágrafo 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Artigo 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. Parágrafo 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos: II – no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. Parágrafo 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. · Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos (Parecer CNE/CEB 11/2000 e Resolução CNE/CEB 1/2000) - devem ser observadas na oferta e estrutura dos componentes curriculares dessa modalidade de ensino, estabelece que: 8 - Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará pelos princípios de eqüidade, diferença e proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico próprio... - Funções da EJA: Reparadora, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Equalizadora, vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Qualificadora, mais do que uma função permanente da EJA que pode se chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. · Resolução CNE/CEB nº 01/2000 - Artigo 6º, Cabe a cada sistema de ensino definir a estrutura e a duração dos cursos da Educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração entre os entes federativos. · Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) - A Constituição Federal determina como um dos objetivos do Plano Nacional de Educação a integração de ações do poder público que conduzam à erradicação do analfabetismo (art. 214, I). Trata-se de tarefa que exige uma ampla mobilização de recursos humanos e financeiros por parte dos governos e da sociedade. Os déficits do atendimento no ensino fundamental resultaram, ao longo dos anos, num grande número de jovens e adultos que não tiveram acesso ou não lograram terminar o ensino fundamental obrigatório. 9 · FINANCIAMENTO: - FUNDEB – Lei nº 11.494/2007 - Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. - PNAE – Lei nº 11.947/2009 - O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), implantado em 1955, garante, por meio da transferência de recursos financeiros, a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e Educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas e filantrópicas. - PNATE – Lei Federal nº 10.880/2004 - Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE), baseado na transferência automática de recursos financeiros, sem necessidade de convênio ou outro instrumento congênere, para custear despesas com reforma,seguros, licenciamento, impostos e taxas, pneus, câmaras, e serviços de mecânica em freio, suspensão, câmbio, motor, elétrica e funilaria, recuperação de assentos, combustível e lubrificantes do veículo ou, no que couber, da embarcação utilizada para o transporte de alunos do ensino fundamental público residentes em área rural. - RESOLUÇÕES/SECAD/MEC: a) Resolução/FNDE/CD/n°48 de 28 de novembro de 2008 - Estabelece orientações para a apresentação, seleção e apoio financeiro a projetos que visem à oferta de cursos de formação continuada na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos no formato de cursos de extensão, aperfeiçoamento e especialização. b) Resolução FNDE/CD n° 51, de 15 de dezembro de 2008 - Estabelece critérios para a apresentação, seleção e apoio financeiro a projetos que visem o fomento à produção de material pedagógico-formativo e de apoio didático de EJA, à formação de educadores, coordenadores e gestores da EJA e à publicação de experiências de EJA todos com ênfase na Economia Solidária. c) Resolução/FNDE/CD/ n° 44 de 16 de outubro de 2008 - Estabelece critérios e procedimentos para a execução de projetos de fomento à leitura para neoleitores jovens, adultos e idosos, mediante assistência financeira aos Estados, Municípios, Distrito Federal, Instituições Públicas de Ensino Superior e Entidades sem fins lucrativos. d) Resolução/FNDE/CD/n° 50 de 04 de dezembro de 2008 - Estabelece critérios e procedimentos para assistência financeira a projetos de cursos de extensão para a formação de educadores para atuar em Alfabetização de jovens e adultos, no âmbito do Programa Brasil Alfabetizado. 10 TEXTO RETIRADO DA INTERNET: Disponível em: http://www.ceeja.ufscar.br/legislacao-vigente-para-a-eja (Acesso: 15/10/2012, 07:25) Imagem disponível em Google imagem: http://flickrhivemind.net/User/Jesus%20Jones./Interesting, acesso em 15 outubro 2012. 11 CAPÍTULO 2 - BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL 1. ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NA PAUTA DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS A educação básica de adultos começou a delimitar seu lugar na história da educação no Brasil a partir da década de 30, quando finalmente começa a se consolidar um sistema público de educação elementar no país. Neste período, a sociedade brasileira passava por grandes transformações, associadas ao processo de industrialização e concentração populacional em centros urbanos. A oferta de ensino básico gratuito estendia-se consideravelmente, acolhendo setores sociais cada vez mais diversos. A ampliação da educação elementar foi impulsionada pelo governo federal, que traçava diretrizes educacionais para todo o país, determinando as responsabilidades dos estados e municípios. Tal movimento incluiu também esforços articulados nacionalmente de extensão do ensino elementar aos adultos, especialmente nos anos 40. Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país vivia a efervescência política da redemocratização. A Segunda Guerra Mundial recém terminara e a ONU — Organização das Nações Unidas — alertava para a urgência de integrar os povos visando a paz e a democracia. Tudo isso contribuiu para que a educação dos adultos ganhasse destaque dentro da preocupação geral com a educação elementar comum. Era urgente a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as massas populacionais de imigração recente e também incrementar a produção. Nesse período, a educação de adultos define sua identidade tomando a forma de uma campanha nacional de massa, a Campanha de Educação de Adultos, lançada em 1947. Pretendia-se, numa primeira etapa, uma ação extensiva que previa a alfabetização em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. Depois, seguiria uma etapa de “ação em profundidade”, voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário. Nos primeiros anos, sob a direção do professor Lourenço Filho, a campanha conseguiu resultados significativos, articulando e ampliando os serviços já existentes e estendendo-os às diversas regiões do país. Num curto período de tempo, foram criadas várias escolas supletivas, mobilizando esforços das diversas esferas administrativas, de profissionais e voluntários. O clima de entusiasmo começou a diminuir na década de 50; iniciativas voltadas à ação comunitária em zonas rurais não tiveram o mesmo sucesso e a campanha se extinguiu No processo de redemocratização do Estado brasileiro, após 1945, a educação de adultos ganhou destaque dentro da preocupação geral com a universalização da educação elementar 12 antes do final da década. Ainda assim, sobreviveu a rede de ensino supletivo por meio dela implantada, assumida pelos estados e municípios. A instauração da Campanha de Educação de Adultos deu lugar também à conformação de um campo teórico-pedagógico orientado para a discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. Nesse momento, o analfabetismo era concebido como causa e não efeito da situação econômica, social e cultural do país. Essa concepção legitimava a visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal identificado psicológica e socialmente com a criança. Uma professora encarregada de formar os educadores da Campanha, num trabalho intitulado Fundamentos e Metodologia do Ensino Supletivo, usava as seguintes palavras para descrever o adulto analfabeto: Dependente do contacto face a face para enriquecimento de sua experiência social, ele tem que, por força, sentir-se uma criança grande, irresponsável e ridícula [...]. E, se tem as responsabilidades do adulto, manter uma família e uma profissão, ele o fará em plano deficiente. [...] O analfabeto, onde se encontre, será um problema de definição social quanto aos valores: aquilo que vale para ele é sem mais valia para os outros e se torna pueril para os que dominam o mundo das letras. [...] inadequadamente preparado para as atividades convenientes à vida adulta, [...] ele tem que ser posto à margem como elemento sem significação nos empreendimentos comuns. Adulto-criança, como as crianças ele tem que viver num mundo de egocentrismo que não lhe permite ocupar os planos em que as decisões comuns tem que ser tomadas1. Durante a própria campanha, essa visão modificou-se; foram adensando-se as vozes dos que superavam esse preconceito, reconhecendo o adulto analfabeto como ser produtivo, capaz de raciocinar e resolver seus problemas. Para tanto contribuíram também teorias mais modernas da psicologia, que desmentiam postulados anteriores de que a capacidade de aprendizagem dos adultos seria menor do que a das crianças. Já em artigo de 1945, Lourenço Filho argumentara neste sentido, lançando mão de estudos de psicologia experimental realizados nos Estados Unidos nas décadas de 20 e 30. A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e a difusão de um método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiraram a iniciativa do Ministério da Educação de produzir pela primeira vez, por ocasião da Campanha de 47, material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos. O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga escala para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método silábico. As lições partiam de palavras-chave 1 Apud Vanilda Pereira Paiva, Educação popular e educação de adultos, 2ª ed., Rio de Janeiro, Loyola, 1983. A Campanha de Educação de Adultos lançada em 1947 alimentou a reflexão e o debate em torno do analfabetismo no Brasil Durante a campanha, Idéias preconceituosas sobre adultos analfabetos foram criticadas; seus saberes e capacidades foram reconhecidos 13 selecionadas e organizadas segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos, estes sim o foco do estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remontadas para formaroutras palavras. As primeiras lições também continham pequenas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens de moral e civismo. 2. ALFABETIZAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO No final da década de 50, as críticas à Campanha de Educação de Adultos dirigiam-se tanto às suas deficiências administrativas e financeiras quanto à sua orientação pedagógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado que se efetivava no curto período da alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e para as diferentes regiões do país. Todas essas críticas convergiram para uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador pernambucano Paulo Freire. O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de adultos, inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular que se realizaram no país no início dos anos 60. Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa ação política junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do MEB — Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs — Centros de Cultura Popular, organizados pela UNE — União Nacional dos Estudantes, dos Movimentos de Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham apoio de administrações municipais. Esses diversos grupos de educadores foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas. Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação por todo Brasil de programas de alfabetização orientados pela proposta de Paulo Freire. A preparação do plano, com forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, seria interrompida alguns meses depois pelo golpe militar2. 2 Dois bons estudos sobre a história da educação de adultos no Brasil, das origens à criação do Mobral em 1970, são os livros de Celso de Rui Beisiegel, Estado e educação popular (São Paulo, Pioneira, 1974), e de Vanilda Pereira Paiva, Educação popular e educação de adultos (op. cit.). A pedagogia de Paulo Freire inspirou os principais programas de alfabetização e educação popular do início dos anos 60. 14 O paradigma pedagógico que se construiu nessas práticas baseava-se num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária. Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que produzia o analfabetismo. A alfabetização e a educação de base de adultos deveriam partir sempre de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação das origens de seus problemas e das possibilidades de superá-los. Além dessa dimensão social e política, os ideais pedagógicos que se difundiam tinham um forte componente ético, implicando um profundo comprometimento do educador com os educandos. Os analfabetos deveriam ser reconhecidos como homens e mulheres produtivos, que possuíam uma cultura. Dessa perspectiva, Paulo Freire criticou a chamada educação bancária, que considerava o analfabeto pária e ignorante, uma espécie de gaveta vazia onde o educador deveria depositar conhecimento. Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ação educativa que não negasse sua cultura, mas que a fosse transformando através do diálogo. Na época, ele referia-se a uma consciência ingênua ou intransitiva, herança de uma sociedade fechada, agrária e oligárquica, que deveria ser transformada em consciência crítica, necessária ao engajamento ativo no desenvolvimento político e econômico da nação3. Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora, cujo princípio básico pode ser traduzido numa frase sua que ficou célebre: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Prescindindo da utilização de cartilhas, desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógicos que ficou conhecido como método Paulo Freire. Ele previa uma etapa preparatória, quando o alfabetizador deveria fazer uma pesquisa sobre a realidade existencial do grupo junto ao qual iria atuar. Concomitantemente, faria um levantamento de seu universo vocabular, ou seja, das palavras utilizadas pelo grupo para expressar essa realidade. Desse universo, o alfabetizador deveria selecionar as palavras com maior densidade de sentido, que expressassem as situações existenciais mais importantes. Depois, era necessário selecionar um conjunto que contivesse os diversos padrões silábicos da língua e organizá-lo segundo o grau de complexidade desses padrões. Essas seriam as palavras geradoras, a partir das quais se realizaria tanto o estudo da escrita e leitura como o da realidade. 3 Pedagogia do oprimido (17ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987) é uma obra clássica de Paulo Freire, em que o autor expõe a filosofia educativa que orientou sua atuação no campo da alfabetização de adultos. Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada pela estrutura social Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora, cujo princípio básico era: “A leitura do mundo precede a leitura da 15 Antes de entrar no estudo dessas palavras geradoras, Paulo Freire propunha ainda um momento inicial em que o conteúdo do diálogo educativo girava em torno do conceito antropológico de cultura. Utilizando uma série de ilustrações (cartazes ou slides), o educador deveria dirigir uma discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos homens como produtores de cultura e as diferentes formas de cultura: a cultura letrada e a não letrada, o trabalho, a arte, a religião, os diferentes padrões de comportamento e a sociabilidade. O objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e responsável. Tratava-se também de ultrapassar uma compreensão mágica da realidade e desmistificar a cultura letrada, na qual o educando estaria se iniciando. Depois de cumprida essa etapa, iniciava-se o estudo das palavras geradoras, que também eram apresentadas junto com cartazes contendo imagens referentes às situações existenciais a elas relacionadas. Com cada gravura, desencadeava-se um debate em torno do tema e só então a palavra escrita era analisada em suas partes componentes: as sílabas. Enfim, era apresentado um quadro com as famílias silábicas com as quais os alfabetizandos deveriam montar novas palavras. Com um elenco de dez a vinte palavras geradoras, acreditava-se conseguir alfabetizar um educando em três meses, ainda que num nível rudimentar. Numa etapa posterior, as palavras geradoras seriam substituídas por temas geradores, a partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam a análise de seus problemas, preferencialmente já se engajando em atividades comunitárias ou associativas. Nesse período, foram produzidos diversos materiais de alfabetização orientados por esses princípios. Normalmente elaborados regional ou localmente, procurando expressar o universo vivencial dos alfabetizandos, esses materiais continham palavras geradoras acompanhadas de imagens relacionadas a temas para debate, os quadros de descobertacom as sílabas derivadas das palavras, acrescidas de pequenas frases para leitura. O que caracterizava esses materiais era não apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas, principalmente, a intenção de problematizar essa realidade4. 3. O MOBRAL E A EDUCAÇÃO POPULAR 4 Uma descrição de como o chamado método Paulo Freire era operacionalizado, acompanhada de uma síntese de seus fundamentos filosóficos, pode ser encontrada no livro O que é o método Paulo Freire, de Carlos Rodrigues Brandão (2ª ed., Coleção Primeiros Passos, São Paulo, Brasiliense, 1981). O objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem Os materiais didáticos produzidos nesse período referiam-se à realidade imediata dos adultos, problematizando-a 16 Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabetização e educação popular que se haviam multiplicado no período entre 1961 e 1964 foram vistos como uma grave ameaça à ordem e seus promotores duramente reprimidos. O governo só permitiu a realização de programas de alfabetização de adultos assistencialistas e conservadores, até que, em 1967, ele mesmo assumiu o controle dessa atividade lançando o Mobral — Movimento Brasileiro de Alfabetização. Era a resposta do regime militar à ainda grave situação do analfabetismo no país. O Mobral constituiu-se como organização autônoma em relação ao Ministério da Educação, contando com um volume significativo de recursos. Em 1969, lançou-se numa campanha massiva de alfabetização. Foram instaladas Comissões Municipais, que se responsabilizavam pela execução das atividades, mas a orientação e supervisão pedagógica bem como a produção de materiais didáticos eram centralizadas. As orientações metodológicas e os materiais didáticos do Mobral reproduziram muitos procedimentos consagrados nas experiências de inícios dos anos 60, mas esvaziando-os de todo sentido crítico e problematizador. Propunha-se a alfabetização a partir de palavras-chave, retiradas “da vida simples do povo”, mas as mensagens a elas associadas apelavam sempre ao esforço individual dos adultos analfabetos para sua integração nos benefícios de uma sociedade moderna, pintada sempre de cor-de-rosa. Durante a década de 70, o Mobral expandiu-se por todo o território nacional, diversificando sua atuação. Das iniciativas que derivaram do Programa de Alfabetização, a mais importante foi o PEI — Programa de Educação Integrada, que correspondia a uma condensação do antigo curso primário. Este programa abria a possibilidade de continuidade de estudos para os recém-alfabetizados, assim como para os chamados analfabetos funcionais, pessoas que dominavam precariamente a leitura e a escrita. Paralelamente, grupos dedicados à educação popular continuaram a realizar experiências pequenas e isoladas de alfabetização de adultos com propostas mais críticas, desenvolvendo os postulados de Paulo Freire. Essas experiências eram vinculadas a movimentos populares que se organizavam em oposição à ditadura, comunidades religiosas de base, associações de moradores e oposições sindicais. Paulo Freire, que fora exilado, seguia trabalhando com educação de adultos no Chile e depois em países africanos. Depois do golpe militar de 1964, grupos que atuavam na alfabetização de adultos foram reprimidos; o governo passou a controlar as iniciativas com o lançamento do Grupos dedicados à educação popular continuaram a realizar experiências pequenas e isoladas de alfabetização de adultos com propostas mais críticas 17 Com a emergência dos movimentos sociais e o início da abertura política na década de 80, essas pequenas experiências foram se ampliando, construindo canais de troca de experiência, reflexão e articulação. Projetos de alfabetização se desdobraram em turmas de pós-alfabetização, onde se avançava no trabalho com a língua escrita, além das operações matemáticas básicas. Também as administrações de alguns estados e municípios maiores ganhavam autonomia com relação ao Mobral, acolhendo educadores que se esforçaram por reorientar seus programas de educação básica de adultos. Desacredita do nos meios políticos e educacionais, o Mobral foi extinto em 1985 Seu lugar foi ocupado pela Fundação Educar, que abriu mão de executar diretamente os programas, passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas de governos, entidades civis e empresas a ela conveniadas. Na década de 80, essas pequenas experiências foram se ampliando, construindo canais de troca de experiência, reflexão e articulação 18 4. EDUCAÇÃO BÁSICA DE JOVENS E ADULTOS: CONSOLIDANDO PRÁTICAS Nesse período de reconstrução democrática, muitas experiências de alfabetização ganharam consistência, desenvolvendo os postulados e enriquecendo o modelo da alfabetização conscientizadora dos anos 60. Dificuldades encontradas na prática geravam reflexão e apontavam novas pistas. Um avanço importante dessas experiências mais recentes é a incorporação de uma visão de alfabetização como processo que exige um certo grau de continuidade e sedimentação. Desde os anos 50, eram recorrentes as críticas a campanhas que pretendiam alfabetizar em poucos meses, com perspectivas vagas de continuidade, depois das quais se constatavam altos índices de regressão ao analfabetismo. Os programas mais recentes prevêem um tempo maior, de um, dois ou até três anos dedicados à alfabetização e pós-alfabetização, de modo a garantir que o jovem ou adulto atinja maior domínio dos instrumentos da cultura letrada, para que possa utilizá-los na vida diária ou mesmo prosseguir seus estudos, completando sua escolarização. A alfabetização é crescentemente incorporada a programas mais extensivos de educação básica de jovens e adultos. Essa tendência se reflete nos materiais didáticos produzidos. Para a alfabetização inicial, as palavras geradoras com suas imagens codificadoras e quadros de famílias silábicas vêm em muitos casos acompanhadas de exercícios complementares; normalmente, exercícios de montar ou completar palavras com sílabas dadas, palavras e frases para ler e associar a imagens, bem como exercícios de coordenação motora. Alguns materiais partem de frases geradoras que, gradativamente, vão compondo pequenos textos. Revela-se uma preocupação crescente de ofertar materiais de leitura adaptados aos neo-leitores. Para os níveis de pós-alfabetização, os materiais são mais escassos. Os mais originais são aqueles que aproveitam textos escritos pelos próprios educandos como textos de leitura. A maioria, entretanto, reproduz os livros didáticos utilizados no ensino primário regular, adaptados para uma temática mais adulta. Os textos, sempre simplificados, referem-se ao mundo do trabalho, problemas urbanos, saúde e organização política como temas geradores ou tópicos curriculares de Estudos Sociais e Ciências. Entre as propostas de exercícios de escrita, aparecem os questionários nos quais se solicita a reprodução dos conteúdos dos textos ou se introduzem tópicos gramaticais. Outro indicador da ampliação da concepção de alfabetização no sentido de uma visão mais abrangente de educação básica é a crescente preocupação com relação à iniciação matemática. Muitas vezes, a preocupação foi posta pelos próprios educandos, que expressavam o desejo de aprender a “fazer contas”, certamente em razão da funcionalidade que tal habilidade tem para a resolução de problemas da vida diária. De fato, considerando-se a incidência das Um avanço importante dessas experiências mais recentes é a incorporação de uma visão de alfabetização como processo que exige um certo grau de continuidade e sedimentação 19 representações e operações numéricas nos mais diversos campos da cultura, é fundamental incluir sua aprendizagem numa concepção de alfabetização integral. Um princípio pedagógico já bastante assimilado entreos que se dedicam à educação básica de adultos é o da incorporação da cultura e da realidade vivencial dos educandos como conteúdo ou ponto de partida da prática educativa. No caso da educação de adultos, talvez fique mais evidente a inadequação de uma educação que não interfira nas formas de o educando compreender e atuar no mundo. A análise das práticas, entretanto, mostra as dificuldades de se operacionalizar esse princípio. Muitos materiais didáticos, geralmente os produzidos em grande escala, fazem referência a “trabalhadores” ou “pessoas do povo” genéricas, com as quais é difícil homens e mulheres concretos se identificarem. Em outros casos, a suposta realidade do educando é retratada apenas em seus aspectos negativos — pobreza, sofrimento, injustiça — ou apenas na sua dimensão política. Ocorre também a redução dos interesses ou necessidades educativas dos jovens e adultos aos que lhes é imediato, enquanto sua vontade de conhecer vai muito além. Perde-se assim a oportunidade criada pela situação educativa de se ampliarem os instrumentos de pensamento e a visão de mundo dos educandos e dos educadores. Outra questão metodológica diz respeito ao caráter crítico, problematizador e criativo que se pretende imprimir à educação de adultos. Educadores fortemente identificados com esses princípios da prática educativa conseguem estabelecer uma relação de diálogo e enriquecimento mútuo com seu grupo. Promovem situações de conversa ou debate em que os educandos têm a oportunidade de expressar a riqueza e a originalidade de sua linguagem e de seus saberes; conseguem reconhecer, comparar, julgar, recriar e propor. Entretanto, na passagem para o trabalho específico de leitura e escrita ou matemática, torna-se mais difícil garantir a natureza significativa e construtiva das aprendizagens. Na alfabetização, o exercício mecânico de montagem e desmontagem de palavras e sílabas vai se sobrepondo à construção de significados; os problemas matemáticos dão lugar à memorização dos procedimentos das operações. Muitas vezes, com a intenção de simplificar as mensagens, já que se trata de uma iniciação à cultura letrada, os textos oferecidos para leitura repetem a mesma estrutura e estilo, expondo uma visão unilateral dos temas tratados. Produz-se, assim, uma dissociação entre os momentos de “leitura do mundo”, quando Outro indicador da ampliação da concepção de alfabetização no sentido de uma visão mais abrangente de educação básica é a crescente preocupação com relação à iniciação matemática Um princípio pedagógico já bastante assimilado entre os que se dedicam à educação básica de adultos é o da incorporação da realidade vivencial dos educandos como conteúdo ou ponto de partida da prática educativa 20 os educandos são chamados a analisar, comparar, elaborar, e os momentos de “leitura da palavra” (ou dos números), quando os educando devem repetir, memorizar e reproduzir. 5. NOVAS PERSPECTIVAS NA APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA A partir de meados da década de 80, difundem-se entre os educadores brasileiros estudos e pesquisas sobre o aprendizado da língua escrita com bases na lingüística e na psicologia, que lançam novas luzes sobre as práticas de alfabetização. Esses estudos enfatizam o fato de que a escrita e a leitura são mais do que a transcrição e decifração de letras e sons, que são atividades inteligentes, em que a percepção é orientada pela busca dos significados. Reforçam-se os argumentos críticos às cartilhas de alfabetização que contêm palavras e frases isoladas, fora de contextos significativos que auxiliem sua compreensão. Entretanto, mesmo nas propostas pedagógicas em que se pode constatar uma preocupação de trabalhar com palavras ou frases significativas, observa-se uma ênfase muito grande nos procedimentos do método silábico, de montagem e desmontagem de palavras. Como o método prescreve a apresentação de padrões silábicos que vão sendo introduzidos um de cada vez, fatalmente as frases ou textos resultantes são artificiais, enunciados “montados”, mais do que mensagens “de verdade”. Especialmente os trabalhos da psicopedagoga argentina Emília Ferreiro trouxeram indicações aos alfabetizadores de como ultrapassar as limitações dos métodos baseados na silabação. Pesquisando as concepções sobre a escrita de crianças pré-escolares, essa autora mostrou que, convivendo num ambiente letrado, elas procuravam compreender o funcionamento desse sistema de representação, chegando à escola com hipóteses e informações prévias sobre a escrita que eram desprezadas pelas propostas de ensino. Emília Ferreiro realizou ainda um estudo junto a adultos analfabetos, mostrando que também eles tinham uma série de informações sobre a escrita e elaboravam hipóteses semelhantes às das crianças5. 5 Emília Ferreiro, Los adultos no alfabetizados y sus conceptualizaciones del sistema de escritura, México, Instituto Pedagógico Nacional, 1983. Reforçam-se os argumentos críticos às cartilhas de alfabetização que contêm palavras e frases isoladas, fora de contextos significativos que auxiliem sua compreensão. 21 As propostas pedagógicas para a alfabetização começam a incorporar a convicção de que não é necessário nem recomendável montar uma língua artificial para ensinar a ler e escrever. Os adultos analfabetos podem escrever enunciados significativos baseados em seus conhecimentos da língua, ainda que, no início, não produzam uma escrita convencional. É com essas produções que o educador deverá trabalhar, ajudando o aprendiz a analisá-las e introduzindo novas informações. Com relação à leitura, também se procura ampliar o universo lingüístico, utilizando-se uma diversidade maior de textos, que vão de jornais e enciclopédias a receitas e embalagens. A formação de um bom leitor não depende só da memorização das correspondências entre letras e sons, mas também do conhecimento das funções, estruturas e dos estilos próprios dos diferentes tipos de texto presentes na nossa cultura. Essas reorientações do trabalho com a língua escrita começaram recentemente a se fazer presentes nas propostas pedagógicas para adultos. Para a fase inicial da alfabetização, algumas experiências abandonaram as palavras geradoras como pontos de partida, introduzindo outros procedimentos como o trabalho com os nomes dos alunos ou os chamados textos coletivos, grafados pelo alfabetizador a partir de sugestões ditadas pelos alfabetizandos. Surgem assim materiais didáticos com maior diversidade de textos e propostas de escrita. 6. NOVOS SIGNIFICADOS PARA AS APRENDIZAGENS ESCOLARES Além desses estudos sobre a alfabetização inicial, os educadores brasileiros têm entrado em contato também com estudos que tematizam as relações entre pensamento e linguagem, pensamento e cultura, cultura oral e cultura letrada, conceitos espontâneos e conceitos científicos. Com relação ao ensino de Matemática para jovens e adultos, a questão pedagógica mais instigante é o fato de que eles quase sempre, independentemente do ensino sistemático, desenvolvem procedimentos próprios de resolução de problemas envolvendo quantificações e cálculos. Há jovens e adultos analfabetos capazes de fazer cálculos bastante complexos, ainda que não saibam como representá-los por escrito na forma convencional, ou ainda que não saibam sequer explicar como chegaram ao resultado, e pesquisas foram feitas para investigar a natureza desses conhecimentos e o seu alcance. O desafio, ainda pouco equacionado, é como relacioná-los significativamente com a aprendizagem das representações numéricas e dos algoritmos ensinados na escola. Com relação ao ensino das Ciências Sociais e Naturais, evidencia-se a limitação das abordagens que visam apenas a aprendizagem de conhecimentos imediatamente úteis para os jovens e Não é necessário nem recomendável montar uma língua artificial para ensinar a ler e escrever. Os jovens e adultos desenvolvemprocedimentos próprios de resolução de problemas envolvendo quantificações e 22 adultos. Sem negar o valor de informações úteis que a escola pode veicular, impõe-se a tarefa de orientar os educandos para uma compreensão mais abrangente dos fenômenos, para a qual podem contribuir conceitos científicos e informações das mais diversas fontes. Ainda há poucos estudos nessa direção aplicados ao ensino de jovens e adultos. Ainda assim, abordagens teóricas que enfatizam o papel do ensino sistemático no desenvolvimento do pensamento desenham novas pistas para integrar de forma mais dinâmica a “leitura do mundo” e a “leitura da palavra” na educação crítica e criativa que os educadores de jovens e adultos desejam realizar6. 7. DESAFIOS PARA OS ANOS 90 No âmbito das políticas educacionais, os primeiros anos da década de 90 não foram muito favoráveis. Historicamente, o governo federal foi a principal instância de apoio e articulação das iniciativas de educação de jovens e adultos. Com a extinção da Fundação Educar, em 1990, criou-se um enorme vazio em termos de políticas para o setor. Alguns estados e municípios têm assumido a responsabilidade de oferecer programas na área, assim como algumas organizações da sociedade civil, mas a oferta ainda está longe de satisfazer a demanda. Acompanhando a falta de políticas para estender o atendimento, há uma grande falta de materiais didáticos de apoio, de estudos e pesquisas sobre essa modalidade educativa, tendo os educadores de enfrentar com poucos recursos sua tarefa7. A história da educação de jovens e adultos no Brasil chega à década de 90, portanto, reclamando a consolidação de reformulações pedagógicas que, aliás, vêm se mostrando necessárias em todo o ensino fundamental. Do público que tem ocorrido aos programas para jovens e adultos, uma ampla maioria é constituída de pessoas que já tiveram passagens fracassadas pela escola, entre elas, muitos adolescentes e jovens recém-excluídos do sistema regular. Esta situação ressalta o grande desafio pedagógico, em termos de seriedade e criatividade, que a educação de jovens e adultos impõe: como garantir a esse segmento social que vem sendo marginalizado nas esferas sócio-econômica e educacional um acesso à cultura letrada que lhe possibilite uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. 6 livro Metodologia da alfabetização: pesquisas em educação de jovens e adultos, de Vera Masagão Ribeiro et al. (Campinas/São Paulo, Papirus/CEDI, 1992), traz um balanço dos principais estudos realizados no Brasil nos anos 70 e 80, contemplando várias das problemáticas aqui referidas. 7 Os artigos de Maria Clara Di Pierro e Sérgio Haddad publicados no periódico Em Aberto (v. 11, n. 56, Brasília, Inep, out.-dez. 1992) trazem balanços das políticas mais recentes de educação básica de jovens e adultos, com dados sobre demanda e atendimento. A história da educação de jovens e adultos chega à década de 90 reclamando a consolidação de reformulações pedagógicas, necessárias a todo o ensino fundamental 23 CAPÍTULO 3 - PARÂMETROS LEGAIS DA EJA 1. RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 1, DE 5 DE JULHO DE 2000 Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos. O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de conformidade com o disposto no Art. 9º, § 1°, alínea "c", da Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CNE/CEB 11/2000, homologado pelo Senhor Ministro da Educação em 7 de junho de 2000, RESOLVE: Art. 1º Esta Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos a serem obrigatoriamente observadas na oferta e na estrutura dos componentes curriculares de ensino fundamental e médio dos cursos que se desenvolvem, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias e integrantes da organização da educação nacional nos diversos sistemas de ensino, à luz do caráter próprio desta modalidade de educação. Art. 2º A presente Resolução abrange os processos formativos da Educação de Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica nas etapas dos ensinos fundamental e médio, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em especial dos seus artigos 4º, 5º, 37, 38, e 87 e, no que couber, da Educação Profissional. § 1º Estas Diretrizes servem como referência opcional para as iniciativas autônomas que se desenvolvem sob a forma de processos formativos extraescolares na sociedade civil. § 2º Estas Diretrizes se estendem à oferta dos exames supletivos para efeito de certificados de conclusão das etapas do ensino fundamental e do ensino médio da Educação de Jovens e Adultos. Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental estabelecidas e vigentes na Resolução CNE/CEB 2/98 se estendem para a modalidade da Educação de Jovens e Adultos no ensino fundamental. Art. 4º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio estabelecidas e vigentes na Resolução CNE/CEB 3/98, se estendem para a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no ensino médio. Art. 5º Os componentes curriculares conseqüentes ao modelo pedagógico próprio da educação de jovens e adultos e expressos nas propostas pedagógicas das unidades educacionais obedecerão aos princípios, aos objetivos e às diretrizes curriculares tais como formulados no Parecer CNE/CEB 11/2000, que acompanha a presente Resolução, nos pareceres CNE/CEB 4/98, CNE/CEB 15/98 e CNE/CEB 16/99, suas respectivas resoluções e as orientações próprias dos sistemas de ensino. 24 Parágrafo único. Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará pelos princípios de equidade, diferença e proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico próprio, de modo a assegurar: I - quanto à equidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação; II - quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores; III - quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica. Art. 6º Cabe a cada sistema de ensino definir a estrutura e a duração dos cursos da Educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração entre os entes federativos. Art. 7º Obedecidos o disposto no Art. 4º, I e VII da LDB e a regra da prioridade para o atendimento da escolarização universal obrigatória, será considerada idade mínima para a inscrição e realização de exames supletivos de conclusão do ensino fundamental a de 15 anos completos. Parágrafo único. Fica vedada, em cursos de Educação de Jovens e Adultos, a matrícula e a assistência de crianças e de adolescentes da faixa etária compreendida na escolaridade universal obrigatória, ou seja, de sete a quatorze anos completos. Art. 8º Observado o disposto no Art. 4º, VII da LDB, a idade mínima para a inscrição e realização de exames supletivos de conclusão do ensino médio é a de 18 anos completos. § 1º O direito dos menores emancipados para os atos da vida civil não se aplica para o da prestação de exames supletivos.§ 2º Semelhantemente ao disposto no parágrafo único do Art. 7º, os cursos de Educação de Jovens e Adultos de nível médio deverão ser voltados especificamente para alunos de faixa etária superior à própria para a conclusão deste nível de ensino, ou seja, 17 anos completos. Art. 9º Cabe aos sistemas de ensino regulamentar, além dos cursos, os procedimentos para a estrutura e a organização dos exames supletivos, em regime de colaboração e de acordo com suas competências. Parágrafo único. As instituições ofertantes informarão aos interessados, antes de cada início de curso, os programas e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, 25 qualificação dos professores, recursos didáticos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando- se a cumprir as respectivas condições. Art. 10. No caso de cursos semipresenciais e a distância, os alunos só poderão ser avaliados, para fins de certificados de conclusão, em exames supletivos presenciais oferecidos por instituições especificamente autorizadas, credenciadas e avaliadas pelo poder público, dentro das competências dos respectivos sistemas, conforme a norma própria sobre o assunto e sob o princípio do regime de colaboração. Art. 11 No caso de circulação entre as diferentes modalidades de ensino, a matrícula em qualquer ano das etapas do curso ou do ensino está subordinada às normas do respectivo sistema e de cada modalidade. Art. 12 Os estudos de Educação de Jovens e Adultos realizados em instituições estrangeiras poderão ser aproveitados junto às instituições nacionais, mediante a avaliação dos estudos e reclassificação dos alunos jovens e adultos, de acordo com as normas vigentes, respeitados os requisitos diplomáticos de acordos culturais e as competências próprias da autonomia dos sistemas. Art. 13 Os certificados de conclusão dos cursos a distância de alunos jovens e adultos emitidos por instituições estrangeiras, mesmo quando realizados em cooperação com instituições sediadas no Brasil, deverão ser revalidados para gerarem efeitos legais, de acordo com as normas vigentes para o ensino presencial, respeitados os requisitos diplomáticos de acordos culturais. Art. 14 A competência para a validação de cursos com avaliação no processo e a realização de exames supletivos fora do território nacional é privativa da União, ouvido o Conselho Nacional de Educação. Art. 15 Os sistemas de ensino, nas respectivas áreas de competência, são corresponsáveis pelos cursos e pelas formas de exames supletivos por eles regulados e autorizados. Parágrafo único. Cabe aos poderes públicos, de acordo com o princípio de publicidade: a) divulgar a relação dos cursos e dos estabelecimentos autorizados à aplicação de exames supletivos, bem como das datas de validade dos seus respectivos atos autorizadores. b) acompanhar, controlar e fiscalizar os estabelecimentos que ofertarem esta modalidade de educação básica, bem como no caso de exames supletivos. Art. 16 As unidades ofertantes desta modalidade de educação, quando da autorização dos seus cursos, apresentarão aos órgãos responsáveis dos sistemas o regimento escolar para efeito de análise e avaliação. Parágrafo único. A proposta pedagógica deve ser apresentada para efeito de registro e arquivo histórico. 26 Art. 17 A formação inicial e continuada de profissionais para a Educação de Jovens e Adultos terá como referência as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e para o ensino médio e as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores, apoiada em: I - ambiente institucional com organização adequada à proposta pedagógica; II - investigação dos problemas desta modalidade de educação, buscando oferecer soluções teoricamente fundamentadas e socialmente contextuadas; III - desenvolvimento de práticas educativas que correlacionem teoria e prática; IV - utilização de métodos e técnicas que contemplem códigos e linguagens apropriados às situações específicas de aprendizagem. Art. 18 Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens e Adultos que se destinam ao ensino fundamental deverão obedecer em seus componentes curriculares aos Art. 26, 27, 28 e 32 da LDB e às diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. Parágrafo único. Na organização curricular, competência dos sistemas, a língua estrangeira é de oferta obrigatória nos anos finais do ensino fundamental. Art. 19 Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens e Adultos que se destinam ao ensino médio deverão obedecer em seus componentes curriculares aos Art. 26, 27, 28, 35 e 36 da LDB e às diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio. Art. 20 Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do ensino fundamental, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, deverão seguir o Art. 26 da LDB e as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. § 1º A explicitação desses componentes curriculares nos exames será definida pelos respectivos sistemas, respeitadas as especificidades da educação de jovens e adultos. § 2º A Língua Estrangeira, nesta etapa do ensino, é de oferta obrigatória e de prestação facultativa por parte do aluno. § 3º Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculiaridades dos portadores de necessidades especiais. Art. 21 Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do ensino médio, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, deverão observar os Art. 26 e 36 da LDB e as diretrizes curriculares nacionais do ensino médio. § 1º Os conteúdos e as competências assinalados nas áreas definidas nas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio serão explicitados pelos respectivos sistemas, observadas as especificidades da educação de jovens e adultos. § 2º A língua estrangeira é componente obrigatório na oferta e prestação de exames supletivos. 27 § 3º Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculiaridades dos portadores de necessidades especiais. Art. 22 Os estabelecimentos poderão aferir e reconhecer, mediante avaliação, conhecimentos e habilidades obtidos em processos formativos extras escolares, de acordo com as normas dos respectivos sistemas e no âmbito de suas competências, inclusive para a educação profissional de nível técnico, obedecidas as respectivas diretrizes curriculares nacionais. Art. 23 Os estabelecimentos, sob sua responsabilidade e dos sistemas que os autorizaram, expedirão históricos escolares e declarações de conclusão, e registrarão os respectivos certificados, ressalvados os casos dos certificados de conclusão emitidos por instituições estrangeiras, a serem revalidados pelos órgãos oficiais competentes dos sistemas. Parágrafo único. Na sua divulgação publicitária e nos documentos emitidos, os cursos e os estabelecimentos capacitados para prestação de exames deverão registrar o número, o local e a data do ato autorizador. Art. 24 As escolas indígenas dispõem de norma específica contida na Resolução CNE/CEB 3/99, anexa ao Parecer CNE/CEB 14/99. Parágrafo único. Aos egressos das escolas indígenas e postulantes de ingresso em cursos de educação de jovens e adultos, será admitido o aproveitamento destes estudos, de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino. Art. 25 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário. Francisco Aparecido Cordão Presidente da Câmara de Educação Básica 28 CAPÍTULO 4 - EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Alexandra Borges de Souza Aline de Oliveira Harca Dennis Willian Martins Teixeira Luiz Paulo Costa Braga Bisaggio Tiago André Marques Malta A educação básica é atualmente um dos pilares no processo de aprendizagem, logo a elevação da qualidade do ensino empreendidonas etapas iniciais é fator imprescindível para se atingir os patamares mínimos necessários ao processo de inclusão social. Portanto se faz urgente e necessário refletir sobre a prática pedagógica empreendida nesta fase da aprendizagem, ou seja, o processo de alfabetização. É preciso que a sociedade compreenda que alunos da EJA vivenciam problemas como preconceito, vergonha, discriminação, críticas dentre tantos outros. E que tais questões são vivenciadas tanto no cotidiano familiar como na vida em comunidade. Para isso precisamos compreender que a EJA é uma educação possível e capaz de mudar significativamente a vida de uma pessoa, permitindo-lhe reescrever sua história de vida. Sabe- se que educar é muito mais que reunir pessoas numa sala de aula e transmitir-lhes um conteúdo pronto. É papel do professor, especialmente do professor que atua na EJA, compreender melhor o aluno e sua realidade diária. A qualidade do ensino depende muito da relação professor-aluno. “Podemos partir de um dado histórico, que tento destacar, não temos parâmetros oficiais que possam delinear o perfil do educador de jovens e adultos e de sua formação porque, também, não temos uma definição ainda muito clara da própria EJA. Essa é uma área que permanece em construção, em uma constante interrogação. O perfil do educador de jovens e adultos e sua formação encontra-se ainda em construção. Temos assim um desafio, vamos ter que inventar esse perfil e construir sua formação” (ARROYO, 2006). 1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA EJA NO BRASIL A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) apresenta muitas variações ao longo do tempo, demonstrando estar estreitamente ligada às transformações sociais, econômicas e políticas que caracterizaram os diferentes momentos históricos do país. Inicialmente a alfabetização de adultos para os colonizadores, tinha como objetivo instrumentalizar a 29 população, ensinando-a a ler e a escrever. Essa concepção foi adotada para que os colonos pudessem ler o catecismo e seguir as ordens e instruções da corte, os índios pudessem ser catequizados e, mais tarde, para que os trabalhadores conseguissem cumprir as tarefas exigidas pelo Estado. A Constituição de 1934 estabeleceu a criação de um Plano Nacional de Educação, que indicava pela primeira vez a educação de adultos como dever do Estado, incluindo em suas normas a oferta do ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória, extensiva para adultos. Em 1958, foi realizado o segundo Congresso Nacional de Educação de Adultos, objetivando avaliar as ações realizadas na área e visando propor soluções adequadas para a questão. Foram feitas críticas à precariedade dos prédios escolares, à inadequação do material didático e à qualificação do professor. A delegação de Pernambuco, da qual Paulo Freire fazia parte, propôs uma educação baseada no diálogo, que considerasse as características socioculturais das classes populares, estimulando sua participação consciente na realidade social. Nesse congresso se discutiu, também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, em decorrência, foi elaborada em 1962 o Plano Nacional de Educação, sendo extintas as campanhas nacionais de educação de adultos em 1963. A década de 70, ainda sob a ditadura militar, marca o início das ações do Movimento Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, que era um projeto para se acabar com o analfabetismo em apenas dez anos. Após esse período, quando já deveria ter sido cumprida essa meta, o Censo divulgado pelo IBGE registrou 25,5% de pessoas analfabetas na população de 15 anos ou mais. O programa passou por diversas alterações em seus objetivos, ampliando sua área de atuação para campos como a educação comunitária e a educação de crianças. O ensino supletivo, implantado em 1971, foi um marco importante na história da educação de jovens e adultos do Brasil. Foram criados os Centros de Estudos Supletivos em todo o País, com a proposta de ser um modelo de educação do futuro, atendendo às necessidades de uma sociedade em processo de modernização. O objetivo era escolarizar um grande número de pessoas, mediante um baixo custo operacional, satisfazendo às necessidades de um mercado de trabalho competitivo, com exigência de escolarização cada vez maior. No início da década de 80, a sociedade brasileira viveu importantes transformações sócio-políticas com o fim dos governos militares e a retomada do processo de democratização, basta lembrar da campanha nacional a favor das eleições diretas. Em 1985, o MOBRAL foi extinto, sendo substituído pela Fundação EDUCAR. O contexto da redemocratização possibilitou a ampliação das atividades da EJA. Estudantes, educadores e políticos organizaram-se em defesa da escola pública e gratuita para todos. A nova Constituição de 1988 trouxe importantes avanços para a EJA: o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, passou a ser garantia constitucional também para os que a ele não tiveram acesso na idade apropriada. Contudo, a partir dos anos 90, a EJA começou a perder espaço nas ações governamentais. Em março de 1990, com o início do governo Collor, a Fundação EDUCAR foi extinta e todos os seus funcionários colocados em disponibilidade. Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a União foi se afastando das atividades da EJA e transferindo a responsabilidade para os Estados e Municípios. 30 Em janeiro de 2003, o MEC anunciou que a alfabetização de jovens e adultos seria uma prioridade do novo governo federal. Para isso, foi criada a Secretaria. Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo, cuja meta é erradicar o analfabetismo durante o mandato de quatro anos do governo Lula. Para cumprir essa meta foi lançado o Programa Brasil Alfabetizado, por meio do qual o MEC contribuirá com os órgãos públicos estaduais e municipais, instituições de ensino superior e organizações sem fins lucrativos que desenvolvam ações de alfabetização. 2. VYGOTSKY Para tentarmos entender o processo da aprendizagem, o que veio primeiro a nossa mente foram os conceitos primorosos de Vygotsky que enfatiza, o desenvolvimento do indivíduo como um resultado de um processo sócio-histórico. Sua teoria também é conhecida como sócio- interacionista, enfatizando o papel do contexto histórico e cultural nos processos de desenvolvimento e aprendizagem, no qual o aluno aprende junto ao seu grupo social, ao passo que também constrói os elementos integrantes do seu meio, tais como: valores, linguagem e até o próprio conhecimento. Ele enfatiza que as origens das formas superiores do comportamento (lembrar, comparar, falar, pensar etc.) deveriam ser estudadas a partir das relações sociais que os indivíduos estabelecem como o meio social em que vivem. Vygotsky afirma que todas as funções superiores originam-se das relações reais entre os indivíduos humanos, e que elas aparecem duas vezes em suas vidas: interpsicologicamente e intrapsicologicamente. E o que nos fez unir as teorias ygotskyana como os conceitos de Paulo Freire foi a importância dada por ambos para a interação social. Segundo Paulo Freire a prática pedagógica necessita estar vinculada aos aspectos históricos e sociais para facilitar a compreensão e elucidação das questões que realmente importam para os envolvidos no processo educativo, para ele se não ocorre uma reflexão sobre si mesmo, sobre seu papel no mundo, não é possível ultrapassar os obstáculos que o próprio mundo impõe, por isso a ação do professor, tendo ele consciência ou não, estimula o aluno à libertação ou à opressão. 3. A EJA E LDB A Educação de Jovens e Adultos - EJA está prevista na LDB 9.424/1996 e classificada como parte integrante da Educação Básica, portanto deve ser encarada com o mesmo compromisso presente no ensino fundamental. Todavia um breve levantamento já pode evidenciar as divergências na aplicabilidade deste segmento escolar. Do ponto de vista pedagógico podemos destacar a falta de profissionais habilitados paratrabalhar com adultos, a falta de recursos didáticos, e, sobretudo, a falta de estratégias metodológicas direcionadas para este público específico. São muitos os entraves encontrados por aqueles que já tiveram alguma experiência na Educação de Jovens e Adultos. Apesar da importante função social desempenha por esta modalidade educativa, uma vez que se encarrega de reparar as desigualdades causadas 31 àqueles alunos evadidos do ensino regular. Hoje é notável a expansão da educação básica, e há um quantitativo de vagas cada vez mais crescente a fim de fazer jus ao princípio da obrigatoriedade “toda criança na escola”. Entretanto, as condições sociais adversas acabam condicionando o sucesso de muitos alunos. A média nacional de permanência na escola no período obrigatório é de oito anos, todavia a realidade se estende até os 11 anos em média, e muitos alunos permanecem no ensino fundamental, quando já deveriam estar cursando o ensino médio. As expressões mais claras desta realidade são as repetências, a reprovação, e principalmente, a evasão. Ambas promovem a manutenção da distorção idade e ano escolar retardando o acerto no fluxo escolar que continua a reproduzir excluídos. Neste contexto perverso a Educação de Jovens e Adultos em muitos casos se constitui na única alternativa de inclusão social para os alunos que já estão fora do sistema de ensino. Precisam ser oferecidas condições para que os alunos possam construir suas idéias a partir de suas experiências, tornado-se sujeitos sócio-culturais aptos a conhecer diferentes épocas e lugares, e poder compará-los com sua própria história de vida, ou seja, é preciso que se desenvolva propostas de ensino dinâmicas que resguarde as determinações da Lei de Diretrizes e Bases / 9.424/96 4. PROPOSTAS Por entendermos que a escola é um espaço onde os alunos são atores centrais da própria aprendizagem, a construção através de processos colaborativos e interdisciplinares. Segundo Perrenoud [s.d.]: O objetivo da escola não deve ser passar conteúdos, mas preparar – todos – para a vida em uma sociedade moderna. Para trabalhar a partir desses novos paradigmas, o professor deve ter uma formação adequada. É inegável que a função do professor é ensinar; desse modo, precisa se voltar para a realidade dos seus alunos, vistos como seres reais, em situações definidas. Infelizmente a prática pedagógica do professor é influenciada por fatores internos e por fatores externos, como as questões sociais, e a diversidade cultural num dado contexto histórico – político. Nessa perspectiva, a atuação do professor não depende exclusivamente de sua vontade, visto que é um ser contextualizado, num cenário psicossocial vivo e mutável no qual interage ao mesmo tempo, com múltiplos fatores e condições. Desse modo, para ser ou se tornar um profissional competente, o professor deve atuar com versatilidade, criando uma nova realidade na sala de aula, experimentando, corrigindo e inventando através do diálogo que estabelece com essa realidade. Assim, é tarefa do educador construir o seu próprio conhecimento na busca constante de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Dessa maneira, ele constrói e compara novas estratégias, novas fórmulas de pesquisa; enfim, cria situações em aula e na escola que propiciam aos alunos a consciência da realidade em que vivem. Essa mesma realidade se converte no campo de experimento do professor possibilitando que ocorram mudanças, na medida em que consegue resolver os problemas existentes. 32 Sendo assim, entendemos que o educador precisa ter um novo olhar sobre o processo de ensino e aprendizagem, sobretudo quando se trata da EJA, tornando-se necessário que vislumbre a educação como fator de transformação da sociedade e que mantenha atitudes dialógicas em sala de aula, possibilitando ao educando um maior entendimento sobre a realidade, ampliando assim a sua leitura de mundo e suas perspectivas de qualidade de vida. Por esses motivos, destacamos, na organização do trabalho do professor e do aluno: divisão dos alunos por faixa etária; a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos; a construção da autonomia; o fortalecimento da auto-estima e; importância da relação professor alunos e estabelecimento de relações entre saber escolar/trabalho. 5. DIVISÃO DOS ALUNOS POR FAIXA ETÁRIA A Divisão dos alunos do EJA em classes etárias para modificar a heterogeneidade das classes, por acreditarmos que ao delimitarmos as faixas de idade dos alunos, contribuiríamos para a melhor assimilação do conteúdo transmitido pelo educador. Para tal, nos baseamos no conceito de desenvolvimento de Erik Erikson, onde consiste a teoria de que o desenvolvimento não termina na fase latente abordada pela psicanálise convencional e sim, se estendia pelo decorrer da vida do indivíduo. 6. VALORIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS PRÉVIOS DOS ALUNOS Os conhecimentos prévios são construídos pelos indivíduos a partir de sua interação com o meio físico, social e cultural sendo, portanto, advindos das experiências diárias. De acordo com o pensamento de Kalil (1999), citado por Santos (2001, p. 42), (...) o professor deve procurar trabalhar com conteúdo culturais relevantes e motivadores, cujo significado seja de fácil assimilação, procurando estabelecer o vínculo com os conceitos espontâneos dos seus alunos, o que certamente os levará a compreender o todo e, conseqüentemente, ter uma aprendizagem significativa. Dessa forma devemos levar em consideração a experiência de vida desses alunos uma vez que está aprendizagem não se dá somente no espaço escolar. Devemos levar em consideração os frutos que foram colhidos na sociedade. 7. AUTONOMIA De acordo com Neves (1995, p. 87), A autonomia é um valor inerente ao ser humano: o homem não nasceu para ser escravo ou tutelado mas para ser livre, autônomo (...), a autonomia não é um valor absoluto, fechado em si mesmo, mas um valor que se define numa relação de interação social.Valorizar a participação do aluno como aspecto essencial para o 33 processo de conhecimento, que não é visto como acabado, mas construído na interação aluno/professor, aluno/aluno, respeitando o ritmo de aprendizagem e as suas experiências. Convidar o educando a participar do cotidiano da sala de aula no sentido de sentir-se como sendo parte, com co-responsabilidade, incentivando-o a buscar o conhecimento, a tomar decisões, a pensar por si mesmo, com capacidade de interagir e construir com outras formas de saber. 8. O FORTALECIMENTO DA AUTO-ESTIMA É necessário que o professor desenvolva o trabalho pedagógico pautado no respeito à autonomia dos seus educandos, valorizando a cooperação e o diálogo, evitando a coerção e a dominação, observando as diferenças intelectuais, afetivas e emocionais, buscando a formação de atitudes reflexivas, como serem tolerantes e respeitarem o outro. O educador precisa estar atento aos aspectos relacionados ao desenvolvimento da auto-estima, uma vez que muitos dos seus alunos tiveram experiências sucessivas de fracasso escolar e de exclusão social. Nesse sentido, cabe ao professor criar situações de aprendizagem que possibilitem ao aluno verbalizar o seu pensamento enfatizando, também, que todos têm habilidades e qualidades distintas uns dos outros e são capazes de aprender. 9. RELAÇÃO PROFESSOR ALUNO Esta relação precisa estar permeada pelo respeito entre os atores do processo educativo, no sentido de que os educandos possam adquirir confiança na busca de soluções para os problemas surgidos no dia-a-dia da escola ou em outros espaços de aprendizagem. Quando é estabelecido um clima de bom relacionamento entre educandos e educadores, a aprendizagem é favorecida, contribuindo, portanto, para o crescimento dos sujeitos que estão sob a responsabilidade do professor que deve auxiliá-los na superação das dificuldades em sala de aula. 10. O ESTABELECIMENTO DE RELAÇÕES ENTRESABER ESCOLAR/TRABALHO Pensamos que seria interessante adequar o saber escolar com o trabalho, se levarmos em consideração a faixa etária dos educandos envolvidos nesse projeto veremos a importância de prepara esse aluno ou qualificá-lo para o mercado de trabalho. Uma educação cidadã (de qualidade) contribui para o fortalecimento das pessoas frente aos desafios advindos da 34 sociedade em constante transformação, fornecendo-lhes melhores possibilidades de pensarem e de repensarem alternativas para a superação de situações problema. Não se trata, portanto, de atribuir à escola apenas a função de transmissora do conhecimento já elaborado pela humanidade, e sim, ampliar o seu papel de formadora de cidadãos, dando a ele a possibilidade de unir o que é aprendido na escola com as suas atividades profissionais; REFERÊNCIAS CARVALHO, Olgamir Francisco de, SENA, Valéria Kneipp. Fundamentos da Educação de Jovens e Adultos: módulo II, unidade 2. Brasília: SESI-DN, 2000, 204p, p.107-193(Parecer CEB/CNE n.º 11/2000). ERIKSON, E. H. O ciclo da Vida Completo; trad. Maria Adriana Verissimo Veronese. - Porto Alegre, Artes Médica,1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 1991. EJA: UMA EDUCAÇÃO POSSÍVEL OU MERA UTOPIA? * Selva Paraguassu Lopes FREIRE P. Conscietização – São Paulo, Cortez e Moraers, 1980. PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO. http://mec.gov.br/alfabetiza/default.htm. Acesso em: 22 set. 2008. VIEIRA, Maria Clarisse. Fundamentos históricos, políticos e sociais da educação de jovens e adultos – Volume I: aspectos históricos da educação de jovens e adultos no Brasil. Universidade de Brasília, Brasília, 2004. TEXTO RETIRADO DA INTERNET: Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/93693607/Educacao-de-Jovens-e-Adultos. Acesso em: 12 out. 2012. 35 CAPÍTULO 5: A EDUCAÇÃO CONTINUADA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL 8 Sérgio Haddad9 não é um conceito novo, mas nestes últimos anos vem ganhando especial relevância, tendo em vista as recentes transformações no mundo do trabalho e no conjunto da sociedade. Educação Continuada é aquela que se realiza ao longo da vida, continuamente, é inerente ao desenvolvimento da pessoa humana e relaciona-se com a ideia de construção do ser. Abarca, de um lado, a aquisição de conhecimentos e aptidões e, de outro, atitudes e valores, implicando no aumento da capacidade de discernir e agir. Essa noção de educação envolve todos os universos da experiência humana, além dos sistemas escolares ou programas de educação não-formal. Educação Contínua implica na repetição e imitação, mas também apropriação, ressignificação e criação. Enfim, a idéia de uma Educação Continuada associa-se à própria característica distintiva dos seres humanos, a capacidade de conhecer e querer saber mais, ultrapassando o plano puramente instintivo de sua relação com o mundo e com a natureza. Há meio século, as atribuições específicas da família, da escola e das igrejas, no que se refere à educação, não eram freqüentemente questionadas. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, entretanto, devido às novas formas de organização da produção, da política e do cotidiano das pessoas, a educação tradicionalmente promovida por esses espaços não parece mais responder às demandas da sociedade. Especialmente a escola passou a ser questionada em relação aos seus limites para prover as necessidades educativas das pessoas. O paradigma da sociedade contemporânea é a mudança constante dos processos de produção e das formas de relação social, devido à introdução de novas tecnologias que rapidamente ficam superadas e à ampliação vertiginosa das possibilidades de comunicação e produção de informações. Esse cenário evoca, necessariamente, o princípio da flexibilidade dos processos educativos e, portanto, o imperativo de ampliar o conceito de educação para além dos sistemas escolares. A necessidade de informação passa a ocupar cada vez mais espaço na vida dos indivíduos, não só das crianças, mas também dos adultos. Tradicionalmente, a educação e a freqüência à escola eram associa das principalmente a uma certa fase da vida – a infância – enquanto a idade adulta era associada ao mundo do trabalho e a terceira idade à interrupção ou diminuição drástica da s atividades de forma geral. Tais associações vão se rompendo à medida que o mercado de trabalho passa a exigir 8 Texto publicado com o mesmo nome (Haddad, 2001), agora revisto e ampliado para apresentação no Seminário International Policy Dialogue for Lifelong Learning (2-6 Setembro de 2007), Changwon, República da Korea. 9 Doutor em Educação é Coordenador Geral da Ação Educativa e Diretor Presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos. 36 atualização permanente dos conhecimentos e também à medida que a expectativa de vida das pessoas aumenta e a terceira idade passa a ter um peso crescente no perfil demográfico e na economia dos países. Além da necessidade de atualização constante de conhecimentos imposta pelas características do mercado de trabalho e das novas formas de organizar a produção, outro fator que impõe o tema da Educação Continuada é a própria redução do tempo que as pessoas despendem trabalhando ao longo de suas vidas. Historicamente, as jornadas de trabalho tendem a diminuir, as pessoas começam a trabalham com mais idade e têm uma sobrevida maior depois da aposentadoria. Resultado: há mais tempo vital disponível para dedicar à aprendizagem. Nos últimos anos, vem crescendo o reconhecimento de que há muitas aprendizagens que têm melhores condições de se realizar fora da escola. As empresas passam a assumir tarefas de qualificação profissional já que, no ritmo em que as mudanças tecnológicas ocorrem, dificilmente haveria tempo hábil para que os novos conhecimentos requeridos fossem assimilados aos currículos escolares. Por outro lado, cada vez mais se espera que a escola garanta a aquisição de habilidades e atitudes que tornem o trabalhador apto para aprender sempre e de forma autônoma. Na ideia de Educação Continuada, portanto, está também implícito o princípio de que deve haver complementaridade entre os diversos universos educativos. As zonas de interseção e interdependência entre a educação formal e a não formal tornam-se mais visíveis não só no que se refere à qualificação profissional, mas também a outros âmbitos de vivência que sofrem impactos da modernização, como o lazer, a cultura, o convívio familiar e comunitário. Nos países de primeiro mundo, observamos um aumento progressivo de ofertas variadas de educação de adultos. Em países como a Suécia ou o Japão, pelo me nos 50% da população está engajada em algum programa de formação, segundo indicam pesquisas recentes. São países que não enfrentam problemas de déficits e m relação à educação básica obrigatória, e mesmo assim dedicam recursos à promoção de oportunidades educativas para os adultos, visando não só a qualificação profissional, mas também a formação para a cidadania. No Brasil não é diferente. Pesquisa recente indica existir um número elevado da população de jovens e adultos que participa de programas de aprendizagem continuada, tanto no que se refere à qualificação profissional quanto ao desenvolvimento pessoal. Pesquisando o comportamento da população do município de São Paulo, entre 15 e 64 anos, Ribeiro identifica que quase a metade dos entrevistados (45,6%) declararam haver participado de algum programa educativo nos 12 meses que antecederam a entrevista: 19,5% no ensino formal – nos níveis fundamental, médio ou superior – e 26,1% em programas de ensino não-formal, voltados à qualificação profissional ou ao desenvolvimento pessoal. Outros 15,1% declararam não ter feito cursos nos últimos 12 meses, mas que já tinham feito algum em período anterior. (RIBEIRO, 1999, pág. 114). Talvez o mais antigo campo de referência destas práticas educativas seja aquele produzido e disseminado no âmbito da UNESCO e que teve forterepercussão após a segunda guerra mundial nos chamados “países subdesenvolvidos”. Nascido como uma preocupação em favor da educação das massas constituídas pelos adultos analfabetos das regiões “atrasadas”, a UNESCO inicialmente colocou ênfase na alfabetização, disseminando campanhas nacionais, baixou conceitos como “educação de base”, “alfabetização funcional” e outros (BEISIEGEL, 37 2004). Posteriormente, a UNESCO volta-se à ideia de Educação Permanente, tendo como fundamentação os desafios frente a um mundo em mudança e a necessária condição de adaptação do ser humano a estas mudanças. Como desdobramentos, a s práticas educativa s voltam-se para os processos de transmissão de conhecimentos e técnicas que permita m uma melhor adaptação da sociedade e m processos de mudanças sociais. Tal concepção compõe uma das matrizes do pensamento da Educação ao Longo da Vida. Ao mesmo tempo, tanto nos países do norte como nos do sul, existem extensas redes de práticas educativas que na América Latina se reconhecem tradicionalmente como Grupos de Educação Popular, voltados à formação política e incentivo ao protagonismo na comunidade ou nas questões sociais amplas. Essa idéia de organizar pessoas em torno de círculos de cultura, marca registrada das propostas de Paulo Freire para a educação dos adultos no Brasil nos idos anos 60, concretiza-se de diferentes mane iras nos diferentes países. As motivações para o associativismo nesses países podem ser as mais varia das, mas em grande parte das experiências é central o interesse pela manutenção de espaços de ação social, formação cultural e política. O conceito de Educação Popular leva consigo a idéia de conflituosidade ao invés de adaptabilidade na medida que politiza o processo educativo e amplia a compreensão da sua prática para além dos muros escolares. Desde o final dos anos 60, na América Latina em particular, a Educação Popular10 constituiu-se num importante referencial teórico e instrumental para prática s educativas voltadas para o fortalecimento de diversos atores sociais e políticos (sobretudo movimentos sociais) no terreno da sociedade civil. O conceito de Educação Popular tem sido renovado ao longo dos a nos e tem incorporado novos aspectos, principalmente os que se referem à natureza cultural e às nova s condições de democracia vivida nos países da América Latina. Basicamente, o conceito está vinculado à idéia de um trabalho educativo voltado às classes populares e que te m por sentido a idéia de mobilização, organização e ganhos de consciência destes setores visando a transformação das suas condições de vida. Durante os a nos em que predominavam ditaduras militares, nos anos setenta e oitenta, práticas educativas valorizaram o fortalecimento de setores empobrecidos da sociedade civil11 - movimentos sociais e populares – com vistas a uma maior participação destes setores na cena pública pela democratização da sociedade. Com a abertura democrática, grande parte desde movimento deslocou-se para atuar nos espaços de interlocução com o poder público. Tais processos podem ser identificados, por exemplo, em ações educativas voltadas s à formação de agentes para participação nos conselhos de políticas públicas, nos orçamentos participativos e em trabalhos de escolarização com financiamento público. A Educação Popular passou a atuar no fortalecimento destes espaços públicos ampliados, onde a presença da sociedade civil garante 10 Dentre várias obras Brandão (1984), e Hurtado (1993). 11 Não se trata aqui de recuperar toda discussão de sociedade civil e esfera pública observada nas ciências sociais no Brasil, mas de reconhecer que o conceito de sociedade civil adquire maior visibilidade sobretudo com o processo de democratização (Avritzer,1993; Dagnino, 2002; Reis 1995; Costa, 1994 e 1997). Lourdes Sola considera que, não obstante a diversidade de modos de abordagem, há pontos de forte convergência entre os autores quando examinam a cultura política, os valores e os desenhos institucionais como elementos importantes a conformar a sociedade civil em uma perspectiva democrática (Sola, 1998, p.767). 38 maior controle social e maior peso dos interesses populares nos contextos das políticas públicas. Outros permaneceram com seus trabalhos voltados às práticas educativas nos movimentos, como é o caso das vastas experiências nos assentamentos rurais, em particular aqueles produzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Se m Terra – MST. Há, aí, sem dúvida, um novo campo de prática e aprendizagem voltadas para o estudo e a compreensão destas práticas sociais de natureza educativa, onde a dimensão política é realçada como fator central. Outro campo importante de prática em ações de Educação Continuada diz respeito a um amplo movimento que une a valorização e o respeito dos direitos da pessoa humana aos processos de desenvolvimento. Foi incorporado ao pensamento nacional por forte influência de ações da sociedade civil em contextos globais, seja a través dos ciclos das conferências sociais da Organização das Nações Unidas ONU, seja por movimentos globais que atuam para ter uma presença pública nos de bates e na pressão pelo redirecionamento das políticas dos organismos internacionais e nos acordos entre governos. Esta inspiração internacional influi nos contextos nacionais de cada país da América Latina, nos movimentos de Direitos Humanos que vinham da tradição de luta pelo respeito aos direitos individua is e direitos políticos na oposição à ditadura militar. Tal influência amplia o espectro de atuação destas organizações, incorporando a promoção e a defesa dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DHESC). A matriz teórica referida ao Desenvolvimento Humano, implementada pelos trabalhos do PNUD, baseada principalmente nos escritos de Amartya Sen, relaciona a idéia do desenvolvimento à expansão das liberdades humanas. Contrastando com as visões mais restritas que identificam o desenvolvimento com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social, as liberdades não seriam apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas, também, um dos meios principais para se chegar a ele. Para que tais objetivos possam ser alcançados, Sen reforça a idéia valorativa de que tal concepção está baseada na noção do ser humano como agente: Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros. Não precisam ser vistos, sobretudo, como beneficiários passivos de engenhosos programas de desenvolvimento. Existe, de fato, uma sólida base racional para reconhecermos o papel positivo da condição de agente livre e sustentável. (SEN, 2000, pág. 26). As ações educativas nesta visão servem para aumentar a capacidade participativa em processos de ampliação das liberdades, forma motora de implementar o desenvolvimento. No plano dos estudos relativos aos Direitos Humanos, a noção contemporânea reafirma a unidade indivisível entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. Esta indivisibilidade é condição básica para a realização plena da democracia ao unir os direitos individuais e a liberdade política com as condições necessárias para que ta is liberdades possa m se realizar, quais sejam, as condições de trabalho, educação, saúde, um meio ambiente adequado, entre outras. Estão, também, referidos nesta indivisibilidade a identificação, o respeito e o tratamento específico das condições particulares que diferenciam grupos sociais por suas características de gênero, raça, etnia, idade, local de moradia, entre outras. 39 O campo teórico recente da análise da conformação e implementação dos Direitos Humanos tem como base duas características principais. A primeira refere-se ao fato do ser humano manter uma capacidade nata de aprender e ensinar em função da sua condição evolutiva. A reflexãofilosófica contemporânea salientou que o ser do homem não é algo de permanente e imutável: ele é, propriamente, um vir-a-ser, um contínuo devir. E isto, por duas razões. Em primeiro lugar, porque a personalidade de cada ser humano é moldada por todo o peso do passado. Ademais, a essência do ser humano é evolutiva, porque a personalidade de cada indivíduo, isto é, o seu ser próprio, é sempre, na duração de sua vida, algo de incompleto e inacabado, uma realidade em contínua transformação. (COMPARATO, 2004, p.28) A segunda característica é a condição de agente do ser humano, condição esta necessária à implementação e efetivação dos Direitos Humanos. O se r humano é o avalista dos processos de constituição dos Direitos Humanos; seu ativismo permite a criação, o reconhecimento e a ação por parte do pode r público. É o movimento da sociedade, a chamada “cidadania ativa”, a impulsionadora e a referência das ações do pode r público, diferentemente da cidadania passiva, aquela outorgada pelo Estado, com a idéia moral da tutela e do favor. (BENEVIDES, 1991). Os dois fatores acima fundamentam as razões dos processos educativos na lógica da formação e criação de agentes para realização dos Direitos Humanos. Uma prática de Educação Continuada. Estudos recentes trataram de identificar perspectivas comuns ao conceito de Direitos Humanos e de Desenvolvimento Humano (SEN, 2000 e O’DONNELLs/d). Entre estas características está a idéia do ser humano como agente e suas condições para que tal se dê, dentre elas, subjacente, a idéia de processos educativos. “Los conceptos de desarrollo humano y de derechos humanos comparten una subyacente perspectiva universa lista del ser humano como un agente. Esta perspectiva conduce a la pre gunta de cuáles serían las condic iones, ca pacidades y/o derechos básicos que normalmente permiten a un individuo funcionar como un agente.” (O’DONNELL , s/d). Uma dela s, sem dúvida alguma, é a Educação Continuada. Os marcos conceituais desta educação estão definidos nas seguintes características de práticas educativas: - uma educação que nasce das necessidades dos educandos; - uma educação que é construída tomando por base o diálogo entre educador e educando; - uma educação que é crítica, sob o ponto de vista dos seus conteúdos, o que significa tratar dos temas que são significativos para os educados, buscando explicações sobre eles; - uma educação que é reveladora da realidade onde estão inseridos os educandos, de forma a aumentar a sua consciência sobre os problemas que afeta m a sua vivência; 40 - uma educação que mesmo tomando temas universais e nacionais, dialoga com a cultura regional e local, valorizando suas expressões e seus códigos; - uma educação que é voltada à prática, sem desconsiderar os aspectos teóricos que fundamentam os diversos conteúdos. São estas matrizes que, junto com a tradicional educação escolar de jovens e adultos, conformam o campo da Educação Continuada. 1. EDUCAÇÃO CONTINUADA E ESCOLARIZAÇÃO Uma pessoa que completar 65 anos terá vivido, aproximadamente, 570 mil horas. Se trabalhar durante 40 anos, 40 horas por semana, terá dedicado ao trabalho 83 mil horas. Se dormir em média 8 horas por dia, terá tido cerca de 190 mil horas de sono. Isso significa que sobrariam quase 300 mil horas para empregar em outras atividades úteis que não o trabalho propriamente dito. Uma fração grande dessas horas extra-trabalho será certamente ocupada no processo de escolarização, que tende a se alongar cada vez mais, e por iniciativas posteriores de formação ao longo de toda a vida. O aumento do tempo livre também favorece o associativismo, por meio do qual se constituem comunidades de aprendizagem, se multiplica e se redistribui o capital cultural dos grupos. Qualquer modalidade de organização social implica num forte componente educativo. Além disso, aumenta significativamente o consumo de bens culturais, de turismo e de lazer, principalmente entre aqueles que têm níveis educativos mais altos. Se anteriormente o conceito de Educação Permanente remetia principalmente à idéia de desenvolvimento profissional, a Educação Continuada, tal como vem sendo concebida atualmente, abarca a formação para a vida e o desenvolvimento humano em sentido amplo. Nessa linha de abordagem, Educação Continuada nos remete, em última instância, ao conceito de sociedade educativa, na qual a formação e a realização das potencialidades humanas são identificadas como partes integrantes de todas as práticas sociais. Esse enfoque da Educação Continuada exige a universalização da educação básica e a abertura de oportunidades de formação ao longo da vida acessíveis a o conjunto da população. Também são necessárias condições sociais e econômicas para acessar esta educação. Sabemos que a realidade do terceiro mundo é muito diferente em quase todos os aspectos, no entanto o tema da Educação Continuada não deixa de ser relevante nessa parte do globo. O problema nos países do terceiro mundo refere-se principalmente à reprodução das desigualdades por meio da distribuição inequitativa de oportunidades educativas que, tendo início já nas primeiras séries do ensino básico, pode prolongar-se com agravantes também no que se refere à Educação Continuada. Esse fenômeno ocorre porque, em muitos casos, a possibilidade de aproveitar oportunidades de Educação Continuada de pende de que se tenha tido acesso a uma educação básica de qualidade, que garanta a aquisição da leitura e escrita e outras habilidades, interesses, atitudes e valores que permitirão à pessoa seguir aprendendo em diferentes contextos. O caso 41 brasileiro é um bom exemplo, pois as desigualdades na área educacional são bastante grandes. Nós a inda temos 14 milhões de analfabetos acima de 15 anos, nós ainda temos 44,6% das crianças de 4 a 6 anos excluídas do acesso à educação infantil, nós ainda temos 8,6 % das crianças de 7 a 9 anos e 0,5 % das crianças de 10 a 14 anos fora da escola. Sabemos também que, uma grande parte dos que conseguem agora ingressar no sistema escolar tem que enfrentar o problema do fracasso, gerado por fatores escolares e extra-escolares, que produz uma baixa média de escolarização na população brasileira. Essa situação gera um outro problema concomitante ao analfabetismo absoluto que atinge 14 milhões de brasileiros jovens ou adultos. Trata-se do analfabetismo funcional, situação que caracteriza pessoas que tiveram uma experiência escolar insuficiente para garantir o domínio de habilidades como a leitura, a escrita e o cálculo num grau que corresponda às demandas do mundo do trabalho ou de outras dimensões do cotidiano. Se nós somarmos aos 14 milhões de analfabetos as pessoas que têm menos de quatro anos de ensino - período mínimo de escolarização que garantiria esses aprendizados básicos - chegaremos a uma cifra próxima de 40 milhões, que representa 32% da população brasileira com 15 anos ou mais que não têm o domínio da leitura e da escrita. Indicadores gerais como esses citados acima precisam ser ainda complementados por outros que mostram como as desigualdades educacionais se expressam também entre regiões, etnias, homens e mulheres. O índice de analfabetismo entre brasileiros com mais de 15 anos chega a 23% no Nordeste, enquanto esse índice é de 7,7% na região Sul. Se tomarmos apenas a zona rural nordestina, a taxa sobe para 38,3%, muito acima da média nacional, que é de 13%. Com relação a gênero, o Brasil apresenta uma situação curiosa, pois, entre os países do terceiro mundo, o nosso é um dos poucos em que o grupo das mulheres já exibe indicadores de escolarização melhores do que o dos homens. Entretanto, se consideramos a variável cor da pele, verificamos que entre as mulheres brancas o índice de analfabetismo é 12,6%, enquanto entre as mulheres negras é de 32,7%. Se tomarmos ainda os dados relativos à renda familiar em 1990, constataremos que entre os que têm renda maior que dois saláriosmínimos, os analfabetos representam apenas 3,8%, mas sã o 45% entre aqueles cuja renda familiar per capita não ultrapassa ¼ do salário mínimo. Da mesma forma que um índice geral de analfabetismo não é suficiente para revelar como as desigualdades se expressam na sociedade, também não é possível enfrentar esse problema só com políticas universais. Precisamos de políticas corretivas, que atendam a necessidades de grupos específicos, e que a tinjam os focos onde os déficits educacionais são mais graves. Aceitando-se o princípio de que uma boa escolarização básica é condição essencial para a realização da Educação Continuada, precisamos repensar o papel da s políticas públicas de educação. Em trabalho recente, a educadora equatoriana Rosa Maria Torres (2003) faz uma análise importante do que veio ocorrendo com as políticas educacionais dominantes nos países de terceiro mundo. Nesse trabalho, ela se propõe a fazer um balanço da década desde a Conferência Mundial de Educação para Todos de 1990, na Tailândia. Essa conferência, convocada pela UNESCO, UNICEF, PNUD e pelo Banco Mundial, produziu uma declaração que se pautou por uma concepção ampla de educação para todos, independente de faixa etária, baseada no conceito de necessidades básicas de aprendizagem. A idéia era focalizar a 42 aprendizagem e não o ensino, e, levando-se em conta as necessidades básicas de aprendizagem dos diferentes grupos, estabelecer políticas que articulassem diversas formas de educação. No desenvolvimento desse conceito de necessidades básicas, sete aspectos foram abordados: sobrevivência, desenvolvimento da s próprias capacidades, vida e trabalho dignos, participação democrática, melhoramento da qualidade de vida, tomada de decisões e aprendizagem permanente. Todos esses aspectos nos remetem a uma concepção ampla de Educação Continuada. O que Rosa Maria Torres demonstra nesse estudo é que esses conceitos principais da declaração Educação para Todos foram gradativamente restringidos e traduzidos de forma muito empobrecida nas políticas de reforma educativa executadas na última década nos países do terceiro mundo, em grande medida sob orientação dos próprios organismos internacionais que capitanearam a declaração. Mostra que a idéia de educação para todos foi interpretada pelos reformadores como educação somente para crianças e adolescentes. Perdeu-se assim o princípio de uma educação que se realiza do nascimento à morte continua mente. Nessa visão, o espaço da educação de adultos no âmbito das políticas educacionais ficou restrito, quase desaparecendo em alguns casos. Outro estreitamento produzido pela corrente hegemônica das reformas educativas é o foco exclusivo no sistema escolar de ensino primário ou fundamental, desconsiderando outras instâncias educativas importantes como os meios de comunicação de massa, por exemplo. Ao avaliar seu desempenho durante os primeiros 10 anos pós Dakar, o governo brasileiro fez um balanço positivo baseado no fato de que aumentou o número de crianças na escola. Sabemos, entretanto, que há pouco o que mostrar em relação à qualidade da educação, porque qualidade exige uma visão mais ampla que não se restrinja ao indicador de freqüência à escola, ou mesmo à aquisição de conteúdos mínimos que possam ser medidos por testes padronizados. Aí temos um outro estreitamento conceitual apontado por Rosa Maria Torres: a interpretação do “básico” como “mínimo” e não como “necessário” para responder às exigências da participação social, levando-se em conta pelo menos aqueles sete aspectos mencionados anteriormente. As reformas educativas, na verdade, vêm dando ênfase aos aspectos econômicos e gerenciais. Importa a formação da mão de obra para o capital do que a formação do cidadão para a sociedade. Importa o ajuste econômico dos sistemas escolares públicos à lógica neoliberal da reforma do estado, do que o investimento social que a Educação Continuada proporciona para a sociedade em geral. Por outro lado, como ampliar as oportunidades de aprendizado numa sociedade em que aumenta a concentração da renda, o desemprego e a exclusão cultural? Como melhorar a qualidade da escola sem melhorar a qualidade do sistema social como um todo? A conceito de Educação Continuada, que inclui a educação escolar fundamental, exige que se considerem as influências dos problemas sociais, econômicos, políticos, ambientais e culturais no trabalho escolar, exige que se reconheça que o modelo econômico dominante não é compatível com princípios de equidade educativa. Hoje há uma globalização da s comunicações e dos sistemas produtivos, comerciais e financeiros. Pouco temos a comemorar sobre os impactos desta globalização do ponto de vista social, educacional e ambiental. Muitos dos limites impostos às políticas educacionais, assim como às demais políticas sociais, sã o conseqüência de um modelo de desenvolvimento que é 43 baseado apenas nos aspectos econômicos e financeiros da globalização. Com esses elementos em vista podemos compreender de maneira mais contextualizada e abrangente a emergência desse conceito de Educação Continuada. Minha hipótese é que a imagem de uma sociedade contemporânea tecnologizada e globalizada, que impõe a necessidade da Educação Continuada, ajusta-se mais facilmente a uma parcela dessa sociedade global: os países do prime iro mundo, que combinam uma educação formal de qualidade com práticas de educação não formal. Para que possamos compartir a responsabilidade sobre os destinos da sociedade global com todos os países, e com todos os segmentos envolvidos, é preciso superar um modelo de desenvolvimento que promove a exclusão de uma parcela da sociedade e que, portanto, é incompatível com o preceito de educação para todos. Sem perder de vista essa problemática mais ampla, é preciso pensar alternativas de políticas que integrem ações e m diferentes planos tendo em vista a real necessidade de ampliar as oportunidades de desenvolvimento para todas as pessoas ao longo de sua vida. REFERÊNCIAS DO TEXTO AVRITZER, Leonardo. Além da dicotomia Estado-mercado: Habermas, Coehn e Arato. 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Como não podia deixar de ser, Paulo Freire é um dos educadores escolhidos. Em princípio, por questões de método, procuramos privilegiar sua contribuição nos anos de 1960, a partir de seus dois primeiros e fundamentais livros: Educação como prática da liberdade (Paz e Terra, 1967) e Pedagogia do oprimido (Paz e Terra, 1970). Mas, para identificar as raízes da crítica que faz à educação escolar brasileira, algumas delas a partir de Anísio Teixeira, alguns doutorandos lêem e trazem para a discussão do grupo os primeiros escritos por ele publicados: Educação e atualidade brasileira (Recife, 1959) e “Escola primária para o Brasil” (RBEP, 1961). Por sua vez, para entender essa produção, recorremos à Pedagogia da esperança (Paz e Terra, 1992) e Cartas a Cristina (Paz e Terra, 1994). Mais que isto: alguns doutorandos encarregam- se de retomar leituras por eles feitas ainda na graduação e de rever práticas educativas realizadas enquanto profissionais, à luz da pedagogia de Paulo Freire. Tanto de minha parte, na posição de educador/educando, quanto na posição dos educandos/educadores, (re)lendo e (re)descobrindo Paulo Freire, vivemos e experimentamos lições de sua pedagogia; cada um busca livremente seu caminho e compartilha com o grupo suas (re)descobertas. O próprio grupo liberta-se do enquadramento cronológico inicial, lendo (alguns relendo) e discutindo (ou rediscutindo) alguma de suas obras mais atuais, por exemplo, Pedagogia da autonomia (Paz e Terra, 1996) e a última Pedagogia da indignação (Unesp, 2000). Dessas leituras e releituras, salta aos olhos uma primeira constatação: a obra de Paulo Freire, no seu conjunto, não apresenta contradições. Desde os primeiros escritos, trabalha sobre temas recorrentes, explicitando, revendo, complementando, ampliando. É um caminho em espiral, coerente todo o tempo. É fácil identificar também a libertação como o princípio fundamental de sua concepção de educação, presente já nos primeiros escritos e claramente assumido desde a Pedagogia do oprimido. Esse princípio provém do humanismo cristão, de raízes européias, sobretudo francesas, reelaboradas no Brasil. Na segunda metade dos anos de 1950 e no início dos anos de 1960, 12 Doutor em Educação pela PUC-SP professor titular do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFF. 46 cristãos “progressistas” procuram concretizar, inicialmente na Ação Católica, da qual Paulo Freire fez parte, depois nos movimentos de cultura e educação popular, dos quais Paulo Freire foi um dos grandes animadores, sua opção por um trabalho social e político, decorrente de sua vivência religiosa. Já está bastante estudado esse movimento de intelectuais universitários e secundaristas que se lançaram ao encontro de operários e camponeses e estudantes, numa tentativa de interlocução com os mesmos, tendo em vista introduzir mudanças radicais na sociedade brasileira, nos idos de 1960 designadas como “reformas de base”, no bojo do governo populista de Jango Goulart. Por maiores que sejam as críticas ao populismo e ao vanguardismo e mesmo à pretensa “ingenuidade” desses participantes e movimentos aos quais estavam ligados, não se pode negar, individualmente, a honestidade da opção de muitos e, coletivamente, a riqueza até hoje não repetida dos então chamados movimentos de cultura popular. O preço pago por essa opção, por Paulo Freire inclusive, foi muito alto: prisão, exílio, “cassação branca” dos que permaneceram no país. Os movimentos, por sua vez, com exceção do MEB, por ser ligado à Igreja católica, foram extintos. Esse caminho não foi feito isoladamente por Paulo Freire. Foi o caminho de toda uma geração, jovem em sua maioria, que Paulo Freire pode entender e orientar e da qual soube colher o que de mais rico tinha a oferecer: a opção pela construção de um projeto de transformação da realidade, no qual à educação, entendida e praticada como ato político, era reservado papel fundamental. É importante entender Paulo Freire como o educador que, naqueles anos, melhor sintetizou e sistematizou o essencial das propostas educativas de então, no primeiro momento, como um sistema de educação de adultos, experimentado na sua primeira fase de alfabetização, da qual Educação como prática da liberdade é o fundamento e o relato. Logo mais, essa proposta é aprofundada teoricamente na experiência de alfabetização de adultos do Chile, em condições de trabalho que lhe permitiram o diálogo enriquecedor com parceiros destacados, brasileiros exilados e chilenos comprometidos com reformas radicais em seu país, no Governo Allende. Essa oportunidade e esses contatos permitiram a Paulo Freire um mergulho na literatura marxista, cujo produto é a Pedagogia do oprimido. Mas não só; Extensão ou comunicação? (ICIRA, 1969 e Paz e Terra, 1970) amplia enormemente a abordagem da educação como um fato cultural e os escritos reunidos em Ação cultural para a liberdade (Paz e Terra, 1976) explicitam conceitos fundamentais, clareiam afirmações, reafirmam categorias de análise13. A (re)leitura dessas obras nos mostra como Paulo Freire vai ampliando a primeira noção, ainda abstrata, de pessoa humana para ao conceito de oprimido, situando-o e datando-o, como exigência das próprias experiências feitas, e progressivamente incorporando a categoria de classe social. Mais tarde, inclusive por aceitação de críticas a ele feitas, incorpora também as noções de etnia e gênero, ampliando cada vez mais a abrangência dos mesmos conceitos. 13 Uma doutoranda que trabalhou diretamente com Paulo Freire nos disse, durante uma discussão motivada por Ação cultural para a liberdade, que Paulo Freire teria afirmado, em certa oportunidade, considerar esse pequeno livro como um dos seus melhores, lastimando ser pouco valorizado. 47 O motor da explicitação dos fundamentos da obra de Paulo Freire é a prática por ele desenvolvida e por ele refletida (ou reflexionada, como prefere dizer). Trata-se da categoria práxis, ou seja, o movimento ação/reflexão/ação. É significativo que, desde as primeiras experiências como educador, ainda no SESI de Pernambuco, Paulo Freire pense a educação de jovens e adultos a partir dos problemas vividos por esses jovens e adultos e oriente sua prática no sentido de assumir esses problemas como “situações de aprendizagem”. Ou seja: compreender e fazer compreender as raízes desses problemas, na exploração de uma sociedade injusta e de um sistema econômico-social excludente. Daí a valorização do “saber de experiência feito” para, refletindo sobre ele, criticando-o, ampliando-o, entender a realidade para transformá-la. Encontramos presente em toda sua obra também a categoria esperança: o homem faz a história; o homem pode mudar o mundo. É limitado, contingenciado pelas condições concretas da realidade, mas não é determinado por elas. Pode,e deve, mudar o mundo, com sua inteligência e com sua ação. Por sua vez, a educação é, ou deve ser, instrumento dessa ação, na medida em que possibilita ao homem tomar consciência da realidade em que vive e, em consequência, agir para transformar essa realidade, tendo em vista a construção de uma sociedade justa e fraterna. Decorre daqui a categoria conscientização, utilizada por Paulo Freire e pelos participantes da maioria dos movimentos de cultura e educação popular do início dos anos de 1960. Mas a educação para Paulo Freire não se restringe ao ensino escolar, nem muito menos ao treinamento profissional. Trata-se da formação do homem, considerado como ser inacabado, em permanente processo de auto-formação. Entender o homem como ser inacabado e a educação como processo permanente de “acabamento” decorre de ampla discussão, em âmbito mundial, provocada pelas limitações dos sistemas escolares e que deu origem aos estudos de educação permanente e às propostas de educação continuada14. Embora teoricamente promissores esses estudos foram e têm sido mal-entendidos e mal-aplicados, ou simplesmente reduzidos pragmaticamente à reconversão profissional. No caso brasileiro, seu uso foi restringido no que diz às propostas de ensino supletivo, nos anos de 1970, e, atualmente, na formação continuada dos profissionais da educação. Mas é pedra fundamental na pedagogia de Paulo Freire. Na medida em que se queira, por exemplo, ainda, criar uma nova organização curricular para jovens e adultos, no ensino regular noturno ou no ensino supletivo, efetivamente tem-se de tomar como ponto de partida a experiência vivida (e sofrida) por esses jovens e adultos. Esse movimento significa trabalhar, em outro nível e com auxílio de outros instrumentos, o saber provindo dessa experiência, vivido e aprendido. E exige também que os educadores se re- eduquem, nesse trabalho e para este trabalho, ainda e sempre na práxis, como ação/reflexão/ação. 14 Entre nós, essas noções foram trabalhadas particularmente por Pierre Furter, na ocasião perito da Unesco no Brasil e depois na Venezuela, principalmente em seus livros Educação e vida (Vozes, 1966) e Educação permanente e desenvolvimento cultural (Vozes, 1974). 48 Nesse processo, é fundamental partir da cultura, entendida como conjunto de significações e representações de um modo de viver, confrontado com outros modos de viver. Nos anos de 1960, a “descoberta” da cultura e cultura popular, esta para muito além do folclore, como fundantes de todo o processo educativo foi seguramente um dos pontos mais ricos das experiências criadas. Suas origens são diversas: Germano Coelho, no MCP – Movimento de Cultura Popular, e Vera Jaccoud, no MEB – Movimento de Educação de Base, redefiniram criativamente, para o Brasil, perspectivas e propostas nascidas na Europa, sobretudo na França; Moacyr de Góes, na Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, assume o mote que nos chegou, acredito, pela Revolução Cubana: “Nenhum povo é dono de seu destino se antes não é dono de sua cultura”; Carlos Estevam e Ferreira Gullar também assumiram para o CPC – Centro Popular de Cultura da UNE – União Nacional de Estudantes conceitos específicos de cultura e de cultura popular, com outras conotações. A colaboração mais acabada veio do entendimento do século XX como o momento da “civilização da cultura”, proposto por Pe. Henrique de Lima Vaz, S.J. e assumido, em termos de cultura popular, pela Ação Popular e pelo MEB. Mas, coube a Paulo Freire e sua equipe no Serviço de Extensão Cultural da então Universidade do Recife, genialmente, com base no conceito antropológico de cultura, criar as famosas “fichas de cultura” que inauguraram o sistema de alfabetização de adultos, no caso brasileiro, e o sistema psicossocial, no caso chileno. Foi a partir dessa sistematização que Paulo Freire elaborou, ainda nos início dos mesmos anos 1960, uma nova concepção de educação de adultos, com ampla aceitação pela maioria dos movimentos de educação e cultura popular, e lançou as bases para uma nova concepção geral de educação. Outra categoria fundamental na pedagogia freireana, desde a experiência dos “círculos de cultura” adotados no sistema de alfabetização de adultos, mas presente em toda ação cultural e educativa é o diálogo: ninguém educa ninguém; os homens (e as mulheres, dirá Paulo Freire depois) se educam numa relação dialógica, de saberes e afetos. O diálogo viabiliza metodologicamente o movimento da práxis: partir do vivido e do sabido (se quisermos, partir do senso comum), discuti-lo, criticá-lo, ampliá-lo (na direção do bom senso) para daí não só mudar sua visão de mundo, mas transformar o mundo. Vale lembrar uma frase várias vezes repetida por Paulo Freire, para a alfabetização: não apenas ler a palavra, mas ler o mundo através da palavra, para transformá-lo. A partir daquele princípio fundamental e dessas categorias, recoloca-se a função política da educação e o papel simultâneo de competência técnica e compromisso político do educador, cuja ação deve ser fundamentalmente ética, no respeito ao educando, que é também educador, e na coerência de sua ação. Esses elementos definem uma nova pedagogia, a pedagogia de Paulo Freire. Embora formulada inicialmente como educação de adultos e experimentada como alfabetização de adultos, de fato encontra-se em Paulo Freire uma pedagogia como concepção geral de educação15. O fundamento antropológico de sua pedagogia é o ser humano como ser inacabado e de comunicação, e a sua vocação para ser mais. Por isso, o amor e a esperança são uma necessidade ontológica. Mas a história é uma possibilidade que se realiza num 15 Argumentação desenvolvida por Agostinho Reis Monteiro, da Universidade de Lisboa, na comunicação “Paulo Freire e o direito à educação”, apresentada no I Encontro Internacional sobre Paulo Freire (São Paulo, Instituto Paulo Freire, abril de 1998), à qual pertence a transcrição que segue. 49 cenário de politicidade, onde é impossível a neutralidade. Por consequência, a educação é fundamentalmente uma questão e uma forma de poder, cuja legitimidade deve ser problematizada. Daí a centralidade da eticidade da educação. (p. 8) Em síntese, a pedagogia de Paulo Freire é revolucionária; é um resgate do sentido da utopia. E é exatamente sua dimensão ética que lhe confere intensa atualidade e distinguida importância. Em termos radicais, é uma pedagogia do direito à educação16. Por isso a permanência de sua obra e de seu pensamento; por isso, a atualidade de sua pedagogia. A REVEJ@ é uma publicação eletrônica do Grupo de Estudos e Pesquisas em EJA, vinculado ao Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da Faculdade de Educação da UFMG. Sua periodicidade é quadrimestral. Sua distribuição é gratuita e está disponível para acesso e download no endereço http://www.reveja.com.br. REFERÊNCIAS DO TEXTO FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000. _____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa . São Paulo: Paz e Terra, 1996. _____. Cartas a Cristina. Prefácio de Adriano S. Nogueira: notas de Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 1994. _____. Pedagogia da esperança; um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. _____. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970. _____. 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O educador atua na sociedade como ponte entre o conhecimento e o aluno, compreende a escola o papel de formar cidadãos críticos conscientes, capazes de intervir no seu meio, reafirmando a importância da educação na história da humanidade e a relevância cultural, na construção de identidades, e no desenvolvimento sócio-intelectual. O docente precisa estar atendo para que sua prática pedagógica não dificulte a aprendizagem, muitas vezes a linguagem utilizada em sala de aula pelo educador não promove esse estreitamento entre o ensino e aprendizagem. O ensino na educação de jovens e adultos precisa estar pautada na realidade do discente, motivando-o a superar as barreiras que leva a evasão, proporcionando a aquisição e o domínio dos quatro pilares da educação. Assim, é tarefa do educador construir o seu próprio conhecimento na busca constante de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. 51 REFERÊNCIAS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - TEXTO RETIRADO DA INTERNET: Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/93693607/Educacao-de-Jovens-e-Adultos>. Acesso em: 12 out 2012. EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS: ensino fundamental: proposta curricular - 1º segmento / coordenação e texto final (de) Vera Maria Masagão Ribeiro. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 2001. p. 19-34. FAVERO, Osmar. O legado de Paulo Freire: passado ou atualidade? REVEJ@ - Revista de Educação de Jovens e Adultos, v. 1, p. 39-44. Belo Horizonte, ago. 2007. HADDAD, Sérgio. A educação continuada e as políticas públicas no Brasil. REVEJ@ - Revista de Educação de Jovens e Adultos, v. 1, p. 39-44. Belo Horizonte, ago. 2007. PARÂMETROS LEGAIS DA EJA - RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 1, DE 5 DE JULHO DE 2000 PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - TEXTO RETIRADO DA INTERNET: Disponível em: <http://www.ceeja.ufscar.br/legislacao-vigente-para-a-eja>. Acesso: 15 out. 2012.