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PAULO NICCOLI RAMIREZ RENAN REIS FONSECA SUSANA MESQUITA BARBOSA HELOÍSA MARIA DOS SANTOS TOLEDO ÉTICA E CIDADANIA ÉTICA E CIDADANIA 2022 Heloísa Maria dos Santos Toledo Paulo Niccoli Ramirez Renan Reis Fonseca Susana Mesquita Barbosa PRESIDENTE Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM DIRETOR GERAL Jorge Apóstolos Siarcos REITOR Frei Gilberto Gonçalves Garcia, OFM VICE-REITOR Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO Adriel de Moura Cabral PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Dilnei Giseli Lorenzi COORDENADOR DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD Renato Adriano Pezenti GESTOR DO CENTRO DE SOLUÇÕES EDUCACIONAIS - CSE Franklin Portela Correia REVISÃO TÉCNICA Osmair Severino Botelho PROJETO GRÁFICO Impulsa Comunicação DIAGRAMADORES Daniel Landucci CAPA Daniel Landucci © 2022 Universidade São Francisco Avenida São Francisco de Assis, 218 CEP 12916-900 – Bragança Paulista/SP CASA NOSSA SENHORA DA PAZ – AÇÃO SOCIAL FRANCISCANA, PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL – ORDEM DOS FRADES MENORES HELOÍSA MARIA DOS SANTOS TOLEDO Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010) e Especialista em Educação pela PUC-RS. Tem experiência nas áreas de So- ciologia e Ciências Sociais e Humanas, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, tecnologia e mediação tecnológica, Sociologia Geral e pensamento clássico, Arte, Cultura e Indústria Cultural. Professora no Ensino Superior e autora de materiais didáticos. Professora orientadora no curso de pós-graduação Especialização na Inova- ção da Educação Mediada por Tecnologias, na Universidade Federal do ABC, financia- do pela UAB/Capes. PAULO NICCOLI RAMIREZ Professor de Filosofia, Sociologia, Antropologia e Ciência Política. Leciona na ESPM, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Casa do Saber e Colégio São Luís. Possui doutorado (2014) e mestrado (2007) em Ciências Sociais pela PUC-SP (respectivamente nas áreas de concentração Antropologia e Sociologia) e tam- bém bacharelado em Ciências Sociais (PUC-SP - 2004) e Filosofia (USP - 2007). Autor do livro Sérgio Buarque de Holanda e a dialética da cordialidade (2011). RENAN REIS FONSECA Graduado em História (2006 - 2010) nas modalidades bacharelado e licenciatura pela Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ. Mestre (2010 - 2013) pela mesma instituição de ensino no Programa de Mestrado em Letras, Teoria Literária e Crítica da Cultura - PROMEL. Doutor (2014 - 2019) em História Social pela Universidade de São Paulo - USP. É autor dos livros: O transnacional e o local nas revistas Readers Digest e Seleções: relações de gênero nos Estados Unidos e Brasil (1939 - 1971) e Amor e Gênero em Revista: os quadrinhos em sua (sub)versão romântica, ambos publicados em 2020 pela Editora ApeKu. Possui experiência na área de conservação, organização, descrição e indexação em banco de dados de documentos históricos. Possui, também, experiência na área docente, como professor de História, Funcionamento do Estado e Criação Literária para o Ensino Médio e superior. Atualmente desenvolve pesquisa nos O AUTOR seguintes temas: Histórias em quadrinhos, Estudos culturais, História da Imprensa e do mer- cado editorial, História Cultural, Relações Brasil – Estados Unidos, Imigração. SUSANA MESQUITA BARBOSA Bacharel e licenciada em Filosofia (UNICAMP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universi- dade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Doutora em Direito Político e Econômico (MACKENZIE). Especialista em “Educação e Tecnologia: Docência no Ensino Superior” na UFSCAR. Coordenadora dos Cursos de História e Filosofia da Universidade São Francisco (USF). Pro- fessora e Assessora pedagógica na Faculdade Paulista de Ciências da Saúde (SPDM Edu- cação). Membro da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) e Parecerista de diferentes periódicos. Autora do livro “História do Direito” e de “Introdução à História do Direi- to”, organizadora das obras “Direitos Humanos: perspectivas e reflexões para o Século XXI” e “Transparência Eleitoral”. Autora de capítulos de livros e artigos resultados das pesquisas nas áreas de Ética, Filosofia, Direitos Humano, Cidadania e Políticas Públicas e Políticas de Desenvolvimento. O REVISOR TÉCNICO OSMAIR SEVERINO BOTELHO Possui graduação em Filosofia pelo Centro de Estudo da Arquidiocese de Ribeirão Preto (1987), graduação em História - Centro Universitário Barão de Mauá (1991), graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná , Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Campus de Toledo, Paraná (1994), especialização em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (1996) e mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Trabalhou em diversas instituições de ensino de Ribeirão Preto e região, tais como: Colégio Vita et Pax, Centro Universitário UNISEBCOC, Centro Universitário Claretiano. Atualmente é professor no no Instituto de Filosofia Dom Felício, em Brodósqui - SP, e no Centro Universitário Barão de Mauá, na cidade de Ribeirão Preto. Tem experiência na área de História, Filosofia e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Filosofia Grega, Filosofia Moderna e Contemporânea, Ética, Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Filosofia da Reli- gião, Filosofia da Educação, História Geral e da Educação e Metodologia da Pesquisa. SUMÁRIO UNIDADE 01: ÉTICA – SUA ESSÊNCIA E O COTIDIANO ...................................8 1. Ética moral ..........................................................................................................14 2. Aprendendo a decidir com ética ..........................................................................22 3. Sendo ético no dia a dia ......................................................................................31 UNIDADE 02: ATUAÇÃO PROFISSIONAL ÉTICA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA .................................................................................................42 1. O que significa ser profissional ...........................................................................43 2. A necessidade de regras morais .........................................................................53 3. Sociedade tecnológica e digital ...........................................................................63 UNIDADE 03: VIVÊNCIA PROFISSIONAL E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ...............................................................................................................72 1. Cidadania ontem e hoje ......................................................................................73 2. O espaço da cidadania .......................................................................................80 3. É preciso cuidar! ..................................................................................................88 UNIDADE 04: O DIVERSO E O DESIGUAL – QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS E O ÂMBITO DO TRABALHO ...........................................98 1. Ser diferente é ser desigual? ..............................................................................98 2. A profissão não tem gênero ................................................................................107 3. Enfim, uma sociedade possível ...........................................................................116 4. Rememorando as temáticas estudadas ao longo das unidades .........................124 5. Reflexões éticas, práticas de cidadania: construções do futuro .........................126 8 1 Ética – sua essência e o cotidiano UNIDADE 1 ÉTICA – SUA ESSÊNCIA E O COTIDIANO INTRODUÇÃO Caro(a) estudante, paz e bem! Ética e Cidadania é um dos componentes que constituem o Núcleo de Formação Ge- ral – juntamente com Estudo do Ser Humano Contemporâneo, Iniciação à Pesquisa Científica, Direitos Humanos e EmpreendedorismoSocial. Estes componentes serão trabalhados de forma interdisciplinar: os conteúdos de cada um servirão para construir um entendimento de mundo e uma maneira de problematizar a realidade. Eles, conjun- tamente, oferecerão novas chaves para que você possa reinterpretar a realidade. Os elementos que apresentamos nesta introdução são importantes para que você bem entenda de que modo os componentes curriculares do Núcleo de Formação Geral estão estruturados a fim de oferecer uma experiência significativa de aprendizagem, contri- buindo, assim, para sua formação profissional. Vamos lá! CONECTAR Ética e Cidadania e a interdisciplinaridade Ao pensarmos os conteúdos e problematizações deste componente, é importante en- tender que ele não pode ser restrito a apenas um âmbito de vivência humana, pois tudo o que o ser humano faz tem reflexo (direto ou não) na vivência plural. Enquanto a ética busca pensar a ação do indivíduo, pautada por valores, a cidadania amplia a visão de mundo e tenta enxergar de que modo o individual se transforma em coletivo: a cidadania se refere à maneira como uma comunidade possibilita a participação de seus membros na construção de uma vivência coletiva que permita a realização humana. Deste modo, as temáticas relacionadas às vivências ética e cidadã são, em si mesmas interdisciplinares – principalmente quando pensamos a formação profissional. Pense no âmbito da sua escolha profissional e nos outros componentes do Núcleo de Formação Geral. Vejamos: 9 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co ` Em todas as suas escolhas – acadêmicas ou profissionais – você traz valores aprendidos ao longo de sua vida. Onde tais valores encontram fundamento? Você traz como princí- pios de vida algo que sua vivência familiar e social ensinou. Pode ser por meio dos livros aos quais teve acesso; pode ser por meio de uma vivência religiosa; ou, simplesmente, por meio da convivência nos diferentes ambientes. Estes âmbitos – ou dimensões huma- nas – são problematizados em Estudo do Ser Humano Contemporâneo. ` Você pretende fazer uma pesquisa? Sabe quais caminhos seguir e de que modo pode evitar problemas com seu conteúdo? Uma pesquisa alcançará mais sucesso, quanto mais responder aos anseios da sociedade. E é importante entender que, para algumas pesqui- sas, é necessário submeter o projeto ao Comitê de Ética da instituição. Ainda mais: um trabalho autoral, sabendo como se utilizar de fontes de pesquisa, evita graves problemas, como o plágio. Estas questões são tratadas em Iniciação à Pesquisa Científica. ` Na vida profissional, possivelmente, você vai lidar com pessoas – mesmo que seja indire- tamente. Uma reflexão sobre o espaço de vivência para todos na sociedade e no ambien- te de trabalho é questão de oportunidades e não de capacidades. Não falamos mais de ‘gosto’, ou ‘preferência’; a igualdade e a não discriminação são pilares de uma concepção de cidadania. Temas como estes são problematizados em Direitos Humanos. ` Como profissional, é claro que você objetivará alcançar satisfação e sucesso. Mas, será que todo caminho é válido? Cada pessoa deve tentar por si mesma um caminho? Vale pensar “sucesso a qualquer preço”? Ser profissional é entender que há uma necessidade social que precisa ser respondida – lembre-se de que você escolheu uma profissão que existe por ser importante neste contexto no qual você vive. Estes temas com viés ético estão presentes no componente Empreendedorismo Social. Enfim, no Núcleo de Formação Geral, o componente Ética e Cidadania partilha de gran- des temas que perpassam os demais componentes. As competências objetivadas pelo Núcleo buscam auxiliar em sua formação de modo amplo, para ser um bom profissional, com conteúdos que vão além do âmbito técnico da área específica do seu curso. DESENVOLVER O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS A USF adota, como diretriz pedagógica, a educação por competências. Mas, você sabe o que é a competência, ou quando alguém pode se entender competente? A competência trata da maneira como lidamos com as situações que nos aparecem na vida cotidiana. Neste sentido, é competente aquela pessoa que consegue dar conta das exigên- cias que as diferentes situações impõem. Mas, é possível aprender sobre todas as situações que a vida – profissional ou não – vai nos apresentar? Claro que não; não há um curso sequer que possa dar conta disso. SAIBA MAIS 10 1 Ética – sua essência e o cotidiano Quando se fala em desenvolver competências, mais do que uma prática, o que se objetiva é ensinar um modo de compreender as situações. A pergunta que deve ser feita não é “Eu aprendi a fazer isso?”, mas sim “Que tipo de raciocínio eu aprendi, a partir deste caso, e que vai me possibilitar resolver outros (mesmo que não sejam iguais)?” Figura 01. O desenvolvimento de competências Fonte: Elaborado pelo autor / Imagens: Pixabay. Desenvolver competências é desenvolver a habilidade de resgatar esquemas mentais que possam ser encaixados em diferentes situações. O célebre autor que tratou da temática das competências é Philippe Perrenoud (1944-). Para conhecer mais, assista ao vídeo Pensadores na Educação: Perrenoud e o desenvolvi- mento de competências:https://www.youtube.com/watch?v=lYvoCDRCfOw Conheça as competências que devem ser desenvolvidas por meio dos estudos que o componente Ética e Cidadania incitará: 01. Definir o que são ética e moral, estabelecendo diálogo crítico com teorias e autores. 02. Examinar os fundamentos da ação profissional ética, identificando o conceito de ‘boa ação’ como necessidade para a vida humana em sociedade. 03. Interpretar a realidade a partir dos impasses éticos e de cidadania, compreendendo a construção social dos valores e a histórica luta por direitos sociais. 04. Avaliar a postura individual, considerando-se a prática ética e cidadã, reconhecendo a importância da postura de influência positiva na prática cotidiana. 11 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Releia as competências apresentadas acima. Não se trata de um ideal construído de forma ale- atória, mas de uma proposta de formação que indica aquilo em que a USF acredita, formando você como profissional. São competências possíveis, mas que apenas podem ser desenvolvi- das se você se aplicar aos estudos e atividades propostos. IMPORTANTE PRATICAR a. DIFERENTES OBJETOS DE APRENDIZAGEM PARA DIFERENTES FORMAS DE APRENDER O desenvolvimento de competências pode se dar de diferentes modos, de acordo com o objetivo que se tem. Cada componente curricular, em cada unidade, tem objetivos es- pecíficos pensados a partir das competências estabelecidas para o profissional que está sendo formado – você! –, não importando a área de conhecimento. Mas, antes dos ob- jetivos de cada componente, temos de pensar as competências necessárias para bem cursar um componente oferecido a distância. E você, sabe como você aprende? Possivelmente, você já ouviu dizer que uma pessoa aprende mais ouvindo, enquanto outra o faz escrevendo, e ainda outra, lendo e anotando. Leia ao artigo: Os quatro estilos de aprendizagem − ou por que alguns leem os manuais e outros não https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/10/ciencia/1476119828_530014.html SAIBA MAIS b. O CONHECIMENTO – TEORIA E PRÁTICA A competência pode ser entendida como um conjunto de elementos que, no todo, tra- tam de um saber prático; trata-se de três elementos: conhecimento, habilidade e ati- tude. Dificilmente conseguimos dizer que um profissional é competente sem ter estes elementos como base sólida. A partir deste entendimento é que este componente cur- ricular é entendido e proposto com significativa importância para sua formação pro- fissional. A USF entende que ser profissional deve ser mais que, simplesmente, um reprodutor da técnica. 12 1 Ética – sua essência e o cotidiano Avalie suas competências, verificando: ` Conhecimento – você tem os conhecimentos necessários, que possibilitarãouma vivência profissional humana e responsável consigo, com o outro e com a sociedade? ` Habilidade – você sabe se utilizar dos conhecimentos para realizar uma prática que seja eficiente, fazendo bem feito aquilo que se espera de um(a) bom(a) profissional? ` Atitude – a partir do conteúdo assimilado e da boa prática desenvolvida, você se motiva a agir de modo eficaz, buscando a melhor em cada situação? Conheça mais sobre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, pesquisando em: https://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-Agenda2030-comple- to-pt-br-2016.pdf IMPORTANTE SAIBA MAIS Ao longo das unidades, as temáticas apresentadas têm sempre o objetivo de possibili- tar uma prática profissional, carregada de sentido e que possa responder aos anseios da sociedade, sem deixar de lado a realização pessoal. Neste sentido, pense sobre as competências deste componente – indicadas acima –, e procure verificar se você já as tem desenvolvidas. Inicie o curso deste componente, já tendo em mente suas compe- tências e entendendo que elas devem ser metas a se alcançar. Ao terminar os estudos de Ética e Cidadania, você terá oportunidade de se avaliar, verificando quanto aprendeu e desenvolveu, e o que ainda restará como necessidade. c. OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO BRASIL No ano de 2015, pensando a necessidade de ações que pudessem melhorar a vida no planeta como um todo, líderes mundiais se reuniram na ONU e estabeleceram a chamada Agenda 2030 – trata-se de um plano para erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento da vida humana e do planeta. Da Agenda 2030, foram pensados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a partir dos quais são delineadas áreas mais específicas para atuação das nações. São 17 ODS: 13 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Veja que os ODS abarcam diferentes áreas e problemas que a humanidade enfrenta como um todo. E, considerando-se que a USF objetiva oferecer uma formação integral, entende- mos a importância de que a formação seja ampla e geral, ligada aos problemas e situações diversas que você, como profissional, vai enfrentar. Neste sentido, os ODS devem ser trazi- dos nas problematizações dos componentes curriculares. Fonte: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs Conheça mais sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, pesquisando em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs SAIBA MAIS Aproveite as oportunidades que forem ofertadas para o desenvolvimento deste compo- nente: textos, fóruns, vídeos etc. Tudo é desenvolvido para seu melhor aproveitamento e sucesso na formação profissional! 14 1 Ética – sua essência e o cotidiano PRIMEIROS CONCEITOS Nesta unidade, a primeira problematização a ser feita se refere ao que é, propriamente, a ética – o que, por sua vez, nos leva a pensar sua relação com a moral. Ambos os con- ceitos se relacionam à vida prática dos indivíduos, entendendo que a vida em sociedade seja a tentativa de organizar a realidade de modo tal que permita a realização de todos. Quase a totalidade das ações que podemos tomar tem reflexos na vida coletiva – por isso, há uma clara necessidade de se refletir sobre as motivações e as possíveis conse- quências das ações. Não é simples; porém, a ética, enquanto reflexão que vem sendo desenvolvida desde séculos, apresenta ideias que podem ser aplicadas para se pen- sar a prática. Significa que diversos pensadores contribuíram para a reflexão ética e deixaram suas contribuições. Investigaremos diferentes posturas éticas elaboradas por filósofos ao longo da histó- ria da cultura ocidental, entre eles, Aristóteles (384-322 a.C.) e os chamados estoicos (séculos III a I a.C.). Além disso, outras concepções modernas também serão inves- tigadas, tais como o pensamento de Kant (1724-1804) e o seu dever ético; Bentham (1748-1832) e o utilitarismo, que se refere à ética consequencialista; contratualismo, hedonismo, relativismo e, no período contemporâneo, as possibilidades do diálogo e do consenso ético de Habermas (1929 -). Quando estudamos ética, precisamos considerar que existem múltiplas formas de compreender nossas escolhas, decisões e os caminhos a serem tomados. Faz -se necessário, também, levarmos em conta que as ações podem ser múltiplas e não é possível saber como os demais indivíduos irão reagir, segundo seus valores e pre- ferências. A ética é uma ciência que estuda os valores morais e os comportamentos humanos. Porém, ao contrário das ciências exatas, trabalha com a multiplicidade de escolhas e caminhos a serem seguidos, suas consequências e modos distintos de per- ceber a realidade e a vida com os demais indivíduos. Longe de procurar um resultado e respostas únicas e universais, a ética está preocupada em desenvolver formas de vida que produzam o bem-estar e o bem comum. Ainda estudaremos a relação da ética com liberdade, escolhas, decisões e responsa- bilidade. A respeito desses elementos, investigaremos o pensamento existencialista de Sartre (1905-1980), pensador francês que refletiu sobre a relação entre ética, ações individuais e seus reflexos sobre a coletividade. A filósofa alemã Hannah Arendt (1906- 1975) trouxe também importantes contribuições a respeito do assunto, sobretudo nas ruas reflexões sobre a relação entre regras sociais e os valores dos indivíduos. 1. ÉTICA MORAL 1.1 O QUE É ÉTICA? A palavra ética, do grego ethos, foi elaborada pela primeira vez por Aristóteles (384– 322 a.C.), pensador que viveu na Grécia Antiga. Ética significa conduta ou modo de agir, sendo também compreendida como reflexão sobre os fundamentos da conduta ou do 15 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co modo de agir. A ética, portanto, é entendida como uma reflexão ou ciência que estuda o comportamento dos indivíduos em comunidade. Segundo Aristóteles (1992, p. 22), a finalidade da ética deve ser o de promover a fe- licidade coletiva, o bem comum ou a excelência humana. Na obra Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta a concepção dessa expressão empregando os seguintes termos [...] parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos por si mesmas [...], escolhe- mo-las por causa da felicidade, pensando que através delas seremos felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por causa das várias formas de excelência, nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além dela mes- ma (ARISTÓTELES,1992, p. 23). A ética se relaciona ao uso da racionalidade e do senso-crítico, conduz ao bom senso ou moderação. Isso significa afirmar que exige a reflexão; ou seja: é preciso medir os prós e os contras, os elementos positivos e negativos de cada ação antes mesmo que qualquer decisão seja tomada. Nessa direção, a ética tem como finalidade estabelecer a melhor atitude ou ação mais equilibrada para o convívio coletivo. Leandro Karnal, no vídeo a seguir referenciado, comenta sobre a obra Ética a Nicômaco, de Aristóteles, veja mais em: KARNAL, Leandro. Ética segundo Aristóteles, 2020. Vídeo (4 min. 09 seg.). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8fi7yzeogD0. Acesso em: 07 jun. 2022. SAIBA MAIS A ética busca estabelecer as melhores formas de conduta perante outros indivíduos. Para isso, é relevante refletir sobre os procedimentos e as virtudes que são fundamen- tais para a realização do bem coletivo. O exercício da ética exige a busca do que os gregos denominavam como areté, compreendida como melhor ação – portanto, um comportamento virtuoso ou atitudes que buscam a excelência humana. 1.2 O QUE É MORAL? É comum que confundamos as palavras “ética” e “moral”. Contudo, ambas pos- suem diferenças, por isso, é necessário esclarecermos o que exatamente as distin- gue. A moral tem origem no latim, moris, e significa costume, tradiçãoou hábitos. A sua diferença com a palavra “ética” está no fato de que a moral não exige refle- xão mais profunda ou senso-crítico, não sendo reflexo de um exame detalhado de uma conduta ou ação. Isso ocorre porque a moral é constituída por regras, nor- mas ou costumes que não são analisados ou questionados de forma detalhada, são, na verdade, transmitidos de geração a geração como se fossem normais, naturais, de modo que devem ser seguidas e obedecidas. 16 1 Ética – sua essência e o cotidiano No que diz respeito à moral, os sujeitos são introduzidos em um conjunto de costumes como se eles fossem normais ou como se existissem desde sempre, sem que isso implique análises e problematizações profundas sobre a existência de padrões de com- portamento, formas de ver o mundo e valores. O que vem a ser a moral? Um conjunto de valores e de regras de compor- tamento, um código de conduta que coletividades adotam, quer sejam uma nação, uma categoria social, uma comunidade religiosa ou uma organiza- ção. Enquanto a ética diz respeito à disciplina teórica, ao estudo sistemático, a moral corresponde às representações imaginárias que dizem aos agentes sociais o que se espera deles, quais comportamentos são bem-vindos e quais não. (SROUR, 2000, p. 29). Em linhas gerais, podemos afirmar que a ética é ex- pressa por condutas que têm alcance universal, ge- ral ou coletivo, pois sua principal intenção é tentar promover a felicidade coletiva por meio da reflexão e da razão. A ética mede os elementos favoráveis e desfavoráveis de cada ação ou conduta, além de procurar condições que contribuam para a convi- vência entre diversos grupos e diferentes indivídu- os, dotados de morais distintas. A ética estuda e investiga a moral (os hábitos e costumes humanos) para produzir a melhor ação possível, sem desconsiderar a existência de grupos e moralidades que são heterogêneas, mas que de- vem coexistir numa mesma sociedade. A moral é considerada relativa, pois suas regras e nor- mas de comportamento podem valer para um grupo ou sociedade, mas não necessariamente para outros. A moral se transforma, ao longo do tempo, e é expressa pelos chamados valores (ou juízos morais), que norteiam as noções do que é justo ou injusto, bem ou mal, o que é virtuoso ou que promove vícios. 1.3 O PROBLEMA DO VALOR E O JULGAMENTO ÉTICO A vida humana é marcada por reflexões e ações morais e éticas. Desde governos, empresas, relações familiares, passando por jogos, esportes e as demais práticas hu- manas, todas elas são constituídas de valores morais e condutas éticas. Avaliamos que a moral é relativa, porque costumes, hábitos e visões de mundo variam de sociedade para sociedade conforme o período histórico. Diante da variabilidade de valores morais presentes em qualquer sociedade e na rela- ção entre diferentes povos e culturas, a ética opera não apenas como estudo ou ciência que investiga a moral, mas também fornece bases para a prática de julgamentos éticos, que visam produzir convivência entre diferentes valores morais presentes nos indivídu- os. Cada ação ética pressupõe a análise de quais são os impactos causados sobre dife- rentes grupos e comunidades humanas constituídos por valores morais heterogêneos. Figura 02. Moral e ética Fo nt e: 1 23 R F 17 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co A ética parte do pressuposto de que os indivíduos, certas vezes, possuem um forte sentimento, vontade ou impulso que surgem como um primeiro impacto quando nos en- contramos em situações em que temos que agir de maneira imediata. Com indignação, às vezes, engrossamos o tom de voz se uma pergunta ou circunstância chocante está diante de nossa visão. Outras vezes, realizamos juízos sobre as ações que presencia- mos, sendo que julgamos, demonstramos valores ou comentamos o acontecimento que atraiu a nossa percepção. Esses comportamentos são chamados de senso moral. Quando vemos um indivíduo em condição vulnerável passar fome ou vivendo de maneira mi- serável e decidimos oferecer alguma ajuda; ou quando vemos um idoso que tenta atravessar a rua e de forma imediata e impulsiva, nós o auxiliamos; se somos favoráveis ou contrários ao aborto ou legalização do uso de entorpecentes, nessas situações, agimos com gritos, gestos bruscos de reprovação ou aceitação, visões e expressões mais singelas ou ríspidas. Todos esses valores e comportamentos revelam o que é designado como senso moral. Para saber mais a respeito da ética e o senso moral, recomendamos que você assista à aula do professor Washington Soares, referenciada na sequência: SOARES, Washington. Ética - Senso Moral e Consciência moral, 2020. Vídeo (6min. 13s.). Publicado na página do Prof. Washington Soares, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FE5CZ- 1DA92s&t=8s. Acesso em: 07 jun. 2022. EXEMPLO SAIBA MAIS Com o senso moral não há a necessidade de justificativa imediata, pois o conceito está relacionado à formação e aos valores morais de um indivíduo, fundamentados em tra- dições e costumes que originam e caracterizam comportamentos imediatos, portanto, fundamentam o próprio senso moral. Situações que não entendemos de maneira com- pleta ou posicionamentos tomados sem uma análise detalhada da realidade influenciam a prática do senso moral. Em uma de suas obras capitais para a introdução ao pensamento filosófico, intitulada “Convite à filosofia”, Chaui (2000) escreve que esse sentimento prova que nós somos seres morais, dotados de um senso de moralidade. O sentimento despertado em nós prova a existência de um universo moral e nos leva a pensar sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto, bom ou mau diante de situações de sofrimento e dor, principalmente quando envol- vem crianças, seres inocentes que nos comovem por conta de sua fragilida- de (BRAGA JUNIOR; MONTEIRO, 2016, p. 42). Os nossos atos e posicionamentos, sejam contrários ou favoráveis diante de certas situações, exigem de nós uma justificativa perante os demais ou à sociedade. Essa forma de justificativa é chamada de consciência moral e representa explicações que são fornecidas para explicar o senso moral. 18 1 Ética – sua essência e o cotidiano Quando somos questionados sobre a legalização do aborto e caso haja um posicionamento contra a partir de uma perspectiva de uma moral religiosa, será preciso justificar este mesmo posicionamento para os indivíduos que nos cercam. EXEMPLO A consciência moral é compreendida, as- sim, como a justificativa fundamentada a partir da moral e fornece sentido às nos- sas atitudes e percepções de mundo. Se procurarmos ajudar a criança com fome ou o idoso que busca atravessar a rua, exercemos o chamado senso moral. Quando procuramos justificar aos demais e a nós mesmos quais são os motivos que permitiram a ação imediata, exercemos a consciência moral. Esta, por sua vez, permite que os sujeitos se tornem res- ponsáveis pelas formas como nos com- portamos. Senso e consciência moral estão presentes no dia a dia, nos sentimentos, nas intenções e decisões, no que é ou não correto a ser feito. Posto de outra maneira, [...] diante de um senso moral, temos emoções e sentimentos que são susci- tados pelos acontecimentos com base em nossa crença nos padrões morais que adotamos e que nos orientam. Mas é a nossa consciência moral que nos leva a agir e a assumir a responsabilidade por nossos atos (BRAGA JUNIOR; MONTEIRO, 2016, p. 44). Os julgamentos éticos são o resultado do estudo e da análise do senso e da consciência moral. Ao realizar a capacidade de julgar, a ética leva em consideração os diferentes pontos de vista e tem como objetivo produzir equilíbrio e condições de coexistência entre posicionamentos heterogêneos, desde que eles promovam o bem comum ou coletivo. 1.4 QUESTÕES ÉTICAS E QUESTÕES MORAIS Há questões e problemas que dividem opiniões, pois demonstram os dilemas éticos e mo- rais. À vista disso, James e Stuart Rachels, na obra Os elementos da Filosofia Moral (2013),refletem como, no passado, havia justificativas que procuravam legitimar a escravidão de seres, erroneamente, considerados inferiores. Os autores argumentam que, por vezes, es- sas justificativas eram carregadas de argumentos religiosos. Sabemos que tais ideias não são mais condizentes com os direitos humanos e igualdade jurídica. Isso porque [n]ossos sentimentos podem ser irracionais: eles podem ser nada mais do que produtos do prejuízo, egoísmo ou condicionamento cultural. Em um momento, por exemplo, os sentimentos das pessoas lhes disseram que os membros de outras raças eram inferiores e que a escravidão era o plano de Deus. Ademais, os sentimentos das pessoas podem ser muito diferentes (RACHELS; RACHELS, 2013, p. 23). Figura 03. A ética visa o equilíbrio e coexistência entre comportamentos morais heterogêneos Fo nt e: 1 23 R F 19 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Debates como o assunto de aborto e de legalização das drogas nos permitem, primeiro, identificar diferentes juízos de valor. Via de regra, de um lado, sob uma fundamentação moral religiosa, argumenta-se que a vida é um valor sagrado, de modo que abortos não deveriam ser legalizados. Por outro lado, movimentos feministas têm como valor as defe- sas da liberdade de decisão das mulheres e o direito de escolha sobre seus próprios cor- pos. Além disso, o uso de drogas sob perspectivas morais religiosas é julgado de modo negativo, sendo relacionado a uma vida marginal, de degradação e distante de virtudes. Nas últimas décadas, no entanto, países como Holanda, Bélgica, Espanha, Uruguai, en- tre outros, têm concedido liberdade de uso de algumas drogas, como a maconha. Tais posturas têm recebido adeptos mundo afora, segundo os valores da liberdade individual e teses que amenizam os efeitos de certos entorpecentes. A partir dessa oposição de valores morais surgem questões éticas, ou seja, reflexões, estudos e condutas em que devemos observar, sendo possível promover o bem comum levando em consideração a oposição entre diferentes valores morais. No intuito de verificar valores morais e propiciar uma reflexão acerca de decisões éticas pos- síveis para cada situação, observe, a seguir, outros problemas contemporâneos, de ordem ética, que certamente produzem visões morais diferentes quando são discutidos: ` A ciência pode desenvolver, de forma autônoma, pesquisas genéticas com embriões humanos? ` É possível concordar com a manipulação genética irrestrita? ` Podem os governos e as empresas privadas de tecnologias (redes sociais, aplicativos, provedores etc.) terem o controle sobre a privacidade dos seus usuários? ` Devemos preservar o direito à vida ou à liberdade econômica, quando nos defrontamos com uma grave pandemia? ` Devemos concordar ou podemos discordar da decisão da justiça em permitir o casamento entre indivíduos do mesmo sexo ou pertencentes aos que se identificam como membros da comunidade LGBTQIA+? ` Proteger o meio ambiente é mais importante do que defender o desenvolvimento econô- mico por meio de práticas predatórias? ` É correto substituir trabalhadores por máquinas nas fábricas? PARA REFLETIR 1.5 A ÉTICA COMO PROJETO DE VIDA Os indivíduos passaram a viver em sociedade, quando surgiram as comunidades e, pos- teriormente, as cidades criaram regras de convivência social, cujo objetivo é até hoje o de produzir o bem e a felicidade a todos. Dessa forma, a ética permite a relação entre proje- tos de vida coletivos e individuais. Com esses projetos, por exemplo, surgiram normas e punições com o propósito de garantir a qualidade de vida individual e social. 20 1 Ética – sua essência e o cotidiano A ética, sob esse aspecto, afasta-nos de uma vida guiada por impulsos, caprichos e de- sejos individuais que prejudicam o interesse coletivo. Por meio da elaboração racional de princípios, condutas, normas, regras e leis que permitam a civilidade, a ética se torna um elemento essencial para a construção do sentido de projetos de vida. Devemos, neste ponto, destacar a distinção entre normas jurídicas e morais, pois am- bas permeiam a vida cotidiana e em sociedade. As normas jurídicas são aquelas que relacionam o indivíduo com o meio externo, ou seja, a sociedade como um todo e são reguladas por meio de princípios e obrigações legais (constituição, leis, decretos, entre outras normas estabelecidas coletivamente). As normas morais pertencem ao campo mais restrito e íntimo dos indivíduos, sendo arti- culadas com as motivações pessoais. Elas são reguladas pelas relações que concernem aos laços familiares, comunitários, religiosos ou mesmo grupos cujas tradições e visões de mundo representam amplo convívio, proximidade e compartilhamento de valores. Com isso, percebemos que, desde o nascimento, fomos submetidos a interações sociais que permitiram a vida em sociedade. A partir desses padrões éticos recebi- dos, durante a existência, é que será possível desenvolver projetos que entrelacem a vida individual e a coletiva. Quando, hoje, discutimos a preservação do meio ambiente, por exemplo, estamos ela- borando um projeto de existência para as gerações futuras a partir de atitudes éticas que são urgentes no presente. A forma como falamos, nossos gestos, propósitos pro- fissionais, relações de trabalho e modos de agir considerados corretos estão presentes no universo de formação das crianças e dos adultos. Todas essas ações podem ser tidas como projetos de vida éticos, pois procuram organizar relações sociais em nome da vida em sociedade. Figura 04. Mapa Conceitual Ciência Reflexão Senso Crítico ÉTICA Bem Comum Felicidade coletiva Interesse coletivo Estudo das diferentes moralidades Problematizar Universalidade Heterogeneidade MORAL Hábito Costume Tradição Valores Reativismo Particularidade Variabilidade Hábito Costume Tradição Valores Senso Moral Consciência Moral Fonte: elaborada pelo autor. 21 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co ` Filme � O filme Advogado do Diabo (1998) trata da vida profissional de Kevin Lomax, um jovem e prodigioso advogado norte-americano. Ele se destaca por defender clientes inescrupulo- sos e assassinos por meio de brechas que encontra nas leis. Ele é contratado pelo maior escritório de advocacia de Nova York e passa a trabalhar na defesa de casos moralmente condenáveis. A obra apresenta uma série de dilemas éticos e morais a respeito do traba- lho e vida pessoal do personagem. Após assistir ao filme, tente identificar três aspectos morais presentes no filme e qual a decisão ética foi tomada pelo personagem principal. ` Texto Complementar � Indicação do livro A Política, de Aristóteles. ` Somos animais Políticos � Em A política, Aristóteles define a humanidade como um “animal político por natureza”. Deve-se frisar a etimologia em grego de animal político (Zoon Politikon). Politikon não significa apenas a atividade política como a ocupação ou exercício de cargos públicos, mas, na realidade, tem um sentido mais amplo para o mundo grego na Antiguidade, pois é a política que diferencia humanidade dos demais animais. A política representa o agir, a reflexão e o aprimoramento da vida em sociedade; está associada à capacidade humana de discernir, estabelecer, criar, construir, refazer e viver (em sociedade) o que se entende como justo e injusto, o bem e o mal, de modo que normas e regras são incorporadas coletivamente. A política é produzida por meio do uso da razão e das palavras. Sem o uso da razão e da linguagem seríamos incapazes de comunicar e muito menos de expor valores, criar costumes e leis. O que Aristóteles define como Zoon Politikon (animal político) está relacionado à noção de que a política é um elemento natural e vivido de forma intensa e social na cidade (Pólis em grego). Portanto, a política é o fundamento para a existência da vida moral e ética dos sujeitos, pois a existência é dada em sociedade e será por meiodela que juízos, costumes, tradições, regras e leis que constituem o convívio comum serão fundados. Um exemplo para você analisar como a moral esteve arraigada na vida dos indivíduos pode ser verificado, a partir do fato histórico no qual, até aproximadamente a década 1960, a maioria das sociedades possuía a visão de que as funções sociais das mulheres deveriam se resumir aos cuidados domésticos. Ainda hoje é possível ver alguns grupos sociais defen- dendo tal postura. No entanto, com o desenvolvimento do mercado de trabalho, a ascensão de movimentos feministas e maior conscientização da sociedade, as mulheres passaram a ocupar lugares importantes no meio social, como no mercado de trabalho, política e meios de comunicação. Diferentemente de anos atrás, nos dias atuais é impossível imaginar empre- sas, universidades e emissoras de rádio e TV sem elas, ainda que visões machistas predo- minem em muitos setores da sociedade. Caso de aplicação 1 22 1 Ética – sua essência e o cotidiano 2. APRENDENDO A DECIDIR COM ÉTICA 2.1 A ÉTICA DA MEDIANIA (ARISTÓTELES) Aristóteles, pensador grego da Anti- guidade, foi o primeiro a definir a pa- lavra “ética” (do grego ethos, significa conduta em relação aos outros), esta- belecendo-a, ao mesmo tempo, como uma ciência que investiga os compor- tamentos humanos e como a busca de uma conduta que é capaz de gerar equilíbrio. Em outras palavras, o autor defende a ética como conduta media- na ou caminho do meio que permite aos indivíduos viverem em sociedade, visando ao bem comum e à Eudaimo- nia, palavra que em grego clássico se relaciona à felicidade e promoção da excelência humana realizada de modo coletivo. O ethos é a morada do animal e passa a ser a «casa» (oikos) do ser huma- no, não já a casa material que lhe proporciona fisicamente abrigo e proteção, mas a casa simbólica que o acolhe espiritualmente e da qual irradia para a própria casa material uma significação propriamente humana, entretecidas por relações afetivas, éticas e mesmo estéticas que ultrapassam suas fina- lidades puramente utilitárias e a integram plenamente no plano humano da cultura. [...] Tal é a historicidade própria do ethos, que nele se exprime como necessidade instituída que Aristóteles comparou à e necessidade dada da Natureza. (VAZ, 1988, p. 39-40). Na obra Ética a Nicômaco, Aristóteles partia do pressuposto de que toda cidade e sociedade são caracterizadas por apresentar indivíduos heterogêneos, ou seja, com valores, formas de pensar, condições econômicas e políticas bem distintas. Diante disso, considera que o papel da ética, assim como das leis, deve ser o de produzir equilíbrio, isto é, condições de coexistência entre grupos diferentes com o objetivo de realizar o bem comum. Aristóteles, portanto, atribui à ética a busca do equilíbrio, considerando que desse equi- líbrio será possível produzir a felicidade, a excelência humana, a justiça e a virtude entre os membros que constituem uma sociedade. Logo, Com isso, vemos que a moral está sempre em transformação, de forma que é modificada ou varia de acordo com o período histórico, ou conforme cada sociedade ou geração. Com base no exposto, elabore um breve texto relatando outros exemplos de transformações de visões morais na sociedade. Explique como é possível observar a moral nessas transformações. Selecione uma matéria de jornal e revista para fundamentar a sua pesquisa. Pense em questões em torno do mercado de trabalho, política, meios de comunicação ou mesmo educação. Figura 05. Ética Fo nt e: 1 23 R F 23 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co [t]oda arte e toda investigação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem qualquer, e por isso foi dito, não sem razão, que o bem é aquilo a que as coisas tendem. Mas entre os fins observa-se uma certa diversidade: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades das quais resultam; e onde há fins distintos das ações, tais fins são, por natureza, mais excelentes do que as últimas (ARISTÓTELES, 1979, p. 49). 2.2 O HEDONISMO Do grego hedonê (prazer), o hedonismo expressa um modelo de ética que tem como principal objetivo para a vida (ou como suprema norma moral) a busca da felicidade e a exaltação do prazer. Essa modalidade de ética foi pensada pela primeira vez pelo filósofo grego Epicuro (341–270 a.C.) e influenciou pensadores romanos da Antiguidade conhe- cidos como estoicos, entre eles Cícero (106 -43 a.C.), Lucrécio (94-50 a.C.), Horácio (65 a.C-8 d.C.), Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.) e o imperador-filósofo Marco Aurélio (121-180 d.C.). Epicuro partia da ideia de que a verdadeira virtude estava na realização dos prazeres. Não devemos tomar o epicurismo ou o hedonismo de forma vulgar, pois não se reduzem a uma satisfação cega e sem reflexão sobre os prazeres. O prazer deve trazer o bem-es- tar. Epicuro fundou um grande jardim na periferia de Atenas, lugar que ficou conhecido como “O Jardim de Epicuro”. O local foi resultado de uma mudança de postura, em que o filósofo viu a necessidade de se distanciar dos problemas da cidade da pretensão de promover a virtude no espaço público. A política é fonte de avareza e corrupção. O jardim reunia discípulos (escravos e cidadãos livres) que procuravam a virtude no equilíbrio entre os diferentes prazeres – nas bebidas, amizades, sexo, banquetes e afins. Não se deve concentrar o prazer em apenas uma única atividade (caso contrário, produzirá o vício), mas equilibrar os diferentes prazeres fornecidos pelo corpo. O Arcadismo foi um movimento literário desenvolvido na Europa, durante o século XVIII. Ca- racterizou-se por valorizar a vida humana em meio à natureza, ou seja, a existência bucólica exercida com simplicidade. No Brasil, o movimento se deu em Minas Gerais também, no sé- culo XVIII, e se envolveu com o movimento da Inconfidência Mineira. Seus principais autores foram Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Basílio da Gama. GLOSSÁRIO GLOSSÁRIO Epicuro buscava a chamada ataraxia, conceito que representa o equilíbrio entre os pra- zeres em seu jardim em meio à natureza e distante dos problemas da cidade. O filósofo e poeta romano Horácio (65 a.C. – 8 d.C.), inspirado no epicurismo, concebe o “Carpe diem quam minimum credula póstero” (ao qual traduzimos ao português como Aprovei- ta o dia e confia o mínimo possível no amanhã), concepção incorporada pelo Arcadismo (movimento literário do século XVIII). 24 1 Ética – sua essência e o cotidiano 2.3. O CONTRATUALISMO A partir dos séculos XVI e XVII, com a ascensão da Modernidade, surgiram novas mo- dalidades de ética com objetivo de atender a novas demandas que surgiam com a nova sociedade e formas de pensamento. Entre as transformações que constituem a Modernidade estão o surgimento de uma sociedade capitalista e o fortalecimento da burguesia, industrial e de defesa da liberdade econômica e política. O contratualismo se refere à percepção éti- ca surgida entre os séculos XVII e XVIII, que estabelece a obrigação de se comportar de acordo com as leis ou a burocracia. Trata- -se da noção de que as relações humanas apenas se tornam possíveis, estáveis, du- ráveis e seguras, por meio da criação de obrigações e exigências legais, sem as quais existiriam desconfiança e instabilida- de social. Entre os pensadores contratualis- tas, destacamos Hobbes (1588-1679), Lo- cke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778). Temos como exemplos de contratos: leis, pactos sociais, documentos e impostos. Por meio da existência do contratualismo, é possível notar como a sociedade moderna ga- rante a sobrevivência de trocas comerciais, acordos políticos ou relações sociais de qualquer espécie. O contratualismo é, à vista disso, uma forma moderna de ética que visa consolidar relações sociais racionais, seguras e legitimadas por meio de pactos, contratos ou acordos considerados legais. 2.4 A ÉTICA DO DEVER DE KANT Entre os séculos XVIII e XIX, com o advento da ciência moderna,do contratualismo, do liberalismo e do Iluminismo (depois da consolidação do pensamento burguês) surgiram novas análises éticas sobre princípios morais que regulamentam o comportamento do bom cidadão e das boas práticas de administração pública. Kant (1724-1804) foi um pensador alemão, contemporâneo à Revolução Francesa, que se demonstrou otimista diante das conquistas burguesas. Considerava que superstições e for- mas de interpretações medievais da realidade haviam sido substituídas pela racionalidade da ciência moderna, da indústria e direitos individuais. Ele percebia que o poder dos reis estava prestes a desaparecer definitivamente, com as sociedades deixando de ser guiadas segundo humores dos tiranos, mas de acordo com a racionalidade e a legalidade. Na obra Fundamentação metafísica dos costumes (1785), Kant valoriza a razão moder- na aplicada ao direito e à ética, responsável por se opor à tradição maquiavélica fun- damentada na teleologia (nos fins). Kant estabelece a deontologia (do grego deon, que significa obrigação ou dever moral) (conferir texto complementar e mapa mental) como ciência do dever. Isto é, obrigação racional que deve ser realizada, necessariamente, a todo custo, independentemente das consequências, pois considera que tudo que tem origem na razão seria benéfico ou positivo à humanidade. Figura 06. Contratualismo Fo nt e: 1 23 R F 25 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Kant foi o mais importante pensador alemão a se declarar Iluminista, de modo que ali- mentava grande crença nos benefícios da razão humana. Dessa forma, importam os meios racionais ou mesmo os meios se confundem com os fins, pois confia que a razão conduziria a humanidade ao bem e à verdade, não podendo ela ser questionada. Com a deontologia, Kant (2009, p. 245) estabeleceu o imperativo categórico, defendendo o seguinte lema: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua von- tade, uma lei universal”. A expressão afirma o caráter inquestionável da aplicação e obediência à ação racional, sendo válida em toda parte e temporalidade, o que demonstra a visão otimista de Kant diante da razão. Portanto, o imperativo categórico é uma lei moral e racional que valo- riza a autonomia do indivíduo e sua racionalidade, com o objetivo de universalizá-la na forma de leis e consenso coletivos. 2.5. A ÉTICA DA UTILIDADE (J. BENTHAM E J.S. MILL): A ÉTICA CONSEQUENCIALISTA O modelo ético utilitarista foi criado entre os séculos XVIII e XIX pelos filósofos ingle- ses Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806-1873). Tem como sinônimo a concepção de maximização, isto é, produzir o maior prazer, ganhos, lucros ou um bem ao maior número possível de pessoas, evitando-se ao máximo prejuízos, dores ou perdas. O maior bem produzido não significa necessariamente que este abrangerá a maioria das pessoas. Segundo Moreira (1999, p. 22): [a] ideia de maior bem para a sociedade, não leva em conta o número de pessoas beneficiadas, mas sim o tamanho do bem. Em outras palavras, em uma circunstância na qual o maior bem beneficie poucos, em contra- posição ao bem menor que possa ser feito a muitos, a primeira atitude deverá ser a escolhida. A maximização é um termo rotineiro no universo administrativo e econômico. Por isso esse modelo ético também é designado como consequencialista, ou seja, justifica a va- lidação de uma determinada ação ou conduta a partir da observação e da identificação dos possíveis resultados. Trata-se, portanto, de verificar em qual medida a ação é mo- ralmente útil a ponto de produzir o prazer ou o bem-estar coletivo, procurando reduzir os prejuízos da ação. Além disso, é entendido como o processo que pode reduzir gas- tos em nome do aumento da produtividade ou apenas manter o ritmo de produção ou a margem de lucro, ainda que para tanto seja necessário demitir alguns funcionários. Maximizar pode também implicar, por exemplo, na manutenção do tempo de trabalho, ao passo que a quantidade de trabalho ou capital gerado é aumentado. As democracias modernas, quando apresentam o “segundo turno”, são um processo de maximização, o qual visa produzir o maior bem ao maior número possível de pessoas, evitando-se ao máximo prejuízos. Isso justifica por que é declarado vencedor de uma eleição aquele que conseguir 50% dos votos mais 1. 26 1 Ética – sua essência e o cotidiano 2.6. A ÉTICA DO DISCURSO (J. HABERMAS) Durante o século XX, novos dilemas éticos permitiram o surgimento de novas pers- pectivas conceituais ou, ao menos, a verificação de questões pertinentes ao diá- logo consensual e racional, consumo e relação com outras culturas, considerando a expansão da globalização. O alemão Habermas (1929 -) abordou, do ponto de vista ético, o que definiu como te- oria da ação comunicativa. Segundo o filósofo, o agir comunicativo está relacionado ao mundo da vida cotidiana, de modo que está fundamentado em regras de sociabili- dade e no diálogo, considerando, ainda, que os indivíduos se comunicam por meio de diferentes moralidades. Contudo, é possível alcançar consenso e entendimento mútuo caso abandonemos relações hierárquicas de dominação e deslegitimação do discurso do outro (é o caso de preconceitos, coerção ou mesmo desmerecimento da fala e dos valores de indivíduos pertencentes a outros grupos e seus respectivos valores). Habermas defende que o diálogo, a capacidade de escutar, entender, falar e negociar com grupos diferentes alcança a dimensão ética capaz de produzir interações con- sensuais, ainda que haja a diversidade de sentimentos, expectativas e concepções de mundo. A teoria da ação comunicativa tem como finalidade produzir concordâncias após a solução e a superação de discordâncias entre os sujeitos. Para tanto, é neces- sário considerarmos o diálogo racional que tornaria possível a sociabilidade desde os níveis familiares, da comunidade, do campo científico, artístico e político. Há um interessante dilema a respeito da situação hipotética de um trem desgovernado: O trem corre em alta velocidade pelos trilhos e está fora de controle. Caso não seja parado ou desviado, o trem colidirá com cinco pessoas que estão amarradas aos trilhos. Nessa situa- ção, a única possibilidade de salvar as pessoas é mover uma alavanca que desviaria o trem para outro trilho. Porém, caso seja desviado e não atropele as cinco pessoas presas nos trilhos, o trem irá, fatalmente, em direção a um outro único indivíduo parado na outra pista. O que fazer? Considerando os elementos que constituem a ética utilitarista ou consequencialista, reflita qual seria a melhor solução a ser seguida. Elabore sua resposta a partir dos princípios que norteiam a ética elabora por Bentham e Mill. Caso de aplicação 2 Observarmos, assim, que uma sociedade é constituída por uma pluralidade de vozes, de modo que uma ação racional é consolidada de maneira coletiva e não individual, desde que haja sensibilização e afeto em relação à condição e às percepções daqueles que se apre- sentam a nós como diferentes. 27 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Devemos, portanto, colocar-nos na condição de nosso interlocutor, compreen- der seus dilemas e buscar entendimento, o que evitaria a posição relativista, que veremos no tópico a seguir. 2.7 RELATIVISMO O relativismo é um princípio que passa a ser promovido, principalmente entre o final do século XIX e durante o século XX. Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, é conside- rado um dos principais teóricos dessa perspectiva. Na Antropologia norte-americana do século XX, os pensadores denominados como culturalistas (Franz Boas e Clifford Geertz) desenvolveram o chamado relativismo cultural. Em linhas gerais, o relativismo resume-se na expressão “cada um é cada um”, ou seja, normatiza a condição alheia, ainda que a condição do outro seja degradante. O relativis- mo anula os valores morais, por isso as noções de verdade, como o bem e mal ou o jus- to e o injusto.Elas são suspensas, pois há a noção de que nenhum juízo de valor possa ser universal ou verdadeiro, de sorte que toda e qualquer ação passa a ser aceita. O relativismo elimina a possibilidade de engajamento ou uma ação responsável diante de outras pessoas ou sociedades. Empresas e governos que atuam de modo relativista, por exemplo, não se preocupam com as condições sociais e de saúde de seus con- sumidores ou cidadãos. Um sujeito se torna relativista quando não emite juízos sobre uma situação, qualquer que seja, pois considera que nenhum valor é válido. Se não nos importamos com a condição de fome e miséria de um semelhante e julgamos que cada um ocupa o lugar que deseja estar, acabamos por enveredar em uma relativista. Dessa maneira, o relativismo é uma afirmação absoluta da diferença e da impossibilidade de um consenso a respeito dos valores e juízos morais. Para saber mais a respeito do relativismo, confira a fala do filósofo brasileiro Má- rio Sérgio Cortella. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VumyyS3THSY. Acesso em: 07 jun. 2022. SAIBA MAIS O relativismo não se restringe ao mercado. Podemos percebê-lo quando não da- mos importância a um acontecimento distante. É o mesmo sentimento de muitas pessoas que tendem a observar a pobreza, o desemprego ou as desigualdades so- ciais como naturais ou normais, sem procurar refletir ou fazer absolutamente nada para modificar tal situação. 2.8. FUNDAMENTALISMO O fundamentalismo ocorre para quem os conceitos, profissões de fé, doutrinas políti- cas ou deveres morais devem ser extraídos de uma fonte tida como superior e externa (Estado, religião, líder, imposições do mercado) ao ser humano. Isso significa afirmar que o indivíduo se submete a uma ordem superior à sua própria vontade, pois a julga 28 1 Ética – sua essência e o cotidiano racionalmente correta e inquestionável. Muitas vezes, o fundamentalismo é visto como obediência cega diante da autoridade de um terceiro. Do ponto de vista da religião, co- nhecemos os chamados fundamentalistas religiosos. Na esfera política, o exemplo mais evidente é a obediência a um líder político, assim como ocorreu na Alemanha nazista de Hitler, quando os seus seguidores obedeciam e concordavam com todas as ações de seu líder cegamente. Em relação ao mercado ou o capitalismo, podemos observar tal ética dentro dos padrões de moda ou mercadorias impostas sobre o comportamento e os objetivos de vida de consumidores. Devemos destacar que a ética fundamentalista é, geralmente, criticada pelos filósofos e estudiosos, sendo que dificilmente encontraremos reflexões que apontem suas caracte- rísticas sem problematizá-las. A respeito disso, Boff (2009) situa que o fundamentalismo [...] não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, postura que exige contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua ver- dade originária. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista (BOFF, 2009, p. 49). Nos últimos anos, tem crescido o movimento de consumidores sobre a necessidade de as empresas produtoras de alimentos (principalmente os processados) informar sobre a compo- sição química de seus produtos. Há indícios de uso de agrotóxicos, entre outros elementos químicos nocivos à saúde pública. Esse movimento de consumidores exige que as empresas fabricantes desses alimentos informem e alertem nas embalagens os seus consumidores. Investigue duas reportagens ou matérias em jornais e revistas recentes que ilustrem esta si- tuação. Em seguida, faça uma análise desses materiais levando em consideração conceitos éticos em torno do utilitarismo e relativismo. Aponte quais as soluções éticas poderiam ser tomadas a respeito disso. Caso de aplicação 3 29 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Deontologia DEVER MORAL RACIONAL MEIOS MAIS IMPORTANTES QUE OS FINS CERTEZA NAS CONSEQUÊNCIAS BENÉFICAS CONFIANÇA NA RAZÃO Do grego deon, que significa dever, obrigação KANT Figura 07. Mapa conceitual MAQUIAVEL Teleologia Do grego télos, que significa propósito ou fim. CALCULISMO E JOGO DE FORÇAS O BEM E O MAL, A RAZÃO E O IRRACIONAL SÃO MEIOS DA AÇÃO ÉTICA OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS IMPORTAM OS FINS Fonte: elaborada pelo autor. ` Filme Um mercado Relativista O filme The Corporation (2003) mostra três exemplos impactantes do relativismo aplicado ao cenário empresarial. Podemos destacar, primeiramente, a Monsanto (uma das maiores empresas produtoras de sementes e derivados de leite do mundo e que tem atuação no Brasil). Para aumentar a produtividade de vacas leiteiras nos EUA e, consequentemente, os seus lucros, a Monsanto é acusada de ter aplicado nesses animais hormônios que significativamente elevaram o nível de produção. No entanto, sem se importar com os impactos causados sobre as vacas e os con- sumidores, descobriu-se que os hormônios, na verdade, facilitam a proliferação de bactérias que levam os animais à morte. O produto contaminado é ingerido pelos clientes, sem que a Monsanto preocupe-se com as suas condições. O segundo exemplo refere-se a IBM, famosa grife de computadores e sistemas empresariais de gestão. Antes e durante a Segunda Guerra Mundial, a IBM foi res- ponsável por criar um sistema, ainda não informatizado, de geração de códigos entre outras burocracias que contribuíram muito para catalogar judeus, ciganos, homossexuais e opositores do ditador alemão, Hitler. Uma entre as tantas funções 30 1 Ética – sua essência e o cotidiano dos sistemas criados pela IBM na Alemanha ajudaram a tatuar códigos nos braços desses prisioneiros, que eram levados, em sua grande maioria, aos campos de concentração. A IBM nega até hoje qualquer envolvimento com o nazismo. Ao se eximir de sua responsabilidade, a empresa adota também uma ética relativista, sim- plesmente quando se considera que eram apenas “negócios”. O terceiro caso mostrado pelo documentário refere-se à espantosa história da Co- ca-Cola na mesma Alemanha Nazista. Após a entrada dos EUA no conflito armado em 1942, o governo desse país exigiu que as empresas americanas, sobretudo as de maior destaque, encerrassem suas atividades na Alemanha. Em nome da manu- tenção de seus lucros, a Coca-Cola não exprimiu qualquer oposição ao nazismo; o refrigerante foi substituído, saiu de cena e, em vez de fechar a fábrica, a empresa substituiu o antigo pela sua mais nova invenção: Fanta. Naquela época tornou-se o refrigerante mais vendido na Alemanha. As empresas, por não informarem am- plamente e publicamente aos seus clientes e consumidores os riscos em relação ao uso de suas mercadorias adotam o relativismo, cujo princípio elementar é dizer “cada um é cada um!”. ` Texto Complementar Maquiavel (1469-1527), na obra O Príncipe (publicada de forma póstuma em 1532), passa a observar o ser humano como, naturalmente, dotado de egoísmo, individua- lismo e nenhuma preocupação com o bem comum, a não ser de forma dissimulada, sendo que, na primeira oportunidade, poderia trair seus semelhantes. O filósofo parte de um ponto de vista negativo sobre a natureza humana. Seus questionamentos gira- vam em torno de como o príncipe (expressão que se refere a qualquer governo) tem condições de manter o poder e o domínio sobre os súditos. Além disso, o pensador investiga como é possível persuadir os subordinados à autoridade de um governo e de que forma um príncipe deve agir para conter permanentes conflitos internos e externos, com outros governos. Maquiavel nunca escreveu a expressão “os fins justificam os meios”, porém, sua obra permite relacioná-la com essa ideia, pois julga que, para consolidar o poder, o governante tudo pode e deve, como: matar, mentir, agir com hipocrisia, demitir, distorcer informações, ser amado pelo povo e ser temido pelosinimigos, tornar ini- mizades em novos amigos ou oposto, promover e buscar ora a guerra, ora a paz. Tudo isso segundo a situação, interesse e conveniência. É necessário desmitificar o termo maquiavélico, geralmente associado a fazer ou realizar o mal. Na verdade, ser maquiavélico expressa a capacidade de ser cal- culista ou entender e saber medir racionalmente os prós e contras de uma ação. Trata-se da noção de que a ética maquiavélica está direcionada aos fins (manter o poder e garantir o apoio popular, pois sem ele ninguém se mantém no poder), seja lá quais forem os meios empregados. 31 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co 3. SENDO ÉTICO NO DIA A DIA 3.1. LIBERDADE, ESCOLHA E DECISÃO Nas obras O Ser e o nada (1943) e O existencialismo é um humanismo (1946), Sartre- afirma que “a existência precede a essência”. A expressão afirma a ideia de que não há nada de inato, pronto ou acabado no ser humano, não há uma essência ou natureza hu- mana predeterminada. Tais elementos explorados por Sartre indicam que ninguém nasce definido ou direcionado naturalmente a ser e agir de alguma forma, ou, muito menos, é determinado por alguma força externa que o obrigue a ocupar uma posição social. Na realidade, o ser humano, na visão de Sartre, nasce “condenado a ser livre”, de maneira que suas escolhas o tornam livre para a todo instante modificar o seu ser (SARTRE, 1984, p. 9). Isso significa que o indivíduo é construído e se constrói por meio do seu vínculo com a realidade, com o mundo à sua volta. Com a ética de Maquiavel considera-se que ela visa fins, o que é designado com a palavra teleologia (do grego telos, que significa fim, finalidade, objetivo; e logos: discurso, razão ou racionalidade). Sendo assim, a teleologia representa o estudo dos fins ou das finalidades, sendo um modelo ético em que fins, resultados ou consequên- cias são calculados pelo indivíduo, podendo ser utilizado em qualquer meio possível. Sartre afirma, nessa direção, a liberdade como sinônimo de fazer escolhas e tomar decisões. Nossas escolhas e decisões modelam quem somos, são atitudes livres, cuja origem é particular a cada indivíduo. O resultado dessa liberdade (nossas escolhas e decisões) é a constituição de tudo aquilo que somos e que podemos vir a ser. Com a afirmação de que o ser humano se caracteriza pela liberdade, Sartre se opôs à noção de natureza humana, entendida como elemento determinista ou fatalista, cuja defesa limita a liberdade humana e condena os indivíduos a pensarem que não são o resultado de suas próprias escolhas. O autor também se contrapôs à tradi- ção filosófica grega e medieval. Os pensadores gregos na Antiguidade, como Platão (428-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), concebiam que o comportamento e as posições sociais eram determinados pela natureza. Na Idade Média, teólogos como Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.), afirmavam ser Deus o responsável por determinar quem são os senhores e os servos. A concepção de natureza humana é criticada por Sartre porque, além de renunciar à liberdade humana, leva os indivíduos a justificarem passividade diante da realida- de em que estão inseridos, desconsiderando que a vida é uma construção em mo- 32 1 Ética – sua essência e o cotidiano vimento que dialogam com nossas escolhas e decisões. Já a condição humana é caracterizada por ser plástica, flexível e está em permanente transformação. Sendo assim, o conceito é sinônimo de liberdade, decisão e escolha. Ela revela que tudo o que o sujeito é ou possa vir a ser acaba sendo o resultado da liberdade e de suas escolhas diante do mundo em que vive. Sartre considera que a humanidade vive condenada à liberdade. Posto de outro modo, ser livre expressa que a todo instante estamos fazendo escolhas ou projetamos nossa subjetivi- dade no mundo a partir de nossas decisões. Na perspectiva do existencialismo, a liberdade é uma decisão ética constante que im- põe a cada indivíduo escolhas e decisões que constituem quem somos e o que repre- sentamos para a sociedade. Porém, conforme indica na obra O ser e o nada (1997), a liberdade provoca o que Sartre designa como náusea ou angústia. Sendo que são dois fatores que provocam esse sentimento, a saber: ` Cada escolha (liberdade) obriga o abandono ou a anulação de todas as outras pos- sibilidades de ação. Se, por exemplo, um indivíduo gosta das áreas médicas e das ciências humanas ao mesmo tempo, na juventude, ele é obrigado a escolher um único caminho profissional e decide escolher estudos na faculdade de medicina, ele viverá an- gustiado por ter aberto mão de outra possibilidade de estudos e de vida. Quando decidi- mos um rumo, abandonamos algumas opções e deixamos outras possibilidades de lado. Nossas escolhas profissionais, amorosas, projetos de vida e decisões econômicas que estabelecemos ao longo da vida estão sujeitos à angústia e náusea. ` Cada escolha (ou projeto que façamos) não se realizará no futuro tal como o pla- nejamos originalmente no presente. Isso porque nossas escolhas e liberdades se en- contram em uma relação de tensão com o mundo a nossa volta, pois há nele incontáveis subjetividades dos outros que estão também promovendo escolhas, ações livres e toma- das de decisões que se chocam com nossos próprios projetos. Por isso, o filósofo afirma em diferentes obras que “o inferno são os outros”. Na perspectiva ética existencialista, a angústia e a náusea têm origem no fenômeno que Sartre define como nadificação. Este conceito implica na noção de que o que somos é resultado das decisões que conduziram a resultados diferentes ao espera- do, além de elementos que limitaram nossas escolhas e nos conduziram ao fracas- so. Cada decisão, cada escolha exercida por um sujeito está em relação de tensão com as liberdades dos outros indivíduos. As liberdades e as escolhas presentes e exercidas por todas as demais subjetividades entram em contradição ou oposição com as nossas preferências. 33 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Em outras palavras, a nadificação diz respeito a tudo aquilo que barra ou limita a liberdade, são ações diferentes daquelas que planejamos ou mesmo desvios que a liberdade opera sobre a realidade na qual estamos inseridos, transformando-a. Embora até aqui o pensamento ético de Sartre pareça ser pessimista, visto que a nadifi- cação produz resultados diferentes aos projetados por nossa liberdade e fazer escolhas ocasiona em náusea e angústia, porque decidir significa abandonar outras possibilida- des de vida, o filósofo afirma ser o existencialismo uma posição ética humanista e otimista (SARTRE, 1984, p. 3-32). De acordo com o existencialismo, a liberdade é ta- manha que, apesar da tensão com as escolhas dos outros e os permanentes riscos de nadificação, somos suficientemente livres para contornar e superar fracassos, desvios e a concorrência que travamos com as decisões dos outros. Na visão de Sartre, por sermos livres e por tomarmos decisões a todo instante, temos condições de superar as limitações com as quais nossa liberdade se depara. É nesse sentido que o existencialismo é considerado um humanismo, posto que apresenta oti- mismo com a capacidade que possuímos de projetar a liberdade de modo a nos tornar seres em constante adaptação e transformação à medida que estamos no mundo e em contato com os outros. 3.2 ÉTICA, LIBERDADE E RESPONSABILIDADE Sartre (1984, p. 8-11) aponta que cada es- colha, decisão ou ato, isto é, cada passo nosso no mundo possui reflexos amplos, com alcance universal. O filósofo defende, assim, que “fazer escolhas” e “responsa- bilidade” são termos próximos, configuram a dimensão ética da liberdade, pois, ao tomar decisões, somos responsáveis pe- los outros. Sartre demonstra que nossas decisões estão interligadas com o univer- sal, com a subjetividade de todos os outros indivíduos, tal como quando escolhemos estudar e nossa profissão auxilia a vida de outros sujeitos, passamos a nosdar conta de como nossas decisões influenciam e são influenciadas pelas escolhas dos outros. Max Weber (1864-1920), no início do século XX, foi outro pensador importante a tecer relações entre ética e responsabilidade. Nos seus dois ensaios publicados em 1919, Ciência como Vocação e Política como Vocação, o autor diferencia os conceitos que definiu como ética da convicção e ética da responsabilidade. Para ele, [...] toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Isso não quer dizer Figura 08. Monumento de Jean-Paul Sartre, em Nida, Lituânia Fo nt e: 1 23 R F 34 1 Ética – sua essência e o cotidiano a ética da responsabilidade à ausência de convicção. Não se trata eviden- temente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a atitude de quem age segundo as máximas da ética da convicção - em linguagem religiosa, diremos: “O cristão faz seu dever e no que diz respeito ao resultado da ação remete-se a Deus” - e a atitude de quem age segundo a ética da responsa- bilidade que diz: Devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos atos (SROUR, 2000, p. 50) A ética da convicção diz respeito a um dever moral que por ser considerado racional deve ser realizado independentemente das consequências. Weber remete à deontolo- gia criada por Kant (1724-1808 d.C.), no final do século XVIII (ver mapa mental), para conceber a ética da convicção. que a ética da convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade e Imagine um médico que cria como valor moral jamais mentir por considerar que dizer a verda- de é sempre a atitude mais racional e razoável. No entanto, suponha um paciente em estado terminal que pergunta qual é a sua condição após a análise de um exame. Certamente, o paciente receberá as palavras mais pessimistas e desagradáveis anunciadas pelo médico que prometeu jamais mentir. Dirá as verdades que podem ser desconcertantes, levando o paciente ao desespero e lágrimas. Weber afirma que a ética da convicção possui aspectos negativos, porque os meios se confundem com os fins, ou seja, o dever se torna mais rele- vante do que as consequências, ao passo que elas podem ser desastrosas. EXEMPLO A ética da responsabilidade, por seu turno, procura medir as consequências; há cálculo e reflexão sobre os prós e contras de todos os atos. Portanto, visa os fins e não os meios, relacionando-se ao padrão de ética denominada como teleologia (ver o mapa conceitual ao final deste tópico). Voltando-nos, novamente, ao exemplo do médico que possui como compromisso ético jamais mentir, podemos investigar o quanto foi irresponsável ao seguir a ética da con- vicção fornecendo o diagnóstico ao seu paciente. No entanto, seria possível pensar em um médico que passasse agora a seguir a ética da responsabilidade. Ele poderia ser considerado responsável caso tivesse mentido e dissesse ao seu paciente o quanto ele é forte, resistente, um grande exemplo e corajoso, surpreendido a todos no hospital. Sabendo que são palavras mentirosas, porém confortáveis ao paciente, elas poderiam motivar seu paciente a não desistir e a aceitar a gravidade de sua doença. Na ética da responsabilidade, os fins são mais relevantes que os meios. Para ampliar o conhecimento acerca da ética, confira as reflexões do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, a partir de seus estudos sobre Max Weber, sobre a ética dentro da política para o programa Café Filosófico, referenciadas a seguir: SAIBA MAIS 35 1 Ética e Cidadania U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co 3.3 A ÉTICA E O CAPITALISMO Os desenvolvimentos do capitalismo e da sociedade burguesa entre os séculos XVIII e XIX produziram modificações a respeito do que vem a ser a ética e o próprio trabalho. Adam Smith (1723-1790) é considerado o precursor da ética voltada ao trabalho e à economia. A palavra “economia”, até antes do surgimento do capitalismo, estava restrita à administração privada do lar (família, alimentos e escravos ou servos). Foi a partir da teoria econômica de que a noção desse conceito foi posta de ponta-cabeça, tornando- -se um assunto público e, portanto, uma ética. No século XVIII, Adam Smith conseguiu demonstrar, na sua A riqueza das nações, que o lucro não é um acréscimo indevido, mas um vetor de distribuição de renda e de pro- moção do bem-estar social. Com isso, logrou expor pela primeira vez a compatibilidade entre ética e atividade lucrativa (MOREIRA, 1999, p. 28). Para Smith (1996), o mercado deveria funcionar segundo preceitos éticos individualis- tas, o que designou como “mão invisível”, a partir da qual o [...] indivíduo procura, na medida do possível, empregar seu capital em fo- mentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo valor possível [...]. Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções (SMITH, 1996, p. 438). O autor supracitado cria a percepção de que a eco- nomia é uma esfera ética à medida que o merca- do, aparentemente caótico, é, na realidade, organi- zado e produz as espécies e quantidades de bens que são mais desejados pela população. Quanto mais egoísta e competitivo for um indivíduo e quan- to mais obtiver riquezas por meio de seu trabalho, indiretamente ele contribuirá com o progresso de outros indivíduos competitivos, por meio da com- pra de outros serviços ou mercadorias, de modo que ocorre o progresso coletivo. Surge uma modalidade de ética que tem, como fim último, o progresso social a partir do individualismo exacerbado. Na obra A Riqueza das Noções (1996), UM POLÍTICO não pode fugir das responsabilidades dos seus atos, 2019. Vídeo (2min 37s). Publicado pelo canal Café Filosófico CPFL. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?- v=_8K1NxxgsfE. Acesso em: 07 jun. 2022. Figura 09. Monumento de Adam Smith na Royal Mile de Edimburgo Fo nt e: 1 23 R F 36 1 Ética – sua essência e o cotidiano Adam Smith concebe que a melhor forma de uma sociedade prosperar se dá por meio das livres iniciativa e concorrência, competitividade, do individualismo; ou seja, cada sujeito deve concentrar-se em seus interesses econômicos privados. No ano de 2021, a ONU publicou o Relatório do Clima. O documento é um importante diag- nóstico a respeito dos resultados da ação humana sobre o meio ambiente diante de uma so- ciedade industrializada que procurou se apropriar dos recursos naturais de forma predatória. Os desequilíbrios sobre o clima causados pela ação humana foram estimulados pelos lucros das grandes multinacionais. Investigue em jornais e revistas informações sobre o relatório do clima publicado em 2021 pela ONU. Em seguida, faça uma análise e reflexão desses materiais levando em conside- ração duas questões: a. problematize se o interesse privado pode estar acima do coletivo quando pensamos em questões envolvendo o meio ambiente; b. avalie formas de equilibrar o interesse privado das empresas e as questões ambientais. Sugestões de leitura: INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas- tecimento. Novo relatório climático do IPCC apresenta avaliação do clima no mundo. Portal Inmet, 13 ago. 2021. Disponível em: https://portal.inmet.gov.br/noticias/ipcc-alerta-para-necessidade-de-a%- C3%A7%C3%B5es-para-mitiga%C3%A7%C3%A3o-de-riscos-clim%C3%A1ticos Caso de aplicação 4 ` Devemos sempre obedecer às leis de forma incondicional? ` É ético obedecer a leis quando elas podem produzir algum
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