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TTRRAADDIIÇÇÃÃOO AAFFRROO--BBRRAASSIILLEEIIRRAA:: AA FFUUNNÇÇÃÃOO RREELLIIGGIIOOSSAA DDOO CCOONNTTRRAA--EEGGUUNN AMÉRICO ALFONSO POLICHETTI Guarulhos 2015 SSUUMMÁÁRRIIOO INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 3 CONTRA-EGUN...................................................................................................................... 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 12 Guarulhos 2015 Patrimônio Imaterial IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO 3 Nos idos de 1977, quando eu ainda era muito jovem, minha mãe me levou a um terreiro de candomblé, a fim de pedir algo que por minha pequena idade não pude precisar o que era. Nós morávamos na Zona Norte da cidade de São Paulo, e tivemos que sair muito cedo de casa, pois o lugar que iríamos era no extremo da região sul da capital. Após atravessarmos a cidade de metrô, chegamos a estação Jabaquara e pegamos um ônibus que andou por quase uma hora, ao fim descemos em um ponto no meio do nada, onde havia algumas estradas de chão batido. Andamos mais ou menos meia hora, até finalmente chegarmos ao terreiro de candomblé. Era um lugar grande, parecia uma chácara, havia um grande portão com uma cabeça de animal, não nego que aquilo me assustou num primeiro momento, mas como tínhamos viajado por tanto tempo, e minha mãe parecia estar aborrecida além do normal, achei melhor não comentar nada. Ao sermos recebidos por um senhor vestindo roupas brancas, adentramos e aí pude notar a extensão do lugar, bem como suas construções. Havia várias casinhas com cores específicas e nas suas respectivas portas, muitas oferendas que, em sua grande maioria, eram compostas de alimentos ou velas. O cheiro de animal morto era muito forte, então comecei a ficar ainda mais preocupado, mas pelas razões acima citadas achei melhor permanecer em silêncio. Chegamos a um salão onde seriamos recebidos pelo dirigente da casa, foi quando notei que as pessoas estavam usando as roupas da novela Escrava Isaura1, que passava à tarde na Rede Globo em meados de 1976. Não somente a vestimenta, mas a maneira como se tratavam e falavam, parecia que tinham saído da novela, isto me impressionou muito. A casa de Candomblé a que me refiro chama-se “Centro Afro Brasileiro de Cultura Atim Lemba Furena”, e estava localizada na Rua H da Estrada do Araguava, 88, altura do Km 33 da Estrada do Paiol, Bairro de Palhereiros. Como eu era muito jovem não prestei a devida atenção ao que acontecia naquele local, mas uma coisa despertou minha curiosidade, boa parte das pessoas utilizava um tipo de corda amarrada no braço, coisa que eu não havia percebido na novela; então perguntei a uma senhora 1 Primeira versão da novela baseada no romance de Bernardo Guimarães, de autoria e adaptação de Gilberto Braga e direção de Herval Rossano e Milton Gonçalves, exibida de segunda à sábado as 18:00h pela Rede Globo de Televisão, foi transmitida de 11 de outubro de 1976 até 02 de fevereiro de 1977, totalizando 100 capítulos. O romance trata basicamente de uma escrava branca que tenta de todas as formas buscar a liberdade. Apresenta uma trama bem elaborada, com personagens marcantes e particularidades do período. Patrimônio Imaterial 4 que estava tomando conte de mim enquanto minha mãe conversava com o dirigente da casa, e que havia me recebido muito bem, o que era aquela corda amarrada no braço daquelas pessoas. Ela então me respondeu que o nome daquela corda era Contra-Egun e tinha por objetivo afastar as más influências e os maus espíritos. Ela me explicou que o contra-egun deveria ser feito pelo próprio filho de santo, outra coisa que não entendi muito bem, pois tinha formação cristã e acabara de fazer minha primeira comunhão. Continuando a explicação, disse que deveria ser imerso em um líquido chamado abo. Naquele mesmo dia conheci o tal líquido, que por sinal tinha um cheiro horrível, então conclui, com os meus dez anos de pura sabedoria e raciocínio lógico, que um dos principais elementos para espantar os maus espíritos era o cheiro ruim. O nome daquela simpática senhorinha era Domícia e suas explicações ainda fazem um grande sentido para mim, sobretudo porque, com o passar dos anos minha mãe me levou a outras casas de candomblé e de umbanda e as pessoas sempre pareciam saber muito, mas na hora da explicação repetia de maneira categórica, “é fundamento do santo e não poderei revelar a você”, o que em minha opinião era o mesmo que dizer “eu não sei sobre o assunto”. Ficamos o dia inteiro naquela casa, pois a noite haveria um ritual público e após minha mãe iria fazer um “trabalho” para resolver os problemas que a fizeram procurar ajuda naquela casa. Por conta disso explorei o terreno desconhecido e passei a reter em minha memória o máximo de informação e perguntas para fazer aquela senhorinha, que pude notar, executava diversas funções junto ao grupo de pessoas que moravam ali. Hora a via cozinhando, ora lavando roupas, ora preparando utensílios para os rituais, ora limpando o local, sempre sorrindo com um carinho e paciência incomum. Minha mãe ficou em um cômodo separado do meu em razão dos trabalhos que estavam sendo executados para resolver o problema dela, então tive a oportunidade de falar com outras pessoas que, como Domícia, moravam e trabalham naquela casa. Um deles era um homem de aproximadamente trinta anos, seu o nome era Messias, e estava esticando o couro de um cabrito que havia sido morto há alguns dias para então colocá-lo em um tambor que ele denominou como atabaque. Observei que, como os demais membros daquela casa, ele também utilizava os contra- eguns amarrado nos braços. Então aproveitei a oportunidade para lhe perguntar coisas referentes aquele material. Ele me disse que aquilo era para evitar que espíritos ruins fizessem mal a ele, sobretudo porque, na função que ele exercia na casa, normalmente os espíritos ruins o atacavam constantemente. Perguntei se ele poderia me ensinar a fazer, o que de imediato disse que embora eu pudesse fazê-lo aquilo não teria poder, pois eu não era um iniciado e não receberia o axé do pai de santo e do orixá. Patrimônio Imaterial 5 Como eu insisti muito, ele me mostrou de maneira rápida, juntamente com dona Domícia como confeccionar o contra-egun, foi então que observei que em uma das extremidades havia um tipo de volta que facilitava o processo de fixação nos braços. Achei muito interessante, pois parecia prático e visualmente bonitos, eles riram e me disseram que quanto eu tivesse idade suficiente eu poderia participar ativamente daquela religião. Acabei ganhando o contra-egun de presente dos mesmos. Eu sorri e agradeci. Em razão do avançado da hora, tivemos que pernoitar naquela casa. Levantamos bem cedo para fazermos o caminho de volta, só quando cheguei em casa, percebi que, junto com o contra-egun que ganhara de Domícia e Messias, havia um daqueles colares de contas das cores preta e branca. Rapidamente contei a minha mãe o que ocorrera e ela disse que veria o que tinha acontecido. Dias depois minha mãe disse que havia sido presente de dona Domícia para mim, pois o orixá que reinava em minha cabeça era Obaluaê e que aquela guia, juntamente com o contra- egun me protegeria. Notei também que tanto a guia como o contra-egun havia sido submergido naquele líquido com o nome de Abo, pois ambos cheiravam muito mal. Lembro que naquele dia minha mãe disse que eu poderia usar estes materiais desde que não mostrasse a ninguém, pois as pessoas ririam de mim e me chamariam de macumbeiro. Isso sem dúvida foram argumentos de peso paraque eu não usasse aqueles presentes, permanecendo guardados até se perderem no tempo. A partir do relato acima citado, muitos foram os elementos que observei desta religião, mas em razão da especificidade deste trabalho, tratarei apenas da confecção e utilização do contra-egun e sua função religiosa e social no Candomblé. Patrimônio Imaterial 6 CCOONNTTRRAA--EEGGUUNN Inicialmente o termo Egun (Egungun) deriva da palavra yorubá Ameiyegun, que significa ancestral de uma família específica ou de uma determinada comunidade, ou ainda desencarnado em geral, podendo ser bom ou ruim. Para os povos Yorubás, a vida e a morte estão contidas em si, de tal sorte que os mundos material e espiritual estão próximos e se relacionam entre si. Neste sentido, a morte não é o fim da vida, mas sim uma continuidade que se alterna em múltiplas reencarnações. Segundo a cultura Yorubá, Egun é o espírito que, através da possessão, retorna ao mundo dos vivos. Estes eventos ocorrem normalmente em rituais em terreiros, onde o sacerdote tem o poder de invocar e banir o mesmo. Segundo ainda esta cultura, estes espíritos podem ser bons ou ruins, e trarão bons ou maus fluídos, de acordo com sua natureza, e serão utilizados para determinados fins, espirituais e materiais. A partir do fato de que estes espíritos podem atuar sobre os vivos, independente de serem invocados ou não, a cultura em questão pratica rituais específicos e produz amuletos para controlar ou afastar estes espíritos bem como suas respectivas influências. Partindo da experiência pessoal em minhas visitas aos terreiros de candomblé e umbanda, uma das estratégias utilizadas para afastar estes espíritos são os banhos com ervas específicos que possibilitam, segundo a tradição oral destes grupos, o refazimento das defesas energéticas daqueles que sofrem a influência de um Egungun. Outra estratégia reside na utilização de alguns amuletos que auxiliam no processo de refazimento destas defesas energéticas, tais como os colares de conta e os contra-eguns. Os colares de contas, ou guias como são chamadas pelos integrantes das religiões afro-brasileiras, representam a proteção de um orixá específico, em um circulo com começo e fim, onde cada grupo de contas (sempre em números impares – algumas vezes números primos) significa uma passagem da vida e história deste orixá, bem como as virtudes que se quer reforçar em um determinado filho de santo. Já os contra-eguns são confeccionados a partir da trançagem de palha da costa por aquele que irá utilizá-lo, podendo ou não ser introduzidos contas ou búzios, (denominados também por cauris) e posteriormente sua imersão em um líquido previamente feito pelo sacerdote do terreiro denominado Abo. Patrimônio Imaterial 7 Este líquido é composto basicamente de plantas específicas e de sangue oriundo de sacrifício feito para o orixá que rege o terreiro, bem como as entidades ali cultuadas. Das plantas que compõe o preparo, atualmente são conhecidas oito, a saber: Peregun (dracena), Ida Oya (espada de Iansã), Quebra-pedra, Ojusaju (Guiné), Ewurô (vassourão), Ewê Boyi Funfun (betís branco), Akoko e Ewé Igbolé (gervão). Para a confecção de um Contra-Egun são utilizados três fios de palha da costa trançados entre si. Em uma das extremidades existe um tipo de laço que é formado no início do processo, e é finalizado por um nó cego. Este amuleto mede em torno de um metro de comprimento e é normalmente enrolado nos braços ou nas canelas do iniciado. Outro fator de interesse é a utilização de contas ou cauris que, num primeiro momento, pode adquirir uma função decorativa além da funcional, sobretudo porque, em relação aos elementos materiais utilizados em rituais yorubanos, estes adquirem a virtude do orixá enquanto há um indivíduo para cultuar aquele material, como por exemplo, uma pedra, um utensílios de ferro, uma escultura de madeira etc. Existe um processo de significação entre o indivíduo e seu objeto sagrado que, segundo a cultura em questão, é feito não para ser visto e sim cultuado. Neste sentido, pode haver até uma reflexão estética na produção do elemento material de culto, mas não é este o seu objetivo final. Daí é possível, a partir de imagens de afrodescendentes do século XIX e início do XX, observar que estes elementos estão presentes na maioria das mulheres, mas não está a vista. Há a possibilidade de que a pressão social católica impedisse que o referido ornamento fixasse exposto, contudo, como foi possível observar nas imagens em questão, outros ornamentos de caráter religioso estavam presentes no vestuário ou pendurado em seus pescoços, o que pode reforçar a ideia de que este tipo de amuleto não deveria estar exposto. Ainda com relação à produção do contra-egun, observei em diversos terreiros que visitei ao longo de minha adolescência, não havia uma uniformidade com relação aos significados e utilidade deste amuleto, variando tanto na forma como nos fundamentos empregados em sua confecção. Como exemplo, em algumas casas de candomblé que tive a oportunidade de visitar não havia o laço no começo do contra-egun, enquanto que outras não utilizavam o Abô para a imersão do mesmo. Outros ainda utilizavam diversos elementos de outras religiões a fim de “fortificar o axé”. Diante de tanta diversidade decidi utilizar o evento que fez parte de minha infância e ainda consigo acessar em minha memória, que se refere ao relato inicial, onde figura dona Domícia o senhor Messias e suas explicações sobre o contra-egun. Patrimônio Imaterial 8 Neste sentido, passo a entender este elemento como sagrado e sua utilização como instrumento religioso para o culto pessoal e coletivo, enquanto componentes de uma mesma comunidade religiosa. Creio haver um tipo de simbolismo com relação ao laço e ao nó, e não apenas como posteriormente me foi citado por um “pai de santo” que possuía apenas valor estético e usual, que em suas palavras me perguntou “como você acha que uma pessoa amarraria este contra-egun sozinha”? Esta questão me fez refletir e concluir num primeiro momento que estava buscando o sagrado em algo cotidiano. Não havendo, portanto, um significado religioso para aqueles que confeccionam e utilizam os contra-eguns. Porem, entrando em contato com outros iniciados nos cultos afro-brasileiros notei que todos os elementos matérias possuíam um significado, uma razão de ser, como por exemplo, as comidas utilizadas para as oferendas aos orixás, ou melhor dizendo, a maneira como são elaboradas, observando inclusive o momento de adicionar cada ingrediente, com risco de se perder a receita, ou ainda as vestimentas, que remontam ao século XVII, XVIII e XIX, atentando até como as dobras das vestimentas deveriam estar. Ora, se a comida que é algo perecível recebe grande atenção, o que poderíamos pensar a respeito da confecção de amuletos de função religiosa específica? A cultura dos diversos povos africanos que aportaram na América é repleta de significações; neste sentido é possível que haja um determinado significado religioso com relação à maneira como se deve dar o nó ou a forma como elaborar o laço do contra-egun, mas em razão das rápidas mudanças sociais deste breve século XX2, muitos destes conhecimentos sofreram mudanças significativas. A fim de buscar elementos para refletir sobre estas questões, utilizei alguns documentários e imagens que trataram da religiosidade afro-brasileira no século XX. O primeiro documentário é um bloco apresentado no Programa Fantástico, que foi ao ar em abril de 2008, chama-se “Êxtase – Ritos Sagrados”, apresentado por Pedro Bial e tratou do Candomblé3. Em dado momento, o reporte pergunta a Dona Celeste, filha de santo da casa de candomblé Ile Àse Orisanlá J´Omí4 (Casa de força das Águas de Orisanlá), a respeito da produção dos alimentos que seriam utilizados no ritual, ela responde que “Tudo do orixá é no fogãoa lenha” (...) “A comida aqui do orixá só quem pega sou eu”, evidenciando a importância 2 Frase retirada do Livro de Eric John Ernest Hobsbawm “A Era dos Extremos – o breve século XX”. 3 “Êxtase – Ritos Sagrados” – Programa Fantástico – Rede Globo – 2008. Disponível em: <http://www.youtube.com /watch?v=s90C2AZ4FQ8>. Acessado em: 06 de abril de 2013. 4 Irmandade Terreiro São Bento Omi Ile Àse Orisanlá J´Omí. Fundado em 1934, na estrada das barreiras – Cabula – Salvador. Em 13 de dezembro de 2002, no intuito de preservar a existência do patrimônio material e imaterial do Terreiro, a Iyalase Celeste d´ Alcântara Arruda – Osairanle (filha de Sangô Aira), constituí legalmente a Irmandade Sócio – Religiosa e Beneficente Ile Ase Orisanla J´Omi – Terreiro São Bento. Patrimônio Imaterial 9 do saber fazer e principalmente de quem pode, ou não, fazer. Este e outros preceitos referem-se à maneira como o “Axé” será transmitido. Em outro documentário, “O Diário de Nana5”, podemos observar a importância das tradições e dos costumes bem como eles mudam ao longo do tempo. No documentário em questão, pude observar na fala da mãe de santo entrevistada por Nana Vasconcelos, a maneira como as mães de santos se paramentavam como rainhas, comparando as cadeiras utilizadas por estas como “tronos”. Embora não faça uma crítica direta, exemplifica sua maneira de vestir e de existir como algo que perdura desde seus 27 anos. Em outro documentário intitulado “Muzenza – Candomblé”6 percebi de que maneira os egunguns são tratados nos cultos. Sempre em primeiro lugar, reforçando a importância e o prestígio que estes possuem. Observando a utilização da palha da costa como instrumento para afastar as influências destes personagens. A importância desta palha é ainda observada na dramatização feita à Obaluaê, não apenas como vestimenta, mas relacionado à varíola e como esta significava para muitos a diferença entre a vida e a morte. No vídeo observa-se tanto o processo de nova existência quando o orixá sai da terra, quanto o de não existência com seu enterramento, mesmo estando vivo, pois no vídeo o orixá ainda se movimenta enquanto é enterrado. Embora não seja objeto desta reflexão, importante citar que para os povos africanos que vieram para o Brasil, o local de existência, da realização, da felicidade era este mundo; para eles o mundo dos mortos era desprovido de meios para a ação, realização e beleza, talvez por isso o culto aos eguns tenha um papel tão importante. Retornando ao tema proposto, que são os fundamentos com relação à produção do contra-egun. Seguindo a explicação de Dona Domícia, o contra-egun atraiam as benção de Obaluaiê, orixá saúde e da doença, bem como fornecia proteção contra aqueles que não mais deveriam incomodar os vivos. Ela me contou uma história sobre este orixá que, segundo me lembro, sofria de uma doença terrível e por isso usava palha como vestimenta. Certo dia este orixá pediu um pouco de água para beber em uma aldeia na África, o povo expulsou este orixá, pois não o reconheciam 5 “O Diário de Nana”. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=nmEEqUh97CM>. Acessado em: 06 de abril de 2013. 6 Ras Adauto e Vik Birkbeck fundaram na década de 80 a Enúgbarijo Comunicações, que levou o nome do exú mensageiro, a Boca Coletiva. Com o advento das primeiras câmeras de vídeo portáteis e independentes, percorreram toda cidade do Rio de Janeiro, onde eram facilmente avistados pelas ruas, morros, avenidas, salões, cidades como Volta Redonda, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Salvador e São Paulo. O resultado é um gigantesco acervo de material em vídeo que pode ser visto no acervo CULTNE. Disponível em: <http://www.cultne.com.br/video.php?id_vi deo=813>. Acessado em: 06 de abril de 2013. Patrimônio Imaterial como tal. Então ele subiu em uma colina e começou a sacudir suas palhas. O vento que vira tudo que tinha acontecido espalhou uma terrível doença no povo daquela aldeia, então os líderes foram pedir ajuda a este orixá que, a partir de preparos salvou a aldeia. Ela me disse que a partir daí este orixá passou a ter grande importante e recebeu como atribuição cuidar dos vivos e dos mortos. É possível perceber que este orixá possuía contra-eguns amarrados nos braços e nas pernas, conforme se observa nestas três imagens7 abaixo: Por fim ela me disse que somente pessoas iniciadas no santo poderiam utilizar os contra-eguns. Caso contrário poderia ocorrer o efeito inverso, ou seja, que em vez de afastar poderia atrair os eguns, sobretudo porque não haveria um orixá de cabeça para protegê-lo. Decidi adotar a história que me fora relatado na infância, sobretudo porque, após pesquisas mais aprofundadas sobre este Orixá africano, descobri várias histórias sobre esta divindade, muitas das quais se contradiziam, ou ainda acabavam dando outra visão sobre a importância do culto ao Orixá, tais como o nascimento e a posição de Obaluaê junto às demais divindades africanas. Retomando o tema em questão, somente para pensar os possíveis simbolismos existentes no contra-egun, vale dizer que suas extremidades, de um lado um círculo e do outro um nó, podem nos remeter a união dos opostos como macho e fêmea, o poder criativo potencializado nestas duas extremidades, que na verdade são apenas um e uno em si e com sigo mesmo, sendo apenas um par de mãos aquela que trança e guia a fiada, que passa pelo laço e prende em torno de si, apenas um par de mãos, mãos de Olódùmarè8. 7 Imagens coletadas pela internet, sem referência quanto à autoria. Disponível em: <http://www.casaiemanjaiassoba. com.br/Obaluaie.html> Acessado em: 063 de abril de 2013. 10 8 Segundo a tradição ioruba, Olódùmarè é o ser superior e criador de todo o universo e dos seres que nele habitam, além de ser o Pai de todos os Orixás e criados dos Homens. Patrimônio Imaterial 11 Desta maneira, pude concluir que, em razão das mudanças culturais e sociais que ocorreram nos últimos trinta anos, muitas tradições de origem africana sofreram mudanças em alguns de seus fundamentos básicos, adaptando-se, muitas vezes, à conveniência e oportunidade de pessoas que professam a religião. Não sei dizer se isso traz benefício ou não para as religiões de matriz africana, mas entendo que as tradições devem ser catalogadas em sua essência a fim de que este movimento de modernização presente nas casas dedicadas ao culto dos orixás não acabe por subverter o significado dos elementos que compõe estas religiões, sobretudo no que se refere reapropriação e reinterpretação da manufatura e utilização dos amuletos, bem como os processos de santificação dos mesmos. Patrimônio Imaterial 12 RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS BBIIBBLLIIOOGGRRÁÁFFIICCAASS ABRAHAN, R. C. Dictionary of Modern Yoruba. Londres, Hodder & Soughton, 1962 [1946]. ACHEBE, Chiuna. 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