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Teoria da imputação objetiva

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Conceito de imputação objetiva
1. A teoria da imputação objetiva visa a resolver os problemas que o dogma causal naturalístico e a doutrina finalista não conseguiram solucionar de maneira satisfatória.
2. Imputar significa atribuir. 
3. Imputação objetiva significa atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico.
4. O ponto central não é imputar um resultado a um homem segundo o dogma da relação de causalidade material, i.e., se ele, realizando determinada conduta, produziu certo resultado naturalístico. O âmago da questão, pois nos encontramos no plano jurídico e não na área das ciências físicas, reside em estabelecer o critério de imputação do resultado em face de uma conduta no campo normativo, valorativo.
5. Imputação objetiva, consiste, basicamente, em perguntar: “esse risco é permitido pela ordem jurídica?”, se sim, não existirá imputação objetiva; se não, existirá imputação objetiva.
Risco proibido e risco permitido
1. Andar nas calçadas, caminhar por uma trilha ecológica, atravessar uma rua, subir escadas, sentar-se numa cadeira, usar um elevador ou apertar socialmente a mão de alguém, viajar de avião, de automóvel, de navio ou de trem, praticar esportes, caçar, pescar etc., tratam-se de riscos permitidos pela ordem jurídica.
2. É possível que o sujeito, realizando uma conduta acobertada pelo risco permitido, venha a objetivamente dar causa a um resultado naturalístico danoso que integre a descrição de um crime. Ex.: dirigindo normalmente no trânsito, envolve-se num acidente automobilístico com vítima pessoal. Nesse caso, o comportamento deve ser considerado atípico. Falta a imputação objetiva da conduta, ainda que o evento jurídico seja relevante. Se, contudo, desobedecendo às regras, faz manobra irregular, realizando o que a doutrina denomina “infração de dever objetivo de cuidado”, como uma ultrapassagem perigosa, emprego de velocidade incompatível nas proximidades de uma escola, desrespeito a sinal vermelho de cruzamento, “racha”, direção em estado de embriaguez etc., produz um risco proibido (desvalor da ação). Esse perigo desaprovado conduz, em linha de princípio, à tipicidade da conduta, seja a hipótese, em tese, de crime doloso ou culposo. 
Imputação objetiva, responsabilidade penal objetiva e imputabilidade: distinções
1. A imputação objetiva não se relaciona com presunção de dolo e culpa, e sim com o nexo normativo entre a conduta e o resultado jurídico (lesão ou perigo de lesão jurídica).
2. Distingue-se também da “imputabilidade penal” (art. 26 do CP), em que é questionado se o sujeito, no momento da conduta, tinha capacidade intelecto-volitiva (de entender e de querer). Aqui se trata de atribuir juridicamente a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco proibido ou de haver provocado um resultado jurídico.
Imputação objetiva da conduta e do resultado
1. Trata-se de imputação objetiva da conduta (ação ou omissão) ou do resultado? Quando falamos em “imputação objetiva”, estamos fazendo referência à “imputação objetiva da conduta” ou à “imputação objetiva do resultado”? Pretende-se atribuir (imputar) a alguém a realização de um comportamento ou a produção de um resultado? A maior parte da doutrina emprega a expressão nos dois sentidos, i.e., imputação objetiva da conduta e do resultado. 
2. Acatada a tese de que a ausência de imputação objetiva afasta a tipicidade, podemos falar em: 
· atipicidade da conduta (em face da ausência da imputação objetiva)
· atipicidade do resultado (diante da inexistência da imputação objetiva).
Natureza jurídica e posição sistemática
1. A imputação objetiva constitui elemento normativo do tipo, seja o crime doloso ou culposo.
2. Os elementos normativos do tipo, como já vimos, concernem a dados que requerem uma valoração judicial, não se satisfazendo com o simples processo de conhecimento.
3. A imputação objetiva distingue-se da maioria dos outros elementos normativos do tipo, que são expressos. Ela se encontra implícita nas figuras típicas, assim como o dolo, que configura elemento subjetivo implícito do tipo.
4. Em face disso, nos delitos materiais não são suficientes para compor o fato típico, como entende a doutrina tradicional, a conduta dolosa ou culposa, o resultado, o nexo causal e a tipicidade. Requer-se, como condição complementar, que o autor tenha realizado uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido a um objeto jurídico e, assim, produzido um resultado (também jurídico).
Princípios
1. A imputação objetiva fica excluída em face de ausência de risco juridicamente reprovável e relevante. Ex.: o sobrinho que, desejando ficar com a herança do tio, instiga-o a realizar viagens aéreas sucessivas em trajeto onde houve vários acidentes. O sujeito não tem o domínio do fato, não podendo ser considerado “autor”. No exemplo do tio, a conduta do sobrinho (induzimento à viagem) não causou um perigo tipicamente relevante à sua vida (há risco juridicamente permitido). Ex. 2: uma pessoa, atropelada culposamente no trânsito, tendo sofrido somente lesões corporais, é vítima de novo acidente quando transportada ao hospital, vindo a falecer. A morte não pode ser atribuída ao motorista atropelante, uma vez que, ao causar o transporte da vítima ao hospital, não produziu nenhum risco juridicamente reprovável e relevante.
2. Não há imputação objetiva do resultado quando o sujeito atua com o fim de diminuir o risco de maior dano ao bem jurídico. Ex.: A atira uma pedra na direção da cabeça de B, com intenção de matá-lo. O arremesso, pela forma de execução, é mortal. C desvia a pedra com as mãos, vindo esta a atingir D, causando-lhe lesões corporais. Estas não podem ser objetivamente imputadas a C: a norma não proíbe condutas que reduzem o risco de dano a um bem jurídico. No caso, a conduta de C diminuiu o risco à vida de B. 
3. Há imputação objetiva quando a conduta do sujeito aumenta o risco já existente ou ultrapassa os limites do risco juridicamente tolerado. Ex.: A trabalha em empresa em que existe risco de intoxicação; e o empregador não oferece os equipamentos de proteção e A morre intoxicado. Já havia risco diante da possibilidade de intoxicação, o risco aumentou em função conduta omissiva do empregador. 
4. Não há imputação objetiva quando o resultado se encontra fora do âmbito de proteção da norma violada pelo sujeito. Ex.: um salva-vidas cochila na hora de trabalho, deixando de socorrer uma pessoa que está se afogando. Um terceiro lança-se nas águas para salvá-la e vem a morrer afogado. O salva-vidas negligente é responsável pela morte do terceiro? Não, uma vez que o âmbito de tutela da norma, que impunha ao salva-vidas o dever de atenção, não abrange a produção de resultados indiretos.
Referências:
JESUS, Damásio de. Parte geral – arts. 1 ao 120 do CP. Vol 1. Atualizador: André Estefam. 37 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

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