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O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 The dilemma of oblivio as an existential quest of self in Heidegger 
 Isadora Franco Felício dos Santos 1
 Resumo : Este artigo expõe a interpretação fenomenológica que Heidegger realiza, em 
 1920, na sua preleção Agostinho e o neoplatonismo, destacando o modo como se apresenta, 
 nessa leitura, o conceito de oblivio como busca do eu existencial nas Confissões. Partindo 
 da transcrição da preleção e dos anexos I e II, que se encontram no volume 60 da 
 Gesamtausgabe, intitulado Fenomenologia da vida religiosa , procuramos vislumbrar o 
 conceito do oblivio não apenas como uma das características da memória , mas também 
 como um ponto de partida para a busca de Agostinho pela unidade do eu sob a luz divina. 
 Nesse sentido, a solução para o dilema do oblivio é essencial para as análises da vida fática, 
 pelo fio condutor da preleção, a clássica declaração de Agostinho: quaestio mihi factum 
 sum (tornei-me um problema para mim mesmo). Por fim, concluímos que o oblivio não 
 somente é importante para entender a interpretação de Heidegger dos textos agostinianos, 
 mas também é fundamental para o conceito de facticidade do jovem filósofo. 
 Palavras-chaves: Oblivio . Memória. Facticidade. Heidegger. Agostinho. 
 Abstract : This paper exposes the phenomenological interpretation that Heidegger realizes 
 in 1920, in your lecture Augustine and neoplatonism, highlighting how to exposes the 
 concept of Augustinian’s oblivio as a foundation of the existential self in Confessions in the 
 Heideggerian readings . Starting from the lecture’s transcript and from attachments I and II, 
 that are in the volume 60 of Gesamtausgabe, entitled as Phenomenology of Religious Life, 
 we bring here how to glimpse the oblivio’s concept as more than one memorie’s feature, but 
 also as a starting point of the Augustine search for the unity of self by the divine light. In 
 this sense, the solution for the oblivio’s quest is essential for the analysis of fatic life, by the 
 conducting wire of the lecture, Augustine's classic declaration: quaestio mihi factum sum (I 
 became a problem for myself). Finally, we conclude that not only the oblivio is important 
 for understanding the interpretation of Heidegger of the Augustinian’s texts, but also ist 
 fundamental for the young philosopher’s concept of facticity . 
 Key words: Oblivio . Memory. Facticity. Heidegger. Augustine. 
 *** 
 Introdução 
 Heidegger na década de 20 tinha especial interesse nos filósofos religiosos, já que a 
 sua formação católica e o seu primeiro contato com a filosofia foi com a teologia em 1910. 
 Assim, o presente de seu professor Conrad Groeber (1872-1948), a obra Sobre o significado 
 múltiplo do ente segundo Aristóteles de Franz Brentano, ganhado em 1905, e a leitura, dois 
 1 Graduanda em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” sob a orientação do 
 Prof. Dr. Andrey Ivanov. E-mail: isa.ffs12@gmail.com . 
 138 
mailto:isa.ffs12@gmail.com
 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 anos depois, dos dois volumes das Investigações lógicas de Husserl, provocaram seu 
 interesse de realizar uma fenomenologia da religião. Conjuntamente com essa influência 
 religiosa, o autor trabalhava em um tema altamente debatido em sua época: o tema da 
 facticidade. Acreditamos haver uma dinâmica de retroalimentação entre os seus interesses 
 filosóficos e religiosos nos escritos de sua juventude, em que sempre buscou, nas leituras de 
 textos religiosos, as relações da fé com a facticidade . É possível elencar exemplos disso 
 tanto na Introdução a fenomenologia da religião, como em Agostinho e neoplatonismo, 
 onde o autor evidencia como o cristianismo de Paulo e de Agostinho estavam ligados aos 
 fenômenos fáticos que os circundaram. É importante assinalar que, apesar da sua forte 
 criação religiosa, Heidegger não tinha como objetivo fundamentar uma filosofia da religião, 
 como diz Bento da Silva Santos: 
 A sua postura como ‘investigador ateu’ já emerge a propósito do seu comentário 
 ao Livro X das Confissões : não será preciso buscar fora do próprio Dasein um 
 socorro para voltar à unidade, quando acontece o fenômeno da dispersão nas três 
 modalidades da tentação . O retorno à continência é a possibilidade mais própria 
 do Dasein. (SANTOS, 2013, p. 120). 
 O interesse do autor é o de fazer uma apropriação fenomenológica e demonstrar 
 como a busca pelo objeto transcendente se fundamentava a partir da própria experiência 
 cotidiana e imanente de suas vidas religiosas. 
 Heidegger defende, nessa época, que a facticidade , vida fática , coisa primal e etc , é 2
 o solo que origina todo o conhecimento, sendo anterior e mais autêntico do que a separação 
 moderna de sujeito e objeto. Este conceito chave é a raiz de sua concepção designada como 
 ser-aí-no-mundo, pois, a partir da facticidade, o autor define o ser humano como um ente 
 intrinsecamente ligado aos fenômenos do mundo . Pode-se definir a facticidade como uma 
 apreensão imediata dos fenômenos da experiência do homem, que se constitui em um ato 
 intencional ao se confrontar com as experiências referentes à sua vida . 
 Este trabalho tem como objetivo demonstrar como se realiza a fundamentação do eu 
 de Agostinho pelo dilema do oblivio e expor como Heidegger interpreta essa busca de 
 2 É possível evidenciar uma ambiguidade terminológica na obra do jovem Heidegger da década de 20, não 
 abordaremos esse assunto demasiado complicado neste presente artigo. Sobre esse tema, sugerimos consultar 
 o artigo La autocomprensión de la filosofía y vida fática (2019) de Francisco Abalo e Análisis 
 internacionalizando y génesis (2018) de Francisco de Lara. 
 Vol. 16, 2021 
 www.marilia.unesp.br/filogenese 139 
http://www.marilia.unesp.br/filogenese
 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 forma fenomenológica e existencial. O fenômeno do oblivio desvela a unidade do eu em 
 Agostinho, e, é por meio deste, que o bispo de Hipona encontra a salvação. Pode-se dizer 
 que a partir do oblivio é que Agostinho se debruça sobre o tema da moléstia, que é definida 
 por Heidegger como peso da vida , respaldando-se no fio condutor da preleção: quaestio 
 mihi factum sum , tornei-me um problema para mim mesmo (AGOSTINHO, Conf . X, 
 32,50). 
 O dilema do oblivio 
 Em 1920, Heidegger se apropria fenomenologicamente do livro X das Confissões na 
 sua preleção intitulada Agostinho e o neoplatonismo . O autor concede destaque especial ao 
 livro X da obra, pois o cerne de sua indagação se concentra no momento presente. Bento 
 Santos também considera haver outras razões para a escolha desse livro em particular, que é 
 a busca transcendental, partindo do eu para Deus: “O Livro X, esta atitude do procurar , que 
 se apresenta dedicadamente como traço característico, enfático e deliberado da vida de 
 Agostinho, revela-se como transcendência do eu para o Tu divino, irredutível aos atos de 
 sua consciência religiosa.” (SANTOS, 2013,p. 105). 
 Agostinho constrói neste livro uma ascensão gradual do conhecimento na sua busca 
 divina, partindo do que lhe é mais próximo, que se pode conhecer pela sensibilidade, para 
 aquilo que lhe é mais distante: o conhecimento transcendental. A realidade sensível nos 
 oferece uma caoticidade de dados, não fornecendo um sentido per si , é preciso de um 
 fundamento que sustente essa multiplicidade do mundo natural. Assim, não somente a 
 busca por Deus representa uma redenção individual de Agostinho perante os seus pecados, 
 mas também representa a busca pela unidade que explica e sustenta a fragmentação da 
 natureza da vida humana. É importante ressaltar que a busca agostiniana por Deus para 
 Heidegger não é somente teórica, o que se apresenta no livro X das Confissões é também 
 existencial: 
 Cum te amo indica aqui já um determinado nível existencial; aquele que fez a 
 experiência da compaixão e, nesta compaixão, viu-se arrancado da surdez, que 
 pode ‘ouvir’ e ‘ver’, ou seja, que no amor, neste amor, está aberto para algo 
 determinado; e, somente a partir dali, no cum , anuncia coelum et terra o louvar de 
 Deus, não certamente quando a minha disposição é a de quem está investigando 
 científico naturalmente. (HEIDEGGER, 2014, p. 161). 
 Vol. 16, 2021 
 www.marilia.unesp.br/filogenese 140 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 O primeiro movimento de Agostinho é um movimento exterior a si. O filósofo vaga 
 pelo mundo procurando a Deus e percebe que todos os elementos que encontrava eram 
 insuficientes para compreendê-lo, pois não é possível defini-Lo pelos fenômenos naturais, 
 ao contrário, é Ele que fundamenta a sensibilidade: “Enquanto todas essas coisas mudam, 
 tu permaneces imutável acima de todas elas.” (AGOSTINHO, Conf . X, 25, 36) . Agostinho 3
 constata que há uma inversão de prioridade no conhecimento humano que precisa ser 
 revertida; os homens procuram a unidade pelos grandes fenômenos do mundo, mas não 
 percebem que contém a fragmentação dentro de si mesmos. Agostinho inicia assim uma 
 investigação sobre a vastidão do universo humano na sua existência: “Voltei-me então para 
 mim mesmo e perguntei: ‘Tu, quem és?’, e respondi: ‘um homem’.” (AGOSTINHO, Conf . 
 X, 6) . Essa passagem nos mostra que Agostinho compreendia que era imprescindível a 4
 unidade categorial do “eu” para sustentar qualquer apreensão em relação ao mundo 
 exterior. É preciso apontar que uma das principais características fundamentais agostinianas 
 para a análise heideggeriana, é a importância do enfoque de sua filosofia no mundo próprio, 
 a esfera que é definida pelo autor como autêntica para a experiência fática da vida , e o 5
 interesse do bispo de Hipona em rejeitar a explicação naturalista se coaduna com os 
 objetivos heideggerianos de se afastar de linhas que explicam o mundo a partir das posturas 
 cientificistas e materialistas, que pensam o “eu” como mero satélite das relações do mundo 
 exterior. O filósofo chega a considerar, nos seus escritos de juventude, que o cogito 
 agostiniano é mais originário e mais profundo que o cartesiano, pois o filósofo patrístico 6
 6 A leitura heideggeriana sobre o cogito agostiniano alude à interpretação de Wilhelm Dilthey, na sua obra 
 Introdução às ciências humanas, mas sua leitura difere bastante de Dilthey, pois ele não a fundamenta em 
 uma vida interior, mas sim na facticidade . Isso se mostra relevante nos Anexos do curso Agostinho e o 
 neoplatonismo : “A evidência do cogito está aqui, mas faz-se necessário fundamentá-la no fático . Porque toda 
 e qualquer ciência depende definitivamente da existência fática. ” (BECKER, 2014, p. 288). 
 5 “O caráter peculiar da experiência fática da vida é o ‘como eu me coloco diante das coisas’, o jeito e a 
 maneira de experimentar, não é coexperimentar.” (HEIDEGGER, 2014, p. 16-17). Salienta-se que apesar de o 
 mundo próprio ser fundamental para a experiência fática da vida, trata-se de uma divisão metodológica. Os 
 mundos : circundante , compartilhado e próprio ( Umwelt, Mitwelt, Selbstwelt ), são níveis e características de 
 um mesmo mundo . Heidegger afirma em Introdução à fenomenologia da religião que não há interesse em 
 realizar uma teoria epistemológica ou gnosiológica que se classifique os mundos em gêneros. 
 4 “Et direxi me ad me, & dixi mihi: Tu qui es ? Et respondi, Homo.” 
 3 “Ette commmutantur haec omnia, tu autem incommutabilis manes super omnia.” 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 latino não se vale do eu sei, eu penso, eu existo, mas sim do eu vivo, eu amo, eu existo, ou 
 seja, Heidegger enxergava uma relação íntima da facticidade na constatação agostiniana , 
 pois, ao contrário da posição cartesiana que separou a sensibilidade da razão, o bispo de 
 Hipona dispõe as afetividades como o cerne da sua dedução : “As ideias de Agostinho 7
 foram trivializadas por Descartes. A autocerteza ( Selbsgewissheit ) e o ter-a-si-mesmo 
 ( Sich-selbst-Haben ) no sentido de Agostinho é algo muito diferente da evidência cartesiana 
 do cogito .” (BECKER, 2014, p. 287). Como o fenomenólogo acredita que o mundo próprio 
 é o âmbito o qual a facticidade se manifesta predominantemente, as Confissões de 
 Agostinho se mostram essenciais para a formação do seu conceito de ser-aí-no-mundo , e, 8
 como demonstraremos a seguir, é a partir do dilema do oblivio que o filósofo patrístico 
 tenta encontrar a si mesmo defronte à multiplicidade fática do seu eu. 
 Em meio disto, nesta investigação, o bispo de Hipona chega à conclusão de que o 
 que nos forma como humanos é a faculdade privilegiada da memória : “Subindo por graus 
 até aquele que me fez – e eis que chego aos campos e aos amplos palácios da memória .” 
 (AGOSTINHO, Conf . X, 8,1) . A memória é o que possivelmente pode nos diferenciar das 9
 outras criaturas, ele a define como “aposento amplo e infinito” (AGOSTINHO, Conf . X, 8), 
 é nela que se encontra à minha disposição todas as afecções e paixões que vivi. Podendo 
 acessá-las, é possível defini-las, significá-las e, enfim, também transcendê-las. A memória 
 também é capaz de criar um distanciamento perante as lembranças, pois, é possível lembrar 
 no momento presente episódios do passado com apatia, sendo que no momento em que eles 
 aconteceram foram de profunda dor, ou, rir de ocasiões que foram de tristeza, etc. A 
 memória aparece à Agostinho como poderosa e misteriosa, trazendo uma inumerável 
 quantidade de vivências que se sobrepõem em um curioso mecanismo: “Grande é a 
 9 “Mex, gradibus afcendens ad eum, que fecit me cum ea, & venio in campos & lata praetoria memoriae 
 meae.” 
 8 Seguimos a linha interpretativa que o conceito de facticidade do jovem Heidegger é o esboço e a gênese da 
 formação do conceito de Dasein . Usamos como base os estudos históricos realizados por Theodore Kiesel em 
 sua obraThe Genesis of Heidegger 's Being and Time, e por João A. Mac Dowell, em sua obra A Gênese da 
 Ontologia Fundamental de Martin Heidegger. 
 7 Entretanto é importante ressaltar que os dois cogitos não possuem a mesma natureza e nem sequer se 
 aplicam aos mesmos objetivos: “Mas essa primeira certeza de si não é ainda uma verdade universal e eterna, 
 mas a verdade individual e mutável da dúvida e, as vezes, do si mesmo enganado, compartilhado com os 
 outros somente indiretamente.”(KIESEL, 1995, p. 107). 
 Vol. 16, 2021 
 www.marilia.unesp.br/filogenese 142 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 faculdade da memória , meu Deus, algo assustador, multiplicidade profunda e infinita; e isso 
 é a mente, e isso sou eu.” (AGOSTINHO, Conf . X, 8, 15). Ele avaliava que tudo o que nos 
 pode definir como alma se encontra no âmbito da memória , o próprio pensamento não pode 
 se consolidar sem ela, assim, o filósofo não a define somente como uma faculdade, mas 
 também como uma substância, que se constitui como uma res imago. Tudo o que já 
 ocorreu é retido nela, a presença dos acontecimentos é transformada em forma de imagem: 
 sons, odores, gostos, sensações, sentimentos e até mesmo conhecimentos teóricos e 
 matemáticos. O filósofo vislumbra encontrar o “eu” que tenta elucidar: 
 Eu certamente, Senhor, trabalho nisso e trabalho em mim mesmo: tornei-me para 
 mim uma terra de muita dificuldade e suor. Pois agora não estamos explorando as 
 regiões do céu, medindo a distância entre as estrelas ou investigando o baricentro 
 terrestre: sou eu quem lembra, eu, a mente. (AGOSTINHO, Conf . X, 16, 2) . 10
 Por essa singularidade, a memória se torna um meio de acesso originário à 
 experiência da paixão que pode levar os homens à salvação. Heidegger aponta que ela não 
 se designa como um mecanismo de representações estáticas, como se retratou na 
 modernidade, mas é uma retidão de presenças, as quais, ao serem assimiladas, conseguem 
 produzir novos sentidos dinamicamente. Esse dinamismo é descrito por Agostinho como 
 um aparelho digestivo, onde primeiramente se ingere ‘sabores’ originais, doces ou 
 salgados, mas que são digeridos de novas maneiras, com outros ‘sabores’: 
 Para elucidar essa dificuldade, Agostinho se serve de uma comparação, dizendo 
 que a memória é ‘quase como o ventre da mente’, enquanto a alegria e a tristeza 
 seriam o seu alimento doce ou amargo. Segundo o sentido desta imagem, a 
 memória recolhe, assimila e transforma as várias emoções de modo que estas se 
 depositam na própria mente, perdendo, porém, o seu ‘sabor’ individual. 
 (SANTOS, 2013, p. 107). 
 Entretanto, no seu vasto reino, se apresenta uma lacuna, algo que não se consegue 
 trazer à tona, algo do qual se esquece. Visto que a memória é aquilo que conserva a unidade 
 do eu, como se apresenta aquilo que é esquecido? Em primeira instância, pode-se 
 considerar que o esquecimento é ausência. Porém, se o esquecimento é ausente, como é 
 10 “ Ego certe Domine laboro hic, & laboro in meipfo: factus fum mihi terra difficultatis, & fundoris nimii. 
 Neque enim nunc fcrutamur plagas caeli, aut fiderum intervalla demetimur, vel terrae libramenta quaerimus. 
 Ego fum, qui memini, ego animus.” 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 possível se lembrar que se esqueceu? Esse impasse se trata do famoso dilema do oblivio, 
 que é apresentado nos parágrafos oito a quinze. A memória , que é representada por 
 Agostinho como uma substância definidora da essência da alma humana, o referencial do 
 conhecimento, parece, à primeira vista, insuficiente para abarcar a natureza do 
 esquecimento. Se considerarmos que a memória é uma res imago, tendemos a acreditar que 
 o esquecimento é o seu oposto, ou seja, é incompatível com a substância da presença de 
 imagem . O que é possível conhecer daquilo que é esquecido? O âmbito do esquecimento 
 está fora dos limites do conhecimento humano? Como se pode defini-lo? “Disso a 
 antinomia: se a memória se dá aqui [representação] –, o oblivio não pode se dar aqui, e 
 vice-e-versa. Se está aqui, não posso representar-me nada, então ela mesma não está aqui 
 para que eu possa alcançar a imagem.” (HEIDEGGER, 2014, p. 171) 
 Daqui se conclui que o esquecimento não é a completa ausência, pois, deste modo, 
 não seria possível se lembrar o que foi esquecido. O bispo de Hipona propõe uma nova 
 hipótese: o oblivio poderia estar presente na memória em um momento, porém, no 
 momento que me esqueço, ele se ausenta. Da mesma maneira, essa possível solução para o 
 problema também cai em antinomia, pois, como é possível ainda me deparar com a 
 presença daquilo que é ausente, se a memória é justamente retenção de presença? É 
 necessário, portanto, que o esquecido exista na memória como presença. Agostinho propõe, 
 então, uma terceira possibilidade: o oblivio como representação, porém uma representação 
 que não demonstra o seu conteúdo, que está presente somente como indicação de algo 
 oculto. Ainda é uma definição insuficiente, pois, sendo a memória uma res imago , se 
 necessita que a presença do esquecimento se demonstre como imagem. Agostinho se 
 propõe a investigar a fundo como isso se constitui. 
 Para solucionar esta dificuldade, ele ilustra uma analogia que pode simbolizar o 
 processo de se lembrar de algo que foi esquecido. O pensador católico introduz a história da 
 mulher que busca o dracma: nessa alegoria, há uma mulher que quer encontrar 
 obstinadamente um dracma, e, nessa busca, vários objetos lhe são apresentados, porém ela 
 não admite qualquer coisa que não seja o dracma buscado. De maneira semelhante, quando 
 tentamos nos lembrar de um nome que foi esquecido, vários nomes aparecem como 
 Vol. 16, 2021 
 www.marilia.unesp.br/filogenese 144 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 possíveis, mas não aceitamos nenhum como substituto, a não ser quando nos aparece 
 aquele desejado. Por conseguinte, se considerássemos que o esquecimento é a completa 
 ausência de memória , ao nos incubir da tarefa de nos lembrar de algo, aceitaríamos 
 qualquer substituto para aquilo que foi esquecido, pois não haveria nenhum vestígio de 
 conhecimento sobre ele. Porém, de forma oposta, se nega tudo aquilo que não é de fato o 
 objeto de procura, pois não o reconhece . Assim ele conclui que sempre que se esquece, está 
 presente certo conhecimento do objeto esquecido. Agostinho utiliza essa imagem para 
 representar que, em todo momento, a presença do esquecido está conosco, entretanto não 
 está totalmente iluminado pela memória , mas sempre existe a possibilidade que se desvele 
 no decorrer da busca: “Em outras palavras: se lembrarmos do esquecimento, este não pode 
 ser radicalmente considerado uma ‘falha de memória ’; ao contrário, o esquecimento – isto 
 é, o fato-de-ter-esquecido e oque-é-esquecido – estaria de alguma forma presente.” 
 (SANTOS, 2013, p. 110). Posto isto, o que é que está adormecido em mim do qual eu não 
 consigo me lembrar? O que é isso o qual a maior parte dos homens não rememoram? O que 
 é essa presença, a qual sempre está conosco e não é esclarecida? O bispo de Hipona olha 
 para as suas memórias e mesmo assim não encontra a Deus, é possível que Deus se 
 encontre naquilo que o oblivio oculta? 
 Assim, remontemos ao questionamento que é proposto no início do livro: como, 
 Agostinho, dentro de suas faculdades, pode encontrar a Deus, e, consequentemente a si 
 mesmo? Ele nota que, apesar de a memória oferecer-lhe capacidades que estão muito além 
 dos outros seres da natureza, ela ainda é passível de ser encontrada em alguns animais que 
 têm hábitos (horários de alimentação, local do abrigo ou do ninho, etc.), por isso Deus 
 ultrapassa essa esfera. Agostinho percebe que o objeto de sua procura não se encontrava 
 nas suas recordações, portanto, precisava investigar aspectos mais obscuros da sua vida 
 interior : “Ultrapassarei até a memória , mas para te encontrar aonde? Se te encontro além da 
 memória , sou imêmore de ti. E como te encontrarei, se não me lembrar de ti?” 
 (AGOSTINHO, Conf . X,17, 26) . Na metafísica agostiniana, há o fundamento do Lógos , 11
 que é Deus, a absoluta presença que ilumina todos os entes de sua criação. Os homens, 
 11 “Tranfibo ergo & memoriam, ut attigam eum, qui feparivit me à quadrupedibus, & volatibus fapientiorem 
 me fecit. Et ubi te inveniam vere bona, & fecura fuavitas? Et ubi te inveniam?” 
 Vol. 16, 2021 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 diferentemente de outros animais, possuem um lógos interno que lhe dão a capacidade de 
 serem livres e de terem criatividade, porém, essa capacidade é limitada: como um copo que 
 consegue conter somente uma quantidade limitada de líquido, o homem também tem uma 
 quantidade limitada da luz de Deus. Sendo a humanidade o efeito, jamais ela poderia ser 
 mais potente que a sua causa. Entretanto, a mente tem uma potência de transcendência, que 
 ascende do conhecimento do que lhe é mais próximo e sensível para aquele que lhe é mais 
 distante e próximo aos desígnios de Deus, e, durante a vida , o que está oculto pode se 
 desvelar. Assim, o dilema do oblivio transparece a teoria de reminiscência agostiniana, a 
 qual não aprofundaremos aqui, mas que indica o ponto de virada das Confissões para a 
 ascensão do conhecimento que leva à redenção humana. 
 Sabemos, entretanto, que essa perspectiva agostiniana não era o principal interesse 
 de Heidegger. Fenomenologicamente, o autor se interessava em como a facticidade é 
 transladada na perspectiva cristã do bispo de Hipona, e, desse modo, o oblivio não ocultaria 
 necessariamente a iluminação de um Lógos, mas a sua busca desvela a confrontação do 
 ser-aí com a experiência fática da vida. 
 Entre a procura e o oblivio : a unidade existencial do eu em Agostinho 
 Heidegger analisa como o fenômeno do oblivio está ligado ao fenômeno da procura 
 e como, em conjunto, os dois são movimentos intencionais . Somente a vida interior pode 12
 encontrá-lo, pois ele não está presente na fragmentação das experiências sensitivas do 
 mundo natural, é o si mesmo que determina aquilo que o esquecido procura. Portanto, o 
 oblivio revela, para Heidegger, a ação intencional do ser-aí. 
 Para o filósofo alemão o dilema do oblivio é compreendido como a experiência 
 fática da vida experimentando-a-si-mesmo ( Sich-Selbst-Erfahren ), no mundo próprio 
 ( Selbstwelt). A facticidade é as experiências do mundo imediatas para nós, é anterior a 
 qualquer tipo de conceituação de um “eu” ou de qualquer representação, nesse sentido, as 
 experiências são o próprio si-mesmo. Para melhor entender a concepção de Heidegger, é 
 necessário recorrer ao seu conceito de experiência fática, presente na preleção intitulada 
 12 Nesse sentido, segundo Heidegger, a memória pode ser lida como a própria consciência intencional: “A 
 memória não é exterior à consciência, mas é ela mesma.” (HEIDEGGER, 2014, p. 168). 
 Vol. 16, 2021 
 www.marilia.unesp.br/filogenese 146 
http://www.marilia.unesp.br/filogenese
 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 como Introdução à fenomenologia da religião . Para o autor, a experiência é um 13
 confrontar-se com ( Sich-Auseinander-Sentzenmit ) o experimentado, o qual se afirma 
 ( Sich-Behaupten ) perante à nós. Nessa diferente designação de experiência, o filósofo 
 almejava alcançar um entendimento que não se apoie na relação binária de sujeito e objeto, 
 e, que não constituísse um “eu” que existe independentemente daquilo que se experiencia, 
 mas que existe pela própria experiência. E é nesse movimento autorreflexivo, que 
 Agostinho se confronta com o peso de um eu que se concebe perante às adversidades 
 inerentes da vida . 
 A partir desse viés, Heidegger realiza sua análise do Livro X das Confissões, 
 entretanto, o autor não implica uma predeterminação divina, nem mesmo uma relação 
 transcendental da alma com Deus, o oblivio é o resultado das próprias 
 possibilidades-de-ser, que são intrínsecas à nossa existência. O ser humano não é definido 
 por uma instância superior, ele é responsável pela sua própria determinação, constituída a 
 partir do mundo e das experiências às quais ele se confronta no dia-a-dia. Portanto, o 
 homem não tem, sob essa perspectiva, um destino; ele tem a possibilidade de ser algo ou de 
 não ser algo. O sentimento de medo, de pura provação, é lido por Heidegger como a 
 contingência da realidade humana que não possui certeza de que ele não possa perder 
 aquilo que lhe é mais próprio, o oblivio revela o caráter humano das possibilidades de 
 existência. O fato de Agostinho ter descrito seu dilema a partir de ação de procurar só 
 intensifica intencionalidade do texto, pois o ser-aí precisa agir no mundo para concretizar as 
 suas possibilidades existenciais. O oblivio se torna, desta maneira, uma alegoria de uma 
 realização existencial: 
 Vida fática – significado de ser. (‘Ser’ = ter. Ter propriamente = não ter perdido, – ter em 14
 relação com o poder perder – no medo – possibilidade – intencionalidade! Ser-aí [ Da-sein ] 
 – objetivamente – é um caráter teórico de conformação, ao qual, entretanto, quer dizer que 
 ao mesmo não pode ser utilizado para determinar o sentido de realidade fática ). 
 (HEIDEGGER, 2014, p. 173). 
 14 Considera-se nesse sentido “ser” como existir, não como unidade ontológica. 
 13 Essas duas preleções estão muito ligadas, pois, em Introdução à fenomenologia da religião , se apresenta o 
 método o qual Heidegger utiliza para interpretar Confissões. 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 O ser-aí aparece no texto como definido pela sua antecipação , ouseja, pela 
 capacidade do homem de planejar ações e fazer projetos para o seu futuro: “(Ter encontrado 
 o objetivo – pensado – ser-aí ) Ter – encontrado (por antecipação!).” (HEIDEGGER,2014, 
 p.172-173). O tema do esquecimento se dá conjuntamente com o tema da procura, que por 
 si mesma, já se estabelece como um movimento intencional para fora da consciência que se 
 obstina a desvelar o esquecimento. É importante ressaltar que, apesar do Agostinho ser lido 
 pela tradição como um filósofo das vivências, Heidegger não o compreende da mesma 
 forma. Para ele, o bispo de Hipona demonstra em diversas passagens deste texto estar 
 lançado em um mundo e em uma trajetória existencial, assim, Heidegger salienta a estrutura 
 que ultrapassa o binarismo do sujeito e objeto, pois diferentemente da concepção moderna 
 de conhecimento, o ser-aí se estabelece no ato, unindo o âmbito da consciência com o 
 âmbito da sensibilidade. Assim, a predominância de sentido é o sentido de realização do 
 fenômeno, ou seja, o que é importante é o como se realiza a procura pelo que se esquece e 
 não necessariamente o esquecido em si, pois a própria fundamentação do eu se consolida na 
 medida em que se realiza nas experiências do mundo próprio. Mas o que se busca? 
 Na mesma medida que a mulher busca o dracma que perdeu, que buscamos o nome 
 que esquecemos, a humanidade busca a vida feliz que perdeu. Assim, o dilema enfrentado 
 por Agostinho relacionado ao oblivio é o ponto de partida para alcançar um conhecimento 
 mais transcendente e também ilumina o dilema da humanidade pela busca pela felicidade. 
 Pois, o que é isso que procuro? O que falta a Agostinho para se alcançar o significado de 
 Deus? Em qual característica da alma posso encontrar Deus? É preciso que ultrapasse a 
 memória , que se encontre o que está encoberto pelo oblivio, que é algo que ainda não está 
 disponível a mim: a vida feliz , “Ou seja, na procura de Deus não somente concorda em mim 
 algo relativo à ‘expressão’, mas constitui minha facticidade em minha preocupação para 
 isso ou para aquilo.” (HEIDEGGER, 2014, p. 174). Para Agostinho o oblivio simboliza o 
 que ele deseja alcançar, para Heidegger o oblivio é a autodeterminação do ser-aí por meio 
 de um movimento intencional, para se concretizar a vida feliz . E o que se encontra no meio 
 desse percurso? Facticidade. 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 Busca existencial iniciada pelo oblivio : uma passagem pelas tentatio e pela 
 ambiguidade 
 O que de fato simboliza a busca pelo oblivio ? O que realmente figura a analogia 
 introduzida por Agostinho sobre a mulher que busca o dracma? Para Heidegger, essa 
 imagem é mais que um exemplo didático para se entender os mecanismos da razão; ela é a 
 representação de todo o caminho que o filósofo patrístico percorreu durante as Confissões e 
 que traz à tona experiências que se enfrenta na vida cotidiana: as tentações, o sentimento de 
 ambiguidade ( Zwiespältigkeit ) e a moléstia. Esses três fenômenos, constantes nos relatos 
 agostinianos, são características fundamentais da facticidade no mundo cristão. 
 Retomemos a analogia a partir da leitura fenomenológica de Heidegger: essa 
 mulher, o seu ser-aí, age intencionalmente em relação à sua procura, agindo e 
 experimentando fenômenos guiada pela sua antecipação e significando o seu arredor. Nessa 
 busca, há o medo e a insegurança, pois também eles provêm do problema da ambiguidade . 
 A vida mundana e a sua significância se dispersam na multiplicidade das coisas, e 
 assim, o ser humano se perde. Heidegger indica que propriamente aqui, o multum 
 (multiplicidade sensorial caótica), que consolida a dispersão e que é oposto ao unum, (uno), 
 o autêntico: “ Multum é o diverso, unum é o genuíno, o autêntico.” (HEIDEGGER, 2014, p. 
 189). Desse modo, Heidegger, analisa as duas esferas principais que se apresentam ao 
 homem na visão de Agostinho: ele está coberto por deflexus, dispersão; e, possui cura, 
 preocupação. A dispersão , que ataca os sentidos, é a matéria viva e bruta da facticidade da 
 vida. É como a vida se apresenta em possibilidades-de-ser , e tem como fim a si mesma. A 
 preocupação é o que justamente toma a ação e cria o sentido (unitário) a essa dispersão. 
 Entretanto, o mais importante para Heidegger é que a preocupação necessita da dispersão . 
 O si-mesmo humano é intrinsecamente relacionado a uma situação histórica e fática. Deste 
 modo, podemos entender como a análise do dilema do esquecimento teve contribuições 
 para Heidegger na formação do conceito de facticidade , pois, o autor nessa época define 
 esse conceito como a autodeterminação do Dasein , que acontece na busca pelo esquecido, 
 mas também ele significa o peso da autodeterminação, o peso da procura, que é a 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 dispersão. A procura não existe sem a dispersão , o peso da existência humana sempre se 
 manifesta. 
 Destarte, na dispersão há diversas camadas, algumas camadas são prospera 
 (dão-lhe prazer, são favoráveis, convenientes, excitantes, etc.) e outras que são adversa 
 (desafiantes, desagradáveis, amedrontadoras, desconfortáveis, etc.). Por conta disso, os 
 homens confundem o que amam e o que odeiam, pois aquilo que parece ser bom não o é, e 
 o que é bom, não lhes provoca bem imediatamente: “Ninguém ama sofrer o que suporta, 
 embora ame suportá-lo.” (AGOSTINHO, Conf . X, 28, 39) . Ademais, Agostinho revela: 15
 quaestio mihi factum sum , tornei-me um problema para mim mesmo. Essa frase é o fio 
 condutor para Heidegger, pois sintetiza bem o significado da experiência fática da vida, 
 pois, ao estarmos lançados na multiplicidade do mundo, a dispersão se confronta com o 
 nosso atuar intencional e nos tornamos um problema para nós mesmos. A incerteza é 
 própria da facticidade, pois a determinação do si mesmo depende também dos fenômenos 
 circundantes do indivíduo e a sua historicidade , ou seja, o ser-aí nunca está assegurado. 
 Ao tratar da dispersão, aborda-se o tema das concupiscências, ou tentações : 
 “ Con-cupiscere : desejar conjuntamente também uma concentração, mas de um tipo tal que 
 o concentrado é precisamente o mundano – ‘objetivo’, e o si-mesmo é impelido a ele.” 
 (HEIDEGGER, 2014, p. 194). O bispo de Hipona divide as tentatio entre aquelas que 
 provém da carne, aquelas que provém dos olhos, e aquelas que provém da ambição. O 
 homem, na medida em que é um animal, tem necessidades naturais da carne. Logo, de 
 maneira instintiva, conclui que a não saciedade das suas necessidades lhe trará sofrimento, 
 e, em última instância, a morte. Assim, ele tira prazer da realização dessas necessidades, 
 mas se esquece que conjuntamente com o prazer há também a dor da carne, e faztudo para 
 evitar o sofrimento: 
 Entretanto, odeiam-na quando lhes bate no corpo. Quando lhes afeta diretamente 
 e lhes sacode, quando põe em questão sua própria facticidade e sua existência, 
 então, é melhor desviar, em tempo, a vista dela e, entusiasmadamente, com todos 
 os lugares-comuns e os estribilhos que eles mesmos gostam de oferecer a si 
 mesmos. (HEIDEGGER, 2014, p. 184). 
 15 “Nemo quod tolerat amat, etsi tolerare amat.” 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 Qual é, portanto, a função da tentatio no complexo fático de Agostinho? Heidegger 
 chama atenção do fato de que a tentação é um fenômeno imprescindível da existência 
 humana, não somente porque somos feitos de carne e assim sempre estamos submetidos às 
 tentações , mas também porque é a única maneira de se encontrar a Deus e a salvação. No 
 Anexo II, de Osckar Becker, designa-se dois sentidos de tentatio : “(1) tentatio deceptionis 
 (tentação do engano), com a tendência de fazer cair; (2) tentatio probationis (tentação da 
 provação), com a tendência de provar. No primeiro sentido, somente o diabo ( diabolôs ) 
 tenta; no segundo, também Deus.” (BECKER, 2014, p. 260-261). Aqui se apresenta uma 
 característica elementar para se entender a natureza da tentação no seu perfil de 
 ambiguidade : o diabo tenta por meio desse traço humano enganar sobre a verdadeira beata 
 vita, mostrando os errados caminhos, mas Deus oferece a provação por meio das tentações 
 para que se descubra a verdadeira beata vita em sua própria trajetória, pois, somente assim, 
 é possível a evolução interna do seu lógos interno : “O homem não se conhece a si mesmo 
 se não aprende a conhecer-se na tentatio. Percebe-se o sentido histórico fundamental do 
 discere (aprender), que tem lugar na autoexperiência histórica concreta e fática . A tentatio é 
 um conceito histórico específico.” (BECKER, 2014, p. 261). Assim, as tentações têm a 
 primazia fundamental da historicidade e das experiências fáticas na filosofia do Agostinho: 
 “Pelo problema da tentatio chegamos ao sentido fundamental da autoexperiência enquanto 
 autoexperiência histórica. ” (BECKER, 2014, p. 268). O homem na sua busca tem que 
 encarar a facticidade imprescindível da salvação, o que se encontra velado somente se 
 revela através das experiências imediatas que designam a essência do ser-aí. Considerando 
 isso, qual é a superação humana das tentações , como podemos transcendê-las para alcançar 
 o caminho da verdade e da beata vita ? Dito de outro modo, como se pode encontrar aquilo 
 que nos é oculto na nossa memória , nos nossos desejos e nas nossas necessidades? 
 Nessa tentatio , está o direcionamento de sua superação, precisamente num 
 entregar-se genuíno ao mundo compartilhado , mas um entregar-se tal que seja 
 realizado a partir da posição clara que se ocupa da facticidade da própria vida ; um 
 entregar-se ao que nunca pode manifestar-se num mero abandono – por mais 
 radical que seja – aos objetivos em quaisquer de seus significados. 
 (HEIDEGGER, 2014, p. 223). 
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 O dilema do oblivio como busca existencial do eu em Heidegger 
 A aceitação da moléstia é o caminho da salvação: “Considerada de maneira 
 completa, a interpretação ‘caminha’ de modo a perfazer o caminho retrospectivamente, de 
 tal maneira que a mesma exploração aponte de modo cada vez mais visível para o 
 originário.” (HEIDEGGER, 2014, p. 227-228). Em outras palavras, é necessário aceitar a 
 facticidade inerente à vida para se autodeterminar, portanto, toda a dispersão e todo o peso 
 da vida ( moléstia ) estão postos para que se desvele a beatitude. Para salientar a importância 
 do oblivio no desvelar da memória , Heidegger faz uma referência a outros trechos da obra 
 completa de Agostinho, onde o filósofo explicita o caráter revelador da tentação que 
 rememora o homem genuíno: “Não para que se aprenda, mas para que se ponha a 
 descoberto o que está escondido no homem.” (AGOSTINHO, Index generalis , PL 46, p. 
 627). Ou ainda: “Na tentação aparece como o homem é.” (AGOSTINHO, Index 16
 generalis , PL 46, p. 628) . 17
 Quanto mais se vive a vida , o sentimento de moléstia tende a se intensificar: “Na 
 preocupação por si mesmo, o si-mesmo forma – no como de ser próprio – a possibilidade 
 radical da queda , mas dá também e, por sua vez, vida à ‘oportunidade’ de ganhar-se.” 
 (HEIDEGGER, 2014, p. 231). Pois a moléstia é a relação da alma com os desígnios de 
 Deus, o que, é traduzido na interpretação fenomenológica de Heidegger como a 
 preocupação radical consigo mesmo diante de Deus: “Não somente na medida em que aqui 
 se cristaliza um determinado como do ser da vida, a partir do qual tem sentido 
 absolutamente falar do mal-estar, em última instância, preocupação radical consigo mesmo 
 diante de Deus.” (HEIDEGGER, 2014, p. 228). 
 Considerações finais 
 É possível estabelecer um paralelo entre moléstia e esquecimento em Agostinho, na 
 medida em que ambos representam a tendência de procurar a si mesmo ( Sichselbsthaben , 
 ter a si mesmo), os dois fenômenos são evidentes pelo próprio viver do Dasein. Aquilo que 
 é esquecido por nós, nos orienta a procurá-lo e desvelá-lo. Todo o peso da vida , todo o 
 17 “In tentatione apparet, qualis sit homo.” (AGOSTINHO, Index generalis , PL 46, p. 628). 
 16 “Non ut ipse discat, sed ut quod in hominen latet aperiat.” (AGOSTINHO, Index generalis , PL 46, p. 627). 
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 medo e a insegurança que surgem no processo de desvelamento são participantes essenciais 
 da descoberta da verdade: “As direções da experiência como tais direções de experiência, 
 suas possibilidades como possibilidades dessa experiência fática mesma na ordem de 
 realização, ou seja, o sentido da molestia [ moléstia ] determina-se, porém, a partir do como 
 próprio da vida mesma.” (HEIDEGGER, 2014, p. 230). 
 Também destaco que o fenômeno da memória é imprescindível para o investigar de 
 Agostinho dentro de si, mas é o oblivio que o faz sair dentro de si e buscar a si mesmo na 
 transcendência do mundo . Seja Heidegger, seja Agostinho, ambos interpretam que há a 
 necessidade de investigar a si mesmo enfrentando a multiplicidade inerente à vida . Para o 
 fenomenólogo alemão experiência é um confrontar-se com ( Sich-Auseinander-Sentzenmit ) 
 com os fenômenos experimentado, e, estes, são um afirmar-se ( Sich-Behaupten ) perante ao 
 ser-aí , de maneira paralela, Agostinho também precisa se definir em confronto com o 
 mundo . 
 A leitura heideggeriana da obra agostiniana não interpreta as questões introduzidas 
 no Livro X das Confissões como temas organizados e elencados hierarquicamente, mas 
 analisa esses fenômenos norteada pelo solo originário da facticidade ,ou, em suas palavras, 
 pelo fio condutor do quaestio mihi factum sum (tornei-me um problema para mim mesmo). 
 O destaque dado, neste artigo, ao fenômeno do oblivio, é explicado pelo fato de que, na 
 preleção Agostinho e neoplatonismo (1920), é nele que se encontra a virada que possibilita 
 o bispo de Hipona ultrapassar a análise das próprias faculdades para o fundamento 
 existencial do eu. Assim, percebe-se que ao abordar esse dilema, Agostinho passa pelos 
 sentimentos que são a expressão máxima da facticidade . 
 Ao se perscrutar as relações da obra de Agostinho com a formação do conceito 
 fundamental da filosofia do jovem Heidegger, vislumbra-se a sua conceituação própria de 
 Dasein, trazendo mais esclarecimento como um todo para o projeto proposto em Ser e 
 tempo. Salientamos que as análises feitas até aqui são iniciais para se elucidar as influências 
 agostinianas na teoria do jovem Heidegger, porém, são importantes para o longo caminho 
 que procura ilustrar a sua iniciação teórica. 
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