Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LINGUAGEM CÊNICA E MUSICAL Rosana Baptistella APRESENTAÇÃO Car@ alun@, seja bem-vind@ ao conteúdo da nossa disciplina: Linguagem Cênica e Musical. Esperamos que seja de grande proveito para você. Consideramos cênicas: o teatro, a dança, o circo e a performance. Nesta disciplina, vamos abordar, mais diretamente, o teatro e a música, sem deixar de lado suas fronteiras com as demais artes: as artes visuais e a dança. Etimologicamente, TEO significa Deus e ATRO significa terreno. Assim: TEATRO teria o seguinte significado: Terreno de Deus. Na atualidade, teatro ganhou um novo significado: “lugar de onde se vê". Teatro expressa o acontecimento, a encenação e significa também o lugar, o espaço arquitetônico criado para abrigar espetáculos teatrais. Para termos uma encenação, precisamos basicamente de: alguém para fazê-la (o ator), alguém para assisti-la (público) e um espaço onde a cena se desenvolve. Com esses três elementos, já temos um espetáculo cênico. No entanto, podemos agregar valor a um trabalho cênico, trabalhando em parcerias com outros profissionais, como figurinista e aderecista, cenógrafo, músico (para trilha ou paisagem sonora), iluminador, entre outros. Há várias possibilidades de manifestação da linguagem teatral. Uma apresentação cênica pode ser realizada num teatro convencional, numa praça, na rua, em espaços alternativos como os cômodos de uma casa, um saguão de um prédio, de um museu etc. A escolha dos espaços depende da estética que os autores e diretores dos espetáculos elegem de acordo com o que pretendem com a obra. Além do teatro, veremos também aqui a linguagem musical. Vamos refletir sobre a música estar em todos os lugares, o tempo todo. A proposta é “abrir os ouvidos”, estar atento, escutar. Podemos dizer que a “Música” é a arte de combinar sons e o silêncio. Se pararmos para perceber, os sons que estão à nossa volta, concluiremos que a música é parte integrante da nossa vida. E nos sentimos um pouco músicos quando cantamos, batucamos ou ligamos o rádio ou a TV e cantarolamos junto com a música que sai dali. Mas, afinal, o que é Música? A música é uma linguagem que pode ser definida e interpretada de várias maneiras, em sintonia com o modo de pensar e com os valores de cada época ou cultura em que foi produzida. Muitos instrumentos musicais utilizados hoje, por exemplo, sequer existiam algum tempo atrás. Na música contemporânea, por exemplo, é comum utilizarmos o que algumas pessoas consideram “ruídos”, sons considerados “não musicais”, fato que seria inadmissível na Idade Média, por exemplo. A música (palavra derivada do idioma grego e cujo significado é “a arte das musas”) pode ser definida como uma sucessão de sons e silêncios organizados com equilíbrio e proporção ao longo do tempo. Mas a noção de equilíbrio e proporção pode não ser a mesma em todas as culturas e épocas. A música é uma criação essencialmente humana. É uma prática cultural presente em todo e qualquer grupo humano. Não se conhece nenhuma civilização ou grupo social que não tenha produzido ou que não possua manifestações musicais próprias. Cada grupo humano define música de uma maneira muito própria. Nesta disciplina, vamos abordar a música sob vários ângulos, estudando, refletindo e questionando junto a autores que revolucionaram conceitos sobre música. Acesse os links, ouça, reflita, amplie seu repertório. Busque conhecer grupos e espetáculos, há uma infinidade de canais em aplicativos de vídeo on demand que oferecem concertos, espetáculos de dança e peças teatrais de forma gratuita PROGRAMA DA DISCIPLINA EMENTA – Teoria e prática das linguagens cênicas e musicais, com foco no teatro, na performance, na música, na escuta, em percussão, na voz como instrumento. Conhecimento técnico e criativo. Relação entre o teatro, a música e as artes visuais. Aplicação das linguagens na sala de aula: subsídios para trabalhar os conteúdos com crianças, adolescentes e adultos. Desenvolvimento de projetos individuais e/ou em grupo com aplicação na educação formal e não formal. OBJETIVOS - Conhecer e aplicar em atividades, aulas e projetos os elementos da linguagem cênica, dos elementos sonoros, do universo da música, compreendendo esse campo do conhecimento como linguagem. CONTEÚDO: Unidade 01 - Breve história do teatro no mundo e no Brasil Unidade 02 - A voz no teatro Unidade 03 - Corpo e Espaço Cênicos Unidade 04 - Espetáculos Teatrais Unidade 05 - Espetáculos para crianças Unidade 06 - Breve história da educação musical no Brasil. Unidade 07 - Ruído, silêncio e som. Unidade 08 - Ensinar o despertar para a música. Unidade 09 - Voz. Palavra. Cantar. Canção. Unidade 10 - Esculturas sonoras METODOLOGIA: Disciplina oferecida na modalidade a distância (EAD). Incentiva-se a formação de grupos de estudo autônomos, orientados pelo professor. AVALIAÇÃO: A avaliação de desempenho no sistema EAD se dará por meio de questionário eletrônico na plataforma MOODLE, a avaliação a distância permite que o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo. As estratégias de recuperação incluirão: 1) elaboração de trabalhos, com o objetivo de auxiliar a vivência dos conteúdos; 2) retomada eventual dos conteúdos abordados nos módulos, quando não satisfatoriamente dominados pelo aluno em regime de Dependência BIBLIOGRAFIA BÁSICA FUCCI-AMATO, Rita. Escola e educação musical: (des)caminhos históricos e horizontes. Campinas / SP: Papirus, 2015. Disponível em https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/22545/pdf/0 SULZBACH, Andrea. Artes Integradas. Curitiba / PR: InterSaber, 2017. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/54324 TELLES, Narciso (org). Pedagogia do teatro: práticas contemporâneas na sala de aula. Campinas / SP: Papirus, 2014. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/14793/pdf/0 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR FERREIRA, Martins. Como usar música na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2012. 8ª. ed. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/3436/pdf/0 GOROSITO, Leonardo. Notação e linguagem musical. Curitiba / PR: InterSaber, 2019. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/186548/pdf/0 https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/22545/pdf/0 https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/54324 https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/14793/pdf/0 https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/3436/pdf/0 https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/186548/pdf/0 GRANERO, Vic Vieira. Como usar teatro na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2011. 1ª. ed. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/3455/pdf/0 MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. [livro eletrônico]. São Paulo: Global Editora, 2013. 1ª. ed. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/184672/epub/0 SCHEFFLER, Ismael. Teorias da Cena. Curitiba / PR: InterSaber, 2019. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/169504 https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/3455/pdf/0 https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/184672/epub/0 https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/169504 LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS pag Figura 01 - Pinturas Rupestres 10 Figura 02 - Ditirambo - Ritual cênico em honra ao deus Dionísio 11 Figura 03 - Ésquilo 12 Figura 04 - Sófocles 12 Figura 05 - Eurípedes 13 Figura 06 - Aristófanes 13 Figura 07 - Teatro de Epidauro 14 Figura 08 - Algumas máscarasbastante conhecidas e os nomes de seus respectivos personagens 16 Figura 09 - Personagens da Commedia dell’Arte 17 Figura 10 - Capa do Filme Marquise 18 Figura 11 - Capa do Jornal L’Aurore 21 Figura 12 - Pintura Rupestre. Parque Nacional da Serra da Capivara 34 Figura 13 - Augusto Boal (1931-2009) e o Teatro do Oprimido 40 Figura 14 - Cartaz do espetáculo O Feminino, o Verso e a Cena 50 Figura 15 - Apresentação do espetáculo Agda 51 Figura 16 - Apresentação do espetáculo Agda 52 Figura 17 - Apresentação da intervenção Passagens 53 Figura 18 - Apresentação da intervenção Passagens 53 Figura 19 - Cenas da apresentação do grupo Tugudum 55 Figura 20 - Integrantes do grupo Tugudum 55 Figura 21 - Apresentação do espetáculo A Bola e a Boneca 56 Figura 22 - Apresentação do espetáculo A Bola e a Boneca 56 Figura 23 - Apresentação do espetáculo A Bola e a Boneca 57 Figura 24 - Apresentação do espetáculo Dr. Plástico 58 Figura 25 - Apresentação do espetáculo Dr. Plástico 58 Figura 26 - Apresentação do espetáculo Dr. Plástico 58 Figura 27 - Capa do catálogo da Semana da Arte Moderna, por Di Cavalcanti 64 Figura 28 - Escala de Nível Sonoro 72 Figura 29 - Câmara anecoica de Harvard 73 Figura 30 - Câmara anecoica da Divisão de Metrologia Acústica e Vibrações - Inmetro – Campus Xerém - RJ - Brasil 74 Figura 31 - Ondas na água 75 Figura 32 - Hermeto Pascoal 78 Figura 33 - Manifesto sobre Pirataria de Hermeto Pascoal 80 Figura 34 - R. Murray Schafer 80 Figura 35 - Capas das duas edições de “O ouvido pensante” de Murray Schafer 81 Figura 36 - Schafer com alunos em escola de Montreal 82 Figura 37 - Retrato de John Cage 83 Figura 38 - Partitura da obra “4’33”” de John Cage 84 Figura 39 - Capa do filme Orquestra de meninos 90 Figura 40 - Retrato de Walter Smetak 101 Figura 41 - Pindorama (1973) 103 Figura 42 - Amém (1969) 103 Figura 43 - Caossonância (1972) 103 Figura 44 - São Jorge Tibetano (1969) 104 Figura 45 - Três sóis (1971) 104 Figura 46 - Colóquio (1969) 105 Figura 47 - Máquina do silêncio (1971) 105 Figura 48 - Capa do livro O Alquimista dos sons 106 QUADROS Quadro 01 - Escala de frequência dos sons 70 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 2 UNIDADE 01 - BREVE HISTÓRIA DO TEATRO NO MUNDO E NO BRASIL . 10 UNIDADE 02 - A VOZ NO TEATRO ................................................................ 42 UNIDADE 03 - CORPO E ESPAÇO CÊNICOS. .............................................. 46 UNIDADE 04 - ESPETÁCULOS TEATRAIS .................................................... 49 UNIDADE 05 - ESPETÁCULOS PARA CRIANÇAS. ....................................... 54 UNIDADE 06 - BREVE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MUSICAL NO BRASIL. .. 61 UNIDADE 07 - RUÍDO, SILÊNCIO E SOM. ..................................................... 69 UNIDADE 08 - ENSINAR O DESPERTAR PARA A MÚSICA.......................... 86 UNIDADE 09 - VOZ. PALAVRA. CANTAR. CANÇÃO. .................................... 92 UNIDADE 10 - ESCULTURAS SONORAS. ................................................... 100 10 UNIDADE 01 - BREVE HISTÓRIA DO TEATRO NO MUNDO E NO BRASIL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Contextualizar a linguagem cênica, em especial o teatro: como nasceu? Como se desenvolveu, da pré-história até os dias de hoje? Contextualizar o teatro no Brasil, sua importância artística, histórica e política. ESTUDANDO E REFLETINDO Podemos considerar que o teatro, a dança, a música, as artes visuais já se faziam presentes em estado latente, desde as sociedades primitivas. Danças, encenações, sons vocais, desenhos nas cavernas são elementos que, em estudos de história da arte, aparecem como sendo parte de rituais. O que vemos em cavernas são registros de imagens que representam cenas, portanto podemos especular que havia também a representação dessas cenas, contendo provavelmente a essência da linguagem cênica. Figura 01 – Pinturas Rupestres Fonte: http://witcombe.sbc.edu/sacredplaces/lascaux.html O teatro propriamente dito, conforme nos conta a história, teve sua origem no século VI a.C., na Grécia, nas festas em homenagem ao deus Dionísio, deus do vinho, da fertilidade e, posteriormente, do teatro. Essas festas tinham também caráter ritualístico e duravam vários dias, durante a primavera, estação em que é feita a colheita da uva naquela região. As primeiras formas cênicas, teatrais, http://witcombe.sbc.edu/sacredplaces/lascaux.html 11 dramáticas surgiram nesse contexto, na Grécia, inicialmente com as canções dionisíacas, chamadas ditirambos. Figura 02 – Ditirambo - Ritual cênico em honra ao deus Dionísio Fonte: https://4.bp.blogspot.com/- u4ciIwxng9w/VrtfaOwESbI/AAAAAAAAIKg/QSxHNu4iJXM/s400/AAA4.jpg O ditirambo era um canto coral composto pelo corifeu - o cantor especial, solista - que executava a parte narrativa do espetáculo e por personagens vestidos de faunos e sátiros (considerados servos de Dioniso, sendo sua forma: meio homem, meio bode), que constituíam o coro propriamente dito e que dançavam, cantavam e tocavam instrumentos (flautas, liras, tambores). Os ditirambos, com coreografias inicialmente caóticas, foram tendo suas danças organizadas e elaboradas com o tempo. Assim como poesias começaram a ser introduzidas, as narrativas, inicialmente focadas nas mitologias dos deuses, passaram a falar de situações cotidianas. O primeiro ator da história do teatro ocidental teria sido Téspis, um grego, que, numa dessas celebrações, resolveu vestir uma máscara ornamentada com cachos de uva e assumir o personagem Dionísio. Este gesto carregava vários significados: além de ser a primeira pessoa a atuar como um personagem, não se tratava de qualquer personagem, mas de um deus – e deuses deveriam ser celebrados e não interpretados, pois eram sagrados. Essa ousadia da representação dramática podemos dizer que está presente até hoje, em algumas formas e estéticas do teatro. O que sabemos sobre a cultura grega, em grande parte deve-se ao teatro, com seus textos críticos que chegaram até nós e foram pesquisados por https://4.bp.blogspot.com/-u4ciIwxng9w/VrtfaOwESbI/AAAAAAAAIKg/QSxHNu4iJXM/s400/AAA4.jpg https://4.bp.blogspot.com/-u4ciIwxng9w/VrtfaOwESbI/AAAAAAAAIKg/QSxHNu4iJXM/s400/AAA4.jpg 12 estudiosos. Como esses textos teatrais tratam da vida cotidiana, de divindades, guerras, heróis etc. nos permitem ter um panorama da vida na Grécia antiga. Os principais autores deste período, que introduziram mais personagens na encenação: Ésquilo (525 – 456 a.C.): Em suas peças, ressaltava dramaticidade às histórias, indicando utilização de máscaras e diálogos. Foi um autor que, em seus textos, tecia elogios às conquistas de Atenas e fazia homenagem aos deuses justiceiros. Em sua obra “Os Persas” são relatados acontecimentos ligados às guerras Greco-pérsicas, na qual ele fazia duras críticas ao rei Xerxes, famoso por ser prepotente. Figura 03 - Ésquilo Fonte: http://arte-hca.blogspot.com/2012/10/os-persas-de-esquilo.html Sófocles (496 – 406 a.C.): Destacava a luta de heróis gregos contra o destino e enfocava também a influência que os deuses possuíam na vida dos homens, em seus textos. Autor das obras “Édipo Rei”, “Antígona” e “Electra”. Em “Édipo Rei”, temos a história de um personagem que mata o pai e se casa com a própria mãe, sem saber o que está fazendo. Figura 04 - Sófocles Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sophocles_pushkin.jpg http://arte-hca.blogspot.com/2012/10/os-persas-de-esquilo.html https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sophocles_pushkin.jpg 13 Eurípedes (445 – 386 a.C.): Este autor traz outro tom às peças, sendo muito crítico e pessimista em relação à vida de seu povo. As personagens das obras “As Troianas”, “Medeia”, “Andrômaca”e “Hipólito” questionam e discutem a miséria humana e as paixões. Figura 05 - Eurípedes Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Euripide.jpg Aristófanes (445 – 386 a.C.): Aristófanes criou a peça satírica, transitando entre a sátira política e a paródia mitológica, com senso crítico e ousadia, atingindo inclusive divindades gregas e políticos poderosos. Figura 06 - Aristófanes Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bust_of_Aristophanes.jpg Os escritores eram, muitas vezes, também atores, coreógrafos, diretores – essas divisões de trabalhos e funções não eram muito bem definidas. Os autores dos textos eram os responsáveis pelos vários estágios das produções, geralmente. Vale dizer que apenas homens participavam, pois não era permitido às mulheres experimentar a encenação. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Euripide.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bust_of_Aristophanes.jpg 14 O espaço utilizado para as encenações, em Atenas, era um grande círculo, uma arena. Teatro é uma palavra que pode significar tanto o ato de representar quanto o espaço físico onde a representação ocorre. Os primeiros teatros, no sentido de estrutura física, arquitetônica, surgiram também na Grécia antiga. Eram construções abertas, com a seguinte estrutura: palco, proscênio, thumelê, orquestra e arquibancada. Tudo ao ar livre, formadas em encostas para que as arquibancadas pudessem acomodar bastante gente e, ao mesmo tempo, para que todos pudessem ter visibilidade do espetáculo. O palco era o espaço onde os cenários ficavam expostos; o proscênio, que ficava entre a orquestra e o palco, destinava-se ao corifeu, líder do coro; a orquestra era o espaço central circular onde o coro, formado por dançarinos, se apresentava; o thumelê era uma pedra fincada no centro da orquestra destinada às oferendas para o deus Dionísio; a arquibancada era feita de pedras, nas encostas circulares. A acústica era privilegiada. Temos, como exemplo, o Teatro de Epidauro, Construído no século IV a.c, pelo escultor e arquiteto grego Policleto. Pode-se ouvir até sussurros por todos os treze mil espectadores (capacidade máxima de público), em todas as fileiras, da primeira à última (vigésima), devido ao seu formato semicircular. Figura 07 - Teatro de Epidauro 15 Fonte:http://historiaearquitetura.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html Os gregos organizavam festivais de teatro que, num dado momento, dividiu-se entre a tragédia e a comédia. Por isso, o símbolo de teatro, até hoje, é a figura tão conhecida, composta de duas máscaras: uma triste e uma sorrindo, representando, respectivamente, a tragédia (que tratava dos infortúnios de deuses e homens) e a comédia (que falava do cotidiano de forma engraçada, irônica, satírica). Os romanos, nesse mesmo período, também faziam teatro, influenciados pelo teatro grego. Até 55 a.C., os romanos não tinham um prédio arquitetônico, um teatro no sentido de espaço. Mas isso não os impedia de praticar essa arte: tendas eram erguidas para encenação, comportando um público de aproximadamente 40.000 espectadores. Houve um período em que o teatro deixou de acontecer. Foi quando o Cristianismo se expandiu, pois considerava-se o teatro uma arte/celebração pagã. No entanto, na Era Medieval, a própria igreja promoveu o renascimento do teatro, com as encenações da vida de Jesus Cristo. Membros da igreja, como padres e monges, representavam os personagens bíblicos, propagando conteúdos bíblicos - o teatro medieval religioso entraria em declínio em meados do século XVI. Mas antes, no século XV, atores eram contratados pela nobreza, constituindo o teatro elisabetano. O famoso Shakespeare era empregado pelo Lorde Chamberlain e, mais tarde, pelo próprio rei da Inglaterra. http://historiaearquitetura.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html 16 Na Espanha, atores profissionais eram empresariados pelos chamados autores de comédia. Anualmente, as companhias realizavam festivais religiosos. Calderon de La Barca foi um dos autores mais famosos deste período. No século XVI, na Itália, houve um processo de profissionalização dos atores, com a "Commedia Dell'Arte", a comédia popular italiana, que primava pelo improviso, com figurinos e máscaras padronizadas, identificando os personagens ou “tipos”. Sabemos que os atores da commedia dell´arte utilizavam recursos de diversas linguagens: teatro, dança, circo, canto, música. Utilizavam figurinos e adereços chamativos, coloridos, exagerados; máscaras típicas de cada personagem; grandes objetos como bandeiras e estandartes, para chegarem chamando atenção do público, em movimentos amplos, cantando, tocando instrumentos – estratégia incorporada por grupos de teatro de rua, como uma herança. Figura 08 - Algumas máscaras bastante conhecidas e os nomes de seus respectivos personagens Fonte: http://livroseafins.com/memes-mascaras-commedia-dell-art/ http://livroseafins.com/memes-mascaras-commedia-dell-art/ 17 Figura 09 - Personagens da Commedia dell’Arte Fonte: https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/pantalone-e-dottore-as-mascaras-da- velhice-na-commedia-dellarte/ Há quem diga que os atores e as atrizes da commedia dell´arte tornaram- se grandes intérpretes justamente pela escassez de recursos materiais, ao contrário do teatro de corte, em que a cenografia era mais valorizada e os recursos eram fartos, mas deixava os intérpretes em segundo plano. Então, só temos a agradecer, neste caso, pela escassez, que permitiu que os atores tivessem maior visibilidade e assim aprimorassem seu trabalho! O trabalho corporal e a mímica eram mais valorizados por essas companhias, estando, muitas vezes, acima do texto, das falas, provavelmente por não existir uma unidade linguística entre os países por onde circulavam. Uma de suas contribuições ao teatro, na época, foi a inclusão de mulheres nas representações, fato que passou a se estender para os outros países. A partir do século XVII, as mulheres passaram a fazer parte das atuações teatrais na Inglaterra e na França. Antes, os papéis femininos eram representados, por jovens atores aprendizes. Entre os séculos XVI e XVII, William Shakespeare, poeta e dramaturgo inglês, escreveu várias obras, sendo algumas das mais conhecidas: Romeu e Julieta, Rei Lear, Macbeth, Sonho de uma noite de verão, Muito barulho por nada e Hamlet, esta última famosa por possuir uma das frases mais conhecidas da língua inglesa: “To be or not to be: that's the question” (em português: “Ser ou não ser, eis a questão”). 18 Suas primeiras peças eram principalmente comédias. Ao fim do século XVI, começou a escrever apenas tragédias, incluindo Hamlet, citado acima. Há pesquisas que afirmam que o autor, cujas peças mais foram encenadas, em todo o mundo, teria sido Shakespeare. O teatro francês, no século XVIII, ao contrário do inglês e do espanhol, consegue adaptar-se ao gosto refinado do público aristocrático a que se destina. Para alcançar isto, segue algumas regras tais como: o tema é sempre baseado em um modelo greco-romano; a regra do "bom gosto" impõe que as ações não sejam ousadas nem violentas e o texto, em geral, deve ser muito poético, em versos alexandrinos. A fundação da Comédie Française por Luís XIV (1680) transforma o teatro numa atividade oficial, subvencionada pelo Estado. Figura 10 – Capa do Filme Marquise Fonte: https://www.filmearte.com.br/marquise-marquise-p525 Um filme francês de 1997 que mostra bem como era o teatro desta época intitula-se “Marquise”, com direção de Vera Belmont, Sinopse: Considerada uma das cortesãs mais notórias do reinado do Rei Luís XIV, da França, Marquise (Sophie Marceau) foi uma jovem que através da dança, conquistou e hipnotizou o ilustre René Du Parque (Patrick Timsit). Ator principal da mais importante trupe daépoca, a de Molière, René se apaixonou por ela e a pediu em casamento. Ela aceitou, mas com a condição de que fizesse parte do grupo como atriz. Infelizmente, seu talento não se igualava a sua beleza. Suas participações nas peças passaram então a exigir dela, apenas a dança. E https://www.filmearte.com.br/marquise-marquise-p525 19 foi durante uma de suas apresentações que Jean Racine (Lambert Wilson) a descobriu. Encantado, ele lhe abriu as portas do palácio de Versailles, onde a glória, a fortuna e a tragédia lhes aguardavam. É um ótimo filme, com elenco de primeira qualidade, mas não recomendo que o professor ou a professora assista em aula com menores de idade, pois o filme retrata muito bem alguns costumes deste período, contendo cenas inadequadas a crianças. Neste período, Molière cria uma galeria de tipos, em suas comédias, que simbolizam as qualidades e os defeitos humanos. Molière (1622-1673) é o pseudônimo de Jean-Baptiste Poquelin, filho de um rico comerciante, teve uma educação privilegiada e desde cedo foi atraído pela literatura e a filosofia. Suas comédias, marcadas pelo cotidiano da época, são capazes de criticar tanto a hipocrisia da nobreza quanto a avidez do burguês ascendente. Suas principais obras são: ''O avarento'', ''O burguês fidalgo'', ''Escola de mulheres'', ''Tartufo'' e ''O doente imaginário''. Outro autor do mesmo período, Jean Racine, cria personagens dominados por suas paixões e destruídos por elas, como em 'Fedra'', sua obra- prima. Órfão aos três anos de idade, Jean-Baptiste Racine ficou aos cuidados de religiosas, onde estudou latim e grego, transferindo-se, em 1660, para Paris, onde sua vocação literária despontou. A partir de 1663, passa a dedicar-se ao teatro, o que permite que receba uma pensão anual do rei. Seu primeiro sucesso foi "Alexandre, o Grande", tragédia representada pelo grupo de Molière. No entanto, Racine cede o texto a outro grupo, aos atores do Hôtel de Bourgogne, perdendo para sempre a amizade de Molière. Em meados de 1677, Racine, ambicioso, aceita o cargo de historiógrafo oficial do rei e praticamente deixa de ser uma pessoa de teatro. Como cortesão bem-sucedido, pai de família, torna-se camareiro do rei em 1690. Mas a contribuição que deixou ao teatro é valorizada até os dias de hoje. No século XVIII, temos uma fase de transição, o teatro tentando inovar, mas ainda bastante preso a tradições dos séculos anteriores. No entanto, é quando as estruturas dos teatros se desenvolvem. Como eram os teatros e seu maquinário no século XVIII, pode-se acompanhar neste vídeo: https://youtu.be/DP1kkBxAezY https://youtu.be/DP1kkBxAezY 20 No século XIX, as inovações cênicas e estruturais continuaram a ocorrer no teatro; alguns já utilizavam recursos como elevador hidráulico, iluminação mais refinada, a partir da existência da luz a gás e, posteriormente, elétrica. O refinamento dos atores continuava, passando a ser apresentada uma única peça em cada sessão – anteriormente, várias peças eram encenadas numa mesma sessão – o que possibilitou um aprofundamento dos atores em seus personagens e um aperfeiçoamento da arte de atuar que só no contato com o público é possível. Figurinos e cenários pautavam-se no realismo, de acordo com o gosto do público da época. E uma nova figura surgia, para tratar artisticamente do espetáculo como um todo: o diretor, que centraliza decisões sobre a peça. Ao final do século XIX, alguns autores escreviam seus textos com um tom político, crítico à realidade, com espaços para denúncias. Henrik Ibsen e Emile Zola foram importantes autores que assumiram essa postura, bem diferente da que vinha sendo desenvolvida pelos autores românticos. Henrik Johan Ibsen (1828 -1906) o maior dramaturgo norueguês do Século XIX, foi também poeta e diretor teatral. Numa época em que o teatro europeu estava subordinado aos costumes e modelos ditados pela vida familiar e pela propriedade, Ibsen chocou com suas peças, com temática crítica e investigativa em relação a questões morais e de costumes. Como em "Peer Gynt" (1865), uma crítica ao homem moderno através da trajetória de um aventureiro que abandona seus princípios morais em nome da fama e "Casa de Bonecas" (1879), sobre uma mulher que abandona o marido e os filhos para ser independente. Sua obra se caracteriza pelo estudo psicológico dos personagens (em especial os femininos), pela crítica à burguesia e ao capitalismo e pela relação do indivíduo com a sociedade. Muitos críticos o consideram o maior dramaturgo desde Shakespeare. Émile Zola, nascido Émile-Édouard-Charles-Antoine Zola (1840 - 1902) foi um consagrado escritor francês, além de ser considerado importante figura libertária da França. Inspirado na filosofia positivista e na medicina da época, Zola partia da convicção de que a conduta e o comportamento dos seres humanos são http://pt.wikipedia.org/wiki/1828 http://pt.wikipedia.org/wiki/1906 http://pt.wikipedia.org/wiki/Dramaturgo http://pt.wikipedia.org/wiki/Noruega http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIX http://pt.wikipedia.org/wiki/Poeta http://pt.wikipedia.org/wiki/1840 http://pt.wikipedia.org/wiki/1902 http://pt.wikipedia.org/wiki/Literatura http://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a http://pt.wikipedia.org/wiki/Anarquismo 21 determinados pela herança genética, pelas paixões e pela influência do ambiente. Conforme afirmou no ensaio "O romance experimental" (1880), o desenvolvimento dos personagens e das situações deve ser determinado de acordo com critérios científicos similares aos empregados nas experiências de laboratório. A realidade deve ser descrita de maneira objetiva, por mais sórdidos que possam parecer alguns aspectos. A partir de 1871, trabalhou num ciclo de vinte romances que intitulou "Os Rougon-Macquart - História Natural e Social de uma Família no Segundo Império", obra que constitui um painel sobre a decadência da sociedade daquele período. A primeira parte do ciclo - "A Taberna" (1876) e "Nana" (1880) – transita por um clima de degeneração e fatalismo e, a partir de "Germinal" (1885), destaca a opressão social como responsável pela paralisação moral da humanidade, a partir da descrição das más condições de vida numa comunidade de mineradores. Figura 11 – Capa do Jornal L’Aurore Fonte: https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/01/13/ha-120-anos-o-jornal-laurore- publicou-a-famosa-carta-jaccuse-eu-acuso-protesto-de-emile-zola/ O escritor foi alvo de polêmica com sérias consequências, devido a sua publicação J'accuse (1898) no jornal “L’aurore”, em que defendia publicamente Alfred Dreyfus, oficial judeu do Exército francês condenado por traição e acusava os comandos militares de terem forjado falsas provas. Julgado por injúria e condenado a um ano de prisão, exilou-se em Londres em 1898 e só regressou à França 11 meses depois. Émile Zola e sua mulher morreram em Paris, em https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/01/13/ha-120-anos-o-jornal-laurore-publicou-a-famosa-carta-jaccuse-eu-acuso-protesto-de-emile-zola/ https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/01/13/ha-120-anos-o-jornal-laurore-publicou-a-famosa-carta-jaccuse-eu-acuso-protesto-de-emile-zola/ 22 1902, num suposto assassinato, asfixiados pelo monóxido de carbono de um acidente com uma chaminé, quatro anos depois da publicação do famoso artigo em que acusa os responsáveis pelo processo fraudulento. No século XX, o teatro é marcado pelo ecletismo e continua a quebrar tradições, sem seguir um padrão único. Autores e diretores criaram métodos, sistemas, técnicas; a seguir, vamos falar de alguns representantes deste período, que influenciaram fortemente o teatro que é feito nos dias de hoje. No século XX, surgiram vários e diferenciados atores e autores com múltiplas propostas alternativas. Uns, procuraram aprofundar os aspectos da realidade encerrados no inconsciente,outros, utilizaram os símbolos e as abstrações como elementos nucleares e fundamentais na representação e na expressão cênicas. O papel do encenador passou a ser determinante, nas opções, tanto quanto os métodos experienciados e desenvolvidos nas suas companhias, tendo legado um corpo teórico e prático que influenciou, de forma determinante, a linguagem cênica e a expressão teatral até aos dias de hoje. Elegemos alguns nomes importantes do final século XX ao início do século XXI, para exemplificar como o teatro se desenvolveu deste período. Certamente não abordamos todos os autores que contribuíram para o teatro que conhecemos hoje, mas segue uma boa amostragem. Constantin Stanislavski (1863-1938) Ator, diretor de atores, professor de teatro e dramaturgo russo, Stanislavski desenvolveu um método próprio, com repercussões no teatro do mundo todo. Fundou o Teatro de Arte de Moscovo, visando a desenvolver um projeto que renovasse o trabalho de atores, sua preparação, o processo de elaboração de personagens e cenas. Para isso, testou métodos e técnicas com sua companhia, até constituir seu próprio método prático e teórico, que chamava de sistema. Neste método, um dos elementos importantes que o autor ressaltou é a memória emotiva dos atores, que dá ênfase a aspectos psicológicos e a vivências dos próprios atores, para que construam suas personagens e as tornem convincentes aos olhos do público. Outro elemento importante: o subtexto, aquilo que não está escrito explicitamente no texto dramático e é colocado, a partir do entendimento do texto 23 pelo ator. O subtexto demonstra o estado de espírito da personagem e pode revelar ou contradizer aquilo que a personagem está realizando. Stanislavski definiu como circunstâncias determinadas (ou circunstâncias dadas) a concepção que o artista tem da situação, na qual está o seu personagem, para estabelecer as particularidades do mesmo. Algumas perguntas norteiam essa concepção, tais como: o que aconteceu antes, o que acontecerá depois da cena atual? Em que espaço está ocorrendo a cena? Como é o ambiente, sua iluminação, temperatura etc.? Qual o sentimento da personagem? Outro importante princípio do sistema: todas as ações no palco têm um propósito, nada é por acaso e as ações do ator são ligadas às circunstâncias dadas. Para isso, o ator deve responder: O que (qual ação)? Por que (qual o motivo da ação)? e Como (de que forma, com que emoção, com que velocidade, força etc.)? Essas ações físicas ocorrem a cada momento, mas sem se descolarem do espetáculo propriamente dito, que está sendo ensaiado ou encenado. Ajudam, também, o ator a encontrar/ definir a força motriz de sua personagem: o que realmente move a personagem? O que deseja, qual seu objetivo principal? Stanislavski sistematizou exercícios e regras, com o intuito de instrumentalizar o ator, para que o mesmo pudesse aprofundar seu trabalho, ir além e não para que se sentisse aprisionado a uma série de regras. Em português, as obras publicadas de Stanislavski e seu sistema são: A Preparação do Ator. Tradução: Pontes de Paula Lima (da tradução norte-americana). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1964. A Construção da Personagem. Tradução: Pontes de Paula Lima (da tradução norte-americana). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1970 A Criação de um Papel. Tradução: Pontes de Paula Lima (da tradução norte-americana). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1972 Manual do Ator. Editora Martins Fontes. 1988. Minha Vida na Arte. Tradução de Paulo Bezerra (do original russo). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1989. A escola que desenvolve e promove o sistema ou método de Stanislavsky na formação técnica e artística dos seus alunos, desde quando foi fundada, em 24 1947, até os dias de hoje é a Actors Studio, de Nova Iorque, uma das mais conhecidas escolas de atores, dramaturgos e diretores. Ao longo desse período, formou grandes atores conhecidos no mundo do teatro e do cinema. Alguns atores e atrizes que foram alunos da Actors Studio: Al Pacino, Paul Newman, Robert de Niro, Marilyn Monroe, Andy Garcia, Marlon Brando, James Dean, Jack Nicholson, Anne Bancroft, Mickey Rouke, Johnny Deep, Julia Roberts, Nicolas Cage, Sally Field, Jane Fonda, entre outros. Antonin Artaud (1896 – 1948), foi ator, roteirista, diretor de teatro, escritor e poeta francês. Primogênito de nove filhos, dos quais apenas ele e dois irmãos sobreviveram, Artaud convive desde cedo com a morte. E, aos 5 anos de idade, é acometido de uma meningite que deixaria distúrbios nervosos como sequela, refletidas em seu comportamento e em dores pelo corpo. Entre 1914 -1917, no serviço militar, começou a alimentar seu ódio por psiquiatras, pois teve várias passagens por sanatórios. Em 1924, sofre com a morte do seu pai. Neste mesmo ano, abandona a carreira de ator e adere ao surrealismo, movimento artístico que enfatiza a importância do inconsciente na atividade artístico-criativa, mas abandona o movimento logo no ano seguinte, por divergências político-ideológicas. Mas, pelo menos uma característica surrealista irá acompanhá-lo em seu percurso: o fato de não conceber separação entre arte, obra e vida. Em 1931, descobre o Teatro de Bali e fica impressionado, ao observar os atores-bailarinos balineses, entrando em transe através de métodos calculados. O ritual e a estrutura que devem ser seguidos precisamente, para se alcançar aquele estado, ou seja, para tornar visível o invisível, desperta Artaud para uma nova forma de ver, pensar, fazer teatro. Ele passa a construir uma forma de levar o ator a conduzir seus gestos e pensamentos com o máximo de coerência, compondo suas ações em cena. Para Artaud, o teatro é o lugar privilegiado de catalisação de forças. Em 1935, Artaud conclui o "Teatro e seu Duplo" (Le Théâtre et son Double), um dos livros mais importantes da bibliografia teatral. Na obra, ele deixa clara sua posição contra o teatro entretenimento, vazio e coloca o corpo exposto como primordial no ato teatral, rejeitando a superioridade do texto, como alguns que o antecedem. Esse é o chamado Teatro da Crueldade de Artaud, ond ator e http://pt.wikipedia.org/wiki/Actors_Studio 25 plateia se misturam, se amalgamam; todos fazem parte do processo, ao mesmo tempo, no momento da experiência. De 1937 a 1940, Artaud volta a permanecer internado em um hospital psiquiátrico de Rodez, onde seu médico, julgando a poesia e o comportamento de seu paciente muito delirantes, resolve submetê-lo a tratamentos de eletrochoque que prejudicam sua memória, seu corpo e seu pensamento. Artaud escrevia cartas a várias pessoas, mesmo que não as conhecessem, fossem pessoas consideradas “importantes” ou não. Essas cartas tinham sempre um teor poético, profundo, para falar de dor, sentimento ele conhecia de perto, a dor corporal, a dor da alma, a dor de ser incompreendido, que experimentou ao longo de sua existência, convidando as pessoas a também vivenciá-la plenamente, através da encenação teatral. Nos anos 30, Artaud designa o teatro como o lugar onde se refaz a vida, mas depois de sua internação no hospital psiquiátrico de Rodez, ele declara considerar o teatro o lugar onde se refaz o corpo. Mas não qualquer corpo e sim o que ele chamou de “corpo sem órgãos”, este corpo refeito e reorganizado que uma vez libertado de seus automatismos se abre para dançar ao inverso. Artaud volta a Paris em 1946. Em 1947, escreve seus últimos textos, entre eles Van Gogh, O suicidado da Sociedade, em que toda sua revolta em relação aos psiquiatras é ressaltada, assim como a sua grande consideração em relação a Van Gogh. Podemos encontrar diversos paralelos entre os dois artistas. A relação de Artaud com a pintura é clara: ele era também desenhista e conhecia bem as obras de Goya, El Greco, Jerônimo Bosch e Lucas de Leyde. No fim da vida,Artaud volta a desenhar com mais freqüência, sendo seus desenhos mais conhecidos, seus autorretratos. No catálogo de sua exposição “Portraits et Dessins par Antonin Artaud”, em 1947, o autor escreveu: “O Rosto Humano...” O rosto humano é uma força vazia, um campo de morte. A velha reivindicação revolucionária de uma forma que nunca correspondeu a seu corpo, que começou sendo outra coisa que não um corpo. Portanto é absurdo condenar o academicismo de um pintor que atualmente persiste em reproduzir os traços do rosto humano tal 26 como são; porque tal como são eles ainda não encontraram a forma que prometem e indicam; e fazem mais que esboçar martelando da manhã à noite, e no meio de dez mil sonhos, como no cadinho de uma palpitação passional nunca cansada. O que significa que o rosto humano ainda não encontrou sua face e que cabe ao pintor encontrá-la em seu lugar. O que significa, contudo, que o rosto humano tal como é ainda procura por si com dois olhos um nariz uma boca e duas cavidades auriculares que respondem aos buracos das órbitas como as quatro aberturas da câmara mortuária da morte iminente. De fato, o rosto humano carrega uma espécie de morte perpétua em seu rosto que cabe justamente ao pintor salvar dando-lhe seus próprios traços. De fato, por milhares e milhares de anos, o rosto humano falou e respirou e ainda temos a impressão de que ele não começou a dizer o que é e o que sabe e eu não conheço um pintor na história da arte, de Holbein a Ingres, que tenha conseguido fazê- lo falar, esse rosto do homem. Os retratos de Holbein ou de Ingres são muros grossos que não explicam nada da antiga arquitetura mortal que apóia os arcos das pálpebras ou se encaixa no túnel cilíndrico das duas cavidades murais das orelhas. Apenas van Gogh soube tirar de uma cabeça humana um retrato que fosse o foguete explosivo de um coração palpitante. O dele. A cabeça de van Gogh com um chapéu de feltro torna nulas e vazias todas as tentativas na pintura abstrata que possam ser feitas depois dele, até o fim das eternidades. Porque esse rosto de açougueiro voraz, projetado como se disparado de um canhão, sobre a mais extrema superfície da tela e que é repentinamente parada por um olho vazio, retornando para dentro, exaure a totalidade dos mais especiais segredos do mundo abstrato no qual a pintura não figurativa pode ter prazer, portanto nos retratos que eu desenhei, por isso evitei esquecer o nariz a boca os olhos as orelhas ou os cabelos, mas procurei fazer o rosto que falava comigo me dizer o segredo de uma velha história humana que tem passado por morta nas cabeças de Ingres e Holbein. Às vezes eu tenho reunido próximo as cabeças humanas objetos árvores ou animais porque eu ainda não estou certo dos limites dentro dos quais o corpo de um ego humano pode parar. Eu tenho além disso definitivamente quebrado com a arte estilo ou talento em todos os desenhos que você verá aqui. Eu quero dizer que ai daquele que considerá-los como obras de arte, obras de simulação estética da realidade. Nenhum deles é propriamente falando uma obra. Todos são esboços, quero dizer sondagens ou investigações em todas as direções do acaso, da possibilidade, sorte ou do destino. Eu não procurei refinar meus traços ou meus efeitos, mas manifestar alguns tipos de verdades lineares patentes cujo valor residiria também em palavras, sentenças escritas, e na expressão gráfica e perspectiva linear. 27 Assim que alguns desenhos são misturas de poemas e retratos ou interjeições escritas e evocações plásticas de elementos extraídos de materiais de formas humanas e animais. Assim é que esses desenhos devem ser aceitos na barbárie e desordem de sua expressão gráfica “que jamais preocupou-se com a arte” mas com a sinceridade e espontaneidade do traço.” (Texto do catálogo da exibição Portraits et Dessins par Antonin Artaud, Galerie Pierre, Paris, 4-20 de julho de 1947) Em 1948, decide se dedicar exclusivamente ao teatro, mas em 4 de março deste mesmo ano é encontrado morto, aos pés de sua cama numa clínica de Irvy, um bairro de Paris. Bertolt Brecht (1898 – 1956), alemão, trouxe outra proposta à arte do teatro: o interesse central do espetáculo deveria estar na peça em si, na mensagem social contida no texto. O ator deveria manter-se consciente do fato que está atuando e jamais poderia emprestar suas emoções e sua personalidade à personagem que estivesse interpretando. Os espectadores deveriam manter o senso crítico acima da emoção, portanto, deveriam ser lembrados constantemente durante a encenação, sobre estarem assistindo a uma peça teatral e não deveriam identificar as personagens com figuras da vida real, para que a emoção não tomasse conta. Brecht utilizou vários recursos com o intuito de não provocar quaisquer ilusões de realidade nas mentes dos espectadores, como, por exemplo: a cenografia era focada em efeitos não-realísticos, ocorriam nas peças entreatos musicais, assim como painéis, onde as ações eram comentadas e as atividades de mudança de palco podiam ser vistas por todos; tudo em função da não ilusão. De formação marxista, Bertolt Brecht dava grande importância à dimensão pedagógica das suas obras de teatro: contrário à passividade do espectador, sua intenção era formar e estimular o pensamento crítico do público. Bertolt Brecht, aos 16 anos de idade, publicou seu primeiro texto num jornal. Cinco anos mais tarde (1919), ingressou no Partido Independente Socialista, forte influência em sua obra. Brecht conheceu o músico Kurt Weil, em 1927, e, dois anos depois, criaram, juntos, a "Ópera dos Três Vinténs", que se tornaria um grande sucesso. 28 A partir daí, o dramaturgo criou várias peças como: "A Mãe", "Homem por Homem", "Mahagonny", "Happy End", "Santa Joana dos Matadouros". Em 1933, com a perseguição nazista, Brecht se vê obrigado a deixar a Alemanha, exilando-se na Suíça, depois em Paris e finalmente na Dinamarca. Nesse período, criou "Terror e Miséria do Terceiro Reich," "A Vida de Galileu" e "Mãe Coragem e seus filhos". Quando os alemães invadiram a Dinamarca refugiou-se em Nova York, em 1941, chegando a trabalhar em Hollywood. Com o fim da Segunda Guerra, pôde voltar a viver na Europa. Em 1948, instalou-se em Berlim, Alemanha Oriental, cujo regime comunista muito valorizara, enquanto estava no exílio. Em 1949, com o apoio do governo da Alemanha Oriental, Bertolt Brecht fundou o "Berliner Ensemble", uma companhia de teatro que montava, principalmente, peças suas. Dois anos antes de morrer - de ataque cardíaco - o dramaturgo iniciou a publicação de suas obras completas. Transcrevemos aqui 2 de seus poemas, disponíveis em: http://eje.tre-ba.jus.br/pluginfile.php/838/mod_page/content/56/Poema%20- %20O%20Analfabeto%20Pol%C3%ADtico.pdf O Analfabeto Político "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo." Privatizado "Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence." Viola Spolin (1906 - 1994) foi autora e diretora de teatro, sendo considerada por muitos como a avó norte-americana do teatro improvisacional. http://eje.tre-ba.jus.br/pluginfile.php/838/mod_page/content/56/Poema%20-%20O%20Analfabeto%20Pol%C3%ADtico.pdfhttp://eje.tre-ba.jus.br/pluginfile.php/838/mod_page/content/56/Poema%20-%20O%20Analfabeto%20Pol%C3%ADtico.pdf 29 Spolin sistematizou os Jogos Teatrais (Theater Games), divulgados no Brasil principalmente por Ingrid Koudela, que costuma afirmar que, de certa forma, Viola sistematiza a prática teatral a partir de princípios teatrais defendidos e praticados por Brecht e Stanislavsky. Spolin é autora de um enorme número de textos para improvisação. Seu primeiro livro Improvisation for the Theatre (Northwestern University Press, 1963), traduzido por Ingrid Koudela e Eduardo Amos (Editora Perspectiva, 1979), intitulou-se em português Improvisação para o Teatro. Tornou-se o livro de referência do movimento de teatro improvisacional e de Jogos Teatrais, todos os seus livros estão editados no Brasil, pela mesma editora, sendo fonte de estudos de artistas da cena e de professores de arte. Viola Spolin inicia seu percurso quando estuda para ser, inicialmente, assistente social na Escola de Formação de Trabalho de Grupo de Neva Boyd, entre 1924-1927. O trabalho inovador realizado por Boyd nas áreas de liderança, recreação e trabalho social, a partir da estrutura tradicional dos jogos, a influenciaram fortemente. Spolin afirma que os ensinamentos de Boyd promoveram um treinamento extraordinário utilizando jogos, contação de histórias e danças folclóricas como ferramentas que estimulam a expressão criativa de crianças e adultos, promovendo a auto-descoberta e uma forte experiência pessoal. Em 1946, Spolin fundou a Young Actors Company (Companhia dos Jovens Atores) em Hollywood. Crianças a partir de seis anos de idade foram treinadas pelo sistema de Jogos Teatrais para suas produções artísticas. Esta companhia existiu até 1955, quando Spolin retornou a Chicago para dirigir o Playwright's Theater Club (Clube Teatral de Dramaturgos). Depois, passou a conduzir ensaios de jogos com o Compass Theater (Teatro da Bússola), a primeira companhia profissional de teatro improvisacional que logo se tornou uma das principais companhias de teatro na América do Norte. O trabalho de Viola Spolin tornou-se conhecido no Brasil em 1978, primeiramente como ferramenta pedagógica e depois como método de interpretação. 30 Jerzy Grotowsky (1933 —1999) foi um diretor de teatro polonês, figura central no teatro do século XX, principalmente, no teatro experimental de vanguarda. O “Teatro Pobre” de Grotowski propõe deixar o ator vulnerável, sem qualquer artifício, eliminando tudo aquilo que, segundo ele, seria desnecessário; o que interessa é o trabalho do ator, a relação com a plateia. Cenários, figurinos, iluminação, música etc. não são valorizados. Para compreender este autor, devemos considerar o contexto: historicamente, o teatro, muitas vezes, valorizou mais os elementos externos do que o próprio ator, a interpretação, a concepção do trabalho como um todo, prejudicando um aprofundamento em seus significados, minimizando expectativas e perspectivas que a potência do teatro pode gerar. Neste cenário, surge Grotovsky, com a proposta de perseguir uma auto- descoberta, o trabalho do ator sendo amadurecido aos poucos e sua verdade oferecida ao público. Há quem o considere herdeiro de Antonin Artaud; há algumas semelhanças em seus trabalhos, mas certamente suas propostas são distintas. Na Polônia, geralmente, os espetáculos de Grotowsky eram apresentados em um espaço pequeno, bem neutro, as paredes pintadas de preto, os atores com vestimentas simples, pretas ou com o mínimo de figurino. Em processo de trabalho em sala e em ensaios eram desenvolvidos exercícios visando ao pleno controle do corpo, por parte dos atores. O texto que ocupava, quase sempre, papel central até então, passa a ser secundário. Grotowski colocou toda a atenção no corpo, desde os exercícios e o treinamento até a cena propriamente dita e a palavra, não estando mais em primeiro plano, é considerada parte do corpo, ela nasce do corpo – o que exige uma preparação corporal adequada e precisa. Para esta preparação mais aprofundada, o autor utilizou, em seus exercícios, conhecimentos de diversas técnicas do corpo, como: pantomina, ioga, acrobacia, dança e até mesmo elementos de esportes (como esgrima). Eugênio Barba (1936 - ), antropólogo italiano, Barba especializou-se, em 1960, em literatura francesa e norueguesa e em História da Religião (Universidade de Oslo). No ano seguinte foi para Varsóvia, na Polônia, estudar 31 na Escola Teatral do Estado. Meses depois, deixou a escola de teatro para se juntar a Grotowsky que, à época, dirigia a "Teatr 13 Rzedow". Após dois anos, decidiu partir para a Índia, onde conheceu o "Kathakali", uma arte espiritual em que o ator é também bailarino e possui características de guerreiro. Devido à influência religiosa, o ator do Kathakali é também um ator- sacerdote e, por isso, deve ser capaz de responder a cada aspecto da sua vida num equilíbrio constante de sua arte que é sempre regida, harmoniosamente, pelos elementos. Para isso, treinam com uma técnica apurada, muito complexa e precisa. A formação física desses atores inclui um treinamento de uma antiga tradição de guerreiros e artistas marciais chamada Kerala. Em 1964 Barba retornou a Oslo e fundou o seu próprio teatro: "Odin Teatret". No "Odin", criou e dirigiu 18 espetáculos e, em 1979, fundou o ISTA (International School of Theatre Anthropology). Eugenio Barba criou a Antropologia Teatral, disciplina que estuda e propõe uma prática na qual o ator enfrenta a busca de sua própria identidade, que se manifesta por meio do exercício de seu ofício. O teatro antropológico visa à percepção de polaridades, conforme nos diz Barba (1991), pois por um lado, o indivíduo questiona a si próprio, como alguém que pertencente a um determinado tempo e espaço e, por outro, identifica-se com pessoas de diferentes lugares, longínquas no tempo e no espaço e troca suas respostas profissionais a esta pergunta. Por isso, Barba e os atores de seu Odin saíram pesquisando culturas tradicionais mundo afora, em diferentes países. Um dos elementos perseguidos por Barba era encontrar uma anatomia especial para o ator, ou seja, o seu "corpo extra-cotidiano". É através das tradições pessoais e coletivas que Barba vai encontrar esse "novo corpo", onde a presença física e mental do ator modela-se segundo princípios diferentes dos da vida cotidiana, uma ruptura dos automatismos do cotidiano, que vai tornar o corpo teatralmente "decidido", "crível", "vivo" e conseguirá manter a atenção do espectador antes de transmitir qualquer mensagem. A utilização extra-cotidiana do corpo-mente é aquilo que ele chama de "técnica". 32 O grupo de Barba, o Odin Teatret, veio ao Brasil pela primeira vez em 1978, representado por um ator e uma atriz que passaram dois meses em Salvador, estudando capoeira e dança dos orixás, convidados pelo Grupo Teatro Livre da Bahia. De lá para cá, as trocas entre o Odin Teatret e vários artistas brasileiros só vem aumentando. Em 1987, Barba vem ao Brasil pela primeira vez e através da prática e da transmissão oral que os princípios da antropologia teatral foram sendo absorvidos por vários grupos teatrais brasileiros. Em 1991, foi publicado o primeiro livro de Eugenio Barba em português, Além das Ilhas Flutuantes, com tradução de Luis Otávio Burnier. Atualmente, muitos artistas brasileiros reconhecem a grande influência do Odin sobre sua trajetória e sobre sua estética e suas pesquisas, seja pelo contato direto com o grupo e/ou com Barba, seja através de livros do grupo. Dario Fo (1926 - 2016) foi ator, mímico, palhaço, dramaturgo e escritor. Mas seu hábito de escritor é atípico: ele primeiro fazia esboços em pinturas, depois apresentava as ideias no palco e só então as colocava no papel. Mas não pense que se trata de qualquer escritor: eleganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1997, com sua obra que, no Brasil, intitula-se Manual Mínimo do Ator, cujo título provoca risos a quem tem o livro em mãos, pois é uma obra de quase 400 páginas! Um texto sério, de vital importância para o teatro e para a cultura, escrito com muito humor. Contar histórias é herança que seu avô lhe deixou. Quando visitava o avô, ia junto a ele pelo campo, em uma carroça puxada por cavalos, onde vendia seus produtos. Para atrair clientes, o avô contava histórias surpreendentes e, nessas histórias, introduzia notícias e anedotas locais, com tom satírico e oportuno. Nessas ocasiões, Dario começou a ter contato com a matéria prima de sua literatura: o ritmo narrativo, a sátira, entre outros elementos. A tradição oral continuou a formar o rapaz, nas andanças entre uma e outra cidade, pois os postos de seu pai mudavam de acordo com o que desejavam as autoridades ferroviárias e a família ia junto. Crescia atento à tradição narrativa local, fosse onde fosse. Escutava pescadores, vidraceiros e todos os que encontrava nas tabernas, contando suas fábulas em tom satírico, incluindo temas políticos. 33 Em 1940 ingressou na Academia de Belas Artes de Brera, em Milão. Após a guerra, começou a estudar arquitetura no Instituto Politécnico, mas teve que desistir, pois fora convocado pelo exército, quando os fascistas de Mussolini tentaram retomar o controle da Itália - ele escapou, mas teve que se esconder por meses em um sótão. Nascido em uma família de tradição antifascita, seus pais eram membros ativos na resistência. Mestre da estação e ator em uma companhia amadora, seu pai organizava a fuga por trem de cientistas judeus e prisioneiros de guerra britânicos para a Suíça e sua mãe tratava os rebeldes feridos. Ao fim da guerra, Fo retornou a seus estudos na Academia de Brera e no Instituto Politécnico, mas abandonou seus trabalhos e estudos por perceber a corrupção existente no setor das edificações. Esta aptidão e conhecimentos arquitetônicos, Fo levou para projetos de palcos e decoração teatral entre 1945 e 1951, quando começou também a improvisar monólogos. Neste período, ocorria uma renovação do teatro italiano, em que foi desenvolvida uma linguagem popular para as peças, apresentadas em teatros pequenos. Dario Fo perseguia temáticas religiosas e bíblicas. Em 1950, apresentou uma parábola de Caim e Abel a Parenti que o convidou para se juntar à sua companhia de teatro. Casou-se com Franca Rame, atriz de uma tradicional linhagem da Commedia dell'arte - Fo costumava dizer que Rama tem, pelo menos, 400 anos de vida no teatro. Juntos no palco exploravam o potencial cômico de erros, como os tradicionais artistas medievais viajantes da Commedia. BUSCANDO CONHECIMENTO Como abordamos na primeira parte da unidade, as artes já estavam presentes, em estado latente, desde as sociedades primitivas, como parte importante dos rituais. No Brasil, há pinturas e gravuras que chegam a ter 12.000 anos, como as encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, no estado do Piauí. Estão representadas cenas com pessoas, animais, natureza, objetos, em situações cotidianas e também ritualísticas. 34 Figura 12 – Pintura Rupestre. Parque Nacional da Serra da Capivara Fonte: Rogerio Monteiro/Embratur. O teatro já estava presente no Brasil em rituais indígenas, antes dos portugueses aqui aportarem. Mas o teatro, com a intenção de representação, ensaiado, com texto, tem origem, no Brasil, na religiosidade, no catolicismo, na catequização dos índios. A Companhia de Jesus que aqui chegou era uma ordem religiosa que se encarregava da expansão da crença católica pelos países colonizados. Para tanto, os autores eram padres: José de Anchieta e Antônio Vieira. Podemos dizer que as peças eram representadas sob influência do barroco europeu, com grande carga dramática. O teatro tem essa vocação: estar atento à sua época, ao entorno onde ocorre, ao momento social, cultural, político. Não sempre e nem necessariamente, mas é comum que ocorra desta forma, como foi no século XVIII, quando a estrutura teatral foi modificada, como resposta às modificações ocorridas em decorrência da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, que levava aos teatros um público que gostava do melodrama, por exemplo. No século XVIII, peças teatrais passaram a ser apresentadas com maior frequência. Eram montados tablados que se transformavam em palcos em praças públicas, igrejas, palácios, até que construções teatrais foram erguidas: as Casas da Ópera ou Casas da Comédia, que começaram a se espalhar pelo 35 país. Logo que os teatros foram erguidos, surgiram as primeiras companhias teatrais brasileiras, com a possibilidade de contratar atores por um período determinado. Os atores eram pessoas de classes menos favorecidas e eram difamadas devido a profissão ter pouco prestígio na época. O público, ou seja, a plateia, no início do século XIX, era agitado e exaltado, neste período que antecedeu a Independência do Brasil: as pessoas, aos brados, exaltavam a República. Com a Independência, em 1822, um sentimento nacionalista tomou conta das manifestações culturais, entre elas, o teatro. A comédia O juiz de paz da roça, de Martins Pena (1815-1848), foi representada pela primeira vez, em 1838, no teatro Constitucional Fluminense pela companhia de João Caetano, consolidando a comédia de costumes como gênero preferido do público. As peças de Martins Pena estavam integradas ao Romantismo, portanto, eram bem recebidas pelo público, cansado do formalismo clássico anterior. Martins Pena é considerado fundador e um dos nomes mais fortes entre os dramaturgos do teatro nacional, pela quantidade e qualidade de sua produção: em menos de 10 anos, escreveu 28 peças, muito bem recebidas pelo público e crítica. Final do século XIX, início do século XX, os gêneros preferidos pelo público são a opereta e a revista, que trazem a temática social, discutindo questões relevantes do momento nos seus dramas e comédias. O dramaturgo, Artur Azevedo (1855-1908), ganha destaque neste período – há quem o considere um continuador de Martins Pena. Foi um dos grandes defensores da abolição da escravatura, em seus artigos de jornal, em cenas de revistas dramáticas e em peças como "O Liberato" e "A Família Salazar", esta escrita em colaboração com Urbano Duarte, proibida pela censura imperial, e publicada mais tarde com o título de "O escravocrata". Algumas de suas obras: No teatro: Amor por anexins (1872); A filha de Maria Angu (1876); Uma véspera de reis (1876); Jóia (1879); O escravocrata, em colaboração com Urbano Duarte (1884); A almanarra (1888); A capital federal (1897); O retrato a óleo (1902). 36 Teatro de Revistas: O Rio de Janeiro em 1877 (com Lino d'Assumpção - 1877); O Mandarim (com Moreira Sampaio - 1883); Cocota (com Moreira Sampaio - 1884/1887); Fritzmac (com Aluísio de Azevedo - 1888); A República (com Aluísio de Azevedo - 1889), proibida pela censura; Viagem ao Parnaso (1890); Comeu! (1901). A ditadura pretendia silenciar o teatro, a partir de 1937 até 1945, mas os grupos teatrais resistiam. Surgiam as primeiras companhias estáveis do país, com destaque a: Procópio Ferreira, Jaime Costa, Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Eva Tudor, entre outros. Uma nova ideologia despontava, através das obras de dramaturgos como Oswald de Andrade, que escreveu O Rei da Vela (1933), O Homem e o Cavalo (1934) e A Morta (1937), enfrentando de forma corajosa, a ditadura. Neste mesmo momento, em 1938, Paschoal Carlos Magno funda o Teatro do Estudante do Brasil, o pontapé inicial para companhias experimentais de teatro, que se estendem ao longo dos anos, dando início à encenação moderna no Brasil. Dez anos depois, em 1948, surge o TBC – Teatro Brasileiro de Comédia – marcando o início de uma profissionalizaçãomais profunda no teatro de São Paulo. Nomes como Cacilda Becker, Walmor Chagas, Sérgio Cardoso, Bibi Ferreira, Tônia Carrero, Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Ziembinski, Flávio Rangel, Antunes Filhos, Jorge Andrade, Guarnieri, Dias Gomes, entre outros, foram revelados ali. De 1948 a 1964, o TBC apresentou 144 espetáculos, entre teatro, música e poesia, em quase 9.000 representações. O TBC deslocou o centro teatral do Rio de Janeiro para São Paulo, pois acompanhou a modernização da cidade, em contraponto aos espaços adaptados e pequenos servindo de palco teatral, surgiu com 350 lugares, num local privilegiado, no bairro da Bela Vista. No final dos anos 50, em meio a preocupações sócio-políticas, surge o Teatro de Arena de São Paulo, que se torna o mais ativo disseminador da dramaturgia nacional nos anos 1960, aglutinando expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro político e social. O Arena experimentou diferentes gêneros de textos, visando a compor um repertório e encontrar uma estética própria. Augusto Boal é contratado para 37 ministrar aulas sobre as ideias de Stanislavski ao elenco que contava com os atores recém-chegados: Flávio Migliaccio, Gianfrancesco Guarnieri, Milton Gonçalves, Oduvaldo Vianna Filho, entre outros. O espetáculo Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de José Renato, em 1958, é um sucesso e o Arena percebe que os textos nacionais é que colocam em cena as temáticas que o público quer ver no palco, em discussão. Criam assim um novo estilo de interpretação, adequado à realidade brasileira, com apelo popular. Entre 1958 e 1960, integrantes do Arena encenam textos de própria autoria, aproveitando o espaço para difundir os textos, aprofundando a discussão politizada que o público demonstrou estar interessado. Destaque a Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Boal, 1959; Gente Como a Gente, de Roberto Freire, 1959; Revolução na América do Sul, de Boal, direção de José Renato, 1960. O elenco estável é formado neste período por atores e atrizes como Joana Fomm, Myrian Muniz, Juca de Oliveira, Paulo José, Dina Sfat, Lima Duarte, Isabel Ribeiro, entre outros. José Renato parte para um estágio na França e, ao retornar ao Brasil, investe numa nacionalização dos clássicos, numa estética fortemente influenciada por Bertolt Brecht. Entre outras, são montadas, em 1962: A Mandrágora, de Maquiavel, dirigida por Boal e Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, direção de José Renato. Cenários e figurinos recebem uma atenção especial em sua concepção, contando com a colaboração de Flávio Império. Com o golpe militar, peças brasileiras realistas são proibidas e a companhia precisa rever como se posicionar politicamente, driblando a censura. Então Boal e Guarnieri criam Arena Conta Zumbi, que estreia em 1965, cujo tema é a saga dos quilombolas no Brasil Colônia, focando na resistência dos escravizados ao domínio português, ou seja, não deixa de tratar de revolução e mostrar que novas realidades são possíveis, sem tanta submissão, medo, tortura. O espetáculo, que conta ainda com músicas de Edu Lobo, faz grande sucesso e fica dois anos em cartaz, assim como as músicas são gravadas e reproduzidas em rádios, TVs etc. 38 Com um novo modo de interpretação cênica, denominado sistema coringa, os atores alternam-se entre si, todos fazendo todos os papéis. Por isso o nome “coringa”: há sempre um ator que amarra a encenação, narra, enfim, garante a ligação entre o público e a narrativa dramatúrgica. Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri criam, então, em 1967, Arena Conta Tiradentes, novamente tendo como temática a luta contra a opressão, mostrando um Tiradentes, na Inconfidência Mineira, como mártir dessa luta. Boal monta, em 1971, o Teatro Jornal - 1ª Edição, de onde surge uma nova frente estética voltada para a mobilização popular, que daria origem ao Teatro do Oprimido, que projetou Boal e o teatro brasileiro internacionalmente - trataremos mais profundamente do tema no próximo tópico desta unidade. Com a leitura de jornais diários, o elenco improvisa notícias e apresenta visões diferentes de um mesmo problema, um mesmo assunto, dialogando com a plateia. Desde 1964, com o Golpe Militar, as dificuldades aumentaram para diretores e atores de teatro. A censura chegara avassaladora, fazendo com que muitos artistas tivessem que abandonar os palcos e exilar-se em outros países. Um deles, Augusto Boal (de quem trataremos com mais detalhes no próximo tópico), é detido em 1971; em seguida, parte para o exílio. Criação Coletiva / processo colaborativo Nos anos 1970, estava em voga uma forma de criação cênica intitulada Criação coletiva, muito difundida e praticada na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Tratava-se de um processo de construção de espetáculo em que o texto geralmente era gerado pelo jogo dos atores que, guiados (ou não) por um diretor, debruçavam-se sobre um tema, uma história ou qualquer outro tipo de material. Em geral, os atores que optavam pela criação coletiva estavam no contexto do teatro de grupo e tinham como objetivo ampliar sua participação, deixando de ser apenas aqueles que se encarregavam de criar personagens e representá-las para se tornarem coautores e coprodutores. 39 No Brasil, uma colaboração entre o grupo experimental norte-americano Living Theatre, o grupo argentino Los Lobos e o Teatro Oficina (de José Celso Martinez Corrêa) resultou no processo de criação de Gracias, Señor, em 1972. A partir de então, é possível distinguir uma ênfase nas roteirizações de espetáculos, partindo das improvisações dos atores. O grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone e o paulista Pod Minoga são alguns dos que, na década de 1970, partem para a criação coletiva como método de trabalho e forte elemento de sua linguagem e identidade artística. Atualmente, vários diretores se servem de técnicas de criação coletiva para pesquisar novas linguagens, o que chamam de processo colaborativo. Consideramos verdadeiramente processo colaborativo, quando a coautoria se dá entre todos os envolvidos: diretor, atores, diretor musical, figurinista, cenógrafo, iluminador... cada qual responsável pela concepção da parte que lhe cabe. Obviamente, muitas reuniões, debates, reflexões e muitos trabalhos em sala com toda a equipe são necessários para se afinar a concepção geral do espetáculo - ou o mesmo correria o risco de se tornar uma colcha de retalhos sem nexo. O diretor costuma reunir todos os dados, conduzir o processo, mas não a ideia de cada artista; não há “encomendas”, mas trocas até que cada elemento vá se aprontando e sendo amalgamado aos demais. Teatro Brasileiro e Educação Relacionando a história do teatro brasileiro à educação, no período que vai dos anos 20 aos anos 80, ocorreram várias iniciativas de se trabalhar a arte fora das escolas, tais como os Conservatórios Musicais e Dramáticos, as Escolas de Música, as Escolinhas de Arte, em momentos em que se vivia o crescimento de movimentos culturais, anunciando a modernidade e as vanguardas. A “Semana de Arte Moderna de São Paulo”, em 1922, envolveu artistas de várias modalidades: artes plásticas, música, poesia, dança, inclusive teatro. A modernidade no teatro brasileiro se consolida com os movimentos dos teatros Arena e Oficina, com sua forte atuação política e social, assim como vocação para a criação artística. Em fins dos anos 60 e 70 ocorrem aproximações entre a arte nas escolas e fora das escolas. É a época dos festivais da canção, quando ocorrem também 40 várias experiências teatrais, ambos os eventos com grande mobilização dos estudantes. Esses momentos de aproximação mostram-se muito importantes, pois indicam possibilidades de um novo caminho a trilhar, integrando arte e educação. Figura 13 – Augusto Boal(1931-2009) e o Teatro do Oprimido Fonte: http://www.guardian.co.uk/stage/theatreblog/2009/may/06/augusto-boal-theatre- oppression Augusto Boal foi diretor, autor e teórico, sendo um dos únicos homens de teatro a escrever sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho, tornando-se um dos mais conceituados dramaturgos do país, reconhecido internacionalmente. Desenvolveu o chamado Teatro do Oprimido. Entre outras vertentes desse mesmo trabalho podemos citar o Teatro Fórum, Teatro do Invisível, Teatro de Imagens, Teatro Jornal, todas essas técnicas tendo como base uma mesma metodologia. Boal acreditava que o teatro teria o papel de formar lideranças e auxiliar nas transformações sociais. Ele pretendia, com o Teatro do Oprimido, colocar a arte a serviço da inclusão social. O Teatro do Oprimido consiste em um método que sistematiza exercícios e jogos teatrais que objetivam, entre outros pontos, a democratização do teatro, pois parte do princípio de que a linguagem teatral é a linguagem humana usada por todas as pessoas no cotidiano. Sendo assim, todos podem desenvolvê-la e fazer teatro. http://www.guardian.co.uk/stage/theatreblog/2009/may/06/augusto-boal-theatre-oppression http://www.guardian.co.uk/stage/theatreblog/2009/may/06/augusto-boal-theatre-oppression 41 A partir deste pensamento, condições práticas são criadas para que as pessoas se apropriem dos meios de produzir teatro e assim ampliem suas possibilidades de expressão. Há quem o compare a Brecht, que também tinha o foco na conscientização político-social das pessoas através do teatro, queria um teatro que fosse libertário e que levasse as pessoas a sair da alienação e refletir, agir, reagir. Para Boal, todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores' e com essa convicção e este princípio ele estabelece uma comunicação direta, ativa e propositiva entre espectadores e atores. Ele defendia que este teatro fosse levado às periferias, subúrbios, comunidades rurais, a fim de que as pessoas pudessem ter instrumentos para sair da passividade, para que tornassem atores de sua própria história. Chico Buarque de Holanda compõe uma música, “Meu Caro Amigo”, para ele, quando Boal estava no exílio. Escreve como se fosse uma carta, confira: Letra: http://www.chicobuarque.com.br/letras/meucaroa_76.htm Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=o4_UkwRE7NA Boal dirigiu o Teatro de Arena e após uma vida vivida intensamente, morreu de leucemia aos 78 anos de idade, deixando um grande legado que é sua obra e seu exemplo de vida, ideias e ideais humanidade, persistência, solidariedade através da sua arte. http://www.chicobuarque.com.br/letras/meucaroa_76.htm https://www.youtube.com/watch?v=o4_UkwRE7NA 42 UNIDADE 02 - A VOZ NO TEATRO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conhecer aspectos sobre trabalho vocal no teatro, a voz falada e a voz cantada. ESTUDANDO E REFLETINDO Como observamos, na unidade 1, as diversas técnicas e métodos teatrais se formaram em torno de algumas pessoas que se debruçaram a pesquisar o tema, cada qual com um foco específico – mesmo tendo proximidades e semelhanças, cada um teve sua parcela de colaboração, de acordo com suas angústias, seus questionamentos e reflexões. A voz: naturalmente que, em algum momento, algumas pessoas de teatro iriam se rebelar contra a voz, pois muitos focaram a voz como sendo o elemento mais importante do teatro. Nos primórdios do teatro, os oradores eram os mais importantes; os gregos tinham em alta consideração aqueles que dominavam a arte da oratória. Demóstenes foi um grego que ficou famoso como o mais eloquente orador da Grécia Antiga. Aristóteles, discípulo de Platão, estudou a retórica e registrou seus estudos em seu famoso tratado intitulado: A ARTE DA RETÓRICA. Vamos conceituar oratória, retórica e eloquência: Oratória: 1. arte de falar em público; 2. eloquência. Sinônimo: retórica; Retórica: 1. Arte de discursar; 2. Conjunto de regras relativas à eloquência; Eloquência: 1. Faculdade de falar ou escrever de maneira agradável, convincente e persuasiva; 2. Capacidade de expressar-se bem. Chegamos a um ponto importante: para ser eloquente, a pessoa deve expressar-se bem e isso envolve não só a voz, mas todos os elementos que envolvem a expressão. Se considerarmos a partir desse ângulo, da expressão: desde os oradores da Antiguidade, a voz era o que se ouvia, mas a voz não pode se destacar do 43 corpo; ela não se manifesta sozinha, ela está, sim, relacionada, sempre, ao corpo, ao gesto, à emoção, assim como ao campo das ideias. Nesta unidade, vamos tratar da voz que compõe e que é tão importante, na linguagem cênica, quanto os demais elementos, nem mais, nem menos; mesmo que, em alguns momentos, se sobreponha e, em outros momentos, fique em segundo plano. A voz é produzida a partir do ar que sai dos pulmões, passa pela laringe, onde estão as pregas vocais que, no momento da expiração, aproximam-se e vibram, produzindo assim o som. Este som será amplificado pelas cavidades de ressonância (a faringe, a boca e o nariz). Amplificado, o som será articulado na cavidade oral, por meio dos lábios, bochechas, língua, palato e mandíbula. O preparo vocal depende de uma boa postura corporal. Geralmente, temos uma imagem errônea sobre postura, imaginando alguém com boa postura como aquela pessoa dura, reta, com poucos movimentos. A postura adequada deve ser tranquila, sem muitas tensões, com tônus ideal – que varia de pessoa para pessoa e de situação para situação. Qualquer pessoa que utiliza a voz para atuar, representar, cantar, sabe que sem um bom apoio dos pés, do diafragma, uma respiração correta, a voz pode falhar. Portanto, antes de trabalhar textos e cantos, exercitamos o corpo e a respiração, como veremos no próximo tópico. BUSCANDO CONHECIMENTO Falamos que o preparo vocal depende de uma boa postura corporal e que postura não é algo pronto, mas que se constrói de acordo com cada corpo e é mutável, de acordo com cada situação. O tônus muscular ideal é a força que a pessoa precisa utilizar para cada movimento, nem a mais, nem a menos. Para sabermos utilizar o tônus de forma adequada, precisamos conhecer melhor nosso corpo e estar atento a ele. Em relação ao corpo, uma postura básica, em pé, parado (em repouso), com os alinhamentos ósseo-musculares corretamente colocados, compreende: 44 Pés paralelos, com apoios bem divididos entre o metatarso, a borda externa e o calcanhar, preservando o arco do pé; Joelhos alinhados com os pés; Quadril encaixado (“fecha o zíper”), cóccix para o chão; As curvas da coluna preservadas (porém, não as vemos, devido à musculatura); Peito (osso esterno) e escápulas (antigas omoplatas) em equilíbrio – costas e peito abertos; Ombros encaixados e braços ao longo do corpo, relaxados; Queixo paralelo ao chão; Espaço dos ombros às orelhas aumentado (alongamento da nuca: espaço entre as articulações da cervical); Olhar para a linha do horizonte; Topo da cabeça projetado para o alto (teto ou céu). O corpo não está dissociado do ser como um todo; portanto, um mal estar, uma doença, distúrbios nervosos, problemas emocionais, ou dor em qualquer parte do corpo irá comprometer sensivelmente a expressão, assim como a produção da fala da pessoa. Para postura correta deve-se iniciar um aquecimento corporal com um espreguiçamento, movendo as articulações de todo o corpo devagar, acelerando gradualmente; focando por fim nas articulações do pescoço, da cabeça e da musculatura da face (como se fizéssemos caretas). Em seguida, exercícios de respiração devem ser realizados. Assim, teremos melhor dicção, volume da voz e resistência. Encha os pulmões de ar, como se sua barriga e suas costas (músculos intercostais)
Compartilhar